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Naquele pequeno povoado nascido à margem do Rio Pajeú, sob uma nesga do céu mais
azulado do Brasil, onde tudo era princípio, simplicidade,moral serena e cristã, havia uma “Casa
Grande” habitada por uma anciã cega rodeada de alguns escravos, restos de uma riqueza, currais
prendendo bezerros à espera das vacas para desleitar, galinhas, porcos, perus cabras, ovelhas,gato,
cachorro – o velho leão que guardava aquela herdade – tudo formando um mundo, apesar de
solitário, pleno de bondade.
Resguardavam a casa algumas plantas pois no sertão o ardor do sol, no verão, faz com que
se plante árvores cujas frondes, adornadas de lindos galhos folhudos sombreiem e refresquem,
proporcionando bem estar e alegria.
Nos arredores moravam os descendentes daquela anciã que teve a sua “mocidade romântica
e feliz” segundo contava às suas bisnetas.
Quando jovem esperava em sonho o seu “príncipe encantado” imaginado-o belo, sadio, um
perfeito cavalheiro e, enquanto sonhava, costurava peças do seu enxoval, pois naquele tempo as
jovens tinha certeza de que se casariam.
Certo dia, chegou ele de Minas Gerais a fim de comprar gado naquela zona sertaneja, jovem
rico, robusto e bonito. Chamava-se João Alves e vinha trazido pelo destino para escolher a sua
eleita, valiosa joia no escrínio mais rico de uma família. (Presume-se que os Alves eram
descendentes de estrangeiros; notava-se isto pelo porte, estatura e maneira de falar).
Hospedou-se na “Casa Grande” solar conhecido e hospitaleiro.
Naquela época era vedado às jovens apresentarem-se aos visitantes. Contestavam-se, porem
em espiá-los pelo buraco da fechadura ou de algum aberto, cautelosamente, na parede, visto serem
de taipa aqueles casarões de quatro salões e muitos quartos.
A hora das refeições o chefe de família, único que exercia autoridade em tudo e quem
resolvia todos os problemas da casa, chamava a esposa apresentava-a ao visitante, bem como as
suas filhas e dizia-lhes o nome e a idade de cada uma delas. Juntamente com a sua genitora serviam
a mesa e depois se recolhiam para nunca mais alegrar as vistas do visitante. Este, se desejava algo,
expunha seus sentimentos e pretensões ao chefe, que decidia da sorte do pretendente e da
pretendida.
Foi assim que o nosso herói descobriu o tesouro dele retirando a joia que lhe prendeu o
coração. João Alves pediu em casamento a mais jovem das irmãs, de nome Vilante, e ficou acertado
que daquele dia a um ano voltaria para realizar o casamento.
Partiu João Alves cheio de saudades e esperanças, conduzindo a boiada que comprara no
sertão de Pernambuco.
Vilante, também saudosíssima, continuou a preparar o enxoval, plena de sonhos de um
futuro risonho e feliz. Foi todo feito à mão; não existia naquele tempo, as máquinas de costura e se
já haviam noutros lugares, não chegaram àquele povoado. As peças de fina cambraia, linho e
esguião eram artisticamente trabalhadas com rendas e bicos de almofada.
Não houve correspondência entre os noivos; a distância era demasiado grande para ser
percorrida por um mensageiro e mesmo, a noiva nem sabia ler e escrever. Naquele tempo não se
permitia o aprendizado das letras às moças para que não escrevessem aos namorados. A palavra
dada era o único documento.
Completado um ano exatamente, o noivo chegou com a sua comitiva composta de um padre,
convidados, filarmônica para o ato religioso na Capelinha simples, adornada de flores. Porque não
existia Cartório o ato civil não se realizou e o preparo dos papéis se tornava difícil, em lugares
longínquos.
A festa durou alguns dias. Houve quadrilhas, chotes, polcas e valsas ao som da sanfona.
Interessante é que não usavam mesa nem cadeiras; espalhavam no chão grandes couros
curtidos, cobriram com alvas toalhas, onde se sentavam para saborear os gostosos pratos daquela
época e do aluá, bebida feita de milho fermentado com rapadura.
Vilante faleceu com idade avançada, oitenta anos depois, na ocasião em que se celebravam
as festas de São Sebastião e por tamanha coincidência a filarmônica que viera de afogados de
Ingazeira para os festejos, acompanhou o seu enterro. De modo que a romântica anciã teve música
no casamento e na morte.

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  • 2. no casamento e na morte.