1. - Capítulo 2 -
O BATIZADO DA BORBOLETA
Naqueles velhos tempos, a religião católica que
pretendia ser a única, era levada muito a sério. Ou se era
católico ou crente e, estes, nunca eram bem aceitos
entre os membros da santa madre igreja. A segregação e
discriminação era explícita e tinha a aprovação geral de
todos. Havia até uns mais radicais que apelidavam os
não seguidores do Vaticano de “bodes”. E é claro que na
hora das compras básicas o bom católico não ia buscar
o pão da tarde na padaria do irmão Joab ou comprar
rendas e bicos na lojinha da irmã Midiã.
E foi nesse ambiente de Irlanda do Norte sem
arsenal bélico que, novinha ainda, a pequenina mini
Aline foi levada à Pia Batismal, por seus zelosos pais,
guardiães da fé cristã.
Na época do batizado, a família havia mudado
de residência e estava habitando uma ampla casa, estilo
solar, na Rua 13 de Maio.
Quebrando uma tradição da época, os pais de
Aline não tiraram o nome da criança da folhinha de
nomes de santos. Seu nome tem a seguinte origem.
Maria, por que a menina havia nascido laçada e, caso
não lhe fosse dado aquele nome, ela poderia vir a morrer
queimada. Quanto à Aline, originou-se de um desejo da
mamãe, quando estava grávida da pequena. Dapaz
sentiu desejos de comer goiabas e juntamente com J. L.
dirigiu-se à casa de seu Né Coelho e dona Toinha, onde
2. frutificavam as melhores goiabas da região. Na
realidade, não era época da fruta e todos, olhando
ansiosos para os galhos mais altos da goiabeira,
começaram a procurar uma frutinha por pequena que
fosse. De repente, papai João Luiz exclamou eufórico e
entusiasmado:
- “Ali, Né”, tem uma goiaba madura!
Foi daquela exclamação que a mamãe Dapaz,
além de obter a fruto do seu desejo de gestante,
conseguiu uma boa inspiração para colocar o segundo
nome do futuro rebento: Aline. Este fato desconhecido
de muitos, foi fruto de longa pesquisa da estudiosa de
genealogia e heráldica, Leda Maria.
Os padrinhos da garotinha, escolhidos entre
amigos próximos, moravam no vizinho distrito de
Caracituba, futura cidade de Primavera de Santo
Antônio. Seu José Rocha e dona Nina, juntamente com o
jovem Luiz Jacinto e outros convidados, vieram de “carro
de linha”, gentilmente cedido por seu Frederico Dubeux.
Padre Clodoaldo oficiou a liturgia, colocando os sais e os
santos óleos e vertendo a água benta sobre as louras
madeixas da garotinha, que se esganava de tanto gritar,
sem contar que, dona Nina sua madrinha, quase que
deixa a pequena se afogar na pia batismal, não fosse o
rápido auxílio de Cila Rodrigues que ajudou a segurá-la. A
neo batizanda tinha seis meses de idade e já pesava
doze quilos e meio. Todos os presentes elogiavam o timão
branco, decorado de renda francesa e lacinhos cor-de-
rosa, obra-prima de dona Elvira Fontes, a mais famosa
modista da cidade.
Era dia de festa no solar de J. L. e Dapaz. Um
grande almoço, com aquele cardápio regional:
buchada, cabidela, peru assado, fritada, bolo de milho,
3. pé-de-moleque, manuê, grude de goma, ponches de
limão e laranja, os “pirulitos” de dona Toinha e as
“chupetas de açúcar” de seu Heleno para a criançada.
Na cozinha, aquele exército de comadres e
afilhadas: dona Severina Cavalcanti, Maria Calixto,
Santa, Zefinha e outras, ajudando a mexer o pirão,
decorar os pratos, encher a buchada e carregar os
copinhos de bebidas fortes para os homens, e as
garrafinhas de gasosa e guaraná para as damas e os
pimpolhos. Afinal, à época, o uso de bebidas fortes não
havia se tornado moda ainda entre as damas e estas, só
ingeriam bebidas leves, tipo ponches e refrigerantes
como Fratteli Vita e Gasosa.
Maria Andrade e dona Quinquina cortavam os
doces de batata e as goiabadas em lata, verdadeiras
delícias da culinária de seu Laurindo Doceiro.
Na sala o papai J. L. recepcionava os convidados
do sexo masculino, oferecendo bebidas quentes; doses
de vinho Quinado Imperial e conhaque Palhinha e
Castelo, além de cerveja Pielsen esfriada. Os canapés
eram torresmo, bode assado, e sarapatél. Para os
fumantes, caixas de cigarilhas, cigarros Petisco, Caruso,
Bom Marché, Cara Preta e charutos Suerdick Bahia. Havia
até uns maços de Gesira e Pour la Noblesse, importados
raros da época. Presentes o prefeito da cidade, Dr. Plínio
Araújo e a esposa, seu José de Assunção e dona Nely
Gomes de Sá, seu Erasmo e dona Levina, seu Alcides
Rodrigues e Saló, além de alguns amigos da prefeitura,
comerciantes, senhores de engenhos e, naturalmente, os
primos e parentes do engenho e de Recife.
Em meio à festança, enquanto os convivas se
deleitavam bebendo e dançando a polca, a porta se
abriu e adentrou o recinto, bastante irritada, “Sinhá
4. Sinfronina”, uma antiga lavadeira da família, que tinha
fama de ser catimbozeira e fazer uns despachos.
- Dando uma festa e nem mim convidam, né? Inté
eu que ajudei a engomar os lençó de linhe do enxová da
criança!, berrou a velha. Qui ingratidão. Cadê a minina?
Cadê cumade Santa. To a pui de dá um bale nela.
- Sente-se, Sinhá Fronina, convidou dona Elvira.
Aceita um pedacinho de peru assado ou uma fatia de
bolo?
- Inhora não, já cumi meu prato de pirão de ovo,
respondeu ela, fumaçando de raiva. Só vim dá uma
ispiada e rezar a minima pru meu Padim Ciço e Mãe
Dasdore portregê a bruguela. Adonde ela tá?
- Venha comigo, Sinhá Fronina, convidou dona
Elvira. E as duas se dirigiram para o quarto onde estava o
berço da neném.
- Oxente, mai qui tanta caxa é essa dento do
beço?
“São as lembrancinhas que ela recebeu, Sinhá
Fronina!
- Mai num pode não, essa tuia de brebote vai
terminá sofocando a minina”, e a velha foi logo retirando
as caixas e os presentes e jogando tudo na cama ao
lado. Agora sim, nói pode vê ela. Meu Padim Ciço, cuma
ele gorda. Benza Deus!”
A benzedeira concentrou-se e olhou a recém-
nascida demoradamente. Então puxou um galhinho de
arruda preso pelo turbante junto da orelha e começou a
aspergir a garotinha, enquanto rezava sua prece. Depois
persignou-se e exclamou solenemente:
5. - Ela vai sê muito intiligente, vai estudá e se formá,
vai sê muito populá, vai vencê na vida, vai viajar muito
por esse mundo de meu Deus, vai inté se casar, mai num
vai passá de um metro e meio de artura. Mai aiguente os
povo vai impelidá-la de Baxinha e Nina Bolinha.” Tem mai
ainda, ela vai sê muito braba; quando ela apontar o
dedo fura bolo, der três piscadinha cum as pestana e um
piqueno supapo no peito, corram de perto, que vai sobrá
pra arguém. É o castigo pru tere se isquecido de mim.
E a velha Fronina retirou-se como um pé-de-vento,
deixando os convidados pasmos.
Será que os augúrios da velha iriam se tornar
realidade? Os convidados entre assustados e pasmos
não paravam de cochichar entre si, mas o papai J. L.
logo pediu que o sanfoneiro tocasse um baião e a festa
voltou à animação inicial.
Já quase uma hora da tarde, os homens iam se
animando com os repetidos tragos e com grandes
baforadas de charuto e cigarros. As senhoras,
acomodadas na sala, conversavam discretamente
enquanto enxugavam o suor do colo e do pescoço com
toalhinhas de feltro. As crianças, já “adocicadas” de
tanto pirulito e chupeta de açúcar, corriam enquanto
esbarravam nos mais velhos e promoviam a aquela
baguncinha organizada.
Num recanto da sala, sentado numa poltrona, o
padre Clodoaldo de batina preta com dezenas de
botões que iam do colarinho até o abanhado, barrete
preto na cabeça, enxugava o rosto com um lenço e se
abanava com o breviário. De vez em quando dava uma
olhada no relógio de algibeira. Salomé de seu Alcides
notou aflição do reverendo e correu esbaforida para a
cozinha:
6. - Dapaz, minha santa, já está passando muito da
hora do padre Clodoaldo comer. Ele tem gastrite e
terminar passando mal se não forrar logo o estômago.
Maria Andrade logo tomou a frente e começou a
preparar um prato para o vigário. Colocou numa
bandeja e levou até a mesa da sala. O reverendo foi
convidado para sentar e recebeu o prato sorrindo, já
estava passando o lenço na testa e na iminência de ter
uma oria. Maria Andrade, apressada, gritou para dona
Zefinha:
- Prepara uma sangria para o padre.
E dona Zefinha, espantada, respondeu:
- Mas dona Maria, o sangue todo foi colocado na
cabidela.
- Santa ignorância, Zefinha, sangria é um ponche
de vinho com água e açúcar. Não bote gelo, o padre
tem problemas de garganta.
Afinal, toda a comunidade religiosa tinha um
histórico completo da saúde do pároco. Padre
Clodoaldo começou a se servir e, quando, preparava o
copo para tomar o primeiro gole de sangria, passa um
menino correndo e bate no braço do reverendo. A
toalha de linho da mesa ficou lilás. Dapaz apareceu na
sala e lamentou o estado se sua toalha de linho
engomada. O padre, pálido, quase perde o apetite,
ficou sem ação. Mais uma vez Maria Andrade contornou
a situação.
- Não se preocupe, padre, aqui está outra sangria.
Vou ficar por aqui pra domar estes meninos.
7. - Ô minha gente, esses filhos de vocês não tem
estilo não, é? Ficam todas de beleza aí na sala enquanto
os meninos parecem que estão correndo no prado.
O padre almoçou, fez uma rápida leitura no
breviário e começou a se despediu dos convidados e dos
anfitriões. Ao sair ainda benzeu os que estavam por perto.
Quase catorze horas, estava na hora de servir o
almoço. Mas como iria caber tanta gente à mesa? Foi
quando apareceu dona Frederica Faneca, esposa do
prefeito, e apresentou a solução.
- Por que vocês não fazem um almoço
americano?
Os nativos entreolharam-se e ficaram sem
entender nada. De novo Maria Andrade em cena.
- Que história é essa de almoço americano, dona
Frederica?
- Muito simples, colocam-se os pratos e talheres na
mesa, em seguida, vão trazendo os pratos das iguarias e
cada um se serve e vai comer em algum lugar da casa
que não seja na mesa.
- Que idéia maravilhosa, dona Frederica,
exclamou Dapaz.
Os pratos, talheres, guardanapos e as iguarias do
almoço foram colocados na mesa da sala de jantar
sobre a toalha de linho branco engomada e com uma
enorme mancha de sangria. Os convidados famintos
como estavam, nem perceberam.
- O Clodomiro, cadê as grades de coca-cola?
Perguntou dona Lita.
8. - É verdade, estão na mala do carro, Alguém me
ajude aqui, por favor!
E os convidados que já se preparavam pra fazer
os pratos, pararam e ficaram admirados com as
garrafinhas de coca.
- Eu vou tomar uma coca em lugar da gasosa,
fala dona Minervina, enquanto enchia o copo,
espantada com a espuma.
- Ave Maria, fica fervendo no copo e na boca.
Queima e arde.
- Dona Minervina, fala seu Clodomiro, é pra tomar
gelada. Quente ninguém, agüenta. Quando nada, bote
uma pedra de gelo no copo.
- E a coca-cola roubou a cena do almoço. Afinal
ela só tinha chegado ao Brasil há dois anos e, na
província, pouca gente tinha experimentado o novo
refrigerante.
E assim foi servido o primeiro almoço no “estilo
americano” em Amaraji.
- De repente, um grito estridente e um choro de
criança. Dapaz e outras mães correram para o quarto e,
espantadas, viram a mini “nina” muito vermelha, se
debatendo no berço, engasgada e quase sufocada com
uma chupeta de açúcar.
- Quem foi que fez uma barbaridade dessas?
Perguntou a mamãe. Deve ser cria de alguma daquelas
indolentes que estão na sala e não se levantam para
nada.
9. Difícil descobrir, afinal tinha criança demais na
festa. Ela trocou o timão da menina e foi falar com J. L.
sobre o ocorrido.
- Tá bom de tanta festa e de dança, João Luiz,
esses meninos já bagunçaram demais e a casa está um
lixo, além do que a bebida já acabou. Tá na hora de
todo mundo voltar pra suas casas.
João Luiz pediu que o sanfoneiro parasse que a
festa já ia acabar. Aos poucos os convidados iam
agradecendo e se retirando.
Lá pelas quatro da tarde não restava mais
ninguém, a não ser os familiares e as comadres que
começavam a fazer a faxina. Dapaz, bastante cansada,
repetia:
- Outra festa dessas aqui em casa, nunca mais.
Teve gente que pareciam não ter se alimentado há um
mês. Parece que vieram tirar a barriga da miséria mesmo.
O filho de dona Regina estava lavando as mãos na jarra.
Tem jeito? E a sobrinha de dona Davina, usou metade do
meu vidro de Madeira do Oriente. Quem era aquele de
bigode que fumava e cuspia lá no canto da sala? João
Luiz convidou cada um...
E os comentários foram se amenizando, enquanto
a faxina estava quase concluída.
O tempo passou e muitos esqueceram aquela
cena insólita e curiosa da velha Fronina, histérica,
saracoteando pela sala, mas algumas pessoas ainda se
perguntavam: será que algo daquilo iria acontecer?
10. - Capítulo 1 -
JINGLE BELLS, NASCEU A “MINI” NINHA...
Era uma vez, numa cidadezinha da mata sul,
torrão bendito, cercada de montanhas, poesia, matas
verdejantes e rio a correr, um casal muito feliz que trouxe
ao mundo uma “mini” garotinha, fim de rama, caçulinha,
cheia de graça e encantamento.
A menininha veio ao mundo na residência de seus
genitores, situada à Rua Prefeito Rocha Pontual, juntinho
do cartório de seu Samuel Coelho.
Seu papai era comerciante do ramo da
panificação e assessor do prefeito da província, e a
mamãe, de prendas domésticas.
Como rezava a tradição da época, ela foi
“pegada” por Mãe Dedé, a parteira mais famosa da
região e nasceu tão miudinha, tão bolotudinha, tão
rechonchudinha, que cabia na palma da mão. Era, no
todo, de aparência muito saudável, com madeixas
galegas e tez rosada. Parecia uma calunga de louça.
Os felizardos pais, João Luiz e Maria da Paz, deram
à nenenzinha, o nome de Maria Aline. Era o dia 27 de
outubro de mil novecentos e bauzes, exatamente dois
anos após a chegada da coca-cola no Brasil.
Como acontece em todo lugarejo do interior, a
notícia espalhou-se com rapidez e, pelo fato do casal ter
muitos amigos, logo começou a aparecer pessoas para
ver a mais nova moradora da casa.
11. As primeiras visitas recebidas foram: Maria
Andrade, Quinquina e Dona Elvira; seu Alcides, Saló, Cila,
já mocinha, e Concinha, bem novinha. Do vizinho distrito
de Caracituba: seu José Rocha e dona Nina, futuros
padrinhos da recém-nascida. Do engenho Amora: seu
João Vieira, dona Mariinha e as pequenas, Socorro,
Josete e Anália. Da capital: os tios Clodomiro e Lita, e a
prima Maria Alice ainda de braço.
Cada visitante que aparecia (os homens
evidentemente) eram agraciados pelo pai da garotinha,
com um cálice de excelente cachimbada de mel de
uruçu com cachaça de cabeça preparada na hora,
charutos Suerdick Bahia ou cigarros Asa, dependendo do
gosto de cada um.
Um fato inusitado é que a menina era tão
pequenina, tão curtinha, que todos os presentes ficaram
curiosos a respeito do futuro da garotinha. O que ela iria
ser quando crescesse? E, em meio ao cochichado geral
das visitas, uma voz fanhosa e estridente gritou lá de trás:
“Ela vai ser borboleta de pastoril!” A exclamação havia
sido proferida por seu João Severo, o dono do
enchimento, que estava entrando para ver a neném e
escutara parte da conversa dos presentes. “Oxente, seu
João Severo, ela vai ser é uma fleira, uma madre
superiora, isso sim, se Deus quiser,” afirmou a jovem e boa
Aurinha, futura moradora da Vila São Vicente, que havia
chegado correndo para ver o novo rebento.
Os presentes recebidos: lençóis e camisinhas de
pagão, mamadeiras, toucas e consolos coloridos,
sapatinhos de crochet, chiquitos, maracás e uma figa de
ouro. Maria Andrade levou uma boneca de pano
graúda, confeccionada por Amara da Boneca e um
vidro de alfazema da loja de seu Alcides. Levou também
um capão gordo, para a canja do resguardo da mamãe.
12. Aline e a maninha Ana Maria, primogênita do
casal, encheram de alegria a vida dos pais e de todos os
vizinhos de rua.
Maria Andrade, amiga e guardiã da família,
ajudava a mamãe Dapaz na criação da “mini” Ninha e
Dona Maria Calixto, foi a sua ama-de-leite.
Quando a gordinha começou a ficar mais
pesada, mamãe Dapaz contratou a ama Ivanise para
cuidar das duas manas. Como ela teria de dormir no
solar, Dapaz encomendou uma cama-de-lona a seu
Amaro Feitosa e, na feira, comprou um baú amarelo
ornado de gregas, daqueles fabricados lá para as
bandas do agreste, para as fardas da ama.
A menininha crescia (perdão), se tornava a cada
dia, mais saudável e rechonchuda, cabeleira farta com
madeixas louras e as bochechas rosadas.
A essa altura ela já se alimentava do leite gordo e
nutritivo da vacaria de seu Samuel, que, todas as manhãs
era distribuído por meio de uma carrocinha, puxada por
um robusto carneiro.
A cidadezinha era muito pequena e quase nada
de novo acontecia. As notícias eram trazidas por
algumas pessoas, geralmente comerciantes e
autoridades municipais, que viajavam semanalmente
para a capital e, no retorno, compravam algum jornal ou
revista que era repassado para amigos. Havia poucos
rádios na cidade, mas duas pessoas possuíam aparelhos
de rádio possantes da marca RCA Victor, seu João Luiz e
seu Victor Alves. Muitas noites, o casal João Luiz e Maria
Dapaz convidava a jovem Elza Dorotéia e algumas
amigas para ouvirem a programação do rádio que era
composta de serestas e transmissão de apresentações de
programas de calouros ou de outros artistas que vinham
13. do sul do país, sem esquecer naturalmente o Repórter
Esso, responsável pelo noticiário do que estava
ocorrendo no Brasil e no mundo.
Nestes saraus radiofônicos, escutavam-se novelas,
programas de auditório e músicas de sucesso da época.
Um dos programas inesquecíveis foi quando se
apresentou “Dilu Melo”, famosa artista de São Paulo, que
veio daquele estado apresentar-se na PRA-8, Rádio
Clube de Pernambuco. E deleitou a todos os ouvintes,
cantando:
“Fiz a cama na varanda,
Esqueci o cobertor
Deu o vento na roseira
Me cobriu todo de flor.”
Nas noites de verão, cadeiras eram colocadas nas
calçadas, onde amigos e vizinhos se reuniam para a
tradicional prosa. Naquelas ocasiões, os homens falavam
sobre a administração do prefeito, as notícias nacionais e
internacionais escutadas no Repórter Esso e, as senhoras,
discutiam as atividades da paróquia, os sermões do
padre Teodoro, as últimas peças bordadas ou alguma
receita culinária nova recortada do Diário de
Pernambuco.
Nossa história se passa no final da primeira
metade do século passado. Não é um tempo tão
distante, mas a realidade das pequenas cidades do
interior era bem diversa. Na zona urbana uma população
pequena, poucas casas e um comércio diminuto.
Na zona rural, grande engenhos com seus
casarões e muitos moradores. Estas propriedades
assemelhavam-se a pequenos feudos da idade média. O
senhor de engenho era o patrão, o conselheiro, o juiz que
14. decidia sobre todas as questões e acontecimentos da
propriedade.
Tempos amenos, bucólicos e românticos A
inexistente poluição ambiental e mental fazia com que o
meio se conservasse puro e paradisíaco; puras e arejadas
eram também as mentes e o pensar da época.