1) Os bispos portugueses pedem aos delegados do Sínodo que incentivem reformas na Igreja para torná-la mais inclusiva e sinodal, como ordenar ministros casados e dar mais protagonismo às mulheres e pessoas LGBT.
2) Defendem também a revisão do Código de Direito Canónico para descentralizar poder dos clérigos e dar mais voz aos leigos.
3) Esperam que o Sínodo ouça o Espírito Santo e inspire mudanças que ajudem a Igreja a anunciar o evangelho de forma mais
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Carta aberta aos delegados da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP)
à XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos
D. José Ornelas, Bispo de Leiria-Fátima e Presidente da CEP,
e
D. Virgílio do Nascimento Antunes, Bispo de Coimbra e Vice-Presidente da CEP.
Na expectativa da Assembleia Geral do Sínodo sobre a sinodalidade
Alegria e Esperança
Guiados pelo Espírito ao longo destes quase dois anos de caminho, cremos ter aprofundado o
carácter sinodal das nossas comunidades. Esta é a nossa alegria. Graças à exortação constante
do Papa Francisco e aos vários documentos que nos chegaram, reconhecemos, porém, quanto
ainda nos falta percorrer para vivermos uma sinodalidade plena, sobretudo ao nível das nossas
igrejas diocesanas. Aprendemos também que só vivendo a sinodalidade em plenitude a nossa
mãe Igreja poderá ser verdadeira serva dos nossos contemporâneos, abrigo dos pobres e dos
aflitos, sinal de acolhimento e esperança para todos e verdadeiro sacramento da misericórdia
de Deus anunciada por Jesus Cristo.
É com o entusiasmo transbordante suscitado pela alegria do serviço e da comunhão vivida
durante a Jornada Mundial da Juventude de Lisboa que desejamos continuar a aprofundar a
sinodalidade a que o Papa Francisco nos convida de modo tão insistente. É nesse sentido que
vos entregamos as nossas preocupações e esperanças para que as possam ter presentes
durante a Assembleia Geral do Sínodo reunida em Roma durante o próximo mês de outubro,
da qual esperamos respostas e incentivos para o processo de conversão de toda a Igreja à
reforma que o Espírito dela espera nesta primeira metade do século XXI.
Ao longo destes dois anos, a oração em comum, a escuta dos irmãos e a assistência do Espírito
permitiram-nos reconhecer o clericalismo como a cultura e a prática que mais nos impede de
sermos uma igreja verdadeiramente sinodal. Se não ultrapassarmos esta mentalidade não
conseguiremos viver em sinodalidade. Se não renovarmos o nosso olhar sobre os ministros
ordenados, as suas funções na comunidade e o serviço que a ela prestam, nada de realmente
novo acontecerá na vida da Igreja, no crescimento das comunidades e na face da Igreja aos
olhos dos nossos contemporâneos. Queremos, por isso, pedir-vos que durante esta primeira
Assembleia Geral do Sínodo sobre a sinodalidade:
1. Se recordem permanentemente do grito daqueles nossos irmãos mais pobres, dos que
vivem sujeitos à feroz opressão da fome, da guerra, das migrações forçadas, e dos que
sofrem outras inomináveis violências; tenham sempre presente o grito angustiado do
nosso sofrido planeta que cada vez menos respeitamos como casa comum para todos;
não se esqueçam nunca do grito das vítimas dos abusos de todo o género perpetrados
em ambientes eclesiais por responsáveis católicos. Que esses clamores vos exijam a
coragem das decisões que o Espírito vos inspire e que de vós esperamos;
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2. Sublinhem a necessidade de rever o Código do Direito Canónico, retirando aos
ministros ordenados todas as funções que a eles se encontram reservadas, ou
preferencialmente atribuídas, e que hoje sabemos poderem ser desempenhadas por
qualquer batizado. Desta forma se fomentará a participação laical e, sobretudo, se
libertarão os ministros ordenados para as tarefas pastorais que especificamente lhes
competem;
3. Incentivem a reformulação da linguagem litúrgica, que frequentemente se mostra
incompreensível e distante da realidade de muitas comunidades: porquê escudar-se
numa regra única? Retomem a visão eclesiológica e antropológica aberta pelo
Vaticano II, da Igreja Povo de Deus peregrino, celebrante e participativo, contrariando
a versão clericalizada que prevalece em muitos meios e retomando a afirmação do
Concílio de que a Eucaristia não é, antes de mais, ação do sacerdote, mas ação de
Cristo e da Igreja. Para tanto, é essencial promover uma formação litúrgica que vá para
além da catequese e que inclua a educação para a importância da estética, da
criatividade e da espontaneidade nos gestos, no canto, nas leituras, nas preces e na
organização das celebrações, dando-lhes um cunho realmente sugestivo do sentido
que é o seu.
4. Inscrevam, do mesmo modo, a necessidade da abertura, tão amplamente reclamada
pelo Povo de Deus, à ordenação de ministros casados. Redefinam os modelos de
aceitação e preparação dos candidatos à ordenação, privilegiando formações mais
curtas e mais próximas das famílias e das comunidades, pondo termo ao regime de
exceção em vigor nos seminários. Tal excecionalidade tem impedido os futuros
ministros ordenados de viverem imersos na vida quotidiana, partilhando as suas
problemáticas e virtualidades, vivendo as angústias e as esperanças do mundo de hoje
(cf. Vaticano II, a Igreja no Mundo Contemporâneo). Aprovem indicações para a futura
alteração do processo de escolha dos bispos, incluindo a necessidade de maior
auscultação das comunidades diocesanas, contribuindo, assim, para uma maior
consciencialização destas quanto às prioridades pastorais exigidas pelo anúncio de
Jesus Cristo ressuscitado na realidade concreta em que vivem e perante as
necessidades particulares da sua diocese;
5. Respondam ao pedido insistente de tantas comunidades para que seja possível
enriquecer a nossa vida eclesial com o serviço ministerial praticado por mulheres. Elas
que foram escolhidas por Jesus como primeiras testemunhas da Sua ressurreição, mas
cujo contributo para a edificação da Igreja temos indevidamente limitado ao longo dos
séculos;
6. Reforcem, num novo Código do Direito Canónico revisto, a importância dos diversos
Conselhos Pastorais e de outras instâncias de participação laical, conferindo em alguns
temas carácter vinculativo e não apenas consultivo às decisões neles tomadas;
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7. Reconheçam a necessidade de rever a cultura e a doutrina católica sobre a
sexualidade, nomeadamente a exposição que sobre a homossexualidade é feita no
Catecismo da Igreja Católica de modo que qualquer pessoa da comunidade LGBT se
sinta aceite e querida nas comunidades católicas. Incentivem de forma insistente a que
nas mais diversas comunidades os/as cristãos/ãs LGBT ganhem presença, visibilidade e
protagonismo, sendo esse sinal expressão de que a Igreja é de facto mãe de todos,
casa para todos. Também sentimos como a mesa da nossa sinodalidade tem sido
empobrecida pela ausência comungante daqueles irmãos e irmãs divorciados
recasados. Rogamos-vos, por isso, que aproveitem esta Assembleia Geral para pôr
termo a qualquer obstáculo a que estes irmãos possam participar plenamente de toda
a vida eclesial.
Esperamos que no feliz concerto de vozes que se hão-de exprimir na próxima Assembleia Geral
do Sínodo dos Bispos possam encontrar espaço e tempo para fazerem ouvir estes nossos
pedidos. Estamos convictos de que estes não são reivindicações de grupos, ou cedências aos
“modos e costumes” do tempo. Não. Acreditamos, pelo contrário, que só através de tais
reformas a Igreja possa ser verdadeira comunidade de fé, sinal eficaz da misericórdia de Deus
para os nossos contemporâneos e para os seus filhos, fonte de paz, tenda alargada inspirando
o respeito pela criação, a amizade social e a fraternidade tão necessárias à construção do reino
de justiça, verdade e amor.
A reforma da Igreja não se centra nela própria, tem como centro Jesus Cristo e realiza-se como
resposta à sua missão: o anúncio de Jesus ressuscitado e a construção do reino. Essa missão
realiza-se hoje numa sociedade profundamente desigual, em que muitos se sentem excluídos,
descreem da democracia e se afastam de qualquer participação a favor do bem comum, num
planeta em acelerada destruição e palco de inúmeros conflitos e guerras. Todos estes dramas
ganham significado ainda mais trágico num tempo de reconhecimento da radical igualdade de
todos os seres humanos. As comunidades cristãs são assim, mais do que nunca, chamadas a
serem vida construída pela participação de todos, lugares de acolhimento universal sem
prévios requisitos, comunidade sinodal de iguais, espaços alimentado pelo protagonismo dos
que não têm voz nas nossas sociedades, casas de educação para a defesa da nossa “casa
comum”, participando ativamente na construção da paz e na erradicação da fome e das
desigualdades.
Não precisamos que a Assembleia do próximo mês de outubro provoque grandes manchetes
nos media. Necessitamos, sim, que nela se escute o Espírito que renova a face da terra, inspira
a voz do Povo de Deus e ilumina o caminho da Igreja. O mesmo Espírito que nos moveu a
escrever-vos esta carta. Acreditamos que, pela Sua assistência, a Assembleia Sinodal dará
frutos que nos ajudarão a percorrer novas etapas na construção de comunidades sinodais,
ultrapassando não apenas os obstáculos que hoje nos bloqueiam, mas convocando-nos a viver
relações comunitárias e fraternas por nós ainda não imaginadas. Pois tal é o desafio que
sempre se coloca aos que – impuros, incapazes, pecadores e frágeis como nós – se aventuram
a procurar ser discípulos de Jesus.
Setembro de 2023