Saúde Intestinal - 5 práticas possíveis para manter-se saudável
Pandemia de medo_e_covid_19_agressividade
1. 2 revista debates in psychiatry- Ahead of print 2020
EDITORIAL
Felipe Ornell
Jaqueline BOhrer Schuch
anne Orgler SOrdi
Felixhenrique paimKeSSler
EDITORIAL
PandemiademedoeCoVid-19:imPaCtona
saúdementalePossíVeisestratégias*
“PandemiC fear” and CoVid-19: mental health
burden andstrategies
Após o ataque de 11 de setembro nos Estados
Unidos e o incêndio da boate Kiss no Brasil, forças-
tarefa de assistência psicológica para vítimas e suas
famílias foram rapidamente organizadas. No entanto,
durante as pandemias, é comum que os profissionais
de saúde, cientistas e gestores se concentrarem
predominantemente no patógeno e no risco biológico,
em um esforço para entender os mecanismos
fisiopatológicos envolvidos e propor medidas para
prevenir, conter e tratar a doença. Nessas situações, as
implicações psicológicas e psiquiátricas secundárias ao
fenômeno, tanto no nível individual quanto nocoletivo,
tendem a ser subestimadas e negligenciadas, gerando
lacunasnas estratégias deenfrentamentoe aumentando
a carga de doençasassociadas.1,2
Embora as doenças infecciosas tenham surgido
em vários momentos da história, nos últimos anos,
a globalização facilitou a disseminação de agentes
patológicos, resultando em pandemias em todo o
mundo. Isso aumentou a complexidade da contenção de
infecções, que tiveram um importante impactopolítico,
econômico epsicossocial, levandoadesafios urgentesde
saúde pública.2-6
HIV, Ebola, Zika e H1N1, entre outras
doenças, são exemplos recentes.1
O coronavírus (COVID-19), identificado na China no
final de 2019, tem um alto potencial de contágio e sua
incidência aumentou exponencialmente. Sua transmissão
generalizada foi reconhecida pela Organização Mundial
da Saúde (OMS) como uma pandemia. Informações
* Texto originalmente publicado em inglês no Brazilian Journal of
Psychiatry, com a seguinte referência: Ornell F, Schuch JB, Sordi AO,
Kessler FHP. “Pandemic fear” and COVID-19: mental health burden and
strategies. Braz J Psychiatry. Forthcoming 2020.
dúbias ou mesmo falsas sobre fatores relacionados
à transmissão do vírus, o período de incubação, seu
alcance geográfico, o número de infectados e a taxa de
mortalidade real levaram à insegurança e ao medo na
população. A situação foi exacerbada devido às medidas
de controle insuficientes e à falta de mecanismos
terapêuticos eficazes.5,7,8
Essas incertezas têm
consequências em diversos setores, com implicações
diretas no cotidiano e na saúde mental da população.
Esse cenário levanta várias questões: existe uma
pandemia de medo / estresse concomitante à pandemia
de COVID-19? Como podemos avaliar essefenômeno?
Para entender as repercussões psicológicas e
psiquiátricas de uma pandemia, as emoções envolvidas,
como medo e raiva, devem ser consideradas e
observadas. O medo é um mecanismo de defesa animal
adaptável que é fundamental para a sobrevivência e
envolve vários processos biológicos de preparação para
umarespostaaeventospotencialmenteameaçadores.No
entanto, quando é crônico ou desproporcional, torna-
se prejudicial e pode ser um componente essencial no
desenvolvimento de vários transtornos psiquiátricos.9,10
Em uma pandemia, o medo aumenta os níveis de
ansiedadeeestresseemindivíduossaudáveiseintensifica
os sintomas daqueles com transtornos psiquiátricos pré-
existentes.11
Durante as epidemias, o número de pessoas cuja saúde
mental é afetada tende a ser maior que o número de
pessoas afetadas pela infecção.12
Tragédias anteriores
mostraram que as implicações para a saúde mental
podem durar mais tempo e ter maior prevalência que
a própria epidemia e que os impactos psicossociais e
econômicos podem ser incalculáveis se considerarmos
sua ressonância em diferentescontextos.11,12
2. Ahead of print 2020 - revista debates in psychiatry 3
Comooscustoseconômicosassociadosaostranstornos
mentais são altos, a melhoria das estratégias de
tratamento em saúde mental pode levar a ganhos tanto
na saúde física quanto no setor econômico. Além de um
medo concreto da morte, a pandemia do COVID-19 tem
implicações para outras esferas: organização familiar,
fechamento de escolas, empresas e locais públicos,
mudanças nas rotinas de trabalho, isolamento, levando
a sentimentos de desamparo e abandono. Além disso,
pode aumentar a insegurança devido às repercussões
econômicas e sociais dessa tragédia em larga escala.
Durante o surto de Ebola, por exemplo,
comportamentos relacionados ao medo tiveram um
impacto epidemiológico individual e coletivo durante
todas as fases do evento, aumentando as taxas de
sofrimento e sintomas psiquiátricos da população, o
que contribuiu para o aumento da mortalidade indireta
por outras causas que não o Ebola.13
Atualmente, a
facilidade de acesso às tecnologias de comunicação e a
transmissão deinformações sensacionalistas, imprecisas
oufalsaspodemaumentarasreaçõessociaisprejudiciais,
como raiva e comportamentoagressivo.14
Medidasdediagnóstico,rastreamento,monitoramento
e contenção do COVID-19 foram estabelecidas
em vários países.6
No entanto, ainda não existem
dados epidemiológicos precisos sobre as implicações
psiquiátricas relacionadas à doença ou seu impacto na
saúde pública. Um estudo chinês forneceu algumas
percepções a esse respeito. Aproximadamente metade
dos entrevistados classificou o impacto psicológico
da epidemia como moderado a grave e cerca de um
terço relatou ansiedade moderada a grave.15
Dados
semelhantes foram relatados no Japão, onde o impacto
econômico também foi dramático.11
Outro estudo relatou que pacientes infectados com
COVID-19 (ou com suspeita de infecção) podem sofrer
intensas reações emocionais e comportamentais, como
medo, tédio, solidão, ansiedade, insôniaou raiva,11
como
já foi relatado em situações semelhantes no passado.16
Tais condições podem evoluir para transtornos, sejam
depressivos, ansiedade (incluindo ataques de pânico e
estresse pós-traumático), psicóticos ou paranoides, e
podem até levar ao suicídio.17,18
Essas manifestações
podem ser especialmente prevalentes em pacientes
em quarentena, cujo sofrimento psicológico tende a
ser maior.16
Em alguns casos, a incerteza sobre infecção
e morte ou sobre infectar familiares e amigos pode
potencializar estados mentais disfóricos.11,18
Mesmoentrepacientescomsintomas comuns degripe,
o estresse e o medo devido à semelhança das condições
podem gerar sofrimento mental e piorar os sintomas
psiquiátricos.15,19
Apesar da taxa de casos confirmados
versus suspeitos de COVID-19 ser relativamente baixa,
a maioria dos casos ser considerado assintomático ou
leve, e a doença apresentar uma taxa de mortalidade
relativamente baixa,20,21
as implicações psiquiátricas
podem ser significativamente altas, sobrecarregando os
serviços de emergência e o sistema de saúde como um
todo.
Em conjunto com ações para ajudar pacientes
infectados e em quarentena, devem ser desenvolvidas
estratégias direcionadas à população em geral e a
grupos específicos, incluindo profissionais de saúde
diretamente expostos ao patógeno e com altas taxas
de estresse.22
Embora alguns protocolos para médicos
tenham sido estabelecidos, a maioria dos profissionais
de saúde que trabalha em unidades de isolamento
e hospitais não é treinada para prestar assistência
em saúde mental durante pandemias,1,17
nem recebe
atendimentoespecializado.Estudos anteriores relataram
altas taxas de sintomas de ansiedade e estresse, além
de transtornos mentais, como estresse pós-traumático,
nessa população (principalmente entre enfermeiros e
médicos), o que reforça a necessidade de cuidados.22,23
Outros grupos específicos são especialmente
vulneráveis em pandemias: idosos, imunocomprometidos,
pacientes com condições clínicas e psiquiátricas prévias,
familiares de pacientes infectados e residentes em
áreas de alta incidência. Nesses grupos, rejeição social,
discriminação e até xenofobia são frequentes.17
O fornecimento de primeiros socorros psicológicos
é um componente de assistência essencial para
populações vítimas de emergências e desastres, mas
não existem protocolos ou diretrizes universais eficazes
para as práticas de apoio psicossocial.24
Embora alguns
relatórios sobre estratégias locais de atenção à saúde
mental tenham sido publicados, não são conhecidas
diretrizes de emergência mais abrangentes para esses
cenários,1,17,19
pois evidências anteriores se referem
apenas a situações específicas.24
No Brasil, um grande
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anne
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1
Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS. 2
Programa de Pós-Graduação em Psiquiatria
e Ciências do Comportamento, Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal, Faculdade de
Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS. 3
IBGEN Business School,
Grupo Uniftec, Porto Alegre, RS.
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país em desenvolvimento com acentuada disparidade
social, baixos níveis de educação e cultura humanitária-
cooperativa, não existem parâmetros para estimar
o impacto desse fenômeno na saúde mental ou no
comportamentodapopulação.Serápossívelimplementar
açõespreventivas eemergenciais eficazes, voltadas para
as implicações psiquiátricas dessa pandemia biológica
em amplas esferas dasociedade?
Especificamente para esse novo cenário do COVID-
19,Xiang et al. sugerem que três fatores principais sejam
consideradosaodesenvolverestratégiasdesaúdemental:
1) equipes multidisciplinares de saúde mental (incluindo
psiquiatras,enfermeirospsiquiátricos,psicólogosclínicos
e outros profissionais de saúde mental); 2) comunicação
clara envolvendo atualizações regulares e precisas sobre
o surto de COVID-19; e 3) estabelecimento de serviços
seguros de aconselhamento psicológico (por exemplo,
via dispositivos ou aplicativos eletrônicos).17
Por fim, é extremamente necessário implementar
políticas públicas de saúde mental em conjunto com
estratégias derespostaaepidemias epandemias antes,
durante e após o evento.13
Profissionais de saúde
mental, como psicólogos, psiquiatras e assistentes
sociais, devem estar na linha de frente e desempenhar
um papel de liderança nas equipes de planejamento
e gerenciamento de emergências.1
Protocolos de
assistência, comoosutilizados emsituações dedesastre,
devem cobrir áreas relevantes para a saúde mental
individual e coletiva da população. Recentemente,
a OMS25
e o Centro de Controle e Prevenção de
Doenças dos EUA (CDC)26
publicaram uma série de
recomendações psicossociais e de saúde mental,
várias das quais estão incluídas no Quadro 1. Isso
está de acordo com os dados longitudinais da OMS
que demonstram que os fatores psicológicos estão
diretamente relacionados às principais causas de
morbimortalidade no mundo.25
Assim, é urgentemente
necessário um aumento do investimento empesquisas
e ações estratégicas para a saúde mental em paralelo
com surtos infecciosos em todo o mundo.1
Quadro 1 - Recomendações de saúde mental durante pandemias e desastres em grande escala
Ações governamentais
- Incentivara participação de equipes multidisciplinares de
saúde mental nos níveis nacional, estadual e municipal
- Realizartreinamento em protocolos de gerenciamento de
estresse, trauma, depressão e comportamento de risco
- Fornecer canais oficiais para informações atualizadas ao
público
- Fornecercanaisde serviçoalternativos(aplicativos, sites,
telefone);
- Padronizar medicamentos psicotrópicos e disponibilizá-los - Monitorar e refutar notícias falsas
- Garantir recursos e infraestrutura adequados para os
serviços de saúde mental
- Garantir que os cuidados de saúde clínicos e mentais sejam
acessíveis à população
- Desenvolvermateriaispsicoeducacionais facilmente
acessíveis à população
- Incentivar continuamente a pesquisa científica
- Considerar e respeitar fatores culturais na implementação de
políticas públicas
- Coletar dados epidemiológicos que possam apoiar futuras
políticas de prevenção e assistência à saúde mental
Recomendações individuais
- Cuidar de si e dos outros, mantendo contato com amigos e
familiares e encontrando tempo para atividades de lazer
- Seguir as recomendações da OMS e das agências de saúde
do governo
- Prestaratençãoàs suasprópriasnecessidades, sentimentos e
pensamentos
- Limitara exposição àsnotícias relacionadas a pandemia, pois
muita informação pode desencadear distúrbios de ansiedade
- Comunicar a alguém quando sentir sintomas de tristeza ou
ansiedade
- Auxiliar, tanto quanto possível, pessoas em grupos de risco
Continua na próxima página
4. Ahead of print 2020 - revista debates in psychiatry 5
Quadro 1 - Continua
Ações governamentais
- Limitar o contato físico com outras pessoas, evitando
distância emocional
- Monitorar estados mentais disfóricos, como irritabilidade e
agressão
- Desenvolver um sentimento de pertencer ao processo de
cuidado coletivo
- Compartilhar informações e instruções sobre prevenção de
contaminação
- Entender que estresse e medo são normais em situações
desconhecidas
- Evitar confundir a solidão do confinamento preventivo com
abandono, rejeição ou desamparo
- Considerar o impacto coletivo de suas ações - Estabelecer uma rede de suporte (mesmo que seja virtual)
- Considerar o impacto das ações sociais na interrupção ou
desaceleração da doença
- Não discriminar ou culpar grupos ou indivíduos pelo
processo de contaminação
- Não divulgar informações de fontes não oficiais - Manter padrões adequados de sono, nutrição e exercício
- Praticar meditação (atenção plena)
- Manter o uso normal de medicamentos prescritos - Usar técnicas positivas de psiquiatria / psicologia
Cuidado com grupos específicos
Crianças:
- Manter atividades familiares e de lazer (jogos).
- Explicaro fenômeno em linguagem clara e acessível;manter
a rotina (na medida do possível), estar disponível para
responder a quaisquer perguntas e entender que, nesses
momentos,ascriançaspodemestarmaisirritadas,sensíveis,
exigentes e regressivas (por exemplo, urinar na cama). É
importante não culpá-las por esses comportamentos: usar
uma abordagem gentil e tranquilizadora.
- Ensiná-las a expressar seus sentimentos, como o medo, de
uma maneira positiva.
- Controlar a quantidade de informações a que estão expostos,
para que não fiquem ainda mais assustados.
- Em caso de quarentena, ser criativo, inventando jogos
(principalmenteenvolvendoatividadesfísicas)paraevitaro
tédio.
Hospitais e centros de referência em saúde
Populações em risco que requerem quarentena (idosos
imunodeprimidos, idosos etc.) e pacientes psiquiátricos:
- Ajudar a proteger essas populações do contato com o
patógeno, especialmente os mais vulneráveis; prestar
atenção especial a eles por meio de chamadas telefônicas /
de vídeo e redessociais.
- Estar disponível para ajudar nas tarefas que devem ser
realizadas em locais de risco (porexemplo, fazer compras no
supermercado).
- Manter uma maior vigilância em relação aos sintomas e
garantir todo conforto possível enquanto estiverem em
isolamento.
- Ajudar a aderir a medicamentos, se necessário, e fornecer
suporte emocional.
- Estabelecer um plano de contingência e estratégias para lidar com sintomas psiquiátricos mais graves
- Estabelecer uma relação de transparência e confiança com os funcionários que priorize a equidade e o bem-estar
- Garantir treinamento adequado para as equipes e fornecer suporte ou supervisão, o que pode ser feito em ambientes de
grupo
- Prestar assistência clínica e psicológica de qualidade às equipes expostas a situações de risco
- Manter uma postura empática e flexível ao enfrentar medos, estresse e mudanças na rotina comum a tais situações
- Garantir cuidados de saúde mental aos familiares de pessoas que podem ser afetadas pelo patógeno
- Informe a todos que sentimentos como medo, ansiedade e tristeza são normais em momentos como este e guie aqueles que
procuram ajuda sempre que necessário
- Garantir um clima saudável de comunicação e colaboração entre profissionais e equipes, além de fornecer intervenção
especializada em problemas interpessoais que possam surgir
- Valorizar constantemente o trabalho daqueles que se expõem ao risco pelo bem social
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Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS. 2
Programa de Pós-Graduação em Psiquiatria
e Ciências do Comportamento, Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal, Faculdade de
Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS. 3
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Os autores informam não haver conflitos de interesse
associados à publicação deste artigo.
Fontes de financiamento inexistentes.
Correspondência: Felipe Ornell, Centro de Pesquisa
em Álcool e Drogas, HCPA/UFRGS, Rua Prof. Álvaro
Alvim, 400, Bairro Rio Branco, Porto Alegre, RS. E-mail:
felipeornell@gmail.com
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Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS. 2
Programa de Pós-Graduação em Psiquiatria
e Ciências do Comportamento, Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal, Faculdade de
Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS. 3
IBGEN Business School,
Grupo Uniftec, Porto Alegre, RS.