Vergnaud estudou a resolução de problemas de adição e subtração nos anos iniciais do ensino fundamental sob a Teoria dos Campos Conceituais. Ele definiu o Campo Conceitual das Estruturas Aditivas como um conjunto de situações envolvendo adição e subtração e os conceitos para analisá-las. Vergnaud identificou seis relações básicas nesse campo conceitual e discutiu os significados de composição, transformação, comparação e composição de transformações.
1. ESTUDOS SOBRE O CAMPO ADITIVO
EDDA CURI
Introdução
Neste texto elaboramos uma síntese sobre os estudos de Gerard Vergnaud
relacionados à resolução de problemas que envolvem as operações de Adição
e Subtração nos anos iniciais do Ensino Fundamental, sob a ótica da Teoria
dos Campos Conceituais de Vergnaud.
Para Vergnaud (1996), um Campo Conceitual significa um conjunto informal e
heterogêneo de problemas, situações, conceitos, elações, conteúdos e
operações de pensamento que se relacionam e que provavelmente são
interligados em sua aquisição. Segundo o autor, o domínio de um campo
conceitual ocorre num longo período de tempo por meio de experiências,
maturação e aprendizagem.
Vergnaud defende a ideia de que um conceito não deve ser estudado
isoladamente e argumenta que um conceito ganha sentido quando surge em
diferentes situações e que uma situação pode envolver um conjunto de
conceitos.
Campo Conceitual das Estruturas Aditivas
De acordo com Vergnaud (1996), o Campo Conceitual das Estruturas Aditivas
é, ao mesmo tempo, o conjunto de situações cujo tratamento implica uma (ou
mais) Adição e Subtração ou uma combinação dessas duas operações e o
conjunto de conceitos e teoremas que permitem analisar tais situações como
tarefas matemáticas. Nesse sentido, o Campo Conceitual das Estruturas
Aditivas refere-se ao conjunto de problemas cuja solução implica exploração de
adição e subtração com diferentes graus de complexidade.
2. Os componentes das Estruturas Aditivas podem ser identificados a partir de
seis relações de base, as quais são possíveis engrenar todos os problemas de
Adição e de Subtração da aritmética comum (Vergnaud, 1996).
Essas relações são (VERGNAUD, 1996, p. 172):
I. A composição de duas medidas numa terceira.
II. A transformação (quantificada) de uma medida inicial numa medida
final.
III. A relação (quantificada) de comparação entre duas medidas.
IV. A composição de duas transformações.
V. A transformação de uma relação.
VI. A composição de duas relações.
O autor sistematizou as relações aditivas conforme segue quadro:
I II III
IV V VI
Medida
Transformação ou relação (positiva ou negativa)
Quadro 1 – Relações Aditivas de Base
Passamos a explicitar melhor cada uma dessas categorias.
Significado de Composição
3. O significado de composição para Vergnaud aparece em problemas que juntam
dois estados para obter um terceiro. Tratam de situações em que basta “juntar”,
ou “tirar”, sem que haja nenhuma transformação no ambiente.
O autor considera três estados: Estado Inicial (Ei), Estado Intermediário (I) e o
Estado Final (Ef). Dados dois deles, obtém-se o terceiro estado. Os exemplos
de problemas a seguir envolvem a ideia de composição.
1º Exemplo: busca o estado final
2º Exemplo: busca o estado intermediário
Significado de Transformação
Vergnaud defende que o significado de transformação envolve uma ação
ocorrida a partir da situação, de forma direta ou indireta, causando aumento ou
diminuição. O estado inicial da situação sofre uma transformação aditiva (ou
subtrativa) para obter o resultado. Essa transformação é uma ação decorrente
de verbos que fazem a transformação ser acrescida ou reduzida.
No baú de joia da vovó há 7 anéis e 8 pulseiras.
Quantas joias há neste baú?
7
8
Numa cesta há 15 frutas, sendo 7 maçãs e as
demais, peras. Quantas são as peras nesta
cesta?
7
15
4. O autor afirma que as crianças, mesmo antes da educação formal, já
constroem um pensamento intuitivo de adição e subtração, relacionando
espontaneamente o “ganho” e a “perda” vivenciadas em sua rotina diária.
O raciocínio de transformação é caracterizado por uma situação dada por um
Estado Inicial (Ei), geralmente correspondente a números que indicam medidas
(quantidades, grandezas ou valores), que sofrem uma transformação (T), que
produz mudanças em relação ao Estado Inicial, levando a um Estado Final (Ef).
Apresentamos a seguir alguns exemplos1
de situações em que ocorrem
transformações positivas e negativas.
Vergnaud afirma que a situação apresentada acima é intuitiva pela ideia de
juntar ou somar uma quantidade à outra já existente, pondo em destaque a
existência de uma alteração do estado inicial.
É possível ter uma transformação negativa em que o aluno correlacione o
estado inicial com o ato de perder algo que tinha como ilustra o exemplo a
seguir.
1
- Esses exemplos foram construídos a partir dos problemas de Vergnaud adequando-se aos nossos usos
corriqueiros.
Amanda tinha 10 canetinhas coloridas. Ela
ganhou 6 canetinhas coloridas de sua tia Marta.
Quantas canetinhas coloridas ela tem agora?
6
10
Amanda tinha 12 canetinhas coloridas. Ela
perdeu 7 canetinhas coloridas na escola.
Quantas canetinhas coloridas ela tem agora?
777
12
5. Os dois problemas apresentados de transformações positiva e negativa partem
das estruturas de estados iniciais transformados, chegando ao estado final.
Mas as mesmas transformações poderão configurar-se em outros casos em
que se tem uma transformação desconhecida com os estados iniciais e finais
conhecidos, como nos exemplo a seguir.
A seguir, apresentamos alguns problemas que envolvem o significado de
transformação em que o estado inicial é desconhecido, o estado final e as
transformações são conhecidos.
Renata tinha 8 pulseiras, ganhou algumas e
ficou com 15. Quantas pulseiras ela ganhou?
8
15
No início do jogo, Pedro tinha 15 botões. Ele
terminou o jogo com 8 botões. O que aconteceu
no decorrer do jogo?
15 8
Pedro tinha alguns botões, ganhou 8 no jogo e
ficou com 15. Quantos botões ele possuía?
8
15
6. Significado de Comparação
Nesse caso, as quantidades são comparadas entre duas partes, no sentido de
relacionar essas partes. Vergnaud esclarece que, no raciocínio de comparação,
os valores não se transformam, apenas se estabelece a ideia de uma
comparação entre dois estados. O autor resume o significado de comparação
em três proposições envolvendo as operações de adição ou subtração,
apresentadas a seguir.
1) O valor de referência é conhecido e busca-se o referido a partir da
relação dada.
2) Busca-se o valor de referência a partir do referido pela relação
dada.
3) O valor de referência é conhecido, assim como o referido e
busca-se a relação.
Segundo Vergnaud, para a criança, é difícil discernir o valor de referência do
referido, as relações existentes entre dois grupos e todas as combinações
possíveis de obter com o significado de comparação.
A seguir apresentamos alguns exemplos para ilustrar os comentários.
1) Valor de referência conhecido e busca-se o valor do referido a
partir da relação dada.
Beatriz tinha 20 pulseiras coloridas e Sandra tinha 10 a mais que Beatriz.
Quantas eram as pulseiras de Sandra?
No início do jogo, Pedro tinha alguns botões. No
decorrer do jogo perdeu 8 e terminou o jogo com
7 botões. Quantos botões ele possuía no início do
jogo?
8
8
7
7. Sabemos quantas pulseiras Beatriz tem, portanto temos uma referência, e
Beatriz é o referente. Mas, não sabemos o que Sandra tem, ela é o nosso
referido. A relação dada é “Sandra possui 10 a mais que Beatriz”. A
comparação é positiva e, portanto, nesse caso, temos uma adição.
2) Busca-se o valor de referência a partir do referido pela relação
dada.
3) O valor de referência é conhecido, assim como o referido e busca-
se a relação.
Observa-se que apenas com a mudança de posição da pergunta é
possível gerar outras situações.
No exemplo seguinte, o referente conhecido é a quantidade de
pulseiras da Célia, o referido desconhecido é a quantidade de pulseiras de
Sônia, o texto evidencia uma perda, mas a operação que resolve esses
problemas é uma adição.
Significado de Composição de Transformação
Vergnaud afirma que existem situações em que pode ocorrer mais de uma
transformação sucessiva, gerando uma composição de transformação e
configura quatro ideias possíveis:
a) Transformação positiva e positiva, quando a situação gera “ganho”
e “ganho”.
Sabe-se que Sandra tem 8 pulseiras a menos que Beatriz. Se Sandra tem 15
pulseiras, quantas pulseiras Beatriz tem?
Beatriz tem 15 pulseiras coloridas e Sandra tem 8. Quantas pulseiras Sandra
deve ganhar para ter o mesmo número que Beatriz?
Sônia tem 15 pulseiras coloridas. Ela tem 7 pulseiras a menos que Célia.
Quantas pulseiras tem Célia?
No início de uma partida, João tinha certa quantia de botões. No decorrer do
jogo, ele ganhou 10 botões e, em seguida, ganhou 25 botões. O que aconteceu
com seus botões no final do jogo?
8. b) Transformação positiva e negativa, quando ocorre a situação “ganho”,
seguida de “perda”.
c) Transformação negativa e positiva, quando a proposta é de
“perda” e a seguir de “ganho”.
d) Transformação negativa e negativa, quando a situação é de
“perde” e “perde”.
Os exemplos acima são problemas com duas transformações compostas, que
evidenciam níveis de maior complexidade do que os anteriormente discutidos.
Vergnaud declara que o processo de aprendizagem dos problemas que
envolvem estruturas aditivas demanda uma série de ocorrências de vários tipos
de problemas para que os alunos possam, por meio de resoluções de
problemas, o conceito seja visto por eles, dispondo de conhecimentos e
competências para transpor à solução de problemas com maior complexidade.
A seguir apresentamos um quadro síntese dos significados das operações de
adição e subtração em problemas, de acordo com categorizações de
Vergnaud.
No início de uma partida, João tinha certa quantia de botões. No decorrer do
jogo, ele ganhou 20 botões e perdeu 7 botões. O que aconteceu com seus
botões no final do jogo?
No início de uma partida, João tinha certa quantia de botões. No decorrer do
jogo ele perdeu 20 botões e depois ganhou 7 botões. O que aconteceu com
seus botões no final do jogo?
No início de uma partida, João tinha certa quantia de botões. No decorrer do
jogo, ele perdeu 20 botões e depois perdeu 7 botões. O que aconteceu com
seus botões no final do jogo?
9. Quadro 2 – Síntese dos significados das operações de Adição e Subtração segundo
Vergnaud
O quadro 3 a seguir apresenta a composição de transformações.
IDÉIAS Busca do Estado Final Busca do Estado Inicial Busca do Estado
Intermediário
Composição
Em um vaso há 8 flores brancas e 6
flores amarelas. Quantas flores há
no vaso?
Em um vaso há algumas flores
brancas e 6 flores amarelas,
no total são 14 flores. Quantas
flores brancas há no vaso?
Em um vaso de 14 flores, 8
são flores brancas. Quantas
flores amarelas há no vaso?
Transformação
Positiva
Luiz tinha 12 peixinhos. Ele ganhou
7 peixinhos de sua tia. Quantos
peixinhos ele tem agora?
Luiz tinha 12 peixinhos,
ganhou alguns e ficou com 19
peixinhos. Quantos peixinhos
ele ganhou?
Luiz tinha alguns peixinhos,
ganhou 7 e ficou com 19
peixinhos. Quantos
peixinhos ele tinha?
Transformação
Negativa
Antônio tinha 12 bolinhas de gude.
Ele perdeu 7 no jogo. Quantas
bolinhas de gude ele tem agora?
Antônio tinha 19 bolinhas de
gude, perdeu algumas no jogo
e ficou com 12 bolinhas de
gude. Quantas ele perdeu?
Antônio tinha algumas
bolinhas de gude, perdeu 7 e
ficou com 5 bolinhas.
Quantas bolinhas de gude
ele tinha?
Comparação
Positiva
Júlio tem 20 bolinhas e Celso tem 8
bolinhas. Quantas bolinhas Júlio
tem a mais que Celso.
Júlio tem algumas bolinhas e
Celso tem 13 Se Celso tem 6
bolinhas a mais que Júlio,
quantas bolinhas tem Júlio?
Júlio tem 20 bolinhas e
Celso tem 8 bolinhas a mais
que Júlio, Quantas bolinhas
tem Celso?
Comparação
Negativa
Júlio tem 20 bolinhas e Celso tem 8
bolinhas. Quantas bolinhas Júlio
tem a menos que Celso?
Júlio tem algumas bolinhas e
Celso tem 13. Se Celso tem 6
bolinhas a menos que Júlio,
quantas bolinhas tem Júlio?
Júlio tem 20 bolinhas e
Celso tem 8 bolinhas a
menos que Júlio. Quantas
bolinhas tem Celso?
COMPOSIÇÃO DE
TRANSFORMAÇÕES
TRANSFORMAÇÃO
POSITIVA
TRANSFORMAÇÃO NEGATIVA
TRANSFORMAÇÃO
POSITIVA
Hoje pela manhã ganhei 17 anéis e à
tarde ganhei 8 anéis. Quantos anéis
ganhei hoje?
Hoje pela manhã ganhei 17 anéis e à
tarde perdi 8 anéis. O que aconteceu
com meus anéis hoje?
TRANSFORMAÇÃO
NEGATIVA
Hoje pela manhã perdi 8 anéis e à tarde
ganhei 17 anéis. O que aconteceu com
meus anéis hoje?
Hoje pela manhã perdi 8 anéis e à tarde
perdi 17 anéis. O que aconteceu com
meus anéis hoje?
10. Quadro 3 – Síntese dos significados de composição de transformação das operações
adição e subtração segundo Vergnaud
Esses quadros servirão de base para a análise que serão feitas em algumas
atividades deste módulo.
Os estudos teóricos que realizamos mostram que o trabalho com as operações
do Campo Conceitual das Estruturas Aditivas é longo, demanda uma série de
situações e desenvolve conhecimentos e competências para a resolução de
problemas mais complexos.
Cabe destacar que não basta reproduzir categorias de problemas em sala de
aula, nem utilizar essas nomenclaturas com as crianças.
De acordo com Curi (2004), algumas tentativas de levar essa teoria para a sala
de aula têm se limitado a reproduzir as diferentes categorias de problemas
propostos, o que evidentemente é um reducionismo em relação aos avanços
que a teoria permite.
A autora salienta que, embora seja muito positivo o fato de se utilizarem dados
de pesquisas para orientação de ensino, ainda estamos longe de vermos
resultados desses estudos chegarem a sala de aula.
Referências
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais para os 1º e 2º ciclos. Brasília:
Secretaria de Ensino Fundamental, 1996.
Curi, E. Contribuições de avaliações externas à pratica pedagógica do
professor que ensina Matemática para crianças de 6 a 10 anos. IN: Actas do
Encontro de professores de Matemática. PROFMAT, 2011. Lisboa, Portugal.
Torres, I. R. V. Os Significados das Operações de Adição e Subtração
Desenvolvidos em Problemas por Autores de Livros Didáticos, Documentos
Oficiais e por Professores dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
Dissertação de Mestrado. UNICSUL, 2008
Vergnaud, G. A teoria dos campos conceituais. In Brun, J. Didática das
Matemáticas. Tradução Maria José Figueiredo. Lisboa: Instituto Piaget, 1996,
p. 155-191.