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ANALISE
INSTITUCIONAL:
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TEORIA
EPRATICA
CÉLIO GARCIA
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MARCO AURELIO LUZ
I
CHAIM SAMUEL KATZ
GEORGE$ LAPASSADE
NO PRóXIMO NúMERO DE
VOZES
ESTUDOS LINGülSTICOS
em Iwmeiwgem a J. Malloso Camara Jr.
ARTIGOS DE
Roman Jakobson
Thomas A. Sebeok
Bernard Pottler
Paul L. Garvin
Harri Meier
Dieter Woll
Antonio To'Oar
J. G. Herculano de Carvalho
Robert Lado
Brian Head
F'. Gomes de Matos
r'.
de
O. MANNONI
CHAVES PARA O
,
IMAGINARIO
Vinte ensaios que tratam de
literatura (Mallarmé, Rimbaud,
Sallnger, Henry James, Proust},
de teatro (o problema da Ilusão
teatral), da lingüística
saussureana e de textos
ps/canalltlcos freudianos,
colocando como pólo central a
problemática da Abundância do
Significado.
Instaurada na psicanáflse, esta
Abundância do Significado - do
ponto de vista de uma teoria
geral das linguagens - reformula
a maneira de as chamadas
•ciências do homem• se
pensarem científicas enquanto
do homem.
CHAVES PARA O IMAGINARIO
_
mais um volume da coleção
Epistemologia e Pensamento
Contemporâneo
lANÇAMENTO
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-ANÁLISE
INSTITUCIONAL
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c:::q· 5esesa : ·
Não é a primeira vez que nossa revista fala de
Análise Institucional.
No número 5/1971 {junho/iulho) publicamos o artigo
de Georges Lapassade: ·Um ensaio de Análise da
Linguagem Institucional", escrito, então,
especialmente para aquele .número sobre a Teoria
da Linguagem.
Desde então temos acompanhado de perto o trabalho
desenvolvido pelo autor francês, mesmo quando
discordávamos de sua atuação em nosso meio
universitário. Por outro lado. a nossa revista sempre
esteve aberta às pesquisas efetuadas no campo da
Análise Jnstituçional pelos professores que
completam este número: Marco Aurélio Luz, Célio
Garcia e Chaim Samuel Katz. Mais que o último, os
dois primeiros têm colaborado constantemente em
nossas páginas.
Procurou-se - através de um número que foge aos
padrões habituais, inclusive com artigos não
assinados - situar o problema proposto de maneira
clara e precisa, dividindo-o em duas partes distintas:
teorizações e práticas & documentos.
Na primeira, diz-se o que é Análise Institucional:
·Análise Institucional é um método que visa elucidar
as relações reais e não somente }urfdlcas ou
puramente subJetivas que mantemos com as normas
/nstituldas; a maneira pela qual os Individuas se
p6em ou não de acordo a fim de participar ou de
dar adesão a estas normas, assim como as formas
singulares de organização que surgem e
desaparecem·. Mostra·se também o nível de
operações desencadeadoras de sua ocorrência e a
relação entre prátíc8 teórica e prática Institucional.
Na segunda, o processo da prática Institucional
aparece sob vérios ângulos: comentério critico de
uma "noite de loucuras", intervenção numa escola de
comunicação, uma nota sobre s estada do Prol.
LBpassade entre nós etc. Não há necessidade de nos
3
r4
deter mais longamente porque os próprios autores
escreveram uma apresentação de seus trabalhos.
Cabe ao leitor a leitura critica.
Na secçào de Idéias & Fatos destacamos a análise
do hospital psiquiátrico de Minas Gerais, de
Francisco Paes Barreto e o artigo de Célio Garcia
em que tenta responder a esta pergunta: "Qual seria
a orientação, o projeto que animaria psicanalistas,
pedagogos, psicólogos, terapeutas na sua labuta
dláris'r Se devêssemos ainda realçar outro texto,
escolheriamos o discurso não pronunciado de
Marlon Brando ao recusar o Oscar. discurso, sem
dúvida, histórico e que tem muito a ver também
com o Brasil nesse momento de defesa do índio
contra os gananciosas grupos plantadores de gado,
denunci80os e nunca julgados, porque os juízes
são brancos.
CJarinclo Neottf
APRESENTAÇÃO
Este número da revista VozES serve para marcar
um acontecimento e suas repercussões. De meados
de julho a dezembro f,le 1972 esteve entre nós,
em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro, o professor
francês, um dos criadorc.~ da Análise Institucional,
Georges LapasS/lde.
Neste periodo. uma pequena parcela da juventude
universitária ligada à área dos saberes humanos e soc1ms
bem como alguns professores mais velhos tiveram a
Análise Institucional como rejer~ncia de seu pensamento
e produção cultural.
Três meses depois de sua partida, quando procuramos
reunir o material para organizar esta revista, temos unuz
certa tristeza ao ver o que foi deixado pela trajetoria
lapassadiana. As pessoas que com ele conviveram
·e colaboraram se recusam agora a contribuir com fertos.
Procuramos abrir espaço para contos, poesias, músicas,
peças de teatro, colagens, divagaçt5es, aforismos etc.
Uma parte dos prováveis colaboradores se furtou porque
não queria escrever numa revista onde houvesse textos
teóricos jeitos por «quadrados>; outra parcela, por descaso
ou má vontade, por diversas vezes parou de se
comunicar conosco (apesar de uma permanente
reinsisUnâa nossa).
O que é algo para ser meditado. Se é sempre positivo
ter uma crônica sobre acontecimentos, ou se uma recusa
de se textuafizar não é igualmente importante. Isto
aprendemos com a Análise Institucional, o significadq
(mas não ainda o significante) da contracultura.
E por isto os quatro autores achamos que faz parte
da produção teórica essa recusa, e nosS/1 trisfeuz
se deve apenas a que valorizamos o texto escrito.
Resolvemos não assinar os textos. A idéia original era
de que sem um autor identificado em relação a um
texto individual se perderia um dos eixos articulatórios
da potência teorizante, que com isto se tornaria menos
repressiva. Imaginem o professor X assinando uma poesia
do Y que é muito doidão; ou o Y co-responsável por
textos teoricos sobre antipedagogiaf Quer dizer, irlamos
6 mostrar uma gama de possibilidades
expressivas de uma importante crJrrenle
analítica contempordnea e nos sacudir
ou reprimir um pouco; coletivamente.
Só que o resultado ~ ainda uma revista
tradicional, sizuda, pela falta de
colaboração dos «desligados~. Mas que
é assinada coletivamente (talvez devesse
ser assinada também peios que não se
presentificaram mas que nem por isto
deixam de estar presentes, não?).
Isto nos faz pensar no que significa
o comprometimen.to com um editor para
a entrega de textos datilografados,
bonitinhos, numa data determinada, fator
este irrelevante para os que se empenham
no estabelecimento de ama contracultura.
Destruir o tempo e o espaço cultarais
é uma das metas iniciais do drop-out,
mesmo inintencionalmente, pois, afinal,
<eu estou na minha~ etc.
Nos faz meditar também sobre o que é uma
certa atividade intelectual no Brasil
de hoje. Nossa imensa satisfação ao
escrevermos textos ou fazermos confedncias
para trinta leitores ou oullintes pacientes
(<o prazer do texto~ de que tala Barthe$).
Ganhamos nossa certeza lógica,
exacerbamos nossas idéias até aos cortes
epistemológicos mais radicais e falamos
qfUlse sozinhos. Ou melhor, para sermos
mais rigorosos, o discurso se fala em n6s,
mas o outro emplrico não nos escuta,
cochilante e cheio. O que é isto e qual ·
o seu significado, especialmente numa
problei7Últica de pais subdeunvolvido,
eis a que não podemos deixar de nos
dedicar.
O ONTEM faleceu Noel Nutels. Seu lugar
mítico demarcado socialmente ua,
segundo os jornais, de <grande sertanista
brasileiro•. Só que ele o foi de um modo
lindo. Vendo o morticínio progressivo
dos indíos, Noel perguntou, escrevendo
a Léví-strauss, o que se poderia fazer
pela sua sobrevivincia. Afinal, teorizar
sobre os mitos, as linguas ou os alimentos
indigcnas é também uma forma de
eliminá-los, preservando seu exótico para
que a ferJria contemporânea possa ampllar
o Outro inconsciente do homem lxlrguis
branco civilizado.
Noel o dizia de outro mo(/o. Culto
cu1ti~simo, mas falando numa língdagem
sofnda, onde os corpos dos índios eram
também elaborados teoricamente: <Vocés
não :r(Jo antropdlogos, são antropófqon.
Incorporando o sofrimento do outro,
Noel se tornou um analista institucional
silvestre. Passou a mostrar que o
<anfropologuês> reduzia o lndio a não
ter corpo, mas só ritos, religiões e costumes
dist(ntos; corpo este que é uma das
instituições mais preciosas que a teoria
anfropoú)gica deveria -não apenas estudar-
preservar. Mostrou também como a
produção social, mais racional quanto
mais formas elaboradas de Tecnologia
usar, estava fadada a destruir o lndio,
mesmo quando pensasse em preservar
sua existincia.
Além disto, pela luta inglória e gloriosa
que levou para demonstrar seus pontos
de vista, sua defesa vigorosa em defesa
da vida do lndio, pela celeuma que
levantou com sua energia e sua grande
emocão e carinho, Noel se tornou
um analisador do lndio brasileiro.
A Noel Nutels -11nalista e analisador
institucional, homem maravilhoso-
dedicamos esta revista.
Rio, l i de fevereiro de 1973.
•
ACOES
-
Ensaio de Análise Institucional
Condições de ocorrência
Os três níveis .
Conceitos básicos
Instituição, linguagem, desejo
Prática teórica, prática institucional
7
8
,
ENSAIO DE ANALISE
INSTITUCIONAL
Análise Institucional é um método que visa
elucidar as relações reais e não somente
jurídicas ou puramente subjetivas que man-
temos com as normas instituídas; a ma-
neira pela qual os individuas se põem ou
não de acordo a fim de participar ou de
dar adesão a estas normas, assim como
as fonnas singulares de organização que
surgem e desaparecem. Em outras pala-
vras, entendemos por instituição não so-
mente as formas constituídas,. mas também
as modalidades de ação constituintes e os
processos de institucionalização que resul-
tam dos dois momentos precedentes. As
relações sociais reais, assim como as nor-
mas sociais, fazem parte do conteúdo do
conceito <instituição». Uma outra particu-
laridade de Análise Institucional vem a ser
o fato dela operar sobre situações con- ·
eretas na prática social. A Análise é, pois,
uma intervenção em grupos limitado~ tais
como organizações, instituições (no sentido
tradicional do termo), organismos, coleti-
vidades. Ela tenta mostrar que, em toda
situação, a ação das Instituições ausen-
tes/presentes, isto é, a ação simbólica, é
uma variável importante. Por conseguinte,
não somente a face objetiva da instituição
é levada em conta, mas também a face
simbólica, não-objetivável em termos de da-
dos de um. inquérito ou resultado de uma
observação. Na qualidade de modelo de
Análise social, alem de introduzir a dimen-
são <instituição» nas análises sociológicas
já conhecidas, ela chama a atenção para
as implicações sociais, econômicas e po-
líticas da observação sociológica. Trata-se,
para o pesquisador e 'para o analista, de
tomac como dados analisáveis, e não como
condições exteriores ao seu trabalho, as
condições nas quais ele é chamado, por
determinadas instituições, a intervir na qua-
lidade de especialista reconhecido. Se fala-
mos de observação sociológica, devemos
encará-la como instrumênto de trabalho,
tanto do analista que se encontra numa
organização, quanto do pesquisador. Donde
encontramos, atualmente, duas possibilida-
des de aplicação da «Análise lnstitucionab:
uma primeira quanto ao que chamamos
situações concretas (será o trabalho pro-
duzido em escolas, hospitais, empresas, or-
ganizações ou instituições de um modo
geral).
Neste caso, existe Análise Institucional onde
estão reunidas as seguintes operações:
Em t• lugar, análise da <Demanda-., com-
preendendo ·a demanda oficial formulada
pelos responsáveis e a demanda implicita
que se encontra nas entrelinhas desta de-
manda oficial. Além disso, existe Análise
Institucional quando procedemos à Análise
da demanda do grupo-cliente, composto
pelos membros da organização. O conjun-
to formado pelo Grupo-Cliente e o gru-
po-direção compõe o coletivo ou grupo
maior sobre o qual vai incidir a interven-
ção ou trabalho analitico.
Em segundo lugar, existe Análise Institu-
cional quando encontramos a <autogestão:.
praticada pelo grupo maior em relação a
horários, número de reuniões, entrosamento
entre as reuniões e as outras atividades
cotidianas: ordem do dia, programa, re-
partição em eventuais subgrupos, demandas
particulares com relação ao grupo de ana-
listas, modalidades de pagamento. Os obs-
. tãculos à autogestão da experiência de
Análise Institucional revelam os Ji~itçs, que
a Instituição impõe, as restrições que pro-
vêem da instituição.
Em terceiro lugar, encontramos a regra
da <livre expressão:.. Trata-se de restituir,
de tra;~;er à tona, de mobilizar durante as
sessões de Arálise Institucional o não-dito,
os rumores, os segredos da organização,
a origem social de seus membros. Os obs-
táculos, as impossibilidades a esta mobili-
zação logo virão à tona e poderão se
tornar evidentes. Esses obstáculos são ana-
lisados como reveladores da estrutura ins-
titucional e daquilo que chamamos o nãQ-
saber dentro das organizações. O não-saber
no sentido do desconhecrdo, censurado,
negado.
Em quarto lugar, a elucidação da «trans-
versalidade:., isto é, a dimensão onde en-
contramos o fato de se pertencer a outras
categorias sociais; o fato de podermos iden-
tificar ideologias e outras particularidades
que vêm negar o fato de se pertencer em
comum a uma determinada organização.
Por conseguinte, a alusão a estes grupos,
a estas categorias sociais e a estas parti-
cularidades pode assumir um aspecto po-
sitivo ou negativo: o que se propõe, o
que se quer dizer é que essas particulari-
dades, essas referências atravessam a or-
ganização, eis que o sistema social global,
a estrutura da sociedade dividida em clas-
ses se revelam, se manifestam na unidade
micro-social que é a organização. Se a
instituição é o que reproduz as relações
soCiais dominantes no seio de uma organi-
zação ou de uma coletividade, a análise
·da dransversalidade:. terá que enfrentar
resistências reveladoras das relações que os
interessados mantêm com as instituições.
Por conseguinte, podemos falar de <trans-
ferência institucionab, isto é, quando nos
referimos aos sentimentos, às fantasias, aos
desejos e às frustrações de .cada um para
com a instituição.
Em quinto lugar: elaboração da <contra-
transferência institucional:., ou seja, a aná-
lise das respostas que o grupo de analis-
tas fornece. O sociólogo, o psicossoci61ogo,
o psicólogo social têm normalmente muitas
dificuldades em reconhecer as implicações
de cada um para com o objeto estudado
(implicações de ordem afetiva, política etc.).
As resistências a esse reconhecimento fa-
zem parte do objeto de conhecimento, de
estudo. Estas resistências encontram-se no
campo de análise.
Em sexto lugar: a construção ou elucida-
ção dos canalisadoresJ>. Por analisador en-
tende-se alguém que, através das contra-
dições que este elemento introduz na lógica
da organização, enuncia e revela as deter-
minações a que está submetida a situação.
Por exemplo: um subgrupo divergente,
através de sua presença e através de seu
discurso ou através de seus gestos e ações,
provoca nos membros do grupo maior ou
coletivo a necessidade de se exprimir, de
se expressar ou silenciar certas coisas.
Prosseguindo, o analisador é capaz de exer-
cer pressões ou então repressões revela-
doras das relações de poder flue se en-
contram ao nível institucional::fFinalmente,
para concluir este parágrafo : o conceito
de instituição não se limita a designar um
modo de regulação externa aos indivíduos.
Seu conteúdo é feito de articulações entre
a a~ão histórica dos indivíduos, grupos,
coletiVIdades, categorias sociais, sem esque,
cer as normas sociais já existentes. Reco-
nhecemos af um cuidado em estudar as
formas constituintes e não-privilegiar as
formas constituidas. Mas a dialética do
constituinte e do constituído não se reduz
a uma oposição entre normas e <condutas
efervescentes» (Gurvitch), eis que as nor-
~as instituídas são produzidas pela histó-
ria, constantemente modificadas pelas forças
constituintes. Por outro lado, as condutas
efervescentes não são puramente espontâ-
neas: elas só podem se originar e se efe-
tiva~ a partir do que já. existe, isto é, a
partir das implicações .institucionais dos
atores (R. Loureau, 1971b).
A segunda aplicação ou campo de trabalho
da Análise Institucional pode se identificar
em trabalhos publicados recentemente. René
Loureau (1971) escreveu· um texto intitu-
lado A conw.na: um laboratório histórico.
Também Georges Lapassade (1971) escre-
veu um artigo intitulado Um analisador
hi$tórico, sobre o mesmo acontecimento (A'
Comuna de Paris). Vimos portanto. a Aná-
lise Institucional abordar acontecimentos
históricos, situações vividas atualmente ou
registradas em documentos à disposição do
analista. Em terceiro lugar, encontramos
a possibilidade de uma reflexão sobre
Ciências Humanas a partir de concei-
tos de Análise Institucional. A Análise
Institucional neste caso se constituí nu-
ma metodologia capaz de criticar a pro-
dução proveniente das Ciências Humanas;
t~ata-se de uma contribuição à teoria geral
das ideologias. Os mecanismos da ideolo-
gia instituem, atribuem aos indivíduos .o
lugar que lhes é destinado, dissimulando
o fato de que se trata de uma instituiçãl>.
9
A ideologia é assim vivida e tida como
uma condição natural que as garantias
cmplricas e especulativas fundamentam. A
proposição geral sobre a qual se basearia
uma teoria geral das ideologias é a de
que toda ciência, qualquer que seja seu
nível atual de desenvolvimento e s~u lu-
gar na estrutura teórica, é produzida por
um trahalho de mutação conceitual no in-
terior de um campo conceitual ideológico
com relação ao qual ela toma distância
(T. Hcrbert, 1968). Neste sentido, qualquer
ciência e principalmente ciência da ideologia
da qual ela se destaca. Se qualquer ciência
é ciência de uma ideologia, a ciencia das
ideologias não pode escapar a esta lei.
Seu obíctivo seria a teoria ideológica da
ideologia. As Ciências Sociais no estado
atual produzem esta teoria e aí está a
grande <utilidade teórica~ no que diz res-
peito às Ciências Humanas. Proceder à
Análise Institucional das Ciências Humanas
significaria examinar a situação onde as
Ci~ncias Humanas ocupam o lugar de um
proccs.•;o que poderia ter se produzido e
que elas censuraram c recalcaram. Assim
constitt!iu-se. um arsenal teórico-prático de
meio~ técnicos-políticos que se dão por
objetivo responder a uma demanda prove-
niente da formação social existente e que
visa adaptar-readaptar as relações sociais
reais. Proceder à Análise Institucional das
Ciências Humanas ~ignifica estabelecer a
distinção, como fez Lévi-Strauss, entre qlei
e regr~. Não confundir, portan1o, o pré-
consciente da regra ·sintática imanente a
um sistema fraseológico institucional dado
com o inconsciente da lei estrutural que
aciona as regras. Resulta dai qu'e a atri-
buição do lugar a alguém numa formação
social qualquer está impregnada dos me-
canismos da lei inconsciente, e não é a
tomada de consciência das regras pré-cons-
cientes q ue poderá liberá-lo de sua alie-
nação social. Neste nlvel, a Análise lns-
:itucional seria um aprofundamento dos
Instrumentos de análise macrossocial utili-
zando os mesmos instromentos de traba-
lho com relação à abordagem analltica
encontrada em instituições e organizações
concretas.
O Situação da Análise Institucional
com Relação à Pri tlca Psicológica
'A Análise Institucional su~deu a uma
,.abordagem que enfati~ava · o significado
· eJI1.?Cional das organizações, instituições e
i .
grupos. Max Pagês representa bem aquele
periodo quando 4iz: <os elementos condu-
tores na vida dos grupos, como na vida
dos índivlduos, são os sentimentos em par-
te desconhecidos (inconscientes). Estes sen-
timentos correspondem às angústias univer-
sais do homem (medo de humilhação, de
castração, medo do abandono, da super-
proteção, de manipulação). Os grupos <!~:­
fendem-se frente a estas angústias mobili-
zando outras angústias, assim como a partir
de ·mecanismos gerais de defesa que ten-
dem a impedir a expressão dos sentimen- ·
tos, inclusive a expressão individual ou
simbólica~.
Em outro texto acrescenta Pages : «A coo-
peração inconsciente na alienação e na
identificação é o sinal de uma cooperação
e de uma solidariedade inconscientes au-
tênticas, profundas, que elas exprimem ao
mesmo tempo que negam; a cooperação
é uma atividade orientada que modifica a
afetividade individual ligada ao encontro
na qualidade de significação deste encon-
tro~. Finalmente, assinala a função de de-
fesa contida na relação de autoridade con-
tra um sentimento coletivo atual, isto é,
contra um desejo inconsciente de coopera-
ção verdadeiramente experimentado pelos
participantes de um grupo ou de uma or-
ganização. Escolhemos Max Pages para re-
. presentar este perfodo anterior à Análise
Institucional porque ele leva às ultimas
conseqüências seu modelo, com bastante
seriedade científica, sem querer escamotear
aspectos que eventualmente o exponham a
críticas severas. De uma maneira provo-
cante dirá: <as empresas industriais capí·
talistas servem ·de ocasião onde os homens
procuram viver a experiência do a.mor,
onde os homens fazem a experiência do
sentimento amoroso. Digo, continua Max
Pages, todos os membros da empN:sa:
os funcionários, os operários, os che-
fes, os diretores. Naturalmente trata-se
de uma experiência muitas vezes vivida
no conflito:.. Não me refiro aqui, esclarece
o autor, cà alegria do trabalho~ nem à
qualquer ideologia do tipo <harmonia-na-
cooperação:. que cobre, não a experiência
do amor, mas os meios .de que se vale
a sociedade para se defender dos próprios
receios. Pois bem, foi com essa abordagem
do encontro e da cooperação inconsciente,
autêntica e profunda que rompeu a Análise
Institucional.
MalÇ Pages percebeu a dificuldade em que
se encontrava e na revista Arguments
adiantou : cAs atitudes inconscientes de
unta sociedade deveriam ser abordadas a
partir de comportamentos concretos, ativi-
dades, estruturas sociais que as exprimem
por um método análogo àquele empregado
pela Antropologia, mas aqui aplicado dire-
tamente ao conjunto de comportamentos
concretos na medida em que se investigas-
sem não somente os elementos permanentes
mas também as variações instantâneas:r..
Contudo, a alusão que faz o autor às
instituições e suas finalidades assim como
() propósito de abordar a estrutura social
conto portadora e veículo de expressão não
é levada às últimas conseqüências. O autor
permanece preso às suas hipóteses de en-
~:ontrar o significado emocional profundo
t.la vida dos grupos:..
Também a regra do ~aq ui e agora:. foi
ultrapassada em se tratando de Análise fn&-
titucional. A esse problema já se fez alusão
no texto de Garcia (1071). Restringir o
trabalho ao que se passa entre quatro
paredes significa de~conhccer os anteceden-
tes úe um grupo (a sua história), assim
também as coisas que se situam no futuro
(seu caráter prospectivo, suas fantasias com
relação ao futuro). Por conseguinte, o an-
rcs c o depois do grupo constituem objeto
tle análise, assim como o que se encontra
fora da sak1, nos corredores, no organo-
:::rama, ·na organização,' nas inscriç<ies que
se encontram muitas vezes em lugares cen-
surados (banheiros etc.). Todo esse mate-
rial se constitui em objeto de estudo numa
experiencia em Análise Institucional. Vale
dizer que a Análise Institucional assim de-
finida dá ênfase ao discurso enunciado
pelos participantes em situação de grupo,
acreditando-se que o referido discurso faz
menção à instituição onde, ele, discurso,
toma foros de significação. Leva-se em
conta o discurso enunciado por outros de-
partamentos, outros setores, outros parti-
~cipantes presentes na situação, ou simples-
mente lembrados.
LJ A Universidade e o Saber çoroo
forma de poder
Uma Instituição a Analisar
O Discurso Pedagógico
O ato pedagógico que inspira e dá for-
ma à situação de aprendizagem só pode
ser entendido se relacionado com a insti-
tuição na qual está Inserido.
Durante os últimos anos, demos ênfase ao
método (,le e nsino e aos aspectos emocio-
nais presentes na situação de apren-
dizagem.
Temos falado em grupo, em aprender em
grupo, em grupo de discussão. Temos fa-
lado em relacionamento professor-aluno.
Temos falado nas desvantagens da aula
expositiva, notas atribuídas pelos próprios
alunos, notas atribuídas pelo grupo. Neste
caso, incluímos nossa atividade até o pon·
to em que fizemos a revisão q ue nos ser-
viu de ponto de partida para a redação
deste capítulo.
Es.-;a ênfase parece ter obscurecido, ter
desconhecído um terceiro termo: isto é, o
.~aber, a relação para com o saber, o sa-
ber instituído em suas formas universitárias.
Essa pedagogia inspirada em Relações Hu-
mana!l tem .esquecido o problema da ins-
tituição. Vale citar a influência que tem
tido Carl Rogers, nesse momento. Bastaria
citar seu texto On Becoming a Person. E
em Rogers reconhecemos o inovador, o ho-
mem de intuições, mas em quem a estru-
tura social, as instituições não são levadas
na devida consideração. Se o não-direti-
vismo é outra coisa que uma máscara ideo-
lógica ou ilusão, então não se define como
uma transformação da relação particular
professor-aluno (como se estes dois seres
fossem duas essências universais) mas co-
mo uma transformação da relação que
mantém o transmissor do saber (o profes-
sor) frente ao próprio saber, não em ter-
mos de conteúdo em Juta com outros
conteúdos, mas na mcdid_
a em que ele é
institucionalmente produzido, conservado,
transmitido, controlado, aplicado e sancio-
nado (R. ·Lourau).
Em Rogers, o não-diretivismo individual e
social não contesta o diretivisino estrutu-
ral. cL'auto-formation non-directive n'est
pas fondée sur l'auto-gestion de cette for-
mation:t, dirá G. Lapassade.
Quanto às utilizações das técnicas de gru-
po, gostaríamos de dizer que a pedagogia
de grupo tende a autonomizar o grupo,
esperando dele remédio para todos os ma-
les. Ora, o grupo só existe na medida e.m
que ele responde a exigências da socie-
dade. Por outro lado, podemos dizer que
o grupo é um fantasma, nele colocamos
todos nossos desejos não satisfeitos, nos-
sas frustrações. Em volta da mesa de reu-
nião (dita mesa-redonda) acreditamos todos
iguais. A mesa-redonda, como sabemos, é
uma falácia Ela nega o problema do po-
der, que mais cedo ou mais tarde reapa-
rece. Anzieu já havia falado na c:grupite~,
doença que nos tem atacado nas últimas
11
dé<:adas.. Fazemos reunião de grupo para
tudo.
Por outro lado, não queríamos aqui su-
bestimar o grupo. O lugar de convergência
e de atrontamento das exigências e das
solicitações advindas da instituição vem
a ser o grupo, mas sem por isso assumir
poder mágico.
Concluindo este parágrafo: o mediador na
relação profellsor-aluno, segundo R. Lourau,
parece ser o saber. Mas também neste
caso a diferença de status, entre aquele
que está encarregado de transmiti-lo e
aquele que é encarregado de adquiri-lo,
cria uma oposição que as técnicas libe-
rais mal conseguem camuflar.
Um outro capítulo dessa Análise Institu-
cional do discurso pedagógico deve se re-
ferir aos exames, às notas. já lembramos a
inovação liberal baseada na pedagogia de
grupo que consiste em se pedir ao grupo
que atribua uma nota a cada colega; ou
ainda, que cada aluno estabeleça uma
auto-avaliação.
O liberal Carl Rogers já havia senten-
ciado: «We wou!d do away with examina-
tions:t (Personal Thoughts on .fcaching
and Learning), e mais: <T he implication
would be that we would do away with
grades and credits. People would get to-
gether if they wished to Jearn:t.
O que este autor não disse é que a Aná-
lise Institucional do exame nos leva a crer
que ele é uma instituição destinada a se~
lecionar, em função do saber, pessoas que
tiveram chance de fazer estudos. Pelo ti-
tulo que ele (exame) confere, estabele-
ce separações na sociedade em nome da-
quilo que justamente pretende estabelecer
união: em nome do conhecimento. Diria
que o exame reflete a função social do
saber.
"
A Análise Institucional deve ser uma inter-
venção na prática do ato pedagógico. Po-
der-se-ia objetar que o pedagogo não é
um Psicólogo Social - é verdade. Por~
tanto, a formação dos futuros pedagogos
deveria fornecer os instrumentos . susceptl-
veis de serem utilizados na situação pe-
dagógica. O professor não seria uma má-
quina de ensinar. A análise das condições
reai!l de seu trabalho não pode ser dei-
xada de lado sem acarretar um isolamen-
to e um caráter de magia que envolve
~ada disciplina ensinada pelo professor. A
msistêncla sobre o aspecto social e insti-
tucional do trabalho escolar restitui à Pe-
~gogia seu fim educativo, negligenciado
pelas técnitas que visam sobretudo aqui-
stçao do conhecimento. A esse respeito, di-
ria que o ensino programado, interessado
na eficácia da aquisição, deixa de analisar
as ra~ões pelas quais alguém opta por esta
ou aquela . aquisição.
O A Aproprla4jio do Saber
Em primeiro lugar, não consideramos o
saber como um conjunto de conhecimento
acumulado que o professor detém e procu-
raria difundir através de técnicas mais ou
menos dinâmicas a quem até então estaria
privado deste saber. No entanto, reconhe-
cemos que há um tipo de conhecimento
constituído cuja transmis.c;ão parece em
contradição com nosso discurso pedagógico.
Por outro lado, sabemos que todo e qual-
quer saber é o resultado de uma pesquisa.
Contudo, essa pesquisa é o privilégio de
alguns que são os criadores do saber. A
pesquisa é reservada a uma minoria. E
então segue-se a conclusão: n quantidade
de conhecimento sendo enorme, s ua difu-
são é uma tarefa prioritária. E está jus-
tificada a rep11rtição entre aqueles que
criam o saber e devem transmiti-lo e aque-
les que devem memorizá-lo.
A distribuição do saber pode, evidentemen-
te, se resumir a uma questão de embala-
gem e entrega. Esse procedimento satisfaz
algumas vezes o estudante que, desta ma-
neira, vê sua exigência neutralizada. Ou-
tras vezes, e com ·freqüência, o eshidioso
permanece insatisfeito. Pois que, de fato,
n.ão . era o saber que ele pedia, mas o
poder que está relacionado com (pelo me-
nos assim c.rêem os que o pedem) o sa·
ber. Essa distribuição do saber neutraliza
aquele que vem à escola na sua função
de solicitador, no seti papel de quem faz
exigências, mas não o constitui em pesqui-
sador-criador. Encontrar simplesmente ca-
minhos já percorridos significa privar-se de
espaço para a criatividade.
O A Reforma · UniversiUirla
A Reforma Universitária ora em curso no
Brasil se apresenta em mais de um sen-
tido como modernizante. E' de se acredi-
tar que a Reforma encontre resistência
por parte da Universidade na medida em'
que ela, Reforma, implica até certo ponto:
em declinio da Universidade, pelo menos
se temos em mente o modelo antigo que
tem presidido à organiutção e à susten-
tação das estruturas universitárias. Temos
visto o Ministério da Educação Nacional
desejoso de levar mais longe os objetivos
da Reforma, frente à timidez ou hesita-
ção do nosso ambiente universitário.
Acresce que· a Universidade ainda repre-
senta para muitos o exercício do poder
a que se fez alusão no texto. Ora, abalar
este poder significa pôr em questão um
certo número de privilégios. Um caso ti·
pico vem a ser a licenciatura de curta
duração que obriga a uma redefinição e re-
organização do campo das Ciências tal
como ele se apresenta na Universidade
Brasileira.
Por outro lado penso que a noção de
sistema não basta na abordagem do con-
texto universitário. o <produlo:t (assim
chamado), encontrado no final da cadeia
de produção, não é tão bem definido como
no caso de uma fabricação em série. Fa-
la-se que o produto vem a ser em alguns
:asos o chamem culto:~>. E nada menos
sistêmico do que o c:homem culto:t. Este
vem a ser uma mistura de c:desejo:t, aven-
tura intelectual, resposta a uma demanda
do mercado, lugar· onde sopitam as mais
variadas ambições. Quando se fala em pro-
duto, em se· tratando de uma empresa, o
Departamento de Produção sabe muito bem
de que se trata. O produto (objeto, bem
de consumo, matéria-prima) pesa de seu
peso obietivo na balança da instituição.
No caso do <homem culto:t, o produto
tem conotações imaginárias, responde mui-
tas vezes ao plano do simbólico, ou tjl)-
vez da utopia. Mas a reforma é moderni-
zante. Ela o é na medida em que aciona
dispositivos por vezes para-universitários a
fim de suprir ·a falta de flexibilidade em
atender uma demanda que se faz eviden-
te no atual estágio de desenvolvimento
do pais.
Finalmente, como não poderia deixar de
ser, a Reforma prepara, estrutura um no-
vo arranjo no jogo de forças presentes
na atual conjuntura brasileira. Em que
sentido vai se inclinar a balança? Creio
~ecessário ·colocar a pergunta, não para
mvalidar a Reforma, mas num sentido
prospectivo, já que o sistema (se sistema
e_xiste) muda constantemente; já que o des-
ltno de uma Reforma é ser reformulada
por uma nova Reforma.
Somente um acompanhamento cuidadoso do
que vai acontecendo enquanto a Refofma
se implanta poderá nos dar elementos que
respondam ã pergunta feita há pouco. Se
alguém for simplesmente contra a Refor-
ma então não poderá perceber o desloca.-
mento do poder proveniente da própria
Reforma - eis que uma visão sectária
impede um dimensionamento da situação.
Se alguém idealiza a Reforma, fetichiza
seus marcos referenciais, suas proposições-
chaves (por exemplo: não duplicidade de
ccadeiras:. ou unidades de ensino na Uni-
versidade), não poderá perceber a quota
de irracionalidade presente em todo sis-
tema. Para finalizar, diria que o <produto:~>,
«o homem culto•, não é nem adaptativo,
deste modo nem sempre ele cassociates
or identifies himself readily with the larger
organizational of which he forms a par!:t,
como parece pensar james Buchanan (1965)
- nem tampouco o <produto:t é <an
individual utility-maximizer:t - alternativa
_
que se oferece ao mesmo Buchanan quando
ele recorre ao modelo econômico clássico.
Nem adaptativo, nem c:utility-maximer:t, o
«produto:~> só conhece cpntradições. Não c
dizer que ele oscila misteriosamente de um
pólo (adaptativo) a outro pólo (c:utifity-
maximizer,.). O «produto• fabrica - isto
sim - projetos não só no nível do desejo
mas também no nível da produção social.
Não há distinção especial a estabelecer
entre a produção social da realidade e a
produção desejante em termos de fantas-
mas, no sentido freudiano do termo. A pro-
dução social vem a ser simplesmente a
produção de desejo sob determinadas con-
dições. A libido não tem necessidade de
mediação, nem de sublimação, nem de
transformação especial para investir o cam-
po social (Deleuze e Ouattarl, 1972). Nós
deliramos o campo social, assim como o
campo social invade nossos projetos mais
recônditos. E que não se venha pedir à
Psicologia aquilo que a Economia não po-
de dar, eis que ela atinge o seu !.imite -
parece ser a posição de Mancur (1968):
cWhere non-rational or irrational behavior
is the basis for a lobby, it would perhaps
be better tu tum to Psychology or Social
Psychology than to Economics form a re-
levan( Theory:..
O fracasso da Psicologia (Ciência da adap-
tação) é tão grande quanto a falsa mo-
déstia da Economia diante do problema
aqui citado e pressentido por Mancur, assim
como por Buchanan. Para abordar um
campo onde a Psicologia se formou, iniciou
sua construção como ciência, vamos abor-
dar o problema da doença mental, para
verificarmos o limite da Psicologia. Este
limite está inscrito na própria constituição
da ciência psicológica.
13
0 Um Hospital Psiqul,trlco
Em um trabalho que tivemos ocasião de
conduzir, num hospital Psiquiátrico, ado-
tamos estratégia que procurava equilibrar
participação dos médicos, pessoal funcio-
nário administrativo e demais componentes
da equipe psiquiátrica, e burocracia, isto
é estabelecimentos de regulamentos, reda-
çÍio de ofícios, decisões de diretor. Sem-
ptc que possível, as. atividades de p~r!i­
cipação nos da~·am p1stas para a defimçao
da política administrativa. Na época lasti-
mamos que a burocracia seguisse com mui-
ta dificuldade a evolução do significado
que tem a instituição vivida no nível do
grupo. Haveria, pois, sempre esta possibi-
lidade do envelhecimento do significante
(nível da instituição) com relação ao signi-
ficado (nível da vida do grupo). No refe-
rido hospital, por mais de uma vez, pen-
sou-se em criar dispositivos que assegu-
rassem de uma mane.ira permanente o que
se procurava atingir com o· trabalho de
Análise Institucional; algumas sugestões
levantadas diziam respeito a: 1) direção
colegiada, 2) grupo de assessores situado
entre a direção e o pessoal técnico, 3) reu-
niões de caráter permissivo com ou sem a
presença do diretor. Nenhuma dessas SO·
luções foi tentada de uma maneira siste-
mática. De fato, nenhuma delas resolveria
o problema ou responderia à pergunta que
inquietava a todos nós, psicólogos, psi-
quiatras, direção do hospital, funcionários,
analistas. Este problema, esta pergunta diz
respeito à angústia que experimentamos
quando vemos uma instituição, um· grupo,
ou ainda uma palavra perderem seu sen·
tido, passarem a ser denominados por ou-
tro nome. Ao que parece, isso nos traz
grande insegurança, pois estaria ameaçada
nossa própria identidade. Principalmente se
essa mudança ·se faz longe de nossa pró-
pria experiência, ~ esta se realiza (Con-
tra nÓS).
Com este comentário ficamos a meio do
caminho. A angústia de que se fala no
comentário anterior parece solta no espaço,
sem nenhuma conotação institucional, sem
nenhum vínculo sócio-econômico. Vamos
pois levar mais adiante nossa reflexão.
Nossa deficiência nessa época consistiu em
não relacionar burócracia e participação
como faces de uma mesma superficie. Essa
separação entre burocracia e participação,
em se tratando de um hospital psiquiá-
tTico, tem gerado expcriblcias que vamos
ordenar, fazendo alusão a três tipos.
Num primeiro tipo teríamos as experiências
que consistem em separar no hospital (no
tempo e no espaço) zonas de psico1era-
pia onde prevalecem relações afetivas pes--·
soais, de zonas de organização adminis-
trativa onde prevalecem relações puramente
formais. Um segundo tipo inclui modifica-
ções na organização formal do hospital.
De uma maneira ainda isolada ~o atin-
gidas (sempre que possível analisadas) as
atitudes individuais, ao mesmo tempo em
que se procurava vencer a resistência sus-
citada pelas mudanças introduzidas.
Provavelmente, nesse segundo tipo estaria
incluído o traball1o que realizamos no Hos-
pital, notadamente quando dissemos que
nosso trn·balho estava orientado por um
movimento de balança entre partiripaçáu
e burocracia. Hoje, já passado algum tem- ,
po, podemos dizer que se tratava de ve~­
ccr resistências (quando conduzíamos ati-
vidades de participação tipo Grupo T.)
suscitadas pela nova orientação que partia
da burocracia. Esta orientação dizia res-
peito à renovação do quadro do hospital
(quando os médicos antigos deixaram o
hospital enquanto os novos se instalavam);
exigência de maior rigor quanto à forma-
ção dos jovens estagiários; introdução de
novos especialistas entre o pessoal do hos-
pital, tais como psicólogos, profe.ssoras,
praxiterapcutas. Mesmo quando pensavamos
acompanhar de perto a evolução da insti-
tuição hospitalar para atualizar regulamen-
tos mesmo neste caso, tinhamos em mente
um' esquema de separação dos dois aspec-
tos aqui abordados. Vamos definir o ter-
ceiro tipo, caracterizando as~im o trabalho
de Análise Institucional realizado em hos-
pitais psiquiátricos. As experiências do
terceiro tipo visam modificar simultanea-
mente a estrutura do poder e as atitudes.
Esse tipo fundamenta-se no postulado de
que não existe separação rígida entre fe-
nOmenos coletivos e individuais, entre com-
portamentos e moda!idades de pensamento
que inspiram ações e relações entre as
pessoas. Assim é que consideramos pouco
útil conduzirmos experi~ncla do tipo Oru-
po T. isoladamente, sem inseri-la na ins-
tituição de onde provêm os participantes,
sem pOr em pauta a própria organização.
As experiências definidas como fazendo
parte do tipo três, inspiram-se largamente
em conceitos e procedimentos elaborados a
partir do pen~amento freudiano. Esse pro-
cesso de análise visa nfio os sintomas
individuais, mas a significação institucio-
nal que eles traduzem. A evolução das
atitudes e das relações interpessoais acom7
panha a modificação das estruturas aqu1
definidas como sistemas de repres_entações
simbólicas e de sentimentos coletivos de-
terminantes na vida da instituição. A no-
ção de estrutura social por nós propug-
nada admite que mecanismos de defesa
designam tanto fenômenos S?ciai~ como fe-
nômenos individuais. Adm1te tgualme.nte
que tais mecanismps obse_rva~lo~ _em dt~e­
rentes níveis - indivíduo, mst1tu1~ao, SOCie-
dade - estão em estreito relacJOnament~
~ se reforçam mutuamente. A esse respet-
tt) vale lembrar hipótese de f rantz. ~anon,
psiquiatra que trabalhou na Argella du-
rante a guerra de libertação, segundo _a
quat· a maior parte das doenças ~enta1s
tratadas no hospital não eram sc~ao as-
pectos (já aumentados) das relaç~ ~­
dais vigentes no tempo da dom1naçao
francesa em outras palavras a relação co-
lonizado~-colonizado. Para André ~evy . (que
tomamos como orientação para ~~~cuttrmos
0 problema das estruturas. so:_1a1S .e .de
suas relações com as mohvaçoes indiVI-
duais) não poderiamos afirmar que as es-
truturas sociais são determinadas pelos
~entimentos coletivos e atitudes _
e que es-
tes elementos constituem a reahdade fu~­
damental, ma~ que as atitudes ~ os se_nb-
mentos coletivos (muitas vezes mconSCI~n­
temenie) estão ligados às representaçoes
das estruturas.
objeto, ritual da circunstância, pri~il~gio
do que fala: eis três tipos de pr01b1ção
que se cruzam, se reforçam, formando uma
grade complexa onde se encontra preso o
doente menta~ e de onde ele tenta uma
explicação com o fl!Undo (tutelad~ como
poderia ele se mamfestar?) . O dtscurso,
aparentemente, parece pouco, .~a~ desde
logo percebemos que as prmb1çues que
a ele se referem são relacionada~ com o
poder e o desejo (tutelado quer dtzer des-
pojado do poder político; i_ntcrnado qu~r
dizer privado, longe do ObJ.eto do deseJO
- o hospital onde trabalhe! era um hos-
pital só para mulheres).
15
0 o Paradoxo Transparece...
o Discurso da Instituição... O
Minha hipótese é a seguinte:_ suponh~ que
em toda sociedade a produc;ao do discur-
so (da fala, da expressão) . é .co~trolada,
selecionada, organizada e red1strtbUJda .atra-
vés de um certo número de procedm_ren-
tos cjue tem por função afastar os pengos
c controlar as ameaças. Numa sociedade
como a nossa, conhecemos perfeitamente a
exduáão - que é um dos exernpl_os dos
mais evidentes quanto aos procedtmentos
acima aludidos (interna~ento de pacien-
tes). Nem mesmo a comunidade tera~u­
tica foi capaz de encaminhar o _problema:
ela liberou o doente mental e mternou a
doença mental. Próximo à exçlusão temos
um outro procedimento, bastante comum,
que é a proibição. Sabemos perfeitamente
que não temos direito de dizer tudo, que
não podemos falar de tudo, em qualquer
lugar. que, enfim, não é qualquer um que
pode. falar a qualquer momento. Tabu do
O O Poder
0 movimento de Antipsiquiatr_i~ ati~ge nos--
sas posições ideológicas tradtcto.nal.s. Colo-
cando em questão u status atn?ul_do. pe!a
sociedade à cloucurn:., a AntípSIQUtatna
contesta a concepção ~on~er~a_?ora ~ue tu.n-
damenta a criação de mStltwçoes alienantes,
abalando assim os fundamentos sobre os
quais repousa a prática médica e o poder
médico. (Só tive noticia de um caso d.e
violência física por parte do _pessoal psi-
quiátrico, foi quando uma pac1~nte .desres-
peitou a autoridade de um médico, fechan-
do-o numa sala de secretaria, c<?nser~ando
a chave consigo. Invertia-se a Sltuaç~o : o
mMico queria sair, a paciente não. deJXa~a.
A chave estava com ela. A bnncade1ra
acabou mal para a paciente). O Con.gres-
so de Psiquiatria realizado e~ Araxa en-
sinou-nos algo extremamente mter~ssan~e:
as escalas de avaliação, os questio~ár1.os
nos mostram uma tendência entre ~qu!a­
tras no sentido de uma menor ace1taçao,
no final do Congresso, em relação à Co-
munidade Terapêutica (tema do Congres-
so). A equipe que conduziu os trabal~os
de avaliação aventou hipótese nos segum-
tes termos: o Congresso de Araxâ colo-
cava os psiquiatras, à medida . q_ue ~s
discussões progrediam, frente à Jttunênct~
de uma prática de Comunidade Terapêut~­
ca cada vez mais extensa, cad~ v.ez matS
efetiva. Ora, Comunidade Te.rapeutica quer
dizer para o psiquiatra, assim como para
a instituição psiquiátrica de ~m m~o. g~­
ral nova repartição de papéiS, redtStnbaJ-
cã~ de poder. Não é fácil para qualquer
um de nós desistir de . uma parte da
liderança exercida, renunciar ao exercido
do poder ao qual estamos habituados..Por-
tanto, a iminencia de uma Comunidade
267
16 Terapêutica provocou entre os colegas psi-
quiatras um recuo na aceitação desta mo-.
dalidade de relacionamento com o doente
mental, pela percepção clara ou não que
tiveram da situação. O mesmo raciocínio
poderíamos utilizar para entender o entu-
siasmo crescente, no caso (maior no final
do Congresso do que no inicio), demons-
trado por psicólogos com relação à idéia
de Comunidade Terapêutica.
O O Doente Mental
Ausente/ Presente
Laing e Cooper nos mostraram que a doen-
ça mental (a loucura) não existe cem!>
um individuo; trata-se de um rótulo im-
posto por um outro. Para falar a ver-
dade, nos defrontamos com uma situação
onde o que há para ser ouvido é a ma-
neira como a palavra alienada se encon-
tra presa nas malhas de uma palavra alie-
nante. Nos dizeres da Antipsiquiatria, a
loucura não é jamais a falha contingente,
nem a soma das fragilidades de um or-
ganismo; ela é, pelo contrário, a possibi-
lidade permanente de uma falha sempre
presente. (0 doente foi o grande ausente
no trabalho que conduzimos no hospital a
que nos referimos). Nada nos autoriza a
dizer que a doença mental seja um insulto
à liberdade, como pretendem os psiquiatras
liberais e liberalizantes; ela ~ a fiel com-
panheira do homem, ela segue e acom-
panha os movimentos do homem. O ser
humano não pode ser compreendido sem
a doença menial, sem a loucura. (Não é
a Psicologia que detém a verdade sobre
a loucura, e sim o contrário).
O doente mental é, portanto, examinado
na portaria pelo médico de plantão. Fre-
qüentemente é levado por familiares que
querem se ver livre dele, ou pela policia,
no caso de hospitais para indigentes, que
assim decide internar o c:loucot . Em se-
guida, é encaminhado para uma enferma-
ria onde vai aguardar os exames cllnicos
complementares. Depois, deverá se subme-
ter ao tratamento indicado. E não se fala
mais nisto. Ele está presente. Mas faz-se
o posslvel para não se falar nele. No dia
primeiro de Maio de 1968 participei de ex-
periência extremamente interessante no Hos-
pital onde aprendi o pouco que aqui re-
lato. Esta nova experiência intitulou-se
c:Reunião Comunitária de Hospitab e con-
sistiu num intercâmbio de papéis. Durante
vinte e quatro horas, cada um doa médi-
cos, cada um dos funcionários, cada um
ocupou um papel diferente daquele de que
se via incumbido habitualmente. Comentá-
rio à margem, no meu diário de expe-
riência: ·
cE' uma pena que os doentes não tivessem
sido incluídos, pois só então teríamos atin-
gido o centro da questão,. Tínhamos a
impressão, na época, de estar revirando
completamente o hospital, vasculhando in-
teiramente suas estruturas, sua rotina. Que
todos sairiam daquela <Reunião Comunitá-
ria:. com outra visão dos problemas, mu-
nidos de tolerância para com as imperfei-
ções do sistema, dispostos a progredirem
na aprendizagem do trato com a doença
mental. Pois nada disso aconteceu.' Ou
pouco, muito pouco. De fato, alguma coisa
deve ter acontecido. Pois o vácuo não per-
dura. Assim, , a jovem equipe, obíeto de·
trabalho de Análise Institucional na época,
ocupa hoje postos de direção de hóspitais,
lugares de destaque nas associações cien-
tificas e profissionais, consultórios de clién-
tela particular.
Houve um deslocamento da região onde se
processava o conflito, mas os termos do
conflito continuaram os mesmos. Antes do
trabalho de Análise Institucional havia de-
fasagem entre um grupo jovem e um grupo
mais antigo. O antigo retirou-se, deixando
lugar aos mais jovens. Os mais jovens
passaram a viver conflitos que muito têm
a ver com a parte censurada da Instituição
e que jamais foi abordada. O processo de
exclusão continuou sendo o procedimento
por excelência, mesmo em se tratando da
relação frente ao saber. Onde residiria o
impasse dessa investigação que não é ca-
paz de nos dar condições para nos apro-
priarmos do saber, do conhecimento como
meio de ultrapassar as contradições?
O O Saber, o Conhecimento
A?andonando os procedimentos cientlficos,
faremos surgir um campo de onde o sa-
ber poderá ser interrogado num contexto
diferente. O abalo introduzido pela An-
tipsiquiatria na instituição onde estão in-
ternados os loucos, coloca a loucura em
situação de ser percebida de uma maneira
diferente e o psiquiatra a repensar sua
própria relação frente ao saber. O que a
Antipsiquiatria procura preservar, como nu-
ma Psicanálise, é uma forma de saber que
nunca é dado, e que se revela na lingua-
gem do paciente, como se fosse um acon-
tecimento que se repete e que se revela
nas falhas, nos lapsos, nos trocadilhos, nos
esquecimentos contidos no discurso. Ela
procura criar condiçOes para que o discur-
so da loucura venha a ser enunciado sem
restrições. A Antipsiquiatria não conhece
o veredicto, isto é, ela não utiliza o .-dos-
sier,, a pasta, a qual se é de alguma uti-
lidade, que freqüentemente serve para tornar
mais difícil a apreensão dinâmica de uma
situação (a do paciente). A crença do pú-
blico no que está escrito pelo doutor, pelo
psicólogo em se tratando de testes, é um
dos aspectos que orienta a entrevista com
( l paciente, para o estabelecimento de um
veredicto. E' a família que pede esse ve-
redicto. Ora, poderíamos dizer que é mais
do lado da . família do que do lado do
paciente que há alguma coisa a ser des-
lindada, elucidada. Em reunião de grupo
no cXIII arrondissemenb de Paris (onde
se levou a efeito a experiência mais ex-
tensa de Psiquiatria setorizada) foi res-
pondido a um pai que relatava o caso de
seu filho para saber se ele (o filho) era
ou não louco: c:Se ele ~ louco, não sa-
bemos, mas que a família X está louca,
tudo nos leva a crer,.
Que tipo de Ciência seria praticada nessa
instituição que seria o hospitaJ psiquiá-
trico, tal como nós o conhecemos? Poder-
se-ia dizer como Melman (1967): <O cam-
po da Psicopatologia até Freud caracteriza:-
se por uma certa aridez; nele encontramos
noções tomadas por empréstimo a filósofos
e ideólogos que constituem o velho fundo
comum das idéias numa comunidade; seu
caráter patente de inadequação com rela-
ção ao objeto a que se destina (ou que
tem em mira} o sintoma, nunca impediu
uma aplicação e uma prática que é a da
Psiquiatriu.
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SARTRE, Jean-Paul. Crltlqu• de
la ral1on dlaléllque. Oall!mard,
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QUANDO OCORRE
ANÁLISE INSTITUCIONAL
Existe Análise -Institucional quando estão
reunidas as seguintes operações:
I. Anâlise da Demanda: que compreende a
demanda oficial formulada pelos responsá-
veis, e a demanda implicita que se encontra
atrás da demaoda oficial.
2. Autogestio: ~ o grupo cliente que decide
sobre horário, número, espaço entre reu-
niões, pagamento dos analistas etc.
3. Regra de liv~-expresslio: durante a aná-
lise, o não-dito, os rumores, os segredos
da organização, a origem socíal dos. par-
ticípantes serão 4'trazidos à tona>. Os obs-
táculos a esse deslocamento do <não-dito>,
são analisados como reveladores da es-
trutura institucional e daquilo que é o
«não-saber> no interior das organizações.
cNão-saber> no sentido do desconhecido,
censurado e negado dentro da instituição.
4. Elucidações da transversaUdade: a divi-
são da macro-estrutura social em classes,
ideologias e outras particularidades refle-
te-se no microssistema que é a organiza-
ção, impedindo o <pertencer em comum:.
a uma determinada instituição pelos seus
membros. A análise da transversalidade en-
frentará resistências reveladoras das rela-
ções dos interessados para com o micros-
sistema, e aqui falaremos da <transferên-
cia institucional> que é o conjunto de
desejos, frustrações de cada um para com
a instituição.
5. Elaboração da Cootratransferência Insti-
tucional: é a análise das respostas que o
grupo fornece. As dificuldades de reconhe-
cer as implicações de ordem afetiva, polí-
tiCa etc., para com o objeto estudado exis-
tem, e as resistências a este reconhecimen-
to estão também no campo de Análise.
6. Construção ou elucidação dos analisado·
res: analisador é aquele que, através de
contradições introduzidas na lógica da or-
ganização, enuncia e revela as determina-
ções que se escondem na lógica da situa-
ção. Existe o analisador natural, que é
exemplificado pelo <grupo divergente:., o
qual - pelo seu discurso, presença, ges-
tos ou ações - provoca nos outros mem-
bros a necessidade de expressar ou silen-
ciar certas coisas. Ele exerce pressões ou
repressões no sentido de revelar as rela-
ções de poder que se encontram ao nível
Institucional.
As outras operações mencionadas acima
constituem os analisadores construidos para
desempenhar um papel no dispositivo ana-
lítico da intervenção. Dispositivo este que
é o analisador experimental de base,
OS TRÊS NÍVEIS
,
DA ANALISE E A MUDANÇA
Como distinguir a cdimensão institucío-
nab nas situações de formação e de in-
tervenção?
A. As Estruturas
Tomemos como exemplo os Seminários de
formação - aliás, foi justamente nestes
seminários que começamos nossas pesqui-
sas institucionais. A análise dos seminários
de dinâmica de grupo leva-nos a descobrir
uma dupla articulação do reprimido, que
podemos enunciar da seguinte forma:
I) A ênfase que é dada à análise do grupo
por si .mesmo (Grupo T, grupo centrado
sobre SJ mesmo etc.), quaisquer que sejam
os princípios desta análise (Jewlniana freu-
diana, rogeriana), fa~ surgir um certo ma-
terial analisável, que deve ser analisado.
Mas, ao mesmo tempo, esta análise pode
ocultar as questões colocadas pelo nlvel·
que chamaremos agora de organização da
formação. • ·
2) A organização da formação, no mo-
mento em que for analisada, deverá ser
«ultrapassada>, para ser compreendida, pe-
la análise da instituição da formação (o
campo institucional, isto é, a instituição da
relação entre o saber e o não-saber etc.).
Temos, portanto, três nivels de análise, que
devem ser trabti/hados:
a) o grupo;
b) a organização;
c) a instituição.
A tendência que encontramos com maior
freqüência entre os formadores é a de se
prender ao primeiro nlveJ, o nfvel do gru--
po; às vezes, mesmo o nivel especifico do
grupo é ocultado pela análise psicológica
dos individuas que o compõem e de suas
inter-relações (em Bethel, M. Pagês obser-
vou um certo abandono do nfvel do grupo
em beneficio da psicologia dos indivíduos
em grupo). ·
a) O nível do .grupo é aquele onde se
passa, em primeiro lugar, a análise. O
grupo é o conjunto de pessoas reunidas
aqui e agora, com um monitor, para se
dedicarem à atividade de formação.
b) O nível da organização diz respeito à
gestão (esta palavra é tomada em seu sen-
tido mais amplo de arranjos relacionados
com a programação da sessão). Assim, o
seminário de formação é organizado em
função de certos objetivos que foram de-
finidos previamente pelos formadores e que
são em seguida propostos a seus clientes
(os estagiários), que deverão alcançar es--
tes objetivos; alguns meios são utilizados
durante o seminário, como por exemplo,
os grupos de evolução, as exposições, os
intergrupos, os grupos comuns e as as-
sembléias gerais.
Chamaremos organização da jormaçãq esta
disposição dos papéis e das atividades: a
distribuição das tarefas, dos status e dos
papéis (os formadores, os analistas, os
conferencistas, os estagiários) utilizados no
sentido de alcançar os objetivos da forma.
ção (atividades de auto-análise do grupo,
exposições, horários, programas etc.).
Ora; na prática tradicional de estágios e
semin,ários de formação, nunca se faz uma
análiSe do aqui-e-agora em termos deste
nlvel organizacional. Não são examinadas
com maior profundidade as relações entre
os indivíduos que estão sendo formados
e a <organização> que produz o estágio,
que distribui as circulares, que toma nota
das inscrições, que paga os honorários
dos animadores, que planeja as atividades
anuais. Esta organização dos seminários
é, freqüentemente, um grupo profissional
privado de psicólogos.
Geralmente; o nível organizacional é dei-
xado na sombra. Não é abordado mais
profundamente um problema que poderia
ser assim enunciado: de que maneira são
organizadas as <Associações de Psico-so.
ciólogos> especialistas. em formação (e em
intervenções)? E ainda: de acordo com
que princípios, no interior destas organiza.
ções, foi organizado este estágio, este se·
minário do qual atualmente somos os <par-
ticipantes»? De que maneira, enfim, vive-
mos esta organização - seus horlirios,
seus programas para os estágios, que es-
capam ao <não-diretivísmo> relegado so-
mente ao nlvel de grupo? Que poderiamos
dizer do pagamento exigido para a par-
ticipação?
c) O nivel da instituição aparece quando
descobrimos que, para que a formação seja
desenvolvida através de certas estruturas
organizacionais, é preciso que exista:
a) Uma certa divisão e quantificação do
tempo social (o tempo dos relógios; o
calendário; um determinado organismo de
formação agricola só pode organizar seus
estágios no inverno, em função do ritm0
dos trabalhos no campo e sua relação com
as estações). Por exemplo, o tempo ado-
tado na escola, que não é o tempo das
fábricas nem o tempo da agricultura, que
é mais próximo do primeiro que do se-
gundo devido a certas razões históricas.
Durante os seminários adota-se, como se
ela fosse universal, uma divisão do tempo
socialmente aceita, com normas bastante
rígidas, e que são em seguida legitimadas
pelos <racionalistas> pedagógicos ou psi-
canalíticos...
b) Uma divisão do saber, que faz uma
distinção entre aquilo que pode ser desco-
berto através da própria experiência (e da
auto-análise) e aquilo que deve ser trans--
mitido; aquilo que, cdentro do campo da
análise>, é pertinente a um certo <saber>
sobre os grupos, e aquilo que não é per-
tinente. Da mesma maneira as discipli-
nas ensinadas nas escolas são cada vez
mais separadas, apesar das tentativas que
são feitas para <remendá-las> nas ativi-
dades chamadas cinterdlsciplinares>.
c) Uma ligação, geralmente impllcita, en-
tre o Saber e o Poder, isto é, o Saber dá
o Poder sqciai, permite assumir certos car-
gos na divisão técnica e social do traba-
lho. Além disso, a separação das duas
tend~ncias (cas duas escolas:.) permite a
reprodução da sociedade de classes.
d) Uma referência à idéia bastante geral
da escola defínida como um lugar coletivo
de formação separado das outras práticas
sociais. Sabemos, entretanto, que esta idéia
de escola apareceu numa determinada épo-
ca da história e que está ligada, funda-
mentalmente, ;o modo de produção capita-
lista, que universallza esta forma de trans-
missão (a cescola para todos:., a escola
obrigatória). Esta escola serve de modelo
estrutural para qualquer empreendimento
que vise à formação. O não-diretivismo não
modifica esta relação básica. •
19
20 e) Uma relação de clientela, que é mais
especifica, e que aparece quando um grupo
profissional privado coloca seus serviços
no mercado da formação. Esta forma ins--
titucional está relacionada com a institui-
ção do mercado na sociedade onde atua,
dependente da instituição dos serviços
(compra e venda, e também honorários);
a profissão de formador sendo, então, de-
finida como uma profissão liberal (como
as profissões de psicólogo, de médico, de
advogado...) . Uma relação em termos de
dinheiro está ligada a esta relação de
clientela «privada>: a formação é paga.
(Quem paga é uma organização ou os
próprios indivíduos). E este pagamento en-
contra seu lugar e seu sentido no inte-
rior de uma sociedade onde a moeda é
o equivalente universal dentro do sistema
de trocas: o dinheiro é também uma
instituição.
Tudo isto que foi enumerado acima, que
podemos classificar como sendo de ordem
institucional, só pode ser explicitado .e
examinado através de uma análise. •
B. O Problema da Mudança
O substrato institucional age, portanto, im-
plicitamente na formação. Ele constitui,
também, o objeto da intervenção analltica
nos grupos e organizações. Mas, mesmo
neste caso, não podemos vê-lo diretamen-
te: vemos que uma fábrica produz auto-
móveis; não vemos tão diretamente que
ela produz lucro e que reproduz o capi-
tal. Vemos que uma determinada organi-
zação é hierárquica. Não percebemos dire-
tamente, entretanto, como e porque a so-
ciedade é hierarquizada. E, sobretudo, não
percebemos que tudo isto - o lucro, o
capital, a hierarquia - não são fatos na-
tura!s ~ ~ternos. Não percebemos que, se
as .mst1fU1ções fossem transformadas, po-
denamos nos organizar de outra manei-
ra, poderíamos mudar a organização da
formação.
Mas como mudar?
Até aqui, estivemos restritos ao nível de
uma an~lise estrutural dos grupos, das or-
gamzaçoes e das instituições. A partir de
agora, e antes mesmo de abordar como
faremos posteriormente, os problem~s teó-
ricos da mudan~a institucional, façamos
uma reflexão a respeito da questão da
mudança que é possível dentro das práti-
cas que acabamos de descrever.
a) O grupo: dizemos que ele <evolui~,
produzindo, eventualmente, mudanças indi-
viduais nos participantes. Entretanto, há
alguma coisa fundamental que não pode
mudar dentro do <grupo de formaÇão:~>, e
é justamente a relação de formação, pois
que esta relação é instituída, ela significa
a transversalidade da instituição dentro do
grupo. E' por isso que a formulação do
problema em termos de «relações peda-
gógicas:~> (ou de pslcopedagogia da relação)
faz com que a instituição seja ·ocultada
dentro do grupo. Esta formulação dissi-
mula, através de uma mudança ilusória,
aquilo que é fundamental: a transforma-
ção da relação de formação ao nlvel do
grupo não pode se efetuar dentro do
grupo.
b) Por isso, podemos tentar introduzir a
mudança agindo ao nível da organização.
E' neste nível que intervém a questão da
autogestáo pedagógica. Quando propuse-
mos, em 1962, tentar a autogestão de um
estágio de formação, sem ter ainda per-
cebido bem todas as implicações teóricas
deste .projeto, nossa proposição foi rece-
bida (ou mellior, mal recebida!) como um
empreendimento irrealizável, uma utopia in-
dividual Um pouco mais tarde, quando
a idéia de <a.utogestão:o, ou mesmo de
.:co-gestão> de programas foi ace1ta na
universidade, L. Althusser «demonstrou>
que o não-saber não pode co-gerir o sa-
·ber: de que maneira aqueles que ainda
não sabem o que vão aprender um pouco
mais tarde poderiam decidir, nesta condição ..
de não-saber, o que é bom para eles?
Maio de 68 varreu todos estes sofismas.
Entretanto, na prática da . formação, são
mantidas as formas tradicionais. Mas, com
uma importante diferença: hoje, em 1972,
são os próprios estagiários que às vezes
se propõem a autogerir o estágio, ou seja,
a organização da formação.
Esta autogestão asslme então a forma de
um contraprojeto organizacional e pedagó-
gico. Não se trata de um debate puramente
teórico, 9u de um <desvio ideológico:.. O
<desvio:> é agora <organizacional:.. Trata-
se de uma contraproposta de organização.
Entretanto, pode-se observar que, se ela
é aceita, os novos organizadores tendem
a reproduzir o que já existia, na organi-
zação institucional da formação. Interpre-
tamos estas contradições dizendo que o
peso do instituldo limita a inovação ins-
tituinte. Em outras palavras: agir sobre
a organização .não é agir sobre as insti-
tuições que atravessam esta organização.
Para mudar a organização, seria preciso jã
começar a mudar no nível da instituição.
As. intervenções nas organizações sociais
parecem, às vezes, · atingir mais diretamen-
te as instituições. Na realidade, a resis-
tência . à mudança - que vai até a sus-
pensão destas intervenções, ou sua anula-
ção prática - se estabelece em dois níveis,
que importa distinguir:
O um nível organizacional, onde atuam os
mecanismo.s de burocratização. Com efeito,
a teoria da burocratização é uma teoria
basicamente organizacional (na linguagem
de· Max Weber e, posteriormente, dos so-
ciólogos). Ela se torna institucional quan-
do a relacionamos com a teoria do modo
de produção e das classes sociais.
O um nível institucional, que é aquele .da
·formação social como um todo. já lembra-
mos que a organização da produção dis-
simula a instituição da mais-valia. Mudar
radicalmente a empresa não é somente mu-
dar sua organização (a comunicação, a
divisão de tarefas etc.). Trata-se, funda-
mentalmente, de mudar o que chamamos
a forma que assume a produção e a repro-
dução das relações sociais - isto é, a
instituição. (Aqui, no caso da empresa, a
instituição das relações de produção, a ven-
da da força de trabalho ele.).
A análise da resisffnda à mudança (e, mais
especificamente, das resistências à forma-
ção e à intervenção) deve se fazer de ma-
neira diferente, conforme se refira aos
níveis dos grupos, das organizações ou das
. instituições. •
Em um movimento social como o de maio
de 1968, a cmudança:. visa abertamente
as instituições. Por exemplo, a in.stituição
universitária, e não somente a relação pe-
dagógica, ou a organização do ensino, mas
o aparelho universitário como tal, engaja-
do, assim, num processo de destruição.
Sabemos que a resposta consistiu em mu-
dar somente a organização, não dos es-
tudos, mas apenas da gestão dos estabe-
lecimentos.
Assim, a divisão instituída do saber não
foi modificada, e nem poderia sê-lo, radi-
calmente, porque esta mudança implicaria
uma desordem generalizada dos sistema,
institucionais, ou seja, em linguagem mais
clássica: uma revolução.
O Conclusão
Vimos que a reflexão crítica sobre as prã-
ticas de . análise e de formação (produ-
zidas pelo que chamamos de movimento
psicossociológico) nos levou a marcar m~
lhor a especificidade dos trts niveis da
análise, e a elaborar a teoria de suas in-
terações. No final deste trabalho, torna-se
evidente que estes níveis, ou cmomentos>,
não se excluem mutuamente. Eles estão
numa relação dialética. Mas, simultanea-
mente, torna-se· também evidente que, do
grupo à organização e, em seguida, da or-
ganização à instituição; partimps do mais.
vísivel em direção ao mais escondido, da
aparência em direção· à «essência». O mais
escondido é a instituição, lugar onde se
encontra o inconsciente político, onde se
cruzam as transversalídades sociais e aS
instâncias do modo de produção. ····
NOTAS
• Em 1962, fazlamos OJ'Osiçllo
entre o grupo e a /nstltaíçáo,
· deixando d~ lado o elo repre-
sentado pela organfza&lio. Den-
tro da noção de instltulçAo co-
locávamos, ao mesmo tempo,
certos prol>lemas organizarionafs
. (organização material e peda-
gógica do seminqrío) e o campo
especificamente ínstilucion~l. A
relaç!o institulda por toda par-
te ~ntre o Saber c o não-saber.
a exlst~ncia de lugares ~epnra­
dos e Instituídos para a forma-
-:ão, Isto é, a instituição univer.-
sal d., escola, def;nem o campo
fn&tituçiona l QlJe atravessa (trana-
versa.UCiaiJe) ~s campos ou oJveJs
do grupo e da organiuçllo.
• O nllo-<liretívismo não modili·
ca e não podt modificar aquilo
que chamamos at relar.õts Jru-
tflulda& dé formação. No máxi-
mo. e1e pode s,mboHzéu uma
cont~stação às form as autorila-
rias que esta relação assume. O
nJl,...dtretivismo te....1~ a nJ;lcorc-
~lzar a questlo institucional das
reJur.õe& ae Jormaçllo, cuja tra-
dução peicologizada. cst~" contida
em fórmulas como, por exem-
plo, a das "relações pedagó-
gicas'~.
s Segundo Marx, a an6US-e só é
nece~sárta quando se trata do
que. está "*escondido": a expto·
raçlo lenda!, com os dlzln;tos
e a corvéia, é diretamente v•:
d-
vel e p81a ela nao há necusl-
dade de análise. Entretanto, é
necessária uma análise para ~or•
nar clara a exptoraçlo c;op•l!-
lista, dlsslmulacla na produçao
da mais-valia.
• Cabe ainda articular a reta-
~ao dos trt~ niv~ls com: de
um lado, a teoria do modo de
produção; de outro, a teoria do
cicscjo e da repressão. A artt-
cu:aç~o $e faz ao nivel das Ins-
tituições da sexuali~aae, da fa-
míUa da separaçlo de- sexos c,
por '01.1tro fado. 110 nlvel da
orgaalzaçlo da prod11çlo.
2"
22
,
ALGUNS CONCEITOS BASICOS
DA PEDAGOGIA INSTITUCIONAL
Instituição - Este termo pode ter dois
sentidos: Como dado, a Instituição é um
sistema de normas que estruturam um gru-
po social e regem sua vida ou seu fun-
cionamento. Como ato, a Instituição pode
significar o lugar de formação ou educa-
ção, como também o ato de instituir, de
formar.
Instituição externa e Instituição interna -
Toda instituição social se apresenta como
um sistema de normas. A Escola é regida
também por normas referentes à obrigação
~colar, horários, emprego do tempo, ati-
VIdades escolares, notas, freqüência etc.
Por conseguinte o trabalho pedagógico do
corpo docente, da diretoria e da adminis-
tração se situa sempre num quadro insti-
tucional: a sala de aula, o departamento,
a escola, a universidade, o ministério da
educação. Entre estas instituições distin-
guimos: as externas e as internas.
Instituições externas - são estruturas pe-
dagógicas exteriores à classe, ou à esco-
la: o currículo mínimo, leis do ministé-
rio, regimentos que são impostos de fora
e que determinam o funcionamento da
escola.
Instituições internas - é o conjunto de
técnicas institucionais ou educacionais que
se pode utilizar na sala de aula ou na
escola - como cargos, funções, horários,
métodos, atividades educativas.
Se a escola ou a sala de aula é uma
instituição no sentido de que algo é ins-
tituído - é criada por leis externas e por
elas mantidas - ela é também uma lns-
tit.uição no sentido de que pode fazer ou
cr1ar suas instituições internas. Enquanto
insituição extr!rna, é organizada externa-
mente pela administração burocrática. Co-
mo instituição interna ela é capaz de ·ela-
borar suas próprias instituições internas,
ou de instituir. A escola ou a classe não
é somente um lugar instituído; Ela pode
ter também um caráter instifuinte. Neste
sentido ela é dinâmica, porque é o lu-
gar da aprendizagem institucional e uma
ocasião para se fazer a experiência ins-
titucional.
Autogestão pedagógica: A mais corrente
concepção de autogestão é dada pelas or-
ganizações sociais que a definem em ter-
mos econômicos e administrativos. Esta de-
finição se situa no nível das estruturas de
poder, das instituições no sentido jurídico e
sociológico · do. termo. Em Psicologia SG-
cial o termo autógestão tem outras cono-
tações: para o psicG-sociólogo a definição
. acima não é falsa, mas incompleta. A au-
togestão supõe outros elementos de ordem
efetiva como desejos, motivações, aspec-
tos culturais etc. A autogestão implica em
que os grupos sociais desenvolvam suas
próprias instituições internamente.
A autogestão pedagógica é um sistema de
educação no qual o mestre renuncia 4t
transmitir uma mensagem. Os alunos, em
n!vel da classe ou da escola, dentro dos
limites da situaçào escolar atual, decidem
a respeito dos métodos, das atividades es- ·
colares e dos programas de formação. Na
pedagogia institucional ou autogestão pe-
dagógica o mestre não é um transmissor
de informações, mas analista do processo
de aprendizagem ou perito à disposição
da classe que deve encontrar e desenvol-
ver suas instituições internas próprias. As
fórmulas de autogestão pedagógica podem
variar segundo as situações, as idades etc.
-
INSTITUICOES,
LINGUAGEM E DESEJO
Há algum tempo venho pensando nas rela-
ções entre língua e instituição. Não há
razões para impedir a aproximação, já que
a própria língua seria uma instituição. No
entanto, quero aqui focalizar, de um lado,
material colhido na prática de Análise Ins-
titucional, de outro, considerações de or-
dem teórica ao encaminhar uma reflexão
sobre os efeitos determinados que tem a
língua em se tratando de classes sociais.
Recentemente, um comentário de Deleuze
e Guattari (L'Anti-Oedipe, p. 246) me fez
voltar ao assunto, agora de maneira mais
clara. Já que os autores citados lembram:
haveria lugar para mostrar que a domi-
nação se exerce através e na transcendên-
cia do operador lingüístico. Acrescentam
que Bernard Pautrat pretendeu estabelecer
aproximação entre Nietzsche e Saussure
(no livro Versions du soleil, fif?!lres et
systeme de Nietzsche, ed. du Seuil, IQ71 ).
Este autor observa que Nietzsche, contra-
riamente a Hegel, recon11ece através da
língua as relações determinantes entre o
senhor e o escravo. Assim não seria o
trabalho, como pensou Hegel, o lugar de
identificação das relações de dominação e
servidão (dialética do senhor e do escra-
vo). Haveria mesmo para Nietzsche uma
língua dos senhores, por intennédio da qual
a dominação se efetuaria. Poderíamos en-
tão dizer que a classe dominante atribui
sentido às palavras e que a classe domi-
nada aceita e se submete à significação
atribuída aos termos. Ocorrem também ca-
llOs onde o sentido atribuido a uma palavra
é modificado pela classe dominante. Só al-
gum tempo mais tarde a .classe dominada
vai tomar conhecimento da mudança. Até
então, ela - classe dominada - estava
apegada ao sentido antigo, fiel à tradição,
rompida e espezinhada na prática ~cial.
Reservamo-nos uma outra ocasião para
exame de termos que elucidam o aspecto
aqui levantado. ·
Mas (a linguà é uma faca de dois gumes:
ela modela . a prática social, ao mesmo
tempo em que é modelada por ela. Num
trabalho de Análise Institucional, observan-
do um grupo de discussão onde estavam
·presentes operários e psicólogos, pude fa-
zer a seguinte hipótese: a dificuldade de
comunicação advém de um fator determi-
nante ligado à utilização da lingua e ao
seu funcionamento. Pareceu-me naquela oca-
sião que os operários se escondem, se
protegem (não no sentido de defesa psi-
cológica, pois esta noção só serve para
encobrir os aspectos políticos envolvidos)
por ocasião de um diálogo, de uma negG-
dação. Notem que emprego a palavra <ne-
gociação» para designar o tipo de conversa
entre psicólogos (ou qualquer outro tipo
de técnico trabalhando na empresa) e ope-
rários e funcionários. Trata-se de uma ne-
gociação onde as partes evitam um con-
fronto direto, onde é preciso fazer o pos-
sível para evitar que uma parte ludibrie
a outra etc. Nesse sentido têm razão os
sociólogos da <análise do sistema,. quan-
do encaram as relações no mundo do tra-
balho como correspondendo essencialmente
a uma barganha. Mas sobre o assunto
haveria muita coisa a dizer, e fica para
outra vez. ·
Quanto à minha prática, quero dizer qu~
os psicólogos se iludem quando f fazem hi-
póteses sobre a empatia, a boa comuni-
cação sobre a solução dos conflitos no
mund~ do trabalho, sobre as <relações hu--
manas,., sobre o camor universab etc. O •
que vejo cada dia na prática das institui-
ções pode assim ser resumido:
A língua é um código, e não é a ~s~co­
logia que está interessada em descodlfJcá-
la. Pelo contrário, a Psicologia, como prá-
tica associada ao sistema, estabelece um
supercódigo, como um código do código,
trazendo confusão para os interessados,
isto é, os operários e os que vivem no
mundo empresarial. No caso que pude
observar, os psicólogos se esforçavam ou
faziam o possível para que o grupo de
operários adotasse um procedimento ana·
litico onde as operações mentais seguissem
um esquema ordenado na abordagem dos
problemas. E', finalmente, o objetivo coli-
mado por todos os métodos de treinamento
na empresa (TWI, Training Group, En•
trainement Mental, Administração por ob-
jetivos etc.). Só que todos eles desconhe-
cem, ou fingem desconhecer, co pulo <lo
'24 gato> - o que vamos examinar dentro
em breve. No caso que pude observar, os
psicólogos propunham exercidos onde o
procedimento de análise das situações de·
veria seguir as seguintes etapas: 1) enume.
rar, descrever as situações; 2) identificar
diferentes aspectos presentes na situação;
3) fazer surgir as contradições eventual.
mente presentes no grupo; 4) situar o per.
sonagem no tempo e no espaço, isto é,
buscar informações ou um enfoque mais
amplo, documentado; 5) situar o aconteci-
mento com relação à época e à região
onde estávamos trabalhando; 6) busca de
causas e conseqüências.
Enfim, nada de mais congruente com o
esforço de ver claro, de analisar situações,
encaminhar soluções. T udo dentro do me·
lhor racionalismo, devidamente condimenta-
do com alguns laivos de dialética no tra-
tamento dos problemas. Não me demoro
no exame das fases por que deve passar
uma discussão, fases aconselhadas e iden-
tificadas por diferentes métodos em uso
em diversas empresas, porque considero
inútil tal empreendimento, Todos esses mé-
todos se resumem numa seriação de ope-
rações mentais mais ou menos ordenadas
por uma teoria da informação, ou trata-
mento de dados, sem nenhuma possibilidade
de aplicação, sem nenhuma seriedade com
relação aos objetivos a que eles se pro-
. põem. ~Recursos humanos~. ~relações hu-
manas>, ~marketing,, «desenvolvimento de
pessoab têm ·sido uma balela que as em-
presas pagam bem caro, e que mais dia
menos dia poderá ser devidamente avalia-
da. Enfim, quero dizer que os meus psi-
cólogos estavam reunidos com um grupo
de operários e faziam o posslvel para
que estes adotassem a grade de análise
· conhecida implicitamente ou não para iden-
tificação de problemas, e encaminhamento
de soluções no mundo ocidental, cristão,
cartesiano. Pois bem, os operários, sem
nenhum defícit intelectual, faziam questão
de demonstrar confusão no trato do pro·
· blema, passando de uma fase para outra,
se_
m nenhuma disciplina, sem nenhuma in-
clinação para a racionalidade. Convenci-
me então de que se tratava de uma situa-
ção exemplar - e que daquele exemplo
deveria partir para uma série de hipóteses.
Percebi que havia um grupo de psicólogos
· em· frente a um grupo de operários, cada
um com seu jargão, cada um com seus
.·objetivos mais ou menos bem definidos
· e que não seria a Psicologia das R-ela~
• ções Humanas que me ajudaria a com-
preender o que estava acontecendo. Co-
nhecia bem aqueles homens e sabia que
eles eram hábeis no trato com as máquinas
às quais estavam habituados. Conhecia
igualmente os preconceitos de toda ordem
que imperavam no meio polltico-sOcial que
eles formavam. Não havia outra solução
senão ouvir cada palavra que cada grupo
pronunciava (psicólogos e operários). Ini-
cialmente, constatei que os psicólogos pos-
suiam um número bem maior de palavras,
um repertório bem mais elevado - entre
parênteses, não tenho a menor dificuldade
em falar em repertório. Pelo contrário, a
proporção ~ de um para dez ou mais. Isto
é, se um operário dispõe de 500 palavras,
o ·psicólogo dispõe de cinco mil. Só este
dado indica bem a desigualdade na repar-
tição do dicionário (cada palavra podendo
equivaler a um certo número. de cruzei-
ros, pode-se facilmente calcular o que re-
presenta a pessoa possltir 500 ou 5000
termos no seu repertório).'
Uma segunda constatação levou-me a con-
siderar que os psicólogos enunciavam de
preferência certas palavras, enquanto os
operários tinham preferência por outras.
Este tema também fica para outra oca-
sião, pois não estou de maneira alguma
apressado em estabeleeer unta Semântica
experimental que viesse corrobOrar o pon-
to de vista aqui levantado. Pelo contrário,
até agora só me interessa o ~ruldo>, co-
mo diria o ciberneticlsta. Para dizer em
poucas palavras, Interessa-me especialmen-
te a inadequação da abordagem psicoló-
gica frente . ao problema encontrado nas
relações no mundo do trabalho. Enfim, ha-
via uma barreira, de nenhum modo impu-
tável, à dificuldade cre comunicação habi-
tualmente .conhecida por pesquisadores ou
engenheiros de ~relações humanas>. E não
será a bordagem do problema por apro-
ximações mais ou menos astuciosas basea-
das na <teoria do equilibrio~ (veja-se Hei-
der, ou mesmo Festlnger e outros) que
viria resolver o problema. Há, a meu ver,
um ~ef~ ito:. de linguagem que determina
as ' relações no mundo do trabalho. E, ao
final de um treinamento, os termos que
passam a ser empregados pelos operários
ou funcionários de uma empresa represen-
tam aquele supercódigo (código do códi-
go) a que me referi acima, que vem tor-
nar mais confusas as relações no mundo
do trabalho. Enfim, uma forma de domina-
ção, uma ilusão de que são vitimas aqueles
que as empregam (psicólogos e homens de
empresa).
Ainda com relação a este grupo, penso
que o p&rticipante, operário ou funcionário
tem dificuldade em falar sobre a própri~
situação. Assim, pelo que se disse nos pa-
rágrafos anteriores, não se pense que
o operário tem domlnio da língua como
ínst~umento à sua disposição; pelo con-
tráno, ele está submetido a ela, na quali-
dade de modeladora da prática social e
os significados que ele manipula não ~ão
senão efeitos do significante. (Veja-se mais
adiante parãgraro sobre o valor de uso
c o valor de troca paralelamente às con·
siderações sobre o significante e o sig-
nificado).
Lembrei, a propósito do grupo em ques-
tão, que na cllnica o paciente também
se mostra em dificuldades para falar de
si mesmo, malgrado a escuta atenta do
psicanalista. Lembrei o comentário de Freud
sobre seu cliente, conhecido na literatura
psicanalítica como o ~homem das. rataza-
na.'»: cfoi alguém que se perdeu numa
metáfora...:., diz Freud. Não se trata de
um comentário sobre o estilo do homem
das ratuanas, ma.<> o que disse Freud
vai aqui tomado ao pé da letra. Se um
operário falasse, se ele fala a respeito de
sua situação, tudo se passa como se ele
se perdesse numa meUfora...
Por ?utro lado,. tem9s a dificulade que
expenmenta o psicólogo em fazer interveo-
ç~s. Como já disse, ·o operário diante do
pstcólog~, que é um estranho a serviço
d? patrao, se esconde numa linguagem
d1ta <obstáculo à comunicação>. Agora ve-
mos que também o psicólogo se esconde
no seu tecnicismo, no seu jargão - e não
há outro à sua disposição. Encontramos
ai uma manifestação da divisão em clas--
ses, a llngua sendo um veiculo dessa di-
visAo. A seu turno, sobre a llngua inci-
dem os efeitos da divisão em classes.
E stARÍAMOS PJWPON~O .UMA Sóc!O-LII-1·
gOistica? Não, pelo menos nos termos em
que esta disciplina é conhecida. Assim, os
autores assinalam o interesse em se estu-
dar. a língua relacionada com o contexto
~ta_l, distinguindo uma macrossócio-lin-
;ihsh.ca de uma microssócio-lingiiistica. Pa-
a nos, nem uma nem outra. Ambas des-
~onh~c~m os ~feitos a que está submetldo
Sujeito, aml:ias se restringem a um as-
rec~o dcscritivista. A primeira lida com
Cnomcrt:.>,; ao nível das Jlnguas (por exem-
f lo, quando uma língua é posta em con-
acto com outra por força de vi~inhanc;:a ou
de contacto de dois povos). Neste _caso,
encontramos os chamados <conflitos lin- .
güísticoS», processos de substituição pau. 2
latina de uma llngua por outra, sltuaçOea
de especialização, isto é, uma Jlngua que
passa a ser unicamente colonial e familiar
enquanto a outra guarda seu caráter ~
prestigio, falada na corte, nos negócios
ou na produção literária.
Quanto à microssócio-lingüistica, eJa se
ocupa de fenômenos de bilingüismo ou de
estudos em torno da língua matern'a.
Gostaríamos de evitar tanto uma quanto
outra . perspectiva. Passar do grupo para
o soctal-polítlco, do indivíduo para o cul-
tural, e _vice-versa. Para isso, não me atrr
necessan amente às palavras, mas identifJ.-
car as fontes de onde vêm os pedaçoS de
frases, a.s alusões, as distorções, as idéias.
Quero d1zer que o discurso produzido pelas
instituições seria produto de outros d.iscur-
sos. As frases já vêm feitas (tOdo mun.
do sabe disso): As citações são impreci-
~s, mal escolhidas., o que enriquece mais
amda o estudo ora em questão.
A instituição fala de «Vestir a mesma ca-
misa>, <remar no mesmo barco~, ca em..
presa tem que dar lucro~, cnão podeJD08:
olhar somente o lado humano, - a racio-·
na!idade e a solidariedade são postas como.
marco de referência a cada momento. · 1
empresa lida com o valor de troca (atri-
buído à mercadoria), com o valor de- U90
quando pretende ser humanista· mas ela
não admite ser chamada de jrra~ional. Em
outras palavras, o valor simbólico ~ des-
conhecido, diria que ele é temido. No en-
tanto, a presença de um especialista ent·
<ambivalência~. alguém que lida constame-
mente com o valor simbólico, mostra beni
que a empresa encerra alguma coisa que ~
constantemente negada, desconhecida. Do.r
de a posição delicada ocupada pelo psi·
cólogo na empresa, nas instituições de um
modo geral, desde que ele não tenha sido
promovido a chefe do pessoal, como é
algumas vezes o caso. (Cada vez mais fre-
qüente, ao que me foi dito!) Falar em
ambivalência significa falar em improduti·
vidade - e a empresa não admite reco-
nhecer que não há improdutivos cem por
cento, nem produtivos cem por cento. O
merecimento é medido em função de ai·
guma coisa que não existe, isto é, a pro-
dutividade associada à mercadoria, esta
definida em tennos de valor de troca. O
sistema está longe de funcionar tão bem,
como se tudo corresse macio. .. Este as-
pecto é desconhecido pelos adeptos da
canállse . de sistema:.. Ninguém tJerpnlul
com o valor simbólico, eis que ele só
conhece o dom e o estupro.
Assim ~ que fui levado a me interessar
pela produtividade/improdutividade numa
empresa. A imprOdutividade não ·se deixa
facilmente identificar, ela escorre, elà se
esvoi· entre nossas mãos. Ela serve de
or.asião (sempre disfarçada) para veicular,
expressar uma série de desejos, fantasmas
quanto à · situação de trabalho. Como abor·
dar tal situação?
As formas de produção social, dizem De-
leuze e Guattari, implicam numa posição
improdutiva, um elemento de antiprodução,
associádo · ao processo, de uma maneira
máis ou menos inesperada... Ora, ao que
tudo indica, o sistema despótico vem a
ser a fonte de antiprodução. Ao lado deste
comentário, lembrar que a grande desco-
berta da Psicanálise foi a <produção do
desejo>, a ~produção do Inconsciente:.. Fa-
ço questão (depois de Deleuze e Guattari)
do termo produção para assinalar que há
um aspecto máquina nessa história. O In-
consciente como produtor l! diferente · do
lntonsciente «teatro antigo:t, onde alguma
coisa era representàda. O Inconsciente co-
mo produtor foi ocultado por um idealismo
que passou a falar em representação, em
vez -de unidade de produção. Sinto-me à
vontade, t o caso de dizer, para falar em
<produção:., ~unidades de produção:., já
que iniciei o texto sob a invocação do
mundo empresarial. . . A redescoberta do
Inconsciente produtivo implica em:
1) Confrontação direta entre a produc;ão
do desejo e a produção social, entre o
sintoma e a ideologia (atenção clinica!);
2) Elucidação da repressão que a máquina
social (seja ela qual for) exerce sobre as
máquinas dê desejo, e a relação entre re-
calque e repressão.
El(iste, por conseguinte, um paralelo entre
a: produção social e a produção do desejo.
Em ambos os casos, uma instância de an-
ti~rodução está sempre pronta a se apro-
priar das formas produtivas. Por outro
lado, não há distinção a estabelecer entre
a produção social da realidade e a pro-
dução do desejo em termos de fantasmas.
A produção social (da empresa, por exem-
plo) vem a ser simplesmente a produç~o
de desejo sob determinadas condições. DI-
zemos que o campo social é percorrido
pelo desejo, e que ele, campo social, vem a
set úm produto historicamente determinado
nessa situação. A libido não tem necessi·
dade de mediação, nem de sublimação, .nem
de transformação especial para investir as
forças produtivas e as relações de produ-
ção. Além disso, .as formas as mais re.
pressivas, as mais mortíferas da repressão
social, são produzidas pelo desejo.
Somente dentro desta abordagem, vejo urria
salda para as aplicações sem fim ·(e que
cheiram a charlatanismo) levadas atê o
mundo do trabalho pelas ciC:ncias humanas.
o OBJETIVO OA ANÁLISE I NSiiTUC;ONAL
seria o desenvestimento da.s estrutljras re-
pressivas. O objeto do desejo sendo o pró-
prio real, não nos parece necessário admitir
a existência de uma forma particular, de-
nominada por alguns crealidade psíquica>,
distinta da ordem das coisas. A resistên-
cia à Análise Institucional revela uma for-
ma de defesa do sistema que insiste em
n:io se mostrar disposto a declarar sua
improdutividade. A abordagem do proble-
ma em termos do imaginário dá ao~ inte-
ressados a impressão de que alguma coi~a
se salva nesse ambiente de improdutivi-
dade. Nesse sentido a Administração se-
ria o lugar por excelência onde se mani·
festa o campo do imaginário. As inicia-
tivas do setor administrativo são sempre
eivadas dessa ilusão que alguma coisa é
recuperada, alguma disfunção é corrigida.
O administrador é especialista da produ-
ção imaginária. Ela lida com o que. não
pode existir: Donde o lugar especial que
o setor administrativo ocupa no organo-
grama ou · nas relações entre dife'rentes
serviços. Ao administrador cabe, em tese,
o apoio às unidades de produç.ão. No en-
tanto, todos conhecemos o desprestigio que
envolve qualquer intervenção do ·setor ad·
ministrativo. O setor de produção póde
a qualquer momento lembrar a prioridade
de que ele goza, eis que sua produção
é real. Só ele é capaz de justificar a em-
presa. E, no entanto, tambl!m o setor de
produção é improoutivo. AI encontramos,
da mesma forma, os recursos bem conhe·
cidos, tais como <operação tartaruga:., «di·
ficuldade de comunicação:., «direitos de
antiguidade>, critmo controlado pelos ope-
rários:. etc. Nem o cronômetro, nem cme·
didas de tempo e métodos:. são capazes
de eliminar a inércia do sistema. Os pro-
gramas de incentivo à criatividade, ~as cai-
xinhas de sugestões:. se encaminham para
uma situação de ineficiência que só não ~
percebida . P.elo administrador. Eis que a
este cabt: 'j!dministrar a ineficiência...
Por éonsegui.nte, o tema prÕdutividadejim-
produtividade; para ser abordado com al-
gum~ . po.ssíbili~ade de elucidação, terá que
adm1hr co1_1cettos que dizem respeito à
produção áo desejo, à repressão com rela·
ção a esta ·. produção. Já encontramos em-
presas que atribuem aos operários a auto-
gestão de ·sua produção, cabendo a cada
um ~a determin~ção de seu ritm.o cje pro-
ducao, a orgamzaçáo de seus ml!todos' &:
trabalho, a ordenação de seus temp<>S inor.:·
tps...E' um recurso do administrador ao
abordar o probl~ma do desejo e da prO-·
dução. do del!eio. Resta abordar essa nova
mo~ahdad~ de relação que a instância;
anbpr~uhva estabelece com as forças
produhvas. ·
NOTA
1
As ~tatlstlcas são dos mt·
lhorcs lexitógraros da Europa:
um !tomem comum dispõe por
volta de 300 palavras, enquanto
uot cientista pe$guisaclor tem em
seu rtpertórfo 30.000 palavras.
PRÁTICA TEÓRICA,
,
PRATICA INSTITUCIONAL
E' muito conhecida a análise que Freud
fez do pequeno Hans. E' a primeira aná-
lrsc de uma criança e possibilitará multas.
aberturas para o posteri9r desenvolvimento
dn Psicanálise adulta e infantil. Mais do
que isto, é o grande modelo para se pen-
sar a criança psicanaliticamente.
Freud só viu Hans ocasionalmente. Quem
lhe relatou o problema do menino foi seu
pai, que era analisando de Freud. O pai
era quem trazia os fatos e os comentários
do filho. •
Para c~rar Hans, Mannoni 1 · most.ra como
F~eud Introduziu um mito que deveria ~ex­
Jlhcar:. a Hans seu ciúme edipico e que
este elaborou atê que perdeu o ~edo de
ser castrado. E' às suas idéia.s sobre a
an~lise Infantil freudiana que iremos se•
S:utr aqui. ·
Preud era analista do pai de Hans. Não
só. por isto, mas' pelos relatos de que o
Pat era portador, Hans e ele se lig-aram
profundamente, ·num plano imaginário a
Freud. O interesse de Hans pelas muÍhe.
re~ de sua casa será deslocado para as
mulheres da casa de Freud. A mãe de
Hans é afastada do processo psicanali,tico
e se dedicará apenas à sua filha, tomando
uma amiga intima como confidente; en-
quanto Hans terá na sua empregada da-.
méstica o substituto da figura feminina
(<falando> com ela sobre os assuntos
sexuais).
~No discurso, que se processa de Freud
a Hans, há um cent.ro para o qual con-
vergem os fantasmas de todos os adultos
(os país de Hans e f reud), em que Hans
f! o representante do desejo do adulto (do
desejo do pai de Hans por Freud e do
interesse teórico que seu 'caso' representa
para as pesquisas de Freud); é apenas
pela seqüência dos fatos, forjando seu
próprio instrumento de cura, seus mitos,
que ele consegue a própria independência.
A mãe, infelizmente, respondeu no plano
da realidade por um 'abandono' à indepen·
dência de Hans:.. •
Assim Freud se introduziu na vida do ca-
sal, satisfazendo às fantasias de Hans.
cOra, na análise do pequeno Hans, Preud
separava claramente o lugar ocupado pela
criança no fantasma maternal (a mãe, re--
27
jeitando na realidade o filho - e em ~
guida todos os homens - marcava a sua
impossibilidade de renunciar ao objeto ima~
ginário que constitula para ela o seu filho
enquanto· substituto fálíco), . Hans é assim
o suporte do problema sexual d.e seus pais,
revelável à medida do desvelamento dos
fundamentos de sua angústia fóbica (da-
quilo que produziu os sintomas). As arti-
culações de Hans lhe serão manifestadas
não por sua relação ao real, mas pelo ul-
trapassamento e refazimento do lugar onde
elas se estruturam: as dificuldades de seus
pais. <A aparição da doença de Hans, pode
considerar-se como a aparição daquilo que
está errado nos pais. Não se podia, pois,
cuidar de Hans sem abalar todo um
edifício,.
Mannoni marca dois nlveis da atividade
psicanalítica, mas só se dá conta e arti-
cula o primeiro deles.
J• - freud, o analista real, concreto, par-
ticular, professor Freud de Viena, se in-
troduz nas fantasias dO!'; pais de Hans na
medida em que elas (as fantasias) são
uma trama unida à de seu filho. Mannonl
acredita que Preud conseguiu introduzir os
elementos míticos («multo antes de você
nascer... eu sabiu etc.) adequados para
a condução do drama edlpico de Hans, mas
que não pOde prever que com isto aju~
daria a deslindar a trama parenta!, para
a qual não propOs nenhuma elaboração.
Ela elabora a atividade de produção teó•
rica psicanalítica, as questões que suscita
a lógica teórica da Psicanálise.
2' - Freud é a teoria que ele produz;
mas na medida em que elaborando o de-
sejo de Hans ele interfere no desejo dos
pais, ele não é apenas (conj) quer Man-
noni) um teórico que não pôde observar
completamente os efeitos que causou, mas
se torna em atividade de re-produção do
desejo, seu lugar rejencial instituldo. Não
se trata somente do fato de que Preud
elabora a verdade do casal (mesmo quan-
do ele não sabe que o está fazendo, como
afirma Mannoni), mas que o casal encon-
tra na elaboração sua verdade, uma re-
ferência concretamente articulatória. A pró-
pria Mannoni conta que a mãe de Hans
tomou uma mulher inculta como confiden-
te; mas a fala em eco com essa confidente
tem o lugar demarcado de camigu ou
<companheira~. Enquanto. o lugar social de
Freud é de um saber com torça de lei e
não representação de uma verdade objeti-
vamente dita (dessas que se ouvem tam-
bém dos amigos e confidentes):
Desde que é expressa, a verdade só toma
seu lugar quando é produzida em dois
níveis insepardveis: um, teórico, objeto de
análise epistemológica; outro, mítico-práti-
co, objeto de análise institucional.
A palavra de Freud - para Hans e para
seus outros maravilhosos «casos~ - não
é apenas uma verdade teórica, mas uma
verdade teoricamente produzida no contex-
.to de uma prática social. Por isto ela é
também sua textura institucional.
NOTAS
• MANHONI, Maud. A crit~~tça,
aua "doença" • os outro~. Trad.
bnslleira. Zahar Editores, ~o
11111.
• ldtm, p. 15.
D
&QUERELAS
A noite de loucuras
O caixão
Lapassade entre nós
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Sobre a "Atuação"
Textos
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  • 1. I I /)!) ANALISE INSTITUCIONAL: . ,'} / ' : ...__,/"".... {L_..-.-(._ TEORIA EPRATICA CÉLIO GARCIA , MARCO AURELIO LUZ I CHAIM SAMUEL KATZ GEORGE$ LAPASSADE NO PRóXIMO NúMERO DE VOZES ESTUDOS LINGülSTICOS em Iwmeiwgem a J. Malloso Camara Jr. ARTIGOS DE Roman Jakobson Thomas A. Sebeok Bernard Pottler Paul L. Garvin Harri Meier Dieter Woll Antonio To'Oar J. G. Herculano de Carvalho Robert Lado Brian Head F'. Gomes de Matos
  • 2. r'. de O. MANNONI CHAVES PARA O , IMAGINARIO Vinte ensaios que tratam de literatura (Mallarmé, Rimbaud, Sallnger, Henry James, Proust}, de teatro (o problema da Ilusão teatral), da lingüística saussureana e de textos ps/canalltlcos freudianos, colocando como pólo central a problemática da Abundância do Significado. Instaurada na psicanáflse, esta Abundância do Significado - do ponto de vista de uma teoria geral das linguagens - reformula a maneira de as chamadas •ciências do homem• se pensarem científicas enquanto do homem. CHAVES PARA O IMAGINARIO _ mais um volume da coleção Epistemologia e Pensamento Contemporâneo lANÇAMENTO +vozEs -ANÁLISE INSTITUCIONAL './ VR ,.. A V. I ' I EDITORI'A~ . ··· .. ,.::of/rt: 44 · N p , @ - H e c:::q· 5esesa : · Não é a primeira vez que nossa revista fala de Análise Institucional. No número 5/1971 {junho/iulho) publicamos o artigo de Georges Lapassade: ·Um ensaio de Análise da Linguagem Institucional", escrito, então, especialmente para aquele .número sobre a Teoria da Linguagem. Desde então temos acompanhado de perto o trabalho desenvolvido pelo autor francês, mesmo quando discordávamos de sua atuação em nosso meio universitário. Por outro lado. a nossa revista sempre esteve aberta às pesquisas efetuadas no campo da Análise Jnstituçional pelos professores que completam este número: Marco Aurélio Luz, Célio Garcia e Chaim Samuel Katz. Mais que o último, os dois primeiros têm colaborado constantemente em nossas páginas. Procurou-se - através de um número que foge aos padrões habituais, inclusive com artigos não assinados - situar o problema proposto de maneira clara e precisa, dividindo-o em duas partes distintas: teorizações e práticas & documentos. Na primeira, diz-se o que é Análise Institucional: ·Análise Institucional é um método que visa elucidar as relações reais e não somente }urfdlcas ou puramente subJetivas que mantemos com as normas /nstituldas; a maneira pela qual os Individuas se p6em ou não de acordo a fim de participar ou de dar adesão a estas normas, assim como as formas singulares de organização que surgem e desaparecem·. Mostra·se também o nível de operações desencadeadoras de sua ocorrência e a relação entre prátíc8 teórica e prática Institucional. Na segunda, o processo da prática Institucional aparece sob vérios ângulos: comentério critico de uma "noite de loucuras", intervenção numa escola de comunicação, uma nota sobre s estada do Prol. LBpassade entre nós etc. Não há necessidade de nos 3
  • 3. r4 deter mais longamente porque os próprios autores escreveram uma apresentação de seus trabalhos. Cabe ao leitor a leitura critica. Na secçào de Idéias & Fatos destacamos a análise do hospital psiquiátrico de Minas Gerais, de Francisco Paes Barreto e o artigo de Célio Garcia em que tenta responder a esta pergunta: "Qual seria a orientação, o projeto que animaria psicanalistas, pedagogos, psicólogos, terapeutas na sua labuta dláris'r Se devêssemos ainda realçar outro texto, escolheriamos o discurso não pronunciado de Marlon Brando ao recusar o Oscar. discurso, sem dúvida, histórico e que tem muito a ver também com o Brasil nesse momento de defesa do índio contra os gananciosas grupos plantadores de gado, denunci80os e nunca julgados, porque os juízes são brancos. CJarinclo Neottf APRESENTAÇÃO Este número da revista VozES serve para marcar um acontecimento e suas repercussões. De meados de julho a dezembro f,le 1972 esteve entre nós, em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro, o professor francês, um dos criadorc.~ da Análise Institucional, Georges LapasS/lde. Neste periodo. uma pequena parcela da juventude universitária ligada à área dos saberes humanos e soc1ms bem como alguns professores mais velhos tiveram a Análise Institucional como rejer~ncia de seu pensamento e produção cultural. Três meses depois de sua partida, quando procuramos reunir o material para organizar esta revista, temos unuz certa tristeza ao ver o que foi deixado pela trajetoria lapassadiana. As pessoas que com ele conviveram ·e colaboraram se recusam agora a contribuir com fertos. Procuramos abrir espaço para contos, poesias, músicas, peças de teatro, colagens, divagaçt5es, aforismos etc. Uma parte dos prováveis colaboradores se furtou porque não queria escrever numa revista onde houvesse textos teóricos jeitos por «quadrados>; outra parcela, por descaso ou má vontade, por diversas vezes parou de se comunicar conosco (apesar de uma permanente reinsisUnâa nossa). O que é algo para ser meditado. Se é sempre positivo ter uma crônica sobre acontecimentos, ou se uma recusa de se textuafizar não é igualmente importante. Isto aprendemos com a Análise Institucional, o significadq (mas não ainda o significante) da contracultura. E por isto os quatro autores achamos que faz parte da produção teórica essa recusa, e nosS/1 trisfeuz se deve apenas a que valorizamos o texto escrito. Resolvemos não assinar os textos. A idéia original era de que sem um autor identificado em relação a um texto individual se perderia um dos eixos articulatórios da potência teorizante, que com isto se tornaria menos repressiva. Imaginem o professor X assinando uma poesia do Y que é muito doidão; ou o Y co-responsável por textos teoricos sobre antipedagogiaf Quer dizer, irlamos
  • 4. 6 mostrar uma gama de possibilidades expressivas de uma importante crJrrenle analítica contempordnea e nos sacudir ou reprimir um pouco; coletivamente. Só que o resultado ~ ainda uma revista tradicional, sizuda, pela falta de colaboração dos «desligados~. Mas que é assinada coletivamente (talvez devesse ser assinada também peios que não se presentificaram mas que nem por isto deixam de estar presentes, não?). Isto nos faz pensar no que significa o comprometimen.to com um editor para a entrega de textos datilografados, bonitinhos, numa data determinada, fator este irrelevante para os que se empenham no estabelecimento de ama contracultura. Destruir o tempo e o espaço cultarais é uma das metas iniciais do drop-out, mesmo inintencionalmente, pois, afinal, <eu estou na minha~ etc. Nos faz meditar também sobre o que é uma certa atividade intelectual no Brasil de hoje. Nossa imensa satisfação ao escrevermos textos ou fazermos confedncias para trinta leitores ou oullintes pacientes (<o prazer do texto~ de que tala Barthe$). Ganhamos nossa certeza lógica, exacerbamos nossas idéias até aos cortes epistemológicos mais radicais e falamos qfUlse sozinhos. Ou melhor, para sermos mais rigorosos, o discurso se fala em n6s, mas o outro emplrico não nos escuta, cochilante e cheio. O que é isto e qual · o seu significado, especialmente numa problei7Últica de pais subdeunvolvido, eis a que não podemos deixar de nos dedicar. O ONTEM faleceu Noel Nutels. Seu lugar mítico demarcado socialmente ua, segundo os jornais, de <grande sertanista brasileiro•. Só que ele o foi de um modo lindo. Vendo o morticínio progressivo dos indíos, Noel perguntou, escrevendo a Léví-strauss, o que se poderia fazer pela sua sobrevivincia. Afinal, teorizar sobre os mitos, as linguas ou os alimentos indigcnas é também uma forma de eliminá-los, preservando seu exótico para que a ferJria contemporânea possa ampllar o Outro inconsciente do homem lxlrguis branco civilizado. Noel o dizia de outro mo(/o. Culto cu1ti~simo, mas falando numa língdagem sofnda, onde os corpos dos índios eram também elaborados teoricamente: <Vocés não :r(Jo antropdlogos, são antropófqon. Incorporando o sofrimento do outro, Noel se tornou um analista institucional silvestre. Passou a mostrar que o <anfropologuês> reduzia o lndio a não ter corpo, mas só ritos, religiões e costumes dist(ntos; corpo este que é uma das instituições mais preciosas que a teoria anfropoú)gica deveria -não apenas estudar- preservar. Mostrou também como a produção social, mais racional quanto mais formas elaboradas de Tecnologia usar, estava fadada a destruir o lndio, mesmo quando pensasse em preservar sua existincia. Além disto, pela luta inglória e gloriosa que levou para demonstrar seus pontos de vista, sua defesa vigorosa em defesa da vida do lndio, pela celeuma que levantou com sua energia e sua grande emocão e carinho, Noel se tornou um analisador do lndio brasileiro. A Noel Nutels -11nalista e analisador institucional, homem maravilhoso- dedicamos esta revista. Rio, l i de fevereiro de 1973. • ACOES - Ensaio de Análise Institucional Condições de ocorrência Os três níveis . Conceitos básicos Instituição, linguagem, desejo Prática teórica, prática institucional 7
  • 5. 8 , ENSAIO DE ANALISE INSTITUCIONAL Análise Institucional é um método que visa elucidar as relações reais e não somente jurídicas ou puramente subjetivas que man- temos com as normas instituídas; a ma- neira pela qual os individuas se põem ou não de acordo a fim de participar ou de dar adesão a estas normas, assim como as fonnas singulares de organização que surgem e desaparecem. Em outras pala- vras, entendemos por instituição não so- mente as formas constituídas,. mas também as modalidades de ação constituintes e os processos de institucionalização que resul- tam dos dois momentos precedentes. As relações sociais reais, assim como as nor- mas sociais, fazem parte do conteúdo do conceito <instituição». Uma outra particu- laridade de Análise Institucional vem a ser o fato dela operar sobre situações con- · eretas na prática social. A Análise é, pois, uma intervenção em grupos limitado~ tais como organizações, instituições (no sentido tradicional do termo), organismos, coleti- vidades. Ela tenta mostrar que, em toda situação, a ação das Instituições ausen- tes/presentes, isto é, a ação simbólica, é uma variável importante. Por conseguinte, não somente a face objetiva da instituição é levada em conta, mas também a face simbólica, não-objetivável em termos de da- dos de um. inquérito ou resultado de uma observação. Na qualidade de modelo de Análise social, alem de introduzir a dimen- são <instituição» nas análises sociológicas já conhecidas, ela chama a atenção para as implicações sociais, econômicas e po- líticas da observação sociológica. Trata-se, para o pesquisador e 'para o analista, de tomac como dados analisáveis, e não como condições exteriores ao seu trabalho, as condições nas quais ele é chamado, por determinadas instituições, a intervir na qua- lidade de especialista reconhecido. Se fala- mos de observação sociológica, devemos encará-la como instrumênto de trabalho, tanto do analista que se encontra numa organização, quanto do pesquisador. Donde encontramos, atualmente, duas possibilida- des de aplicação da «Análise lnstitucionab: uma primeira quanto ao que chamamos situações concretas (será o trabalho pro- duzido em escolas, hospitais, empresas, or- ganizações ou instituições de um modo geral). Neste caso, existe Análise Institucional onde estão reunidas as seguintes operações: Em t• lugar, análise da <Demanda-., com- preendendo ·a demanda oficial formulada pelos responsáveis e a demanda implicita que se encontra nas entrelinhas desta de- manda oficial. Além disso, existe Análise Institucional quando procedemos à Análise da demanda do grupo-cliente, composto pelos membros da organização. O conjun- to formado pelo Grupo-Cliente e o gru- po-direção compõe o coletivo ou grupo maior sobre o qual vai incidir a interven- ção ou trabalho analitico. Em segundo lugar, existe Análise Institu- cional quando encontramos a <autogestão:. praticada pelo grupo maior em relação a horários, número de reuniões, entrosamento entre as reuniões e as outras atividades cotidianas: ordem do dia, programa, re- partição em eventuais subgrupos, demandas particulares com relação ao grupo de ana- listas, modalidades de pagamento. Os obs- . tãculos à autogestão da experiência de Análise Institucional revelam os Ji~itçs, que a Instituição impõe, as restrições que pro- vêem da instituição. Em terceiro lugar, encontramos a regra da <livre expressão:.. Trata-se de restituir, de tra;~;er à tona, de mobilizar durante as sessões de Arálise Institucional o não-dito, os rumores, os segredos da organização, a origem social de seus membros. Os obs- táculos, as impossibilidades a esta mobili- zação logo virão à tona e poderão se tornar evidentes. Esses obstáculos são ana- lisados como reveladores da estrutura ins- titucional e daquilo que chamamos o nãQ- saber dentro das organizações. O não-saber no sentido do desconhecrdo, censurado, negado. Em quarto lugar, a elucidação da «trans- versalidade:., isto é, a dimensão onde en- contramos o fato de se pertencer a outras categorias sociais; o fato de podermos iden- tificar ideologias e outras particularidades que vêm negar o fato de se pertencer em comum a uma determinada organização. Por conseguinte, a alusão a estes grupos, a estas categorias sociais e a estas parti- cularidades pode assumir um aspecto po- sitivo ou negativo: o que se propõe, o que se quer dizer é que essas particulari- dades, essas referências atravessam a or- ganização, eis que o sistema social global, a estrutura da sociedade dividida em clas- ses se revelam, se manifestam na unidade micro-social que é a organização. Se a instituição é o que reproduz as relações soCiais dominantes no seio de uma organi- zação ou de uma coletividade, a análise ·da dransversalidade:. terá que enfrentar resistências reveladoras das relações que os interessados mantêm com as instituições. Por conseguinte, podemos falar de <trans- ferência institucionab, isto é, quando nos referimos aos sentimentos, às fantasias, aos desejos e às frustrações de .cada um para com a instituição. Em quinto lugar: elaboração da <contra- transferência institucional:., ou seja, a aná- lise das respostas que o grupo de analis- tas fornece. O sociólogo, o psicossoci61ogo, o psicólogo social têm normalmente muitas dificuldades em reconhecer as implicações de cada um para com o objeto estudado (implicações de ordem afetiva, política etc.). As resistências a esse reconhecimento fa- zem parte do objeto de conhecimento, de estudo. Estas resistências encontram-se no campo de análise. Em sexto lugar: a construção ou elucida- ção dos canalisadoresJ>. Por analisador en- tende-se alguém que, através das contra- dições que este elemento introduz na lógica da organização, enuncia e revela as deter- minações a que está submetida a situação. Por exemplo: um subgrupo divergente, através de sua presença e através de seu discurso ou através de seus gestos e ações, provoca nos membros do grupo maior ou coletivo a necessidade de se exprimir, de se expressar ou silenciar certas coisas. Prosseguindo, o analisador é capaz de exer- cer pressões ou então repressões revela- doras das relações de poder flue se en- contram ao nível institucional::fFinalmente, para concluir este parágrafo : o conceito de instituição não se limita a designar um modo de regulação externa aos indivíduos. Seu conteúdo é feito de articulações entre a a~ão histórica dos indivíduos, grupos, coletiVIdades, categorias sociais, sem esque, cer as normas sociais já existentes. Reco- nhecemos af um cuidado em estudar as formas constituintes e não-privilegiar as formas constituidas. Mas a dialética do constituinte e do constituído não se reduz a uma oposição entre normas e <condutas efervescentes» (Gurvitch), eis que as nor- ~as instituídas são produzidas pela histó- ria, constantemente modificadas pelas forças constituintes. Por outro lado, as condutas efervescentes não são puramente espontâ- neas: elas só podem se originar e se efe- tiva~ a partir do que já. existe, isto é, a partir das implicações .institucionais dos atores (R. Loureau, 1971b). A segunda aplicação ou campo de trabalho da Análise Institucional pode se identificar em trabalhos publicados recentemente. René Loureau (1971) escreveu· um texto intitu- lado A conw.na: um laboratório histórico. Também Georges Lapassade (1971) escre- veu um artigo intitulado Um analisador hi$tórico, sobre o mesmo acontecimento (A' Comuna de Paris). Vimos portanto. a Aná- lise Institucional abordar acontecimentos históricos, situações vividas atualmente ou registradas em documentos à disposição do analista. Em terceiro lugar, encontramos a possibilidade de uma reflexão sobre Ciências Humanas a partir de concei- tos de Análise Institucional. A Análise Institucional neste caso se constituí nu- ma metodologia capaz de criticar a pro- dução proveniente das Ciências Humanas; t~ata-se de uma contribuição à teoria geral das ideologias. Os mecanismos da ideolo- gia instituem, atribuem aos indivíduos .o lugar que lhes é destinado, dissimulando o fato de que se trata de uma instituiçãl>. 9
  • 6. A ideologia é assim vivida e tida como uma condição natural que as garantias cmplricas e especulativas fundamentam. A proposição geral sobre a qual se basearia uma teoria geral das ideologias é a de que toda ciência, qualquer que seja seu nível atual de desenvolvimento e s~u lu- gar na estrutura teórica, é produzida por um trahalho de mutação conceitual no in- terior de um campo conceitual ideológico com relação ao qual ela toma distância (T. Hcrbert, 1968). Neste sentido, qualquer ciência e principalmente ciência da ideologia da qual ela se destaca. Se qualquer ciência é ciência de uma ideologia, a ciencia das ideologias não pode escapar a esta lei. Seu obíctivo seria a teoria ideológica da ideologia. As Ciências Sociais no estado atual produzem esta teoria e aí está a grande <utilidade teórica~ no que diz res- peito às Ciências Humanas. Proceder à Análise Institucional das Ciências Humanas significaria examinar a situação onde as Ci~ncias Humanas ocupam o lugar de um proccs.•;o que poderia ter se produzido e que elas censuraram c recalcaram. Assim constitt!iu-se. um arsenal teórico-prático de meio~ técnicos-políticos que se dão por objetivo responder a uma demanda prove- niente da formação social existente e que visa adaptar-readaptar as relações sociais reais. Proceder à Análise Institucional das Ciências Humanas ~ignifica estabelecer a distinção, como fez Lévi-Strauss, entre qlei e regr~. Não confundir, portan1o, o pré- consciente da regra ·sintática imanente a um sistema fraseológico institucional dado com o inconsciente da lei estrutural que aciona as regras. Resulta dai qu'e a atri- buição do lugar a alguém numa formação social qualquer está impregnada dos me- canismos da lei inconsciente, e não é a tomada de consciência das regras pré-cons- cientes q ue poderá liberá-lo de sua alie- nação social. Neste nlvel, a Análise lns- :itucional seria um aprofundamento dos Instrumentos de análise macrossocial utili- zando os mesmos instromentos de traba- lho com relação à abordagem analltica encontrada em instituições e organizações concretas. O Situação da Análise Institucional com Relação à Pri tlca Psicológica 'A Análise Institucional su~deu a uma ,.abordagem que enfati~ava · o significado · eJI1.?Cional das organizações, instituições e i . grupos. Max Pagês representa bem aquele periodo quando 4iz: <os elementos condu- tores na vida dos grupos, como na vida dos índivlduos, são os sentimentos em par- te desconhecidos (inconscientes). Estes sen- timentos correspondem às angústias univer- sais do homem (medo de humilhação, de castração, medo do abandono, da super- proteção, de manipulação). Os grupos <!~:­ fendem-se frente a estas angústias mobili- zando outras angústias, assim como a partir de ·mecanismos gerais de defesa que ten- dem a impedir a expressão dos sentimen- · tos, inclusive a expressão individual ou simbólica~. Em outro texto acrescenta Pages : «A coo- peração inconsciente na alienação e na identificação é o sinal de uma cooperação e de uma solidariedade inconscientes au- tênticas, profundas, que elas exprimem ao mesmo tempo que negam; a cooperação é uma atividade orientada que modifica a afetividade individual ligada ao encontro na qualidade de significação deste encon- tro~. Finalmente, assinala a função de de- fesa contida na relação de autoridade con- tra um sentimento coletivo atual, isto é, contra um desejo inconsciente de coopera- ção verdadeiramente experimentado pelos participantes de um grupo ou de uma or- ganização. Escolhemos Max Pages para re- . presentar este perfodo anterior à Análise Institucional porque ele leva às ultimas conseqüências seu modelo, com bastante seriedade científica, sem querer escamotear aspectos que eventualmente o exponham a críticas severas. De uma maneira provo- cante dirá: <as empresas industriais capí· talistas servem ·de ocasião onde os homens procuram viver a experiência do a.mor, onde os homens fazem a experiência do sentimento amoroso. Digo, continua Max Pages, todos os membros da empN:sa: os funcionários, os operários, os che- fes, os diretores. Naturalmente trata-se de uma experiência muitas vezes vivida no conflito:.. Não me refiro aqui, esclarece o autor, cà alegria do trabalho~ nem à qualquer ideologia do tipo <harmonia-na- cooperação:. que cobre, não a experiência do amor, mas os meios .de que se vale a sociedade para se defender dos próprios receios. Pois bem, foi com essa abordagem do encontro e da cooperação inconsciente, autêntica e profunda que rompeu a Análise Institucional. MalÇ Pages percebeu a dificuldade em que se encontrava e na revista Arguments adiantou : cAs atitudes inconscientes de unta sociedade deveriam ser abordadas a partir de comportamentos concretos, ativi- dades, estruturas sociais que as exprimem por um método análogo àquele empregado pela Antropologia, mas aqui aplicado dire- tamente ao conjunto de comportamentos concretos na medida em que se investigas- sem não somente os elementos permanentes mas também as variações instantâneas:r.. Contudo, a alusão que faz o autor às instituições e suas finalidades assim como () propósito de abordar a estrutura social conto portadora e veículo de expressão não é levada às últimas conseqüências. O autor permanece preso às suas hipóteses de en- ~:ontrar o significado emocional profundo t.la vida dos grupos:.. Também a regra do ~aq ui e agora:. foi ultrapassada em se tratando de Análise fn&- titucional. A esse problema já se fez alusão no texto de Garcia (1071). Restringir o trabalho ao que se passa entre quatro paredes significa de~conhccer os anteceden- tes úe um grupo (a sua história), assim também as coisas que se situam no futuro (seu caráter prospectivo, suas fantasias com relação ao futuro). Por conseguinte, o an- rcs c o depois do grupo constituem objeto tle análise, assim como o que se encontra fora da sak1, nos corredores, no organo- :::rama, ·na organização,' nas inscriç<ies que se encontram muitas vezes em lugares cen- surados (banheiros etc.). Todo esse mate- rial se constitui em objeto de estudo numa experiencia em Análise Institucional. Vale dizer que a Análise Institucional assim de- finida dá ênfase ao discurso enunciado pelos participantes em situação de grupo, acreditando-se que o referido discurso faz menção à instituição onde, ele, discurso, toma foros de significação. Leva-se em conta o discurso enunciado por outros de- partamentos, outros setores, outros parti- ~cipantes presentes na situação, ou simples- mente lembrados. LJ A Universidade e o Saber çoroo forma de poder Uma Instituição a Analisar O Discurso Pedagógico O ato pedagógico que inspira e dá for- ma à situação de aprendizagem só pode ser entendido se relacionado com a insti- tuição na qual está Inserido. Durante os últimos anos, demos ênfase ao método (,le e nsino e aos aspectos emocio- nais presentes na situação de apren- dizagem. Temos falado em grupo, em aprender em grupo, em grupo de discussão. Temos fa- lado em relacionamento professor-aluno. Temos falado nas desvantagens da aula expositiva, notas atribuídas pelos próprios alunos, notas atribuídas pelo grupo. Neste caso, incluímos nossa atividade até o pon· to em que fizemos a revisão q ue nos ser- viu de ponto de partida para a redação deste capítulo. Es.-;a ênfase parece ter obscurecido, ter desconhecído um terceiro termo: isto é, o .~aber, a relação para com o saber, o sa- ber instituído em suas formas universitárias. Essa pedagogia inspirada em Relações Hu- mana!l tem .esquecido o problema da ins- tituição. Vale citar a influência que tem tido Carl Rogers, nesse momento. Bastaria citar seu texto On Becoming a Person. E em Rogers reconhecemos o inovador, o ho- mem de intuições, mas em quem a estru- tura social, as instituições não são levadas na devida consideração. Se o não-direti- vismo é outra coisa que uma máscara ideo- lógica ou ilusão, então não se define como uma transformação da relação particular professor-aluno (como se estes dois seres fossem duas essências universais) mas co- mo uma transformação da relação que mantém o transmissor do saber (o profes- sor) frente ao próprio saber, não em ter- mos de conteúdo em Juta com outros conteúdos, mas na mcdid_ a em que ele é institucionalmente produzido, conservado, transmitido, controlado, aplicado e sancio- nado (R. ·Lourau). Em Rogers, o não-diretivismo individual e social não contesta o diretivisino estrutu- ral. cL'auto-formation non-directive n'est pas fondée sur l'auto-gestion de cette for- mation:t, dirá G. Lapassade. Quanto às utilizações das técnicas de gru- po, gostaríamos de dizer que a pedagogia de grupo tende a autonomizar o grupo, esperando dele remédio para todos os ma- les. Ora, o grupo só existe na medida e.m que ele responde a exigências da socie- dade. Por outro lado, podemos dizer que o grupo é um fantasma, nele colocamos todos nossos desejos não satisfeitos, nos- sas frustrações. Em volta da mesa de reu- nião (dita mesa-redonda) acreditamos todos iguais. A mesa-redonda, como sabemos, é uma falácia Ela nega o problema do po- der, que mais cedo ou mais tarde reapa- rece. Anzieu já havia falado na c:grupite~, doença que nos tem atacado nas últimas 11
  • 7. dé<:adas.. Fazemos reunião de grupo para tudo. Por outro lado, não queríamos aqui su- bestimar o grupo. O lugar de convergência e de atrontamento das exigências e das solicitações advindas da instituição vem a ser o grupo, mas sem por isso assumir poder mágico. Concluindo este parágrafo: o mediador na relação profellsor-aluno, segundo R. Lourau, parece ser o saber. Mas também neste caso a diferença de status, entre aquele que está encarregado de transmiti-lo e aquele que é encarregado de adquiri-lo, cria uma oposição que as técnicas libe- rais mal conseguem camuflar. Um outro capítulo dessa Análise Institu- cional do discurso pedagógico deve se re- ferir aos exames, às notas. já lembramos a inovação liberal baseada na pedagogia de grupo que consiste em se pedir ao grupo que atribua uma nota a cada colega; ou ainda, que cada aluno estabeleça uma auto-avaliação. O liberal Carl Rogers já havia senten- ciado: «We wou!d do away with examina- tions:t (Personal Thoughts on .fcaching and Learning), e mais: <T he implication would be that we would do away with grades and credits. People would get to- gether if they wished to Jearn:t. O que este autor não disse é que a Aná- lise Institucional do exame nos leva a crer que ele é uma instituição destinada a se~ lecionar, em função do saber, pessoas que tiveram chance de fazer estudos. Pelo ti- tulo que ele (exame) confere, estabele- ce separações na sociedade em nome da- quilo que justamente pretende estabelecer união: em nome do conhecimento. Diria que o exame reflete a função social do saber. " A Análise Institucional deve ser uma inter- venção na prática do ato pedagógico. Po- der-se-ia objetar que o pedagogo não é um Psicólogo Social - é verdade. Por~ tanto, a formação dos futuros pedagogos deveria fornecer os instrumentos . susceptl- veis de serem utilizados na situação pe- dagógica. O professor não seria uma má- quina de ensinar. A análise das condições reai!l de seu trabalho não pode ser dei- xada de lado sem acarretar um isolamen- to e um caráter de magia que envolve ~ada disciplina ensinada pelo professor. A msistêncla sobre o aspecto social e insti- tucional do trabalho escolar restitui à Pe- ~gogia seu fim educativo, negligenciado pelas técnitas que visam sobretudo aqui- stçao do conhecimento. A esse respeito, di- ria que o ensino programado, interessado na eficácia da aquisição, deixa de analisar as ra~ões pelas quais alguém opta por esta ou aquela . aquisição. O A Aproprla4jio do Saber Em primeiro lugar, não consideramos o saber como um conjunto de conhecimento acumulado que o professor detém e procu- raria difundir através de técnicas mais ou menos dinâmicas a quem até então estaria privado deste saber. No entanto, reconhe- cemos que há um tipo de conhecimento constituído cuja transmis.c;ão parece em contradição com nosso discurso pedagógico. Por outro lado, sabemos que todo e qual- quer saber é o resultado de uma pesquisa. Contudo, essa pesquisa é o privilégio de alguns que são os criadores do saber. A pesquisa é reservada a uma minoria. E então segue-se a conclusão: n quantidade de conhecimento sendo enorme, s ua difu- são é uma tarefa prioritária. E está jus- tificada a rep11rtição entre aqueles que criam o saber e devem transmiti-lo e aque- les que devem memorizá-lo. A distribuição do saber pode, evidentemen- te, se resumir a uma questão de embala- gem e entrega. Esse procedimento satisfaz algumas vezes o estudante que, desta ma- neira, vê sua exigência neutralizada. Ou- tras vezes, e com ·freqüência, o eshidioso permanece insatisfeito. Pois que, de fato, n.ão . era o saber que ele pedia, mas o poder que está relacionado com (pelo me- nos assim c.rêem os que o pedem) o sa· ber. Essa distribuição do saber neutraliza aquele que vem à escola na sua função de solicitador, no seti papel de quem faz exigências, mas não o constitui em pesqui- sador-criador. Encontrar simplesmente ca- minhos já percorridos significa privar-se de espaço para a criatividade. O A Reforma · UniversiUirla A Reforma Universitária ora em curso no Brasil se apresenta em mais de um sen- tido como modernizante. E' de se acredi- tar que a Reforma encontre resistência por parte da Universidade na medida em' que ela, Reforma, implica até certo ponto: em declinio da Universidade, pelo menos se temos em mente o modelo antigo que tem presidido à organiutção e à susten- tação das estruturas universitárias. Temos visto o Ministério da Educação Nacional desejoso de levar mais longe os objetivos da Reforma, frente à timidez ou hesita- ção do nosso ambiente universitário. Acresce que· a Universidade ainda repre- senta para muitos o exercício do poder a que se fez alusão no texto. Ora, abalar este poder significa pôr em questão um certo número de privilégios. Um caso ti· pico vem a ser a licenciatura de curta duração que obriga a uma redefinição e re- organização do campo das Ciências tal como ele se apresenta na Universidade Brasileira. Por outro lado penso que a noção de sistema não basta na abordagem do con- texto universitário. o <produlo:t (assim chamado), encontrado no final da cadeia de produção, não é tão bem definido como no caso de uma fabricação em série. Fa- la-se que o produto vem a ser em alguns :asos o chamem culto:~>. E nada menos sistêmico do que o c:homem culto:t. Este vem a ser uma mistura de c:desejo:t, aven- tura intelectual, resposta a uma demanda do mercado, lugar· onde sopitam as mais variadas ambições. Quando se fala em pro- duto, em se· tratando de uma empresa, o Departamento de Produção sabe muito bem de que se trata. O produto (objeto, bem de consumo, matéria-prima) pesa de seu peso obietivo na balança da instituição. No caso do <homem culto:t, o produto tem conotações imaginárias, responde mui- tas vezes ao plano do simbólico, ou tjl)- vez da utopia. Mas a reforma é moderni- zante. Ela o é na medida em que aciona dispositivos por vezes para-universitários a fim de suprir ·a falta de flexibilidade em atender uma demanda que se faz eviden- te no atual estágio de desenvolvimento do pais. Finalmente, como não poderia deixar de ser, a Reforma prepara, estrutura um no- vo arranjo no jogo de forças presentes na atual conjuntura brasileira. Em que sentido vai se inclinar a balança? Creio ~ecessário ·colocar a pergunta, não para mvalidar a Reforma, mas num sentido prospectivo, já que o sistema (se sistema e_xiste) muda constantemente; já que o des- ltno de uma Reforma é ser reformulada por uma nova Reforma. Somente um acompanhamento cuidadoso do que vai acontecendo enquanto a Refofma se implanta poderá nos dar elementos que respondam ã pergunta feita há pouco. Se alguém for simplesmente contra a Refor- ma então não poderá perceber o desloca.- mento do poder proveniente da própria Reforma - eis que uma visão sectária impede um dimensionamento da situação. Se alguém idealiza a Reforma, fetichiza seus marcos referenciais, suas proposições- chaves (por exemplo: não duplicidade de ccadeiras:. ou unidades de ensino na Uni- versidade), não poderá perceber a quota de irracionalidade presente em todo sis- tema. Para finalizar, diria que o <produto:~>, «o homem culto•, não é nem adaptativo, deste modo nem sempre ele cassociates or identifies himself readily with the larger organizational of which he forms a par!:t, como parece pensar james Buchanan (1965) - nem tampouco o <produto:t é <an individual utility-maximizer:t - alternativa _ que se oferece ao mesmo Buchanan quando ele recorre ao modelo econômico clássico. Nem adaptativo, nem c:utility-maximer:t, o «produto:~> só conhece cpntradições. Não c dizer que ele oscila misteriosamente de um pólo (adaptativo) a outro pólo (c:utifity- maximizer,.). O «produto• fabrica - isto sim - projetos não só no nível do desejo mas também no nível da produção social. Não há distinção especial a estabelecer entre a produção social da realidade e a produção desejante em termos de fantas- mas, no sentido freudiano do termo. A pro- dução social vem a ser simplesmente a produção de desejo sob determinadas con- dições. A libido não tem necessidade de mediação, nem de sublimação, nem de transformação especial para investir o cam- po social (Deleuze e Ouattarl, 1972). Nós deliramos o campo social, assim como o campo social invade nossos projetos mais recônditos. E que não se venha pedir à Psicologia aquilo que a Economia não po- de dar, eis que ela atinge o seu !.imite - parece ser a posição de Mancur (1968): cWhere non-rational or irrational behavior is the basis for a lobby, it would perhaps be better tu tum to Psychology or Social Psychology than to Economics form a re- levan( Theory:.. O fracasso da Psicologia (Ciência da adap- tação) é tão grande quanto a falsa mo- déstia da Economia diante do problema aqui citado e pressentido por Mancur, assim como por Buchanan. Para abordar um campo onde a Psicologia se formou, iniciou sua construção como ciência, vamos abor- dar o problema da doença mental, para verificarmos o limite da Psicologia. Este limite está inscrito na própria constituição da ciência psicológica. 13
  • 8. 0 Um Hospital Psiqul,trlco Em um trabalho que tivemos ocasião de conduzir, num hospital Psiquiátrico, ado- tamos estratégia que procurava equilibrar participação dos médicos, pessoal funcio- nário administrativo e demais componentes da equipe psiquiátrica, e burocracia, isto é estabelecimentos de regulamentos, reda- çÍio de ofícios, decisões de diretor. Sem- ptc que possível, as. atividades de p~r!i­ cipação nos da~·am p1stas para a defimçao da política administrativa. Na época lasti- mamos que a burocracia seguisse com mui- ta dificuldade a evolução do significado que tem a instituição vivida no nível do grupo. Haveria, pois, sempre esta possibi- lidade do envelhecimento do significante (nível da instituição) com relação ao signi- ficado (nível da vida do grupo). No refe- rido hospital, por mais de uma vez, pen- sou-se em criar dispositivos que assegu- rassem de uma mane.ira permanente o que se procurava atingir com o· trabalho de Análise Institucional; algumas sugestões levantadas diziam respeito a: 1) direção colegiada, 2) grupo de assessores situado entre a direção e o pessoal técnico, 3) reu- niões de caráter permissivo com ou sem a presença do diretor. Nenhuma dessas SO· luções foi tentada de uma maneira siste- mática. De fato, nenhuma delas resolveria o problema ou responderia à pergunta que inquietava a todos nós, psicólogos, psi- quiatras, direção do hospital, funcionários, analistas. Este problema, esta pergunta diz respeito à angústia que experimentamos quando vemos uma instituição, um· grupo, ou ainda uma palavra perderem seu sen· tido, passarem a ser denominados por ou- tro nome. Ao que parece, isso nos traz grande insegurança, pois estaria ameaçada nossa própria identidade. Principalmente se essa mudança ·se faz longe de nossa pró- pria experiência, ~ esta se realiza (Con- tra nÓS). Com este comentário ficamos a meio do caminho. A angústia de que se fala no comentário anterior parece solta no espaço, sem nenhuma conotação institucional, sem nenhum vínculo sócio-econômico. Vamos pois levar mais adiante nossa reflexão. Nossa deficiência nessa época consistiu em não relacionar burócracia e participação como faces de uma mesma superficie. Essa separação entre burocracia e participação, em se tratando de um hospital psiquiá- tTico, tem gerado expcriblcias que vamos ordenar, fazendo alusão a três tipos. Num primeiro tipo teríamos as experiências que consistem em separar no hospital (no tempo e no espaço) zonas de psico1era- pia onde prevalecem relações afetivas pes--· soais, de zonas de organização adminis- trativa onde prevalecem relações puramente formais. Um segundo tipo inclui modifica- ções na organização formal do hospital. De uma maneira ainda isolada ~o atin- gidas (sempre que possível analisadas) as atitudes individuais, ao mesmo tempo em que se procurava vencer a resistência sus- citada pelas mudanças introduzidas. Provavelmente, nesse segundo tipo estaria incluído o traball1o que realizamos no Hos- pital, notadamente quando dissemos que nosso trn·balho estava orientado por um movimento de balança entre partiripaçáu e burocracia. Hoje, já passado algum tem- , po, podemos dizer que se tratava de ve~­ ccr resistências (quando conduzíamos ati- vidades de participação tipo Grupo T.) suscitadas pela nova orientação que partia da burocracia. Esta orientação dizia res- peito à renovação do quadro do hospital (quando os médicos antigos deixaram o hospital enquanto os novos se instalavam); exigência de maior rigor quanto à forma- ção dos jovens estagiários; introdução de novos especialistas entre o pessoal do hos- pital, tais como psicólogos, profe.ssoras, praxiterapcutas. Mesmo quando pensavamos acompanhar de perto a evolução da insti- tuição hospitalar para atualizar regulamen- tos mesmo neste caso, tinhamos em mente um' esquema de separação dos dois aspec- tos aqui abordados. Vamos definir o ter- ceiro tipo, caracterizando as~im o trabalho de Análise Institucional realizado em hos- pitais psiquiátricos. As experiências do terceiro tipo visam modificar simultanea- mente a estrutura do poder e as atitudes. Esse tipo fundamenta-se no postulado de que não existe separação rígida entre fe- nOmenos coletivos e individuais, entre com- portamentos e moda!idades de pensamento que inspiram ações e relações entre as pessoas. Assim é que consideramos pouco útil conduzirmos experi~ncla do tipo Oru- po T. isoladamente, sem inseri-la na ins- tituição de onde provêm os participantes, sem pOr em pauta a própria organização. As experiências definidas como fazendo parte do tipo três, inspiram-se largamente em conceitos e procedimentos elaborados a partir do pen~amento freudiano. Esse pro- cesso de análise visa nfio os sintomas individuais, mas a significação institucio- nal que eles traduzem. A evolução das atitudes e das relações interpessoais acom7 panha a modificação das estruturas aqu1 definidas como sistemas de repres_entações simbólicas e de sentimentos coletivos de- terminantes na vida da instituição. A no- ção de estrutura social por nós propug- nada admite que mecanismos de defesa designam tanto fenômenos S?ciai~ como fe- nômenos individuais. Adm1te tgualme.nte que tais mecanismps obse_rva~lo~ _em dt~e­ rentes níveis - indivíduo, mst1tu1~ao, SOCie- dade - estão em estreito relacJOnament~ ~ se reforçam mutuamente. A esse respet- tt) vale lembrar hipótese de f rantz. ~anon, psiquiatra que trabalhou na Argella du- rante a guerra de libertação, segundo _a quat· a maior parte das doenças ~enta1s tratadas no hospital não eram sc~ao as- pectos (já aumentados) das relaç~ ~­ dais vigentes no tempo da dom1naçao francesa em outras palavras a relação co- lonizado~-colonizado. Para André ~evy . (que tomamos como orientação para ~~~cuttrmos 0 problema das estruturas. so:_1a1S .e .de suas relações com as mohvaçoes indiVI- duais) não poderiamos afirmar que as es- truturas sociais são determinadas pelos ~entimentos coletivos e atitudes _ e que es- tes elementos constituem a reahdade fu~­ damental, ma~ que as atitudes ~ os se_nb- mentos coletivos (muitas vezes mconSCI~n­ temenie) estão ligados às representaçoes das estruturas. objeto, ritual da circunstância, pri~il~gio do que fala: eis três tipos de pr01b1ção que se cruzam, se reforçam, formando uma grade complexa onde se encontra preso o doente menta~ e de onde ele tenta uma explicação com o fl!Undo (tutelad~ como poderia ele se mamfestar?) . O dtscurso, aparentemente, parece pouco, .~a~ desde logo percebemos que as prmb1çues que a ele se referem são relacionada~ com o poder e o desejo (tutelado quer dtzer des- pojado do poder político; i_ntcrnado qu~r dizer privado, longe do ObJ.eto do deseJO - o hospital onde trabalhe! era um hos- pital só para mulheres). 15 0 o Paradoxo Transparece... o Discurso da Instituição... O Minha hipótese é a seguinte:_ suponh~ que em toda sociedade a produc;ao do discur- so (da fala, da expressão) . é .co~trolada, selecionada, organizada e red1strtbUJda .atra- vés de um certo número de procedm_ren- tos cjue tem por função afastar os pengos c controlar as ameaças. Numa sociedade como a nossa, conhecemos perfeitamente a exduáão - que é um dos exernpl_os dos mais evidentes quanto aos procedtmentos acima aludidos (interna~ento de pacien- tes). Nem mesmo a comunidade tera~u­ tica foi capaz de encaminhar o _problema: ela liberou o doente mental e mternou a doença mental. Próximo à exçlusão temos um outro procedimento, bastante comum, que é a proibição. Sabemos perfeitamente que não temos direito de dizer tudo, que não podemos falar de tudo, em qualquer lugar. que, enfim, não é qualquer um que pode. falar a qualquer momento. Tabu do O O Poder 0 movimento de Antipsiquiatr_i~ ati~ge nos-- sas posições ideológicas tradtcto.nal.s. Colo- cando em questão u status atn?ul_do. pe!a sociedade à cloucurn:., a AntípSIQUtatna contesta a concepção ~on~er~a_?ora ~ue tu.n- damenta a criação de mStltwçoes alienantes, abalando assim os fundamentos sobre os quais repousa a prática médica e o poder médico. (Só tive noticia de um caso d.e violência física por parte do _pessoal psi- quiátrico, foi quando uma pac1~nte .desres- peitou a autoridade de um médico, fechan- do-o numa sala de secretaria, c<?nser~ando a chave consigo. Invertia-se a Sltuaç~o : o mMico queria sair, a paciente não. deJXa~a. A chave estava com ela. A bnncade1ra acabou mal para a paciente). O Con.gres- so de Psiquiatria realizado e~ Araxa en- sinou-nos algo extremamente mter~ssan~e: as escalas de avaliação, os questio~ár1.os nos mostram uma tendência entre ~qu!a­ tras no sentido de uma menor ace1taçao, no final do Congresso, em relação à Co- munidade Terapêutica (tema do Congres- so). A equipe que conduziu os trabal~os de avaliação aventou hipótese nos segum- tes termos: o Congresso de Araxâ colo- cava os psiquiatras, à medida . q_ue ~s discussões progrediam, frente à Jttunênct~ de uma prática de Comunidade Terapêut~­ ca cada vez mais extensa, cad~ v.ez matS efetiva. Ora, Comunidade Te.rapeutica quer dizer para o psiquiatra, assim como para a instituição psiquiátrica de ~m m~o. g~­ ral nova repartição de papéiS, redtStnbaJ- cã~ de poder. Não é fácil para qualquer um de nós desistir de . uma parte da liderança exercida, renunciar ao exercido do poder ao qual estamos habituados..Por- tanto, a iminencia de uma Comunidade 267
  • 9. 16 Terapêutica provocou entre os colegas psi- quiatras um recuo na aceitação desta mo-. dalidade de relacionamento com o doente mental, pela percepção clara ou não que tiveram da situação. O mesmo raciocínio poderíamos utilizar para entender o entu- siasmo crescente, no caso (maior no final do Congresso do que no inicio), demons- trado por psicólogos com relação à idéia de Comunidade Terapêutica. O O Doente Mental Ausente/ Presente Laing e Cooper nos mostraram que a doen- ça mental (a loucura) não existe cem!> um individuo; trata-se de um rótulo im- posto por um outro. Para falar a ver- dade, nos defrontamos com uma situação onde o que há para ser ouvido é a ma- neira como a palavra alienada se encon- tra presa nas malhas de uma palavra alie- nante. Nos dizeres da Antipsiquiatria, a loucura não é jamais a falha contingente, nem a soma das fragilidades de um or- ganismo; ela é, pelo contrário, a possibi- lidade permanente de uma falha sempre presente. (0 doente foi o grande ausente no trabalho que conduzimos no hospital a que nos referimos). Nada nos autoriza a dizer que a doença mental seja um insulto à liberdade, como pretendem os psiquiatras liberais e liberalizantes; ela ~ a fiel com- panheira do homem, ela segue e acom- panha os movimentos do homem. O ser humano não pode ser compreendido sem a doença menial, sem a loucura. (Não é a Psicologia que detém a verdade sobre a loucura, e sim o contrário). O doente mental é, portanto, examinado na portaria pelo médico de plantão. Fre- qüentemente é levado por familiares que querem se ver livre dele, ou pela policia, no caso de hospitais para indigentes, que assim decide internar o c:loucot . Em se- guida, é encaminhado para uma enferma- ria onde vai aguardar os exames cllnicos complementares. Depois, deverá se subme- ter ao tratamento indicado. E não se fala mais nisto. Ele está presente. Mas faz-se o posslvel para não se falar nele. No dia primeiro de Maio de 1968 participei de ex- periência extremamente interessante no Hos- pital onde aprendi o pouco que aqui re- lato. Esta nova experiência intitulou-se c:Reunião Comunitária de Hospitab e con- sistiu num intercâmbio de papéis. Durante vinte e quatro horas, cada um doa médi- cos, cada um dos funcionários, cada um ocupou um papel diferente daquele de que se via incumbido habitualmente. Comentá- rio à margem, no meu diário de expe- riência: · cE' uma pena que os doentes não tivessem sido incluídos, pois só então teríamos atin- gido o centro da questão,. Tínhamos a impressão, na época, de estar revirando completamente o hospital, vasculhando in- teiramente suas estruturas, sua rotina. Que todos sairiam daquela <Reunião Comunitá- ria:. com outra visão dos problemas, mu- nidos de tolerância para com as imperfei- ções do sistema, dispostos a progredirem na aprendizagem do trato com a doença mental. Pois nada disso aconteceu.' Ou pouco, muito pouco. De fato, alguma coisa deve ter acontecido. Pois o vácuo não per- dura. Assim, , a jovem equipe, obíeto de· trabalho de Análise Institucional na época, ocupa hoje postos de direção de hóspitais, lugares de destaque nas associações cien- tificas e profissionais, consultórios de clién- tela particular. Houve um deslocamento da região onde se processava o conflito, mas os termos do conflito continuaram os mesmos. Antes do trabalho de Análise Institucional havia de- fasagem entre um grupo jovem e um grupo mais antigo. O antigo retirou-se, deixando lugar aos mais jovens. Os mais jovens passaram a viver conflitos que muito têm a ver com a parte censurada da Instituição e que jamais foi abordada. O processo de exclusão continuou sendo o procedimento por excelência, mesmo em se tratando da relação frente ao saber. Onde residiria o impasse dessa investigação que não é ca- paz de nos dar condições para nos apro- priarmos do saber, do conhecimento como meio de ultrapassar as contradições? O O Saber, o Conhecimento A?andonando os procedimentos cientlficos, faremos surgir um campo de onde o sa- ber poderá ser interrogado num contexto diferente. O abalo introduzido pela An- tipsiquiatria na instituição onde estão in- ternados os loucos, coloca a loucura em situação de ser percebida de uma maneira diferente e o psiquiatra a repensar sua própria relação frente ao saber. O que a Antipsiquiatria procura preservar, como nu- ma Psicanálise, é uma forma de saber que nunca é dado, e que se revela na lingua- gem do paciente, como se fosse um acon- tecimento que se repete e que se revela nas falhas, nos lapsos, nos trocadilhos, nos esquecimentos contidos no discurso. Ela procura criar condiçOes para que o discur- so da loucura venha a ser enunciado sem restrições. A Antipsiquiatria não conhece o veredicto, isto é, ela não utiliza o .-dos- sier,, a pasta, a qual se é de alguma uti- lidade, que freqüentemente serve para tornar mais difícil a apreensão dinâmica de uma situação (a do paciente). A crença do pú- blico no que está escrito pelo doutor, pelo psicólogo em se tratando de testes, é um dos aspectos que orienta a entrevista com ( l paciente, para o estabelecimento de um veredicto. E' a família que pede esse ve- redicto. Ora, poderíamos dizer que é mais do lado da . família do que do lado do paciente que há alguma coisa a ser des- lindada, elucidada. Em reunião de grupo no cXIII arrondissemenb de Paris (onde se levou a efeito a experiência mais ex- tensa de Psiquiatria setorizada) foi res- pondido a um pai que relatava o caso de seu filho para saber se ele (o filho) era ou não louco: c:Se ele ~ louco, não sa- bemos, mas que a família X está louca, tudo nos leva a crer,. Que tipo de Ciência seria praticada nessa instituição que seria o hospitaJ psiquiá- trico, tal como nós o conhecemos? Poder- se-ia dizer como Melman (1967): <O cam- po da Psicopatologia até Freud caracteriza:- se por uma certa aridez; nele encontramos noções tomadas por empréstimo a filósofos e ideólogos que constituem o velho fundo comum das idéias numa comunidade; seu caráter patente de inadequação com rela- ção ao objeto a que se destina (ou que tem em mira} o sintoma, nunca impediu uma aplicação e uma prática que é a da Psiquiatriu. BIBLIOGRAFIA 8UCHANAN, } Ames M . & Tullock, O. Tht coiculus of constnl. Ann Arbor Paperbacks, 1965. DtlEUZE, O. &: Ouattarl, F. L'anii·Oedipt, l es édltlons de ltllnult, 1972. QARCIA, Célio. Conjuntura teó- rica e conlro•irsia uperimenlol. In: Arquivos Srasileiros de Psi- cologia Aplicada, nn. 23/ 4, out.- dez. 1971. OUATTARJ, F. Laing diY13é. In: La Qulnzaine Littéralre, n. 132, jan. 1972. HEII8ERT, Thomas. Pour une thiorlt gl.ntrale dtr ldéolo&:ltr. 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Autogestio: ~ o grupo cliente que decide sobre horário, número, espaço entre reu- niões, pagamento dos analistas etc. 3. Regra de liv~-expresslio: durante a aná- lise, o não-dito, os rumores, os segredos da organização, a origem socíal dos. par-
  • 10. ticípantes serão 4'trazidos à tona>. Os obs- táculos a esse deslocamento do <não-dito>, são analisados como reveladores da es- trutura institucional e daquilo que é o «não-saber> no interior das organizações. cNão-saber> no sentido do desconhecido, censurado e negado dentro da instituição. 4. Elucidações da transversaUdade: a divi- são da macro-estrutura social em classes, ideologias e outras particularidades refle- te-se no microssistema que é a organiza- ção, impedindo o <pertencer em comum:. a uma determinada instituição pelos seus membros. A análise da transversalidade en- frentará resistências reveladoras das rela- ções dos interessados para com o micros- sistema, e aqui falaremos da <transferên- cia institucional> que é o conjunto de desejos, frustrações de cada um para com a instituição. 5. Elaboração da Cootratransferência Insti- tucional: é a análise das respostas que o grupo fornece. As dificuldades de reconhe- cer as implicações de ordem afetiva, polí- tiCa etc., para com o objeto estudado exis- tem, e as resistências a este reconhecimen- to estão também no campo de Análise. 6. Construção ou elucidação dos analisado· res: analisador é aquele que, através de contradições introduzidas na lógica da or- ganização, enuncia e revela as determina- ções que se escondem na lógica da situa- ção. Existe o analisador natural, que é exemplificado pelo <grupo divergente:., o qual - pelo seu discurso, presença, ges- tos ou ações - provoca nos outros mem- bros a necessidade de expressar ou silen- ciar certas coisas. Ele exerce pressões ou repressões no sentido de revelar as rela- ções de poder que se encontram ao nível Institucional. As outras operações mencionadas acima constituem os analisadores construidos para desempenhar um papel no dispositivo ana- lítico da intervenção. Dispositivo este que é o analisador experimental de base, OS TRÊS NÍVEIS , DA ANALISE E A MUDANÇA Como distinguir a cdimensão institucío- nab nas situações de formação e de in- tervenção? A. As Estruturas Tomemos como exemplo os Seminários de formação - aliás, foi justamente nestes seminários que começamos nossas pesqui- sas institucionais. A análise dos seminários de dinâmica de grupo leva-nos a descobrir uma dupla articulação do reprimido, que podemos enunciar da seguinte forma: I) A ênfase que é dada à análise do grupo por si .mesmo (Grupo T, grupo centrado sobre SJ mesmo etc.), quaisquer que sejam os princípios desta análise (Jewlniana freu- diana, rogeriana), fa~ surgir um certo ma- terial analisável, que deve ser analisado. Mas, ao mesmo tempo, esta análise pode ocultar as questões colocadas pelo nlvel· que chamaremos agora de organização da formação. • · 2) A organização da formação, no mo- mento em que for analisada, deverá ser «ultrapassada>, para ser compreendida, pe- la análise da instituição da formação (o campo institucional, isto é, a instituição da relação entre o saber e o não-saber etc.). Temos, portanto, três nivels de análise, que devem ser trabti/hados: a) o grupo; b) a organização; c) a instituição. A tendência que encontramos com maior freqüência entre os formadores é a de se prender ao primeiro nlveJ, o nfvel do gru-- po; às vezes, mesmo o nivel especifico do grupo é ocultado pela análise psicológica dos individuas que o compõem e de suas inter-relações (em Bethel, M. Pagês obser- vou um certo abandono do nfvel do grupo em beneficio da psicologia dos indivíduos em grupo). · a) O nível do .grupo é aquele onde se passa, em primeiro lugar, a análise. O grupo é o conjunto de pessoas reunidas aqui e agora, com um monitor, para se dedicarem à atividade de formação. b) O nível da organização diz respeito à gestão (esta palavra é tomada em seu sen- tido mais amplo de arranjos relacionados com a programação da sessão). Assim, o seminário de formação é organizado em função de certos objetivos que foram de- finidos previamente pelos formadores e que são em seguida propostos a seus clientes (os estagiários), que deverão alcançar es-- tes objetivos; alguns meios são utilizados durante o seminário, como por exemplo, os grupos de evolução, as exposições, os intergrupos, os grupos comuns e as as- sembléias gerais. Chamaremos organização da jormaçãq esta disposição dos papéis e das atividades: a distribuição das tarefas, dos status e dos papéis (os formadores, os analistas, os conferencistas, os estagiários) utilizados no sentido de alcançar os objetivos da forma. ção (atividades de auto-análise do grupo, exposições, horários, programas etc.). Ora; na prática tradicional de estágios e semin,ários de formação, nunca se faz uma análiSe do aqui-e-agora em termos deste nlvel organizacional. Não são examinadas com maior profundidade as relações entre os indivíduos que estão sendo formados e a <organização> que produz o estágio, que distribui as circulares, que toma nota das inscrições, que paga os honorários dos animadores, que planeja as atividades anuais. Esta organização dos seminários é, freqüentemente, um grupo profissional privado de psicólogos. Geralmente; o nível organizacional é dei- xado na sombra. Não é abordado mais profundamente um problema que poderia ser assim enunciado: de que maneira são organizadas as <Associações de Psico-so. ciólogos> especialistas. em formação (e em intervenções)? E ainda: de acordo com que princípios, no interior destas organiza. ções, foi organizado este estágio, este se· minário do qual atualmente somos os <par- ticipantes»? De que maneira, enfim, vive- mos esta organização - seus horlirios, seus programas para os estágios, que es- capam ao <não-diretivísmo> relegado so- mente ao nlvel de grupo? Que poderiamos dizer do pagamento exigido para a par- ticipação? c) O nivel da instituição aparece quando descobrimos que, para que a formação seja desenvolvida através de certas estruturas organizacionais, é preciso que exista: a) Uma certa divisão e quantificação do tempo social (o tempo dos relógios; o calendário; um determinado organismo de formação agricola só pode organizar seus estágios no inverno, em função do ritm0 dos trabalhos no campo e sua relação com as estações). Por exemplo, o tempo ado- tado na escola, que não é o tempo das fábricas nem o tempo da agricultura, que é mais próximo do primeiro que do se- gundo devido a certas razões históricas. Durante os seminários adota-se, como se ela fosse universal, uma divisão do tempo socialmente aceita, com normas bastante rígidas, e que são em seguida legitimadas pelos <racionalistas> pedagógicos ou psi- canalíticos... b) Uma divisão do saber, que faz uma distinção entre aquilo que pode ser desco- berto através da própria experiência (e da auto-análise) e aquilo que deve ser trans-- mitido; aquilo que, cdentro do campo da análise>, é pertinente a um certo <saber> sobre os grupos, e aquilo que não é per- tinente. Da mesma maneira as discipli- nas ensinadas nas escolas são cada vez mais separadas, apesar das tentativas que são feitas para <remendá-las> nas ativi- dades chamadas cinterdlsciplinares>. c) Uma ligação, geralmente impllcita, en- tre o Saber e o Poder, isto é, o Saber dá o Poder sqciai, permite assumir certos car- gos na divisão técnica e social do traba- lho. Além disso, a separação das duas tend~ncias (cas duas escolas:.) permite a reprodução da sociedade de classes. d) Uma referência à idéia bastante geral da escola defínida como um lugar coletivo de formação separado das outras práticas sociais. Sabemos, entretanto, que esta idéia de escola apareceu numa determinada épo- ca da história e que está ligada, funda- mentalmente, ;o modo de produção capita- lista, que universallza esta forma de trans- missão (a cescola para todos:., a escola obrigatória). Esta escola serve de modelo estrutural para qualquer empreendimento que vise à formação. O não-diretivismo não modifica esta relação básica. • 19
  • 11. 20 e) Uma relação de clientela, que é mais especifica, e que aparece quando um grupo profissional privado coloca seus serviços no mercado da formação. Esta forma ins-- titucional está relacionada com a institui- ção do mercado na sociedade onde atua, dependente da instituição dos serviços (compra e venda, e também honorários); a profissão de formador sendo, então, de- finida como uma profissão liberal (como as profissões de psicólogo, de médico, de advogado...) . Uma relação em termos de dinheiro está ligada a esta relação de clientela «privada>: a formação é paga. (Quem paga é uma organização ou os próprios indivíduos). E este pagamento en- contra seu lugar e seu sentido no inte- rior de uma sociedade onde a moeda é o equivalente universal dentro do sistema de trocas: o dinheiro é também uma instituição. Tudo isto que foi enumerado acima, que podemos classificar como sendo de ordem institucional, só pode ser explicitado .e examinado através de uma análise. • B. O Problema da Mudança O substrato institucional age, portanto, im- plicitamente na formação. Ele constitui, também, o objeto da intervenção analltica nos grupos e organizações. Mas, mesmo neste caso, não podemos vê-lo diretamen- te: vemos que uma fábrica produz auto- móveis; não vemos tão diretamente que ela produz lucro e que reproduz o capi- tal. Vemos que uma determinada organi- zação é hierárquica. Não percebemos dire- tamente, entretanto, como e porque a so- ciedade é hierarquizada. E, sobretudo, não percebemos que tudo isto - o lucro, o capital, a hierarquia - não são fatos na- tura!s ~ ~ternos. Não percebemos que, se as .mst1fU1ções fossem transformadas, po- denamos nos organizar de outra manei- ra, poderíamos mudar a organização da formação. Mas como mudar? Até aqui, estivemos restritos ao nível de uma an~lise estrutural dos grupos, das or- gamzaçoes e das instituições. A partir de agora, e antes mesmo de abordar como faremos posteriormente, os problem~s teó- ricos da mudan~a institucional, façamos uma reflexão a respeito da questão da mudança que é possível dentro das práti- cas que acabamos de descrever. a) O grupo: dizemos que ele <evolui~, produzindo, eventualmente, mudanças indi- viduais nos participantes. Entretanto, há alguma coisa fundamental que não pode mudar dentro do <grupo de formaÇão:~>, e é justamente a relação de formação, pois que esta relação é instituída, ela significa a transversalidade da instituição dentro do grupo. E' por isso que a formulação do problema em termos de «relações peda- gógicas:~> (ou de pslcopedagogia da relação) faz com que a instituição seja ·ocultada dentro do grupo. Esta formulação dissi- mula, através de uma mudança ilusória, aquilo que é fundamental: a transforma- ção da relação de formação ao nlvel do grupo não pode se efetuar dentro do grupo. b) Por isso, podemos tentar introduzir a mudança agindo ao nível da organização. E' neste nível que intervém a questão da autogestáo pedagógica. Quando propuse- mos, em 1962, tentar a autogestão de um estágio de formação, sem ter ainda per- cebido bem todas as implicações teóricas deste .projeto, nossa proposição foi rece- bida (ou mellior, mal recebida!) como um empreendimento irrealizável, uma utopia in- dividual Um pouco mais tarde, quando a idéia de <a.utogestão:o, ou mesmo de .:co-gestão> de programas foi ace1ta na universidade, L. Althusser «demonstrou> que o não-saber não pode co-gerir o sa- ·ber: de que maneira aqueles que ainda não sabem o que vão aprender um pouco mais tarde poderiam decidir, nesta condição .. de não-saber, o que é bom para eles? Maio de 68 varreu todos estes sofismas. Entretanto, na prática da . formação, são mantidas as formas tradicionais. Mas, com uma importante diferença: hoje, em 1972, são os próprios estagiários que às vezes se propõem a autogerir o estágio, ou seja, a organização da formação. Esta autogestão asslme então a forma de um contraprojeto organizacional e pedagó- gico. Não se trata de um debate puramente teórico, 9u de um <desvio ideológico:.. O <desvio:> é agora <organizacional:.. Trata- se de uma contraproposta de organização. Entretanto, pode-se observar que, se ela é aceita, os novos organizadores tendem a reproduzir o que já existia, na organi- zação institucional da formação. Interpre- tamos estas contradições dizendo que o peso do instituldo limita a inovação ins- tituinte. Em outras palavras: agir sobre a organização .não é agir sobre as insti- tuições que atravessam esta organização. Para mudar a organização, seria preciso jã começar a mudar no nível da instituição. As. intervenções nas organizações sociais parecem, às vezes, · atingir mais diretamen- te as instituições. Na realidade, a resis- tência . à mudança - que vai até a sus- pensão destas intervenções, ou sua anula- ção prática - se estabelece em dois níveis, que importa distinguir: O um nível organizacional, onde atuam os mecanismo.s de burocratização. Com efeito, a teoria da burocratização é uma teoria basicamente organizacional (na linguagem de· Max Weber e, posteriormente, dos so- ciólogos). Ela se torna institucional quan- do a relacionamos com a teoria do modo de produção e das classes sociais. O um nível institucional, que é aquele .da ·formação social como um todo. já lembra- mos que a organização da produção dis- simula a instituição da mais-valia. Mudar radicalmente a empresa não é somente mu- dar sua organização (a comunicação, a divisão de tarefas etc.). Trata-se, funda- mentalmente, de mudar o que chamamos a forma que assume a produção e a repro- dução das relações sociais - isto é, a instituição. (Aqui, no caso da empresa, a instituição das relações de produção, a ven- da da força de trabalho ele.). A análise da resisffnda à mudança (e, mais especificamente, das resistências à forma- ção e à intervenção) deve se fazer de ma- neira diferente, conforme se refira aos níveis dos grupos, das organizações ou das . instituições. • Em um movimento social como o de maio de 1968, a cmudança:. visa abertamente as instituições. Por exemplo, a in.stituição universitária, e não somente a relação pe- dagógica, ou a organização do ensino, mas o aparelho universitário como tal, engaja- do, assim, num processo de destruição. Sabemos que a resposta consistiu em mu- dar somente a organização, não dos es- tudos, mas apenas da gestão dos estabe- lecimentos. Assim, a divisão instituída do saber não foi modificada, e nem poderia sê-lo, radi- calmente, porque esta mudança implicaria uma desordem generalizada dos sistema, institucionais, ou seja, em linguagem mais clássica: uma revolução. O Conclusão Vimos que a reflexão crítica sobre as prã- ticas de . análise e de formação (produ- zidas pelo que chamamos de movimento psicossociológico) nos levou a marcar m~ lhor a especificidade dos trts niveis da análise, e a elaborar a teoria de suas in- terações. No final deste trabalho, torna-se evidente que estes níveis, ou cmomentos>, não se excluem mutuamente. Eles estão numa relação dialética. Mas, simultanea- mente, torna-se· também evidente que, do grupo à organização e, em seguida, da or- ganização à instituição; partimps do mais. vísivel em direção ao mais escondido, da aparência em direção· à «essência». O mais escondido é a instituição, lugar onde se encontra o inconsciente político, onde se cruzam as transversalídades sociais e aS instâncias do modo de produção. ···· NOTAS • Em 1962, fazlamos OJ'Osiçllo entre o grupo e a /nstltaíçáo, · deixando d~ lado o elo repre- sentado pela organfza&lio. Den- tro da noção de instltulçAo co- locávamos, ao mesmo tempo, certos prol>lemas organizarionafs . (organização material e peda- gógica do seminqrío) e o campo especificamente ínstilucion~l. A relaç!o institulda por toda par- te ~ntre o Saber c o não-saber. a exlst~ncia de lugares ~epnra­ dos e Instituídos para a forma- -:ão, Isto é, a instituição univer.- sal d., escola, def;nem o campo fn&tituçiona l QlJe atravessa (trana- versa.UCiaiJe) ~s campos ou oJveJs do grupo e da organiuçllo. • O nllo-<liretívismo não modili· ca e não podt modificar aquilo que chamamos at relar.õts Jru- tflulda& dé formação. No máxi- mo. e1e pode s,mboHzéu uma cont~stação às form as autorila- rias que esta relação assume. O nJl,...dtretivismo te....1~ a nJ;lcorc- ~lzar a questlo institucional das reJur.õe& ae Jormaçllo, cuja tra- dução peicologizada. cst~" contida em fórmulas como, por exem- plo, a das "relações pedagó- gicas'~. s Segundo Marx, a an6US-e só é nece~sárta quando se trata do que. está "*escondido": a expto· raçlo lenda!, com os dlzln;tos e a corvéia, é diretamente v•: d- vel e p81a ela nao há necusl- dade de análise. Entretanto, é necessária uma análise para ~or• nar clara a exptoraçlo c;op•l!- lista, dlsslmulacla na produçao da mais-valia. • Cabe ainda articular a reta- ~ao dos trt~ niv~ls com: de um lado, a teoria do modo de produção; de outro, a teoria do cicscjo e da repressão. A artt- cu:aç~o $e faz ao nivel das Ins- tituições da sexuali~aae, da fa- míUa da separaçlo de- sexos c, por '01.1tro fado. 110 nlvel da orgaalzaçlo da prod11çlo. 2"
  • 12. 22 , ALGUNS CONCEITOS BASICOS DA PEDAGOGIA INSTITUCIONAL Instituição - Este termo pode ter dois sentidos: Como dado, a Instituição é um sistema de normas que estruturam um gru- po social e regem sua vida ou seu fun- cionamento. Como ato, a Instituição pode significar o lugar de formação ou educa- ção, como também o ato de instituir, de formar. Instituição externa e Instituição interna - Toda instituição social se apresenta como um sistema de normas. A Escola é regida também por normas referentes à obrigação ~colar, horários, emprego do tempo, ati- VIdades escolares, notas, freqüência etc. Por conseguinte o trabalho pedagógico do corpo docente, da diretoria e da adminis- tração se situa sempre num quadro insti- tucional: a sala de aula, o departamento, a escola, a universidade, o ministério da educação. Entre estas instituições distin- guimos: as externas e as internas. Instituições externas - são estruturas pe- dagógicas exteriores à classe, ou à esco- la: o currículo mínimo, leis do ministé- rio, regimentos que são impostos de fora e que determinam o funcionamento da escola. Instituições internas - é o conjunto de técnicas institucionais ou educacionais que se pode utilizar na sala de aula ou na escola - como cargos, funções, horários, métodos, atividades educativas. Se a escola ou a sala de aula é uma instituição no sentido de que algo é ins- tituído - é criada por leis externas e por elas mantidas - ela é também uma lns- tit.uição no sentido de que pode fazer ou cr1ar suas instituições internas. Enquanto insituição extr!rna, é organizada externa- mente pela administração burocrática. Co- mo instituição interna ela é capaz de ·ela- borar suas próprias instituições internas, ou de instituir. A escola ou a classe não é somente um lugar instituído; Ela pode ter também um caráter instifuinte. Neste sentido ela é dinâmica, porque é o lu- gar da aprendizagem institucional e uma ocasião para se fazer a experiência ins- titucional. Autogestão pedagógica: A mais corrente concepção de autogestão é dada pelas or- ganizações sociais que a definem em ter- mos econômicos e administrativos. Esta de- finição se situa no nível das estruturas de poder, das instituições no sentido jurídico e sociológico · do. termo. Em Psicologia SG- cial o termo autógestão tem outras cono- tações: para o psicG-sociólogo a definição . acima não é falsa, mas incompleta. A au- togestão supõe outros elementos de ordem efetiva como desejos, motivações, aspec- tos culturais etc. A autogestão implica em que os grupos sociais desenvolvam suas próprias instituições internamente. A autogestão pedagógica é um sistema de educação no qual o mestre renuncia 4t transmitir uma mensagem. Os alunos, em n!vel da classe ou da escola, dentro dos limites da situaçào escolar atual, decidem a respeito dos métodos, das atividades es- · colares e dos programas de formação. Na pedagogia institucional ou autogestão pe- dagógica o mestre não é um transmissor de informações, mas analista do processo de aprendizagem ou perito à disposição da classe que deve encontrar e desenvol- ver suas instituições internas próprias. As fórmulas de autogestão pedagógica podem variar segundo as situações, as idades etc. - INSTITUICOES, LINGUAGEM E DESEJO Há algum tempo venho pensando nas rela- ções entre língua e instituição. Não há razões para impedir a aproximação, já que a própria língua seria uma instituição. No entanto, quero aqui focalizar, de um lado, material colhido na prática de Análise Ins- titucional, de outro, considerações de or- dem teórica ao encaminhar uma reflexão sobre os efeitos determinados que tem a língua em se tratando de classes sociais. Recentemente, um comentário de Deleuze e Guattari (L'Anti-Oedipe, p. 246) me fez voltar ao assunto, agora de maneira mais clara. Já que os autores citados lembram: haveria lugar para mostrar que a domi- nação se exerce através e na transcendên- cia do operador lingüístico. Acrescentam que Bernard Pautrat pretendeu estabelecer aproximação entre Nietzsche e Saussure (no livro Versions du soleil, fif?!lres et systeme de Nietzsche, ed. du Seuil, IQ71 ). Este autor observa que Nietzsche, contra- riamente a Hegel, recon11ece através da língua as relações determinantes entre o senhor e o escravo. Assim não seria o trabalho, como pensou Hegel, o lugar de identificação das relações de dominação e servidão (dialética do senhor e do escra- vo). Haveria mesmo para Nietzsche uma língua dos senhores, por intennédio da qual a dominação se efetuaria. Poderíamos en- tão dizer que a classe dominante atribui sentido às palavras e que a classe domi- nada aceita e se submete à significação atribuída aos termos. Ocorrem também ca- llOs onde o sentido atribuido a uma palavra é modificado pela classe dominante. Só al- gum tempo mais tarde a .classe dominada vai tomar conhecimento da mudança. Até então, ela - classe dominada - estava apegada ao sentido antigo, fiel à tradição, rompida e espezinhada na prática ~cial. Reservamo-nos uma outra ocasião para exame de termos que elucidam o aspecto aqui levantado. · Mas (a linguà é uma faca de dois gumes: ela modela . a prática social, ao mesmo tempo em que é modelada por ela. Num trabalho de Análise Institucional, observan- do um grupo de discussão onde estavam ·presentes operários e psicólogos, pude fa- zer a seguinte hipótese: a dificuldade de comunicação advém de um fator determi- nante ligado à utilização da lingua e ao seu funcionamento. Pareceu-me naquela oca- sião que os operários se escondem, se protegem (não no sentido de defesa psi- cológica, pois esta noção só serve para encobrir os aspectos políticos envolvidos) por ocasião de um diálogo, de uma negG- dação. Notem que emprego a palavra <ne- gociação» para designar o tipo de conversa entre psicólogos (ou qualquer outro tipo de técnico trabalhando na empresa) e ope- rários e funcionários. Trata-se de uma ne- gociação onde as partes evitam um con- fronto direto, onde é preciso fazer o pos- sível para evitar que uma parte ludibrie a outra etc. Nesse sentido têm razão os sociólogos da <análise do sistema,. quan- do encaram as relações no mundo do tra- balho como correspondendo essencialmente a uma barganha. Mas sobre o assunto haveria muita coisa a dizer, e fica para outra vez. · Quanto à minha prática, quero dizer qu~ os psicólogos se iludem quando f fazem hi- póteses sobre a empatia, a boa comuni- cação sobre a solução dos conflitos no mund~ do trabalho, sobre as <relações hu-- manas,., sobre o camor universab etc. O • que vejo cada dia na prática das institui- ções pode assim ser resumido: A língua é um código, e não é a ~s~co­ logia que está interessada em descodlfJcá- la. Pelo contrário, a Psicologia, como prá- tica associada ao sistema, estabelece um supercódigo, como um código do código, trazendo confusão para os interessados, isto é, os operários e os que vivem no mundo empresarial. No caso que pude observar, os psicólogos se esforçavam ou faziam o possível para que o grupo de operários adotasse um procedimento ana· litico onde as operações mentais seguissem um esquema ordenado na abordagem dos problemas. E', finalmente, o objetivo coli- mado por todos os métodos de treinamento na empresa (TWI, Training Group, En• trainement Mental, Administração por ob- jetivos etc.). Só que todos eles desconhe- cem, ou fingem desconhecer, co pulo <lo
  • 13. '24 gato> - o que vamos examinar dentro em breve. No caso que pude observar, os psicólogos propunham exercidos onde o procedimento de análise das situações de· veria seguir as seguintes etapas: 1) enume. rar, descrever as situações; 2) identificar diferentes aspectos presentes na situação; 3) fazer surgir as contradições eventual. mente presentes no grupo; 4) situar o per. sonagem no tempo e no espaço, isto é, buscar informações ou um enfoque mais amplo, documentado; 5) situar o aconteci- mento com relação à época e à região onde estávamos trabalhando; 6) busca de causas e conseqüências. Enfim, nada de mais congruente com o esforço de ver claro, de analisar situações, encaminhar soluções. T udo dentro do me· lhor racionalismo, devidamente condimenta- do com alguns laivos de dialética no tra- tamento dos problemas. Não me demoro no exame das fases por que deve passar uma discussão, fases aconselhadas e iden- tificadas por diferentes métodos em uso em diversas empresas, porque considero inútil tal empreendimento, Todos esses mé- todos se resumem numa seriação de ope- rações mentais mais ou menos ordenadas por uma teoria da informação, ou trata- mento de dados, sem nenhuma possibilidade de aplicação, sem nenhuma seriedade com relação aos objetivos a que eles se pro- . põem. ~Recursos humanos~. ~relações hu- manas>, ~marketing,, «desenvolvimento de pessoab têm ·sido uma balela que as em- presas pagam bem caro, e que mais dia menos dia poderá ser devidamente avalia- da. Enfim, quero dizer que os meus psi- cólogos estavam reunidos com um grupo de operários e faziam o posslvel para que estes adotassem a grade de análise · conhecida implicitamente ou não para iden- tificação de problemas, e encaminhamento de soluções no mundo ocidental, cristão, cartesiano. Pois bem, os operários, sem nenhum defícit intelectual, faziam questão de demonstrar confusão no trato do pro· · blema, passando de uma fase para outra, se_ m nenhuma disciplina, sem nenhuma in- clinação para a racionalidade. Convenci- me então de que se tratava de uma situa- ção exemplar - e que daquele exemplo deveria partir para uma série de hipóteses. Percebi que havia um grupo de psicólogos · em· frente a um grupo de operários, cada um com seu jargão, cada um com seus .·objetivos mais ou menos bem definidos · e que não seria a Psicologia das R-ela~ • ções Humanas que me ajudaria a com- preender o que estava acontecendo. Co- nhecia bem aqueles homens e sabia que eles eram hábeis no trato com as máquinas às quais estavam habituados. Conhecia igualmente os preconceitos de toda ordem que imperavam no meio polltico-sOcial que eles formavam. Não havia outra solução senão ouvir cada palavra que cada grupo pronunciava (psicólogos e operários). Ini- cialmente, constatei que os psicólogos pos- suiam um número bem maior de palavras, um repertório bem mais elevado - entre parênteses, não tenho a menor dificuldade em falar em repertório. Pelo contrário, a proporção ~ de um para dez ou mais. Isto é, se um operário dispõe de 500 palavras, o ·psicólogo dispõe de cinco mil. Só este dado indica bem a desigualdade na repar- tição do dicionário (cada palavra podendo equivaler a um certo número. de cruzei- ros, pode-se facilmente calcular o que re- presenta a pessoa possltir 500 ou 5000 termos no seu repertório).' Uma segunda constatação levou-me a con- siderar que os psicólogos enunciavam de preferência certas palavras, enquanto os operários tinham preferência por outras. Este tema também fica para outra oca- sião, pois não estou de maneira alguma apressado em estabeleeer unta Semântica experimental que viesse corrobOrar o pon- to de vista aqui levantado. Pelo contrário, até agora só me interessa o ~ruldo>, co- mo diria o ciberneticlsta. Para dizer em poucas palavras, Interessa-me especialmen- te a inadequação da abordagem psicoló- gica frente . ao problema encontrado nas relações no mundo do trabalho. Enfim, ha- via uma barreira, de nenhum modo impu- tável, à dificuldade cre comunicação habi- tualmente .conhecida por pesquisadores ou engenheiros de ~relações humanas>. E não será a bordagem do problema por apro- ximações mais ou menos astuciosas basea- das na <teoria do equilibrio~ (veja-se Hei- der, ou mesmo Festlnger e outros) que viria resolver o problema. Há, a meu ver, um ~ef~ ito:. de linguagem que determina as ' relações no mundo do trabalho. E, ao final de um treinamento, os termos que passam a ser empregados pelos operários ou funcionários de uma empresa represen- tam aquele supercódigo (código do códi- go) a que me referi acima, que vem tor- nar mais confusas as relações no mundo do trabalho. Enfim, uma forma de domina- ção, uma ilusão de que são vitimas aqueles que as empregam (psicólogos e homens de empresa). Ainda com relação a este grupo, penso que o p&rticipante, operário ou funcionário tem dificuldade em falar sobre a própri~ situação. Assim, pelo que se disse nos pa- rágrafos anteriores, não se pense que o operário tem domlnio da língua como ínst~umento à sua disposição; pelo con- tráno, ele está submetido a ela, na quali- dade de modeladora da prática social e os significados que ele manipula não ~ão senão efeitos do significante. (Veja-se mais adiante parãgraro sobre o valor de uso c o valor de troca paralelamente às con· siderações sobre o significante e o sig- nificado). Lembrei, a propósito do grupo em ques- tão, que na cllnica o paciente também se mostra em dificuldades para falar de si mesmo, malgrado a escuta atenta do psicanalista. Lembrei o comentário de Freud sobre seu cliente, conhecido na literatura psicanalítica como o ~homem das. rataza- na.'»: cfoi alguém que se perdeu numa metáfora...:., diz Freud. Não se trata de um comentário sobre o estilo do homem das ratuanas, ma.<> o que disse Freud vai aqui tomado ao pé da letra. Se um operário falasse, se ele fala a respeito de sua situação, tudo se passa como se ele se perdesse numa meUfora... Por ?utro lado,. tem9s a dificulade que expenmenta o psicólogo em fazer interveo- ç~s. Como já disse, ·o operário diante do pstcólog~, que é um estranho a serviço d? patrao, se esconde numa linguagem d1ta <obstáculo à comunicação>. Agora ve- mos que também o psicólogo se esconde no seu tecnicismo, no seu jargão - e não há outro à sua disposição. Encontramos ai uma manifestação da divisão em clas-- ses, a llngua sendo um veiculo dessa di- visAo. A seu turno, sobre a llngua inci- dem os efeitos da divisão em classes. E stARÍAMOS PJWPON~O .UMA Sóc!O-LII-1· gOistica? Não, pelo menos nos termos em que esta disciplina é conhecida. Assim, os autores assinalam o interesse em se estu- dar. a língua relacionada com o contexto ~ta_l, distinguindo uma macrossócio-lin- ;ihsh.ca de uma microssócio-lingiiistica. Pa- a nos, nem uma nem outra. Ambas des- ~onh~c~m os ~feitos a que está submetldo Sujeito, aml:ias se restringem a um as- rec~o dcscritivista. A primeira lida com Cnomcrt:.>,; ao nível das Jlnguas (por exem- f lo, quando uma língua é posta em con- acto com outra por força de vi~inhanc;:a ou de contacto de dois povos). Neste _caso, encontramos os chamados <conflitos lin- . güísticoS», processos de substituição pau. 2 latina de uma llngua por outra, sltuaçOea de especialização, isto é, uma Jlngua que passa a ser unicamente colonial e familiar enquanto a outra guarda seu caráter ~ prestigio, falada na corte, nos negócios ou na produção literária. Quanto à microssócio-lingüistica, eJa se ocupa de fenômenos de bilingüismo ou de estudos em torno da língua matern'a. Gostaríamos de evitar tanto uma quanto outra . perspectiva. Passar do grupo para o soctal-polítlco, do indivíduo para o cul- tural, e _vice-versa. Para isso, não me atrr necessan amente às palavras, mas identifJ.- car as fontes de onde vêm os pedaçoS de frases, a.s alusões, as distorções, as idéias. Quero d1zer que o discurso produzido pelas instituições seria produto de outros d.iscur- sos. As frases já vêm feitas (tOdo mun. do sabe disso): As citações são impreci- ~s, mal escolhidas., o que enriquece mais amda o estudo ora em questão. A instituição fala de «Vestir a mesma ca- misa>, <remar no mesmo barco~, ca em.. presa tem que dar lucro~, cnão podeJD08: olhar somente o lado humano, - a racio-· na!idade e a solidariedade são postas como. marco de referência a cada momento. · 1 empresa lida com o valor de troca (atri- buído à mercadoria), com o valor de- U90 quando pretende ser humanista· mas ela não admite ser chamada de jrra~ional. Em outras palavras, o valor simbólico ~ des- conhecido, diria que ele é temido. No en- tanto, a presença de um especialista ent· <ambivalência~. alguém que lida constame- mente com o valor simbólico, mostra beni que a empresa encerra alguma coisa que ~ constantemente negada, desconhecida. Do.r de a posição delicada ocupada pelo psi· cólogo na empresa, nas instituições de um modo geral, desde que ele não tenha sido promovido a chefe do pessoal, como é algumas vezes o caso. (Cada vez mais fre- qüente, ao que me foi dito!) Falar em ambivalência significa falar em improduti· vidade - e a empresa não admite reco- nhecer que não há improdutivos cem por cento, nem produtivos cem por cento. O merecimento é medido em função de ai· guma coisa que não existe, isto é, a pro- dutividade associada à mercadoria, esta definida em tennos de valor de troca. O sistema está longe de funcionar tão bem, como se tudo corresse macio. .. Este as- pecto é desconhecido pelos adeptos da canállse . de sistema:.. Ninguém tJerpnlul
  • 14. com o valor simbólico, eis que ele só conhece o dom e o estupro. Assim ~ que fui levado a me interessar pela produtividade/improdutividade numa empresa. A imprOdutividade não ·se deixa facilmente identificar, ela escorre, elà se esvoi· entre nossas mãos. Ela serve de or.asião (sempre disfarçada) para veicular, expressar uma série de desejos, fantasmas quanto à · situação de trabalho. Como abor· dar tal situação? As formas de produção social, dizem De- leuze e Guattari, implicam numa posição improdutiva, um elemento de antiprodução, associádo · ao processo, de uma maneira máis ou menos inesperada... Ora, ao que tudo indica, o sistema despótico vem a ser a fonte de antiprodução. Ao lado deste comentário, lembrar que a grande desco- berta da Psicanálise foi a <produção do desejo>, a ~produção do Inconsciente:.. Fa- ço questão (depois de Deleuze e Guattari) do termo produção para assinalar que há um aspecto máquina nessa história. O In- consciente como produtor l! diferente · do lntonsciente «teatro antigo:t, onde alguma coisa era representàda. O Inconsciente co- mo produtor foi ocultado por um idealismo que passou a falar em representação, em vez -de unidade de produção. Sinto-me à vontade, t o caso de dizer, para falar em <produção:., ~unidades de produção:., já que iniciei o texto sob a invocação do mundo empresarial. . . A redescoberta do Inconsciente produtivo implica em: 1) Confrontação direta entre a produc;ão do desejo e a produção social, entre o sintoma e a ideologia (atenção clinica!); 2) Elucidação da repressão que a máquina social (seja ela qual for) exerce sobre as máquinas dê desejo, e a relação entre re- calque e repressão. El(iste, por conseguinte, um paralelo entre a: produção social e a produção do desejo. Em ambos os casos, uma instância de an- ti~rodução está sempre pronta a se apro- priar das formas produtivas. Por outro lado, não há distinção a estabelecer entre a produção social da realidade e a pro- dução do desejo em termos de fantasmas. A produção social (da empresa, por exem- plo) vem a ser simplesmente a produç~o de desejo sob determinadas condições. DI- zemos que o campo social é percorrido pelo desejo, e que ele, campo social, vem a set úm produto historicamente determinado nessa situação. A libido não tem necessi· dade de mediação, nem de sublimação, .nem de transformação especial para investir as forças produtivas e as relações de produ- ção. Além disso, .as formas as mais re. pressivas, as mais mortíferas da repressão social, são produzidas pelo desejo. Somente dentro desta abordagem, vejo urria salda para as aplicações sem fim ·(e que cheiram a charlatanismo) levadas atê o mundo do trabalho pelas ciC:ncias humanas. o OBJETIVO OA ANÁLISE I NSiiTUC;ONAL seria o desenvestimento da.s estrutljras re- pressivas. O objeto do desejo sendo o pró- prio real, não nos parece necessário admitir a existência de uma forma particular, de- nominada por alguns crealidade psíquica>, distinta da ordem das coisas. A resistên- cia à Análise Institucional revela uma for- ma de defesa do sistema que insiste em n:io se mostrar disposto a declarar sua improdutividade. A abordagem do proble- ma em termos do imaginário dá ao~ inte- ressados a impressão de que alguma coi~a se salva nesse ambiente de improdutivi- dade. Nesse sentido a Administração se- ria o lugar por excelência onde se mani· festa o campo do imaginário. As inicia- tivas do setor administrativo são sempre eivadas dessa ilusão que alguma coisa é recuperada, alguma disfunção é corrigida. O administrador é especialista da produ- ção imaginária. Ela lida com o que. não pode existir: Donde o lugar especial que o setor administrativo ocupa no organo- grama ou · nas relações entre dife'rentes serviços. Ao administrador cabe, em tese, o apoio às unidades de produç.ão. No en- tanto, todos conhecemos o desprestigio que envolve qualquer intervenção do ·setor ad· ministrativo. O setor de produção póde a qualquer momento lembrar a prioridade de que ele goza, eis que sua produção é real. Só ele é capaz de justificar a em- presa. E, no entanto, tambl!m o setor de produção é improoutivo. AI encontramos, da mesma forma, os recursos bem conhe· cidos, tais como <operação tartaruga:., «di· ficuldade de comunicação:., «direitos de antiguidade>, critmo controlado pelos ope- rários:. etc. Nem o cronômetro, nem cme· didas de tempo e métodos:. são capazes de eliminar a inércia do sistema. Os pro- gramas de incentivo à criatividade, ~as cai- xinhas de sugestões:. se encaminham para uma situação de ineficiência que só não ~ percebida . P.elo administrador. Eis que a este cabt: 'j!dministrar a ineficiência... Por éonsegui.nte, o tema prÕdutividadejim- produtividade; para ser abordado com al- gum~ . po.ssíbili~ade de elucidação, terá que adm1hr co1_1cettos que dizem respeito à produção áo desejo, à repressão com rela· ção a esta ·. produção. Já encontramos em- presas que atribuem aos operários a auto- gestão de ·sua produção, cabendo a cada um ~a determin~ção de seu ritm.o cje pro- ducao, a orgamzaçáo de seus ml!todos' &: trabalho, a ordenação de seus temp<>S inor.:· tps...E' um recurso do administrador ao abordar o probl~ma do desejo e da prO-· dução. do del!eio. Resta abordar essa nova mo~ahdad~ de relação que a instância; anbpr~uhva estabelece com as forças produhvas. · NOTA 1 As ~tatlstlcas são dos mt· lhorcs lexitógraros da Europa: um !tomem comum dispõe por volta de 300 palavras, enquanto uot cientista pe$guisaclor tem em seu rtpertórfo 30.000 palavras. PRÁTICA TEÓRICA, , PRATICA INSTITUCIONAL E' muito conhecida a análise que Freud fez do pequeno Hans. E' a primeira aná- lrsc de uma criança e possibilitará multas. aberturas para o posteri9r desenvolvimento dn Psicanálise adulta e infantil. Mais do que isto, é o grande modelo para se pen- sar a criança psicanaliticamente. Freud só viu Hans ocasionalmente. Quem lhe relatou o problema do menino foi seu pai, que era analisando de Freud. O pai era quem trazia os fatos e os comentários do filho. • Para c~rar Hans, Mannoni 1 · most.ra como F~eud Introduziu um mito que deveria ~ex­ Jlhcar:. a Hans seu ciúme edipico e que este elaborou atê que perdeu o ~edo de ser castrado. E' às suas idéia.s sobre a an~lise Infantil freudiana que iremos se• S:utr aqui. · Preud era analista do pai de Hans. Não só. por isto, mas' pelos relatos de que o Pat era portador, Hans e ele se lig-aram profundamente, ·num plano imaginário a Freud. O interesse de Hans pelas muÍhe. re~ de sua casa será deslocado para as mulheres da casa de Freud. A mãe de Hans é afastada do processo psicanali,tico e se dedicará apenas à sua filha, tomando uma amiga intima como confidente; en- quanto Hans terá na sua empregada da-. méstica o substituto da figura feminina (<falando> com ela sobre os assuntos sexuais). ~No discurso, que se processa de Freud a Hans, há um cent.ro para o qual con- vergem os fantasmas de todos os adultos (os país de Hans e f reud), em que Hans f! o representante do desejo do adulto (do desejo do pai de Hans por Freud e do interesse teórico que seu 'caso' representa para as pesquisas de Freud); é apenas pela seqüência dos fatos, forjando seu próprio instrumento de cura, seus mitos, que ele consegue a própria independência. A mãe, infelizmente, respondeu no plano da realidade por um 'abandono' à indepen· dência de Hans:.. • Assim Freud se introduziu na vida do ca- sal, satisfazendo às fantasias de Hans. cOra, na análise do pequeno Hans, Preud separava claramente o lugar ocupado pela criança no fantasma maternal (a mãe, re-- 27
  • 15. jeitando na realidade o filho - e em ~ guida todos os homens - marcava a sua impossibilidade de renunciar ao objeto ima~ ginário que constitula para ela o seu filho enquanto· substituto fálíco), . Hans é assim o suporte do problema sexual d.e seus pais, revelável à medida do desvelamento dos fundamentos de sua angústia fóbica (da- quilo que produziu os sintomas). As arti- culações de Hans lhe serão manifestadas não por sua relação ao real, mas pelo ul- trapassamento e refazimento do lugar onde elas se estruturam: as dificuldades de seus pais. <A aparição da doença de Hans, pode considerar-se como a aparição daquilo que está errado nos pais. Não se podia, pois, cuidar de Hans sem abalar todo um edifício,. Mannoni marca dois nlveis da atividade psicanalítica, mas só se dá conta e arti- cula o primeiro deles. J• - freud, o analista real, concreto, par- ticular, professor Freud de Viena, se in- troduz nas fantasias dO!'; pais de Hans na medida em que elas (as fantasias) são uma trama unida à de seu filho. Mannonl acredita que Preud conseguiu introduzir os elementos míticos («multo antes de você nascer... eu sabiu etc.) adequados para a condução do drama edlpico de Hans, mas que não pOde prever que com isto aju~ daria a deslindar a trama parenta!, para a qual não propOs nenhuma elaboração. Ela elabora a atividade de produção teó• rica psicanalítica, as questões que suscita a lógica teórica da Psicanálise. 2' - Freud é a teoria que ele produz; mas na medida em que elaborando o de- sejo de Hans ele interfere no desejo dos pais, ele não é apenas (conj) quer Man- noni) um teórico que não pôde observar completamente os efeitos que causou, mas se torna em atividade de re-produção do desejo, seu lugar rejencial instituldo. Não se trata somente do fato de que Preud elabora a verdade do casal (mesmo quan- do ele não sabe que o está fazendo, como afirma Mannoni), mas que o casal encon- tra na elaboração sua verdade, uma re- ferência concretamente articulatória. A pró- pria Mannoni conta que a mãe de Hans tomou uma mulher inculta como confiden- te; mas a fala em eco com essa confidente tem o lugar demarcado de camigu ou <companheira~. Enquanto. o lugar social de Freud é de um saber com torça de lei e não representação de uma verdade objeti- vamente dita (dessas que se ouvem tam- bém dos amigos e confidentes): Desde que é expressa, a verdade só toma seu lugar quando é produzida em dois níveis insepardveis: um, teórico, objeto de análise epistemológica; outro, mítico-práti- co, objeto de análise institucional. A palavra de Freud - para Hans e para seus outros maravilhosos «casos~ - não é apenas uma verdade teórica, mas uma verdade teoricamente produzida no contex- .to de uma prática social. Por isto ela é também sua textura institucional. NOTAS • MANHONI, Maud. A crit~~tça, aua "doença" • os outro~. Trad. bnslleira. Zahar Editores, ~o 11111. • ldtm, p. 15. D &QUERELAS A noite de loucuras O caixão Lapassade entre nós Escolar Sobre a "Atuação" Textos