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Elísio Estanque



            SOCIOLOGIA E ENGAJAMENTO EM PORTUGAL:
             reflexões a partir do trabalho e do sindicalismo




                                                                                                                                                                                     DOSSIÊ
                                                   Elísio Estanque*


         O presente paper procura ser um exemplo da sociologia crítica-pública desenvolvida no Cen-
         tro de Estudos Sociais (CES), da Universidade de Coimbra. A linha temática aqui tratada
         (sociologia do trabalho e do sindicalismo) assume uma perspectiva crítica, quer do ponto de
         vista teórico-reflexivo, quer como prática política do cientista social, consideradas duas faces
         da mesma moeda. Partindo desse ponto de vista, discute-se a atual conjuntura de crise e analisa-
         se o caso português à luz da questão do trabalho, realçando alguns dos traços estruturais do país
         como semiperiferia da Europa e mostrando como alguns dos seus atuais problemas têm origens
         muito antigas.
         PALAVRAS-CHAVE: sociologia pública, crise, trabalho, sindicalismo, Portugal.




         O     ressurgimento relativo da sociedade por
              tuguesa e os laços de proximidade entre Por-
         tugal e o sul global, especialmente com a África e
                                                                 zir ciências sociais numa perspectiva crítica,
                                                                 transdisciplinar e assumidamente engajada.
         a América Latina, herdados da era colonial, cria-
         ram um dinamismo raro no nexo entre a sociolo-                  Embora não representativa do CES, que en-
         gia crítica e a sociologia pública, desde os projetos
         emancipatórios do Forum Social Mundial aos pro-         volve hoje um numero de mais de cem pesquisado-
         jetos feministas internacionais, passando pelas crí-    res, setenta dos quais com doutorado, a perspecti-
         ticas, ao estilo de Bourdieu, à dominação social e à
         violência simbólica.”                                   va crítica e a orientação politicamente engajada dos
                                          M. Burawoy, 2007.
                                                                 seus membros é parte integrante da identidade e da
                                                                 tradição desse centro. Nem todos seguem, natural-



                                                                                                                        CADERNO CRH, Salvador, v. 22, n. 56, p. 311-324, Maio/Ago. 2009
       A discussão em torno da chamada “public                   mente, o mesmo paradigma teórico-epistemológico
sociology”, desencadeada no mundo acadêmico oci-                 ou a mesma orientação politica do seu principal
dental a partir das contribuições de Michael Burawoy             líder, Boaventura de Sousa Santos, mas a tendência
(2005, 2007), colocou-se perante a comunidade soci-              geral da comunidade do CES é pautada pela preo-
ológica do Centro de Estudos de Sociologia (CES)                 cupação com a interdisciplinaridade, por um lado,
como uma teorização interessante – porventura ca-                e com a intervenção pública e cívica, por outro, e
paz de imprimir um sentido mais engajado à socio-                isso não apenas como cidadãos mas também como
logia estadunidense, onde pontificou o paradigma                 cientistas sociais.
funcionalista –, mas com pouca novidade para nós.                        Procura-se construir um conhecimento pro-
De fato, há cerca de três décadas que a comunidade               gressista, transformador e emancipatório, destina-
sociológica de Coimbra vem se dedicando a produ-                 do a reforçar o espaço público. E pretende-se usá-
                                                                 lo como auxiliar para ver para além do manto de
* Doutor em Sociologia. Professor de Sociologia da Uni-          opacidade que as instituições e o poder hegemônico
 versidade de Coimbra. Faculdade de Economia da Uni-
 versidade de Coimbra - FEUC. Pesquisador do Centro              tendem a lançar sobre a realidade, ou, pelo me-
 de Estudos Sociais - CES.
 Av. Dias da Silva, 165. Cep: 3004-512 Coimbra. Portugal.        nos, aquela parte da realidade social tendente a
 elisio. estanque@gmail.com                                      pôr em causa as leituras dominantes e a incomo-




                                                           311
SOCIOLOGIA E ENGAJAMENTO EM PORTUGAL...




                                                                  dar a ordem estabelecida. Visualizar o invisível e     paradigma ocidental da ciência moderna em favor
                                                                  valorizar, a partir das margens, as múltiplas          de uma visão cosmopolita, multiculturalista e
                                                                  potencialidades emancipatórias que o centro tem        emancipatória dos movimentos e dos fenômenos
                                                                  vindo a apagar ou a excluir. Em outras palavras,       sociais em geral que, nos últimos anos, afirmou-se
                                                                  recusar limitar-se a justificar o que existe só por-   na defesa da “ecologia dos saberes” e na opção pela
                                                                  que existe, e estar atento às ausências e às emer-     “epistemologia do Sul”, não obstante o seu interes-
                                                                  gências (Santos, 2000 e 2002a).                        se filosófico e o seu potencial crítico sejam assun-
                                                                          O presente artigo tem como objetivo forne-     tos que se apresentam como mais controversos
                                                                  cer uma amostra dos temas de estudos que temos         entre os cientistas sociais, inclusive no seio da
                                                                  desenvolvido, guiados por essa orientação, ou seja,    comunidade do CES (Santos; Menezes, 2009).
                                                                  procurando usar a reflexão e a análise sociológica             Desse modo, a preocupação neste artigo é
                                                                  para, a partir dela (e com base nos resultados de      divulgar junto à comunidade brasileira dos cien-
                                                                  diversos estudos em áreas distintas), intervir na      tistas sociais algumas das leituras e diagnósticos
                                                                  esfera pública, procurando dirigir o nosso conhe-      que temos proposto sobre as tendências de mu-
                                                                  cimento não apenas para as instituições (“policy       dança no período recente, no campo das relações
                                                                  making”), não apenas para a comunidade acadê-          de trabalho e do sindicalismo. Tais temáticas são,
                                                                  mica (numa perspectiva “profissional” ou “críti-       no entanto, perspectivadas no seu sentido mais
                                                                  ca”), mas para os públicos subalternos e plurais,      abrangente, ou seja, como instâncias de eleição em
                                                                  no sentido de disseminar informação e conheci-         torno das quais qualquer estratégia de moderni-
                                                                  mento inovador, capaz de instigar a participação e     zação, tal como o próprio sistema democrático,
                                                                  a cidadania ativa. Dando sequência a um dos prin-      tanto se podem consolidar como entrar em colap-
                                                                  cípios orientadores do CES, a filosofia subjacente     so. Para além disso, importa referir que – nesse
                                                                  aos trabalhos realizados nessas áreas – sobretudo      campo como em muitos outros que integram as
                                                                  a partir do Núcleo de Estudos do Trabalho e            linhas de pesquisa do CES1 – as notas de refle-
                                                                  Sindicalismo (NETSind) – preocupa-se em contri-        xão que se seguem são fruto não apenas de resul-
                                                                  buir para “democratizar a democracia” ou, por          tados de pesquisas diversas, mas, ao mesmo tem-
                                                                  outras palavras, ajudar a reinventá-la, de uma de-     po, exprimem o diálogo que temos aprofundado
                                                                  mocracia representativa e de baixa intensidade rumo    com os atores sociais diretamente intervenientes
                                                                  a uma democracia de alta intensidade, em que as        nesse domínio, quer no âmbito institucional, os
CADERNO CRH, Salvador, v. 22, n. 56, p. 311-324, Maio/Ago. 2009




                                                                  dimensões “representativa” e “participativa” se        que são hoje reconhecidos como “parceiros” de
                                                                  reforcem mutuamente no aprofundamento da cul-          diálogo e concertação social (Estado, sindicatos e
                                                                  tura democrática (Estanque, 2007; Santos, 1988,        empresários), quer os representantes e ativistas
                                                                  1998, 2000, 2005, 2007).                               que lideram o movimento sindical mais combativo,
                                                                          Pode dizer-se que o desenvolvimento do CES     quer ainda outros líderes associativos do campo
                                                                  – e de várias das suas linhas de pesquisa numa         estudantil e do trabalho.
                                                                  perspectiva engajada e emancipatória – obedeceu a              A reflexão sobre a questão laboral e social,
                                                                  uma opção estratégica. Aquela que mais diretamen-      de uma maneira geral, não poderia, evidentemen-
                                                                  te carrega a marca teórica e epistemológica da sua
                                                                  principal referência, Boaventura de Sousa Santos,      1
                                                                                                                             Ver o site do CES em: www.ces.uc.pt. No nosso caso
                                                                  que vem em estreita continuidade com a primazia            particular, vale a pena referir que, para além desses te-
                                                                                                                             mas, também a análise das classes e desigualdades soci-
                                                                  das relações de cooperação com os países de língua         ais (Estanque e Mendes, 1997), do trabalho e do colectivo
                                                                                                                             operário, em articulação com as identidades comunitári-
                                                                  oficial portuguesa, especialmente o Brasil e as ex-        as, analisado a partir da observação participante numa
                                                                                                                             empresa de calçados (Estanque, 2000), e os movimen-
                                                                  colônias africanas, que, por essa via, se foi esten-       tos sociais e estudantis (Estanque e Bebiano, 2007) têm
                                                                  dendo a toda a América Latina. Em especial a pers-         condensado as principais preocupações analíticas e
                                                                                                                             interventivas.(ver: www.ces.uc.pt/investigadores/cv/
                                                                  pectiva epistemológica de crítica frontal ao               elisio_estanque.php)




                                                                                                                   312
Elísio Estanque



te, deixar de ser observada sem se levar em conta           A noção de “crise” encerra em si mesma
alguns dos traços específicos da sociedade portu-   uma enorme variedade de significados e, no caso
guesa, mostrando as suas vulnerabilidades parti-    vertente – em que se pensa, sobretudo nas ten-
culares, que remetem para a história recente do     dências negativas na esfera financeira, econômica
país e para as dificuldades que vem enfrentando     e no emprego –, ela recobre todo um leque de rea-
na aproximação aos padrões europeus.                lidades bem diferentes, muitas das quais já anti-
                                                    gas. Por outro lado, a própria crise econômica foi
                                                    suscitada por um conjunto complexo de fatores
DA CRISE E PARA ALÉM DELA: dilemas e                sociais, uns mais estruturais outros mais contin-
dificuldades estruturais                            gentes. Diversas instâncias políticas e interesses
                                                    econômicos desencadearam, desde há cerca de trin-
        Numa época de crise internacional que atingeta anos, um programa de iniciativas que significou
todos os cantos do mundo, é fundamental que nos     uma aposta sem precedentes no comércio livre, na
questionemos sobre os seus impactos, em especi-     especulação nas bolsas de valores, nas offshores e
al no setor do trabalho, que se assumiu como a      na economia financeira, fatores que serviriam de
infraestrutura fundamental do sistema social e      barômetro para o crescimento econômico. Os mer-
político das sociedades industriais modernas.       cados assegurariam um crescimento ilimitado e,
Começarei por chamar a atenção para dois pontos     portanto, quanto menos regulação e intervenção
prévios: em primeiro lugar, existe um conjunto de   estatal, tanto melhor. A “bondade” do mercado glo-
aspectos relacionados às transformações ocorridas   bal parecia garantir o sucesso.
nas últimas décadas, em especial no que tange às            Embora sejam esses alguns dos lemas que
grandes mutações socioeconômicas e sua incidên-     conduziram à erupção da atual crise, certos mentores
cia nas relações de trabalho e nos processos pro-   teóricos importantes, como Alan Greenspan, fize-
dutivos, que devem ser previamente equacionados     ram mea culpa e assumiram o “erro”. Com efeito,
a fim de se compreender como os impactos da atu-    foram os Estados e as economias mais ricas do
al crise se fazem sentir de modo muito distinto em  mundo, fortemente apoiadas pelos mercados in-
diferentes contextos e sociedades particulares; em  ternacionais e pelas novas tecnologias da informa-
segundo lugar, é necessário relativizar a tendência ção e comunicação, que impuseram, como regra, a
para se pensar e discutir todos os assuntos em      abertura total das fronteiras ao comércio mundial,



                                                                                                           CADERNO CRH, Salvador, v. 22, n. 56, p. 311-324, Maio/Ago. 2009
torno da “crise”, como se o mundo tivesse come-     a competitividade deixada ao sabor do mercado
çado em 2008. Tal atitude pode provocar distorções  etc., envolvendo tudo isso na conhecida retórica
de índole diversa, inclusive perder de vista a com- neoliberal, que prometia um mundo de oportuni-
plexidade dos fatores estruturais inerentes à socie-dades para os mais competentes e uma “nova eco-
dade portuguesa, e que definem não só os contor-    nomia” capaz de assegurar o bem-estar, senão de
nos que a crise assume entre nós, mas também os     todos, pelo menos daqueles – países, economias e
possíveis caminhos para sair dela e enfrentar um    indivíduos – que decidissem guiar-se pela aposta
cenário pós-crise. Qualquer diagnóstico que se faça nas qualificações, na inovação e na competição. Os
acerca da questão do trabalho – seja ele com respei-resultados desastrosos estão hoje à vista de todos.
to ao caso português, brasileiro ou outro –, na difí-
cil conjuntura internacional que hoje vivemos, não
pode circunscrever-se à realidade presente (na ver- GLOBALIZAÇÃO E TRANSFORMAÇÕES NO
dade, apenas o passado se deixa conhecer), deven- TRABALHO
do antes colocá-la em perspectiva no quadro de um
processo histórico mais amplo e de um quadro es-            Do mesmo modo que a crise, também a
trutural mais vasto e profundo.                       “globalização” tem suscitado muita controvérsia




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SOCIOLOGIA E ENGAJAMENTO EM PORTUGAL...




                                                                  justamente devido à sua polissemia. Muito embo-        para milhões de trabalhadores de diversos conti-
                                                                  ra se tenha percebido que, afinal, o comércio glo-     nentes. E o caso particular da Europa é aquele em
                                                                  bal é já uma velha história, da qual existem marcas    que as alterações em curso representam um fla-
                                                                  indeléveis há mais de cinco séculos, a reviravolta     grante retrocesso em face das conquistas alcançadas
                                                                  ocorrida há cerca de três décadas suscitou uma         desde o século XIX, com a decisiva contribuição
                                                                  fantástica multiplicação das transações e fluxos de    do movimento operário e do sindicalismo. Porque
                                                                  pessoas, bens e serviços de todos os tipos, dando      a Europa é justamente a região “referência” e o ber-
                                                                  lugar a profundas transformações tanto no plano        ço da civilização Ocidental, é necessário pensar
                                                                  prático como no plano teórico e conceptual. Com        em toda a sua tradição humanista e emancipatória,
                                                                  a massificação da indústria turística e a democrati-   na qual encontraremos a gênese das principais dou-
                                                                  zação dos transportes aéreos, o mundo ficou menor      trinas progressistas, revoluções e movimentos so-
                                                                  e passou a ser olhado sob novas perspectivas. As       ciais. O projeto da modernidade e a democracia
                                                                  velhas noções de modernidade, desenvolvimento e        política assentaram promessas de grande potenci-
                                                                  progresso deram lugar à ideia de pós-modernidade,      al utópico rumo a uma sociedade mais justa e igua-
                                                                  de imprevisibilidade e de incerteza quanto ao senti-   litária. Porém, os velhos lemas do iluminismo –
                                                                  do da história e da mudança social. A intensifica-     Liberdade, Igualdade e Fraternidade – foram, nas
                                                                  ção das trocas comerciais na escala transnacional,     últimas décadas, secundarizados, se não mesmo
                                                                  com a ajuda da revolução informática, tecnológica e    desprezados ostensivamente, no discurso
                                                                  comunicacional, aceleraram e multiplicaram os          institucional de governantes e dirigentes (inclusi-
                                                                  processos de mercantilização da vida e das socie-      ve de correntes como a social-democracia, cuja
                                                                  dades, ao mesmo tempo em que os Estados e as           história e referências éticas e doutrinárias se ins-
                                                                  economias nacionais perderam parte da sua antiga       crevem em projetos e ideologias desse teor). Os
                                                                  soberania, autonomia e capacidade reguladora.          efeitos da globalização induziram novas formas de
                                                                          Porém, ao contrário da retórica liberal e      trabalho cada vez mais desreguladas, num quadro
                                                                  tecnocrática de muitos teóricos e experts, o novo      social marcado pela flexibilidade, subcontratação,
                                                                  liberalismo que avassalou o mundo desde os anos        desemprego, individualização e precariedade do
                                                                  1980, não só não atenuou os problemas humanos          trabalho. Assistiu-se a uma progressiva redução
                                                                  e os riscos sociais como os agravou drasticamente.     de direitos trabalhistas e sociais, e ao aumento da
                                                                  É verdade que as oportunidades de negócio e as         insegurança e do risco, num processo que se reve-
CADERNO CRH, Salvador, v. 22, n. 56, p. 311-324, Maio/Ago. 2009




                                                                  vantagens lucrativas se mostraram fantásticas para     lou devastador para a classe trabalhadora e o
                                                                  uma ínfima minoria – sobretudo dos que já eram         sindicalismo os finais do século XX (Castells,
                                                                  ricos e poderosos –, mas, em contrapartida, a larga    1999; Beck, 2000; Estanque, 2007).
                                                                  maioria das populações e das classes trabalhado-               A realidade do mundo do trabalho, nos últi-
                                                                  ras, incluindo amplos setores da classe média, vêm     mos tempos, atualizou visões críticas do capitalismo
                                                                  se debatendo com o agravamento das suas condi-         até há pouco julgadas ultrapassadas. Karl Marx e a
                                                                  ções de vida e de trabalho. Hoje, muitos consta-       sua obra maior, O Capital, voltou a suscitar as aten-
                                                                  tam a intensificação das desigualdades e injusti-      ções do mundo, quer por parte de acadêmicos, quer
                                                                  ças sociais, e mesmo aqueles que mais ativamente       por parte da opinião pública em geral. Mas, se o
                                                                  glorificaram o mercado livre e as infinitas            pensamento marxista parece ganhar nova atualida-
                                                                  potencialidades da economia financeira voltam-se       de, não é porque se pretenda recuperar a ortodoxia
                                                                  agora para o Estado pedindo auxílio.                   leninista ou reincidir em modelos comprovadamente
                                                                          O campo do trabalho é, sem dúvida, aquele      falidos, como o soviético. É sim porque o mercado
                                                                  em que os impactos desestruturadores da                desregulado, a intensificação da exploração – sob
                                                                  globalização têm se mostrado mais problemáticos.       velhas ou novas formas – e todo o conjunto de pro-
                                                                  As consequências disso tornaram-se devastadoras        blemas socioeconômicos que a atual crise




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Elísio Estanque



aprofundou (em muitos casos pondo a nu o que já        mesmo tempo que se combina sob diferentes lógi-
lá estava, mas ainda imperceptível) comprovaram        cas e formas mais instáveis (metamorfoseia-se) e,
a falência do paradigma neoliberal e requerem, por     em muitos casos, mais penosas para quem tem de
isso, que se repensem os modelos de mercado que        viver de qualquer trabalho. Tornou-se clara a ver-
guiaram a economia mundial nos últimos tempos.         satilidade, a instabilidade e a multiplicidade de
        Em especial no campo do emprego, temos         formas e de sentidos que envolvem o trabalho e
assistido a um efeito de pêndulo, em que cada vez      seus mundos no início do século XXI. Muito em-
menos trabalhadores se encontram numa situação         bora se tenha esbatido como potência criadora e
de emprego seguro, estável e com direitos, enquan-     espaço de consolidação de “subjetividades de clas-
to existem cada vez mais pessoas desempregadas         se” dirigidas para a ação transformadora, o traba-
que se debatem com o iminente risco de pobreza e       lho, material e imaterial permanece como o módulo
exclusão. Como os vagabundos do século XVIII           central no processo de acumulação capitalista
europeu ou os chamados malteses alentejanos de         (Antunes, 2006).
meados do século XX, essa gente vê negados os                  O flagelo do desemprego, associado a um
direitos mais elementares. São atirados ao mundo       “individualismo negativo” (Castel, 1998), que se
em uma busca desesperada de subsistência e obri-       assemelha a fenômenos que ocorreram na Europa
gados a aceitar quaisquer condições de trabalho e      do século XVIII, resultante dessa precariedade –
a se entregarem à vontade gananciosa de patrões        geradora das mais diversas formas de dependên-
sem escrúpulos. Excluídos, de fato, do estatuto de     cia, insegurança, resignação e medo – permite todo
cidadania, são por vezes eles próprios que se ne-      o tipo de prepotências e abusos. No atual panora-
gam a si mesmos o direito de procurar um traba-        ma, já não são os direitos trabalhistas aquilo que
lho digno, aceitando ser tratados como sub-huma-       se pretende defender, mas, do ponto de vista de
nos ou como os novos escravos da economia glo-         milhões de assalariados, tão só o emprego a todo o
bal do século XXI.                                     custo, pois “o pior dos empregos é sempre prefe-
        Os processos recentes de fragmentação e        rível ao desemprego” – o que traduz bem a debili-
precarização das relações e formas de trabalho atin-   dade em que se encontra hoje o trabalhador. Des-
giram o conjunto das classes trabalhadoras e pulve-    mantelou-se o velho compromisso entre capital e
rizaram as próprias estruturas contratuais e           trabalho, e a concertação social – a negociação
organizacionais do sistema produtivo. Perante o tri-   “tripartite” –, essa velha conquista do fordismo e



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unfo do neoliberalismo econômico e o acentuar de       do Estado de Bem-Estar europeu, tornou-se uma
novas formas de opressão e exploração, alguns dos      mera figura de retórica em que já nem as forças
velhos conceitos e dicotomias de Marx – tais como      políticas herdeiras da social-democracia parecem
as divisões entre capital fixo e capital circulante;   acreditar, sobretudo quando alcançam o poder.
trabalho vivo e trabalho morto; trabalho material e
trabalho imaterial; atividades produtivas e impro-
dutivas – são hoje reconceitualizados à luz da nova    A SOCIEDADE PORTUGUESA NO CONTEXTO
dinâmica do capitalismo global. As atuais tendên-      EUROPEU
cias permitem mostrar como aquelas divisões fo-
ram reconvertidas e se imbricam hoje dialeticamente           A esse respeito convém apresentar alguns
umas nas outras, contribuindo, assim, para inten-      traços particulares da sociedade portuguesa. Por-
sificar e expandir novas formas de “estranhamento”     tugal é, como todos reconhecemos, um país peri-
e “alienação” das classes trabalhadoras e dos no-      férico da Europa, cujas dificuldades se devem a
vos segmentos precarizados. Porém o trabalho, em       um tardio e incipiente desenvolvimento industri-
vez de desaparecer e se diluir para dar lugar ao       al, bem como a um processo de democratização
lazer e ao consumo, ganha nova centralidade, ao        igualmente recente e repleto de contradições. Com




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SOCIOLOGIA E ENGAJAMENTO EM PORTUGAL...




                                                                  a instauração da democracia em 1974, consolida-        que esses setores recém-urbanizados começassem
                                                                  ram-se as classes trabalhadoras vinculadas à           a estruturar padrões de vida subjetivamente
                                                                  industria, além dos setores da nova classe média       projetados numa imaginária “classe média”, ou,
                                                                  assalariada (setor administrativo, saúde, educação,    em outras palavras, numa categoria supostamente
                                                                  poder local e funcionalismo público em geral) que      “distintiva” e “superior”, por comparação com os
                                                                  rapidamente se expandiram – apesar de, no seu          grupos de referência originários, isto é, os que re-
                                                                  conjunto, a classe média portuguesa ter permane-       metiam para um mundo rural e pobre, que se pre-
                                                                  cido débil – sob o impulso de um Estado de Bem-        tendia ver ultrapassado. Assim, como alguns es-
                                                                  Estar Social em rápido crescimento, apesar de ele      tudos mostraram (Estanque, 2003; Cabral, 2003),
                                                                  próprio ser fraco. Aliás, convém lembrar que Por-      uma parte significativa da própria classe trabalha-
                                                                  tugal começou a construir o seu Estado social numa     dora manual, incluindo alguns dos seus segmen-
                                                                  altura em que já estavam a emergir os sinais de        tos mais precarizados, percebia-se como perten-
                                                                  crise desse modelo na Europa, ou seja, tentou-se       cendo à “classe média”.
                                                                  alcançar o comboio quando ele já chegava ao fim               Ora, se o consumismo desenfreado e as ex-
                                                                  da viagem.                                             pectativas de mobilidade ascendente puderam ali-
                                                                         Daí que as transformações sociais desenca-      mentar tais ilusões durante algum tempo, com a
                                                                  deadas com o 25 de Abril de 1974 – e, de certo         entrada no novo milênio e, sobretudo, perante o
                                                                  modo, consignado na constituição “socialista” de       reforço da competitividade global, a contenção de
                                                                  1976 –, sendo, sem dúvida, profundas em muitos         custos e as pressões para a flexibilização e
                                                                  aspectos, nunca deixaram de evidenciar os con-         privatização (mesmo nos setores onde o emprego
                                                                  trastes que persistiam e persistem na sociedade        se mantinha relativamente seguro) deram início a
                                                                  portuguesa. A modernização das infraestruturas,        uma profunda mudança na esfera do emprego,
                                                                  em especial após a adesão à União Europeia, em         evidenciando, assim, uma vez mais, o caráter per-
                                                                  1986, trouxe progressos inquestionáveis, mas, no       sistente e estrutural das nossas debilidades. Pro-
                                                                  plano social, as dificuldades, injustiças e bloque-    blemas supostamente resolvidos há décadas res-
                                                                  ios persistiram. Muito embora os trabalhadores e       surgiram, tais como a pobreza, a falta de qualifica-
                                                                  as classes subalternas em geral tenham melhorado       ção de trabalhadores e empresários, as elevadas
                                                                  substancialmente as suas condições de vida, em         taxas de evasão escolar, o crescimento brutal das
                                                                  comparação com a miséria em que viviam há 30           desigualdades sociais, o aumento do desemprego
CADERNO CRH, Salvador, v. 22, n. 56, p. 311-324, Maio/Ago. 2009




                                                                  ou 40 anos, o certo é que as elites – em especial as   e da pobreza, as desigualdades de gênero e uma
                                                                  novas elites privilegiadas, ligadas à indústria e ao   rápida precarização do trabalho, que atingiu em
                                                                  comércio – ascenderam muito rapidamente, dis-          especial os setores mais jovens (incluindo os mais
                                                                  tanciando-se dos níveis de vida da classe média e      escolarizados).
                                                                  dos trabalhadores manuais. A “classe média” cres-             Temos, portanto, sobre os nossos ombros,
                                                                  ceu até finais do século, em boa medida à sombra       um passado recente marcado por inúmeros con-
                                                                  do crescimento do Estado, como se disse, mas, ao       trastes, e é neles que porventura repousam as cau-
                                                                  mesmo tempo, permaneceu instável e internamente        sas mais decisivas do nosso atraso estrutural. A
                                                                  muito diferenciada.                                    cultura tradicional do país e a escassa qualificação
                                                                         Pode até dizer-se que a classe média portu-     dos agentes econômicos (empresários e trabalha-
                                                                  guesa foi mais importante pelo seu papel como          dores) espelham ainda os atributos de uma socie-
                                                                  referência simbólica no imaginário coletivo do que     dade subdesenvolvida, amarrada às mentalidades
                                                                  por ser um segmento social consistente e dotado        atávicas e paroquiais, aqui e ali deixando ainda
                                                                  de índices elevados de bem-estar. Foi, sobretudo,      transparecer alguns resquícios de feudalismo e de
                                                                  o resultado de uma rápida concentração urbana e        salazarismo. Prevalecem os modelos de gestão de
                                                                  da facilitação do crédito, aspectos decisivos para     natureza despótica, lado a lado com dependênci-




                                                                                                                   316
Elísio Estanque



as e tutelas de todos os tipos, que se adaptam de         tória e o significado das lutas sociais dos trabalha-
modo perverso à vida moderna, corroendo o fun-            dores europeus ao longo dos últimos cento e
cionamento das empresas e instituições e travan-          cinquenta ou duzentos anos, jamais compreende-
do as potencialidades de modernização econômi-            remos a diferença entre o modelo social europeu e
ca e de aprofundamento democrático.                       o mercantilismo individualista dos países anglo-
        Mantêm-se ou intensificam-se os velhos            saxônicos. Se houve efetivamente progressos fun-
dualismos, tais como a divisão entre o interior e o       damentais na Europa ao longo de todo esse tem-
litoral ou entre o rural e o urbano, muito embora         po, eles se devem essencialmente à capacidade de
tais divisões conservem fortes imbricações recípro-       organização e de luta coletiva da classe trabalhado-
cas. Essas antigas contradições continuam a per-          ra e do movimento operário nos países industria-
sistir, embora se adaptem aos tempos atuais. Os           lizados. Esse é, de resto, um patrimônio que é rei-
setores protegidos do emprego tornam-se cada vez          vindicado por toda a esquerda, desde a social-de-
mais raros, enquanto o emprego precário subiu             mocracia até o movimento comunista.
acima dos 20% (22% em 2007 para os trabalhado-                    Se hoje temos mecanismos de regulação dos
res com menos de 35 anos) e, nas camadas mais             conflitos e uma ordem jurídica que privilegia o
jovens, atinge cerca do dobro desse percentual, o         diálogo e a concertação entre os diferentes parcei-
que, por sua vez, exprime a contradição geracional        ros e classes sociais, isso se deve aos grandes sa-
entre uma juventude mais qualificada, mas tam-            crifícios e às lutas do movimento operário. Nesse
bém mais precária, e as condições de trabalho dos         sentido, o direito do trabalho foi (e é) um instru-
seus pais ou avós. O discurso da privatização foi,        mento decisivo a serviço dos trabalhadores, desti-
durante décadas, elevado ao estatuto de único le-         nado a reequilibrar as relações sociais entre capital
gítimo, pois apoiado na competitividade, e, ao abri-      e trabalho, que são, como se sabe, estruturalmente
go desse discurso – erigido em pensamento único           assimétricas. No entanto, apesar dos avanços al-
por parte do poder –, desencadearam-se diversas           cançados, em muitos países persistiram, ao longo
reformas nos serviços públicos em diversas áreas,         dos tempos, inúmeras formas de trabalho fora de
tais como a saúde, o funcionalismo público, a edu-        qualquer proteção jurídica, e a erosão dos direitos
cação e outras, justificando-se tais mudanças com         sociais e econômicos dos trabalhadores suplantou
base num suposto privilégio dos trabalhadores e           largamente a força da lei. Como sabemos, isso ain-
funcionários da administração pública, por con-           da ocorre em diversas regiões do globo.



                                                                                                                  CADERNO CRH, Salvador, v. 22, n. 56, p. 311-324, Maio/Ago. 2009
traste com os do setor privado, servindo esse ar-                 Sendo expressão das relações políticas numa
gumento para uma clara estratégia de nivelamento          sociedade, a ordem jurídica funcionou, ao longo
por baixo.                                                da história, como meio de legitimação de relações
        Porém, quer a capacidade de realizar as re-       de poder fortemente desequilibradas, impondo-se
formas, quer as possibilidades de lhes resistir, bem      geralmente sobre uma força de trabalho submissa
como a razoabilidade com que as mesmas são con-           e destituída dos direitos mais elementares, sem
cebidas e levadas à cabo são parte de processos mais      um salário digno ou proteção social e sem acesso
complexos que só poderemos interpretar se forem           aos direitos humanos mais elementares. No en-
situados no devido contexto e na própria historia.        tanto, a transformação histórica obteve importan-
E é justamente a essa luz que as propostas legislativas   tes resultados de sentido emancipatório, em parti-
de alteração do sistema de relações laborais, para        cular nos países mais avançados. O direito do tra-
terem sucesso, deveriam começar por diagnosticar          balho triunfou nos países europeus e é uma ban-
a realidade que temos, não com base em juízos             deira fundamental para trabalhadores dos mais
ideológicos, mas tendo presente o contexto onde           diversos continentes, justamente porque representa
nos inserimos e o património sociocultural que            uma poderosa arma a serviço das classes subalter-
herdamos do passado. Sem considerarmos a his-             nas, defendida, desde sempre, pelo movimento




                                                    317
SOCIOLOGIA E ENGAJAMENTO EM PORTUGAL...




                                                                  sindical internacional e veiculada por organizações             corroem as nossas instituições, desestimulando o
                                                                  internacionais como a OIT, que tem prestado um                  trabalhador dedicado. Em vez do mérito e da inici-
                                                                  inestimável papel na defesa dos direitos humanos                ativa individual, prevalecem as posturas e atitu-
                                                                  no trabalho, em todos os continentes. É precisa-                des de bajulação e resignação perante a autorida-
                                                                  mente à luz desse patrimônio histórico, de que a                de; em vez do ambiente de exigência e de estímulo
                                                                  Europa é um palco privilegiado, que as mudanças                 à criatividade e à co-responsabilização (individual
                                                                  impostas pelos poderes dominantes nessa matéria                 e coletiva), cultiva-se o “seguidismo” e a mediocri-
                                                                  – no sentido de uma flexibilidade ditada pela con-              dade; em vez de cidadãos livres e autônomos, pro-
                                                                  corrência desregrada, pelos requisitos do mercado               move-se o oportunismo e a delação. Tudo isso é o
                                                                  global e pelas exigências do grande capital – cor-              contrário de uma sociedade democrática avança-
                                                                  rem o risco de representar uma regressão inaceitá-              da. Tudo isso se opõe aos valores do socialismo
                                                                  vel para os trabalhadores europeus.                             democrático. E a tudo isso é possível fazer frente.
                                                                          Portugal, com todas as suas especificidades,            A questão está em saber se os governos e a classe
                                                                  insere-se justamente nesse quadro. E é por isso                 dirigente pretendem inverter esse rumo ou contri-
                                                                  que as alterações que o novo Código do Trabalho2                buir para que ele se torne irreversível e nos em-
                                                                  vem introduzir são, em variadas matérias (ou me-                purre de novo para o abismo.
                                                                  lhor, nos seus aspectos mais decisivos), motivo                         Ora, perante esse panorama – e como diver-
                                                                  de grande apreensão para aqueles que assumem a                  sos estudos internacionais têm mostrado –, a ques-
                                                                  defesa da classe trabalhadora contra a exploração               tão da estabilidade e da segurança no emprego cons-
                                                                  capitalista (cerca de cento e quarenta anos após a              titui o principal motivo de preocupação dos traba-
                                                                  1ª edição do livro 1 de O Capital) e contra outras              lhadores. Encontrar um primeiro emprego é a pri-
                                                                  formas de opressão e de injustiça social. Acresce               meira das prioridades dos estudantes do ensino
                                                                  que as condições de subdesenvolvimento já refe-                 superior (Estanque; Bebiano, 2007).
                                                                  ridas colocam a sociedade portuguesa – e a sua                          Hoje, se é “jovem” até muito além dos 30,
                                                                  força de trabalho assalariada – numa situação de                porque muito ficam dependentes da família até
                                                                  especial vulnerabilidade, visto que estamos longe               muito tarde, mas se é por vezes considerado “ve-
                                                                  de garantir plenamente os direitos de cidadania.                lho” quando, trabalhadores desempregados, com
                                                                  Como muitos de nós temos apontado repetidamen-                  quarenta e poucos anos, são preteridos devido à
                                                                  te, existem medos incrustados nas instituições, que             idade. A perda do emprego é a principal ansieda-
CADERNO CRH, Salvador, v. 22, n. 56, p. 311-324, Maio/Ago. 2009




                                                                  impedem o fortalecimento da esfera pública e ten-               de frente à qual muitas outras exigências, mesmos
                                                                  dem a inibir qualquer ação reivindicativa no campo              as mais evidentes, podem ser sacrificadas. Exis-
                                                                  profissional, onde imperam os constrangimentos e                tem empresas, nos EUA e na Europa, que estabele-
                                                                  a mentalidade autoritária de empresários e chefias.             cem um salário máximo, pedindo aos candidatos
                                                                  A presença de culturas autocráticas, de tutelas e               a um posto de trabalho que indiquem quanto “pre-
                                                                  compadrios dos mais diversos tipos, onde deveri-                tendem” ganhar, até esse nível máximo (por exem-
                                                                  am prevalecer a transparência, as estratégias de ges-           plo, oito euros por hora), o que induz a um cons-
                                                                  tão e lideranças democráticas, são ingredientes que             tante rebaixamento salarial indicado pelos preten-
                                                                                                                                  dentes ao emprego (os que indicam quatro euros
                                                                  2
                                                                      Designação atribuída ao pacote legislativo na área traba-
                                                                      lhista, que teve uma primeira versão em 2003, no gover-     ou menos serão naturalmente os preferidos). É a
                                                                      no do PSD, dirigido por Durão Barroso, e que mais re-       lógica da autonegação da dignidade, produzida pelo
                                                                      centemente foi reformulado e aprovado pela Assembleia
                                                                      da República, em 2008. A nova orientação, defendida         espectro do desemprego e da miséria. O clima de
                                                                      pelo PS de José Sócrates, teve, porém, uma forte oposi-
                                                                      ção, sobretudo por parte dos partidos à sua esquerda (o     angústia que o atual cenário de crise tem acentua-
                                                                      Partido Comunista e o Bloco de Esquerda) e também por
                                                                      parte do campo sindical (em especial a central sindical     do só contribui para que tais sintomas “patológi-
                                                                      mais representativa e combativa, a CGTP), que mobili-       cos” se tornem ainda mais dramáticos do que até
                                                                      zou, em 2008, várias manifestações de rua em Lisboa,
                                                                      algumas delas com mais de duzentos mil participantes.       agora temos conhecido.




                                                                                                                            318
Elísio Estanque



       Porém, quando o trabalhador (ou o cida-          postamente, se pode dialogar e os outros, ditos con-
dão) é sistematicamente reprimido e impedido de         servadores ou “ao serviço de...”), seremos levados
manifestar a sua vontade ou de exigir o cumpri-         a perceber o papel social e transformador do
mento de direitos, o que acontece é o aumento do        sindicalismo (e tanto a contestação como a negocia-
descontentamento e da contrariedade no trabalho         ção são vias igualmente válidas no plano social) e
e na sociedade. Daí resulta, então, uma de duas         talvez então se possa aceitar que o sindicalismo
posições: ou se acentua a resignação e o medo, ou       combativo e de movimento é aquele que maior con-
aumenta a crispação e o sentimento de revolta. Esse     tribuição deu e pode dar ao progresso social.
ambiente – agravado com as múltiplas formas de                  É sobretudo em períodos de crise e de difi-
recomposição, desmembramento, flexibilidade,            culdades para as classes trabalhadoras que ocor-
deslocalização e fechamento de empresas,                rem as grandes reviravoltas históricas, normalmente
precarização do trabalho, fragmentação dos pro-         acompanhadas de novos movimentos e da emer-
cessos produtivos etc. – tem conduzido a classe         gência de novas lideranças. Na Inglaterra do sécu-
trabalhadora a uma cultura de impotência e de           lo XIX e noutros contextos históricos mais recen-
conformismo. Uma “classe” cada vez mais hetero-         tes – de que pode ser exemplo o 25 de abril de
gênea e frágil, que se depara com tremendas difi-       1974 –, a mobilização popular não se deveu ape-
culdades em agir coletivamente. Há muito que as         nas a motivações políticas e econômicas (nem a
identidades de classe perderam fulgor em favor de       causas racionais, da ordem da “consciência” ou
outras identidades rivais e de outras formas de         dos “interesses”), mas também, talvez, sobretudo,
ação coletiva (e de inação), num processo que se        a fatores culturais e identitários. A identidade pre-
acentuou enormemente com o colapso do regime            cede os interesses. Mas estes, quando fundados
soviético e, no caso português, após a saturação        em fortes carências e necessidades básicas por sa-
da linguagem marxista e “de classe” de que se usou      tisfazer, podem produzir rebeliões radicais e de
e abusou no período da Revolução dos Cravos             massas, ainda que não sejam orientadas por ne-
(1974). Perante o refluxo da ação coletiva e do dis-    nhuma motivação política explícita (ou inspiradas
curso ideológico, os sindicatos perderam força e        numa ideologia identificável).
capacidade de organização e de mobilização, nome-               A classe trabalhadora deixou há muito de ser
adamente junto dos segmentos mais fragilizados e        homogênea (porventura nunca chegou a sê-lo, a não
mais jovens da força de trabalho. Para além de um       ser em contextos muito particulares), mas a difusão



                                                                                                                CADERNO CRH, Salvador, v. 22, n. 56, p. 311-324, Maio/Ago. 2009
contexto social e político pouco favorável à partici-   da precarização e do trabalho sem estatuto e sem dig-
pação coletiva e associativa – e sem esquecer as pró-   nidade pode conduzir a novas homogeneizações, que,
prias dificuldades de renovação do sindicalismo         embora de base trans-classista, sejam capazes de
(Estanque, 2008) –, o reforço do poder patronal e a     se unificar na defesa de uma identidade agredida e
retirada de condições favoráveis à ação sindical vêm    ofendida nos locais de trabalho, mas também na
agravar ainda mais essas tendências.                    comunidade de residência ou na relação com os
                                                        serviços públicos. Mesmo a participação, a solida-
                                                        riedade e a partilha coletiva da indignação podem
SINDICALISMO E AÇÃO COLETIVA, ANTES E                   recuperar um certo sentido de recompensa simbó-
APÓS A CRISE                                            lica, estimulando o desejo de reconstrução comu-
                                                        nitária, quer se esteja voltado para um passado
       Nessa discussão, torna-se incontornável          nostálgico e em nome das “raízes” (por exemplo, o
equacionar a questão sindical. Se nos despirmos         nacionalismo ou o bairrismo), quer se projete num
de juízos de valor e, sobretudo, se formos capazes      futuro promissor e “emancipatório” como, por
de evitar a tendência de classificar os sindicatos      exemplo, o socialismo (Tilly, 1978; Morris, 1996;
entres os “bons” e os “maus” (uns com quem, su-         Estanque, 2000).




                                                  319
SOCIOLOGIA E ENGAJAMENTO EM PORTUGAL...




                                                                          Tomados por muitos como fatores de blo-         gor o princípio da “válvula de escape”, mas os
                                                                  queio ao crescimento econômico e ao desenvolvi-         seus efeitos são politicamente incertos. As ondas
                                                                  mento, os sindicatos queixam-se, com razão, de          de protesto e o discurso de indignação que as acom-
                                                                  que, em diversas regiões do mundo, as formas de         panha, exacerbados por um poder (institucional,
                                                                  trabalho parecem ter regressado aos tempos “satâ-       empresarial ou governamental) de viés autoritário,
                                                                  nicos” de Marx. Mas, apesar da mítica classe ope-       podem ganhar um efeito mimético de proporções
                                                                  rária estar em desagregação, não surge no horizon-      imprevisíveis, se para tal as condições sociais se
                                                                  te nenhuma outra identidade capaz de congregar a        tornarem propícias.
                                                                  unidade dos assalariados. As atuais pressões do                O atual contexto de crise, ao mesmo tempo
                                                                  mercado e da economia global deixam aos sindica-        em que ameaça desfazer um conjunto de laços soci-
                                                                  tos uma margem de manobra cada vez mais estrei-         ais que até aqui garantiam a coesão mínima da soci-
                                                                  ta, mas, por outro lado, o esforço de atualização       edade, pode – precisamente porque o sistema soci-
                                                                  por parte das estruturas sindicais tem sido dimi-       al tem horror ao vazio – galvanizar de novo as mul-
                                                                  nuto e insuficiente para responder aos problemas        tidões que se sentem ressentidas e desprotegidas. E
                                                                  da atualidade. Sobra, então, espaço para novos          o fato de o sindicalismo apenas timidamente se
                                                                  atores e movimentos.                                    envolver nesse tipo de iniciativas, até agora, não
                                                                          Nas últimas décadas, enquanto a economia        garante que elas continuem a ter uma expressão
                                                                  e os mercados deixaram de estar confinados às fron-     modesta. Até porque, se o presente é fortemente
                                                                  teiras nacionais, o movimento sindical revelou          marcado pela contingência, tanto pode acontecer
                                                                  enormes dificuldades em agir para além do âmbito        que expressões de grupos minoritários (sejam eles
                                                                  nacional (e, muitas vezes, do próprio âmbito            os MayDay, os FERVE ou outros3) possam repenti-
                                                                  setorial). A globalização revelou-se contraditória e    namente se alastrar, como a própria intensificação
                                                                  gerou múltiplos efeitos paradoxais, nomeadamen-         da pressão pode levar a que o sindicalismo radicalize
                                                                  te ondas sucessivas de protestos juvenis e movi-        o seu discurso e consiga mobilizar a massa de pre-
                                                                  mentos sociais que se reclamaram de “alter-             cários e desempregados que tem vindo a engrossar
                                                                  globalização”. Desde a cúpula da Organização            e ameaça expandir-se ao longo de 2009.
                                                                  Mundial do Comércio (OMC) em Seattle, em 1999,                 Diversos autores e acadêmicos têm formu-
                                                                  passando pelos encontros do Fórum Social Mun-           lado a necessidade de se criarem novas alianças e
                                                                  dial, em Porto Alegre e outras cidades, esse ativismo
CADERNO CRH, Salvador, v. 22, n. 56, p. 311-324, Maio/Ago. 2009




                                                                  – largamente apoiado pelas redes virtuais do            3
                                                                                                                              MayDay: um movimento autônomo ativado por grupos
                                                                                                                              de trabalhadores precários em vários países europeus, com
                                                                  ciberespaço – revelou novas e inovadoras formas             influência da extrema-esquerda, que há cerca de três anos
                                                                  de denúncia e de intervenção pública, que até ago-          se estendeu a Portugal e começou a organizar manifesta-
                                                                                                                              ções no dia 1 de maio. Já o FERVE – Fartos d’ Estes Reci-
                                                                  ra têm marcado as formas de ativismo global do              bos Verdes – é uma organização ou movimento que sur-
                                                                                                                              giu de forma espontânea a partir de um grupo de jovens
                                                                  século XXI. As mais recentes ondas de contestação           trabalhadores, com contratos precários, cujo estatuto de
                                                                                                                              prestações e registo fiscal é feito com base nos “Recibos
                                                                  dos jovens (França, Grécia, Catalunha), invocam,            Verdes”, ou seja, um livro de recibos fornecido pela repar-
                                                                  por vezes, o Maio de 68, até porque as condições            tição de finanças para trabalhadores autônomos ou pro-
                                                                                                                              fissionais liberais (como advogados, técnicos de contas,
                                                                  sociais são igualmente ativadas por condições se-           canalizadores etc). O regime de recibo verde foi concebido
                                                                                                                              para trabalhos pontuais, mas em Portugal, como até re-
                                                                  melhantes, em que os grupos e as comunidades de             centemente, a legislação trabalhista era considerada mui-
                                                                                                                              to rígida (na proteção ao trabalhador e, sobretudo, na pre-
                                                                  jovens se afirmam, mobilizando-se contra um                 venção da demissão ilegal) e começou a generalizar-se nas
                                                                  opositor, ou um “inimigo” identificado. Mas são             empresas o recurso a esse tipo de prestação, desde os anos
                                                                                                                              90, como forma de contornar o direito do trabalho e faci-
                                                                  fenômenos muito distintos. Enquanto, naquela épo-           litar as demissões. Daí surgiram os chamados “falsos reci-
                                                                                                                              bos verdes”, isto é, situações em que o mesmo trabalha-
                                                                  ca, era a consciência política e as autoproclamadas         dor permanecia com esse estatuto precário (e poupando
                                                                                                                              os encargos às empresas) durante anos, contribuindo para
                                                                  “vanguardas” que assumiam a liderança da luta,              aumentar, juntamente com os contratos a prazo, o volu-
                                                                  agora a ação coletiva perdeu parte do seu conteú-           me de assalariados nessa situação (que se situa hoje entre
                                                                                                                              18 a 20% da força de trabalho, mas bem acima disso nas
                                                                  do político. Dito de outro modo, continua em vi-            camadas mais jovens).




                                                                                                                    320
Elísio Estanque



dinâmicas internacionalistas, como condição para          te do sindicalismo de hoje se deixou enredar. Exi-
revitalizar o sindicalismo perante o agravamento          ge uma reflexão séria e uma atitude autocrítica e
das desigualdades e injustiças sociais em todos os        porventura mais humilde da parte das atuais lide-
continentes, alegando que a mobilidade global –           ranças sindicais, associativas e institucionais, em
de capitais e de empresas funcionando em rede –           todos os domínios da nossa vida social.
exige respostas sindicais também em rede e igual-                 Por exemplo, a extraordinária capacidade da
mente articuladas na escala transnacional                 internet e do ciberespaço constitui um enorme
(Waterman, 2002; Estanque, 2007). Ao contrário            potencial ainda subaproveitado. A facilidade para
de outros países e regiões, como o Brasil e a Amé-        aceder à informação, para acumular e divulgar co-
rica Latina, onde a cooperação entre as universi-         nhecimento em frações de segundo poderia ser uma
dades, os acadêmicos e os centros de pesquisa, de         poderosa arma a serviço do movimento sindical e
um lado, e os movimentos sociais e sindicais, de          da democracia em geral (Ribeiro, 2000; Waterman,
outro, são uma constante, em Portugal essa tradi-         2002). O problema não reside, portanto, na
ção praticamente não existe.                              tecnologia ou na sua ausência. O problema é que os
        As novas redes e estruturas transnacionais        atributos socioculturais que enunciei anteriormen-
de organização política são cada vez mais necessári-      te se refletem e se reproduzem nos mais diversos
as. Não apenas na União Europeia, onde as famíli-         meios e instâncias organizacionais, inibindo, assim,
as políticas possuem ainda pouca eficácia e os pró-       uma maior transparência na gestão das instituições
prias estruturas sindicais são incipientes. Para en-      e travando, sem sabermos até onde, o processo de
frentar os atuais desafios (que a crise apenas veio       consolidação e aprofundamento democrático.
acelerar), o sindicalismo de hoje terá de se reinventar
ou se reestruturar profundamente. Um sindicalismo
de movimento social global, orientado para a in-          CONCLUSÃO
tervenção cidadã, terá de se estender para além da
esfera laboral; terá de passar das solidariedades                Concluindo, a crise que nos surpreendeu
nacionais para as transnacionais, de dentro para          no final de 2008 tem causas bem mais profundas e
fora, dos países avançados para os países pobres.         longínquas do que pode parecer. E o modo como
Precisamos de um sindicalismo que não abdique             setores decisivos, como o do emprego, são ou não
da defesa dos valores democráticos, mas em que            capazes de responder às dificuldades e problemas



                                                                                                                 CADERNO CRH, Salvador, v. 22, n. 56, p. 311-324, Maio/Ago. 2009
eles se alarguem à democracia participativa (nas          do presente deriva, em boa medida, da capacidade
empresas, escolas, cidades, comunidades etc.); que        que tenha de reconverter algumas das velhas pechas
coloque as questões ambientais e a defesa dos con-        do nosso sistema produtivo em potencialidades de
sumidores, dos saberes e tradições culturais lo-          mudança. Mudança para um outro paradigma. E
cais no centro das suas lutas e negociações; que          isso depende muito dos agentes econômicos em
resista ao capitalismo destrutivo através de um           posições de liderança e da capacidade do próprio
maior controle sobre o processo produtivo, os in-         poder político de aceitar o surgimento de novos
vestimentos, a inovação tecnológica e as políticas        protagonistas e de novas posturas com sentido éti-
de formação e qualificação profissional; que pense        co, animados pela defesa da causa pública, em
os problemas laborais no quadro mais vasto da             busca do bem-estar geral e da construção de vín-
sociedade, da cultura ao consumo, do trabalho ao          culos de solidariedade com as classes subalternas.
lazer, da empresa à família, do local ao global (Es-             Essa visão resulta, como indicamos no iní-
tanque, 2004; Hyman, 2002).                               cio deste artigo, de um conjunto de atividades, de
        Mas tudo isso pressupõe uma estratégia            pesquisa e de intervenção, que temos desenvolvi-
ambiciosa que rompa com a prática de acomoda-             do no CES há cerca de 20 anos. A preocupação
ção ao funcionamento burocrático em que boa par-          em levar a sociologia para fora dos muros da uni-




                                                    321
SOCIOLOGIA E ENGAJAMENTO EM PORTUGAL...




                                                                  versidade não é nova para nós. E, no campo con-         REFERÊNCIAS
                                                                  creto do sindicalismo e do trabalho, talvez não seja
                                                                  um mero acaso que as pessoas que integram a equi-       ANTUNES, Ricardo (Org.). Riqueza e miséria do trabalho
                                                                                                                          no Brasil. São Paulo: Editora Boitempo, 2006.
                                                                  pe e o núcleo de pesquisa (NETSind) quase todas         BECK, Ulrich. Un nuevo mundo feliz: la precaridad del
                                                                  elas tiveram experiências profissionais marcantes       trabajo en la era de la globalización. Barcelona: Paidós, 2000.

                                                                  desde muito jovens e ao longo do seu percurso de        BURAWOY, Michael . For public sociology. American
                                                                                                                          Journal Review, v. 70, p. 4-28, february, 2005.
                                                                  vida. Por outro lado, participaram ou militaram         ________. Open Social Sciences: to whom, for what?,
                                                                  em sindicatos, partidos ou movimentos sociais e         Portuguese Journal of Social Science, v. 6, n. 3, 2007.
                                                                  associativos progressistas.                             CABRAL, M. Villaverde, et al (Orgs.). Desigualdades soci-
                                                                                                                          ais e percepções da justiça. Lisboa: ICS, 2003.
                                                                          De resto, quer o trabalho de observação par-
                                                                                                                          CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social.
                                                                  ticipante durante três meses numa fábrica de cal-       Petrópolis: Editora Vozes, 1998.
                                                                  çados, trabalhando oito horas diárias na linha de       CASTELLS, Manuel. A sociedade em Rede - A era da in-
                                                                                                                          formação: economia, sociedade e cultura, São Paulo: Paz e
                                                                  montagem e convivendo diáriamente com os ope-           Terra, 1999.
                                                                  rários, dentro e fora da empresa, quer os estudos       ESTANQUE, Elísio. Entre a fábrica e a comunidade:
                                                                                                                          subjectividades e práticas de classe no operariado do cal-
                                                                  sobre o movimento estudantil e o envolvimento           çado. Porto: Afrontamento, 2000.
                                                                  com os estudantes nas comunidades das “repú-            ________. O efeito classe média – desigualdades e oportu-
                                                                  blicas” estudantis de Coimbra (Estanque, 2008a),        nidades no limiar do século XXI. In: CABRAL, M. V., J.
                                                                                                                          Vala e A. Freire (Orgs.). Percepções e avaliações das desi-
                                                                  mas também o engajamento em associações de de-          gualdades e da justiça em Portugal numa perspectiva com-
                                                                                                                          parada. Lisboa: ICS, 2003.
                                                                  fesa da cidade (no caso a PRO URBE) e a própria
                                                                                                                          ________. A Reinvenção do sindicalismo e os novos de-
                                                                  militância partidária (no caso o Partido Socialista e   safios emancipatórios: do despotismo local à mobilização
                                                                                                                          global. In: SANTOS, Boaventura S. (Org.). Trabalhar o
                                                                  os movimentos dirigidos pelo ex-candidato presi-        mundo: os caminhos do novo internacionalismo operá-
                                                                  dencial e poeta das canções de Coimbra, Manuel          rio. Porto: Afrontamento, p. 297-334, 2004.

                                                                  Alegre) são todos eles domínios de intervenção          ________. A questão social e a democracia no início do
                                                                                                                          século XXI: participação cívica, desigualdades sociais e
                                                                  onde a sociologia se conjuga estreitamente com o        sindicalismo, Finisterra – Revista de Reflexão Crítica, Lis-
                                                                                                                          boa, v. 55/56/57, p. 77-99, 2007.
                                                                  ativismo social e político.
                                                                                                                          ________. Sindicalismo e movimentos sociais: dilemas e
                                                                          Se é verdade que a ciência social deve procu-   perplexidades e Entre os velhos e os novos activismos:
                                                                                                                          tensões e desafios do movimento sindical. Revista JANUS
                                                                  rar a objetividade e ser teórica e metodologicamente    – Anuário de Relações Internacionais, v. 20. Lisboa, UAL/
                                                                  rigorosa – sem se deixar confundir com a ideolo-        Jornal Público, p. 184-187, 2008.
                                                                                                                          ________. Jovens, estudantes e ‘repúblicos’: culturas es-
                                                                  gia e, menos ainda, com a ortodoxia –, também é
CADERNO CRH, Salvador, v. 22, n. 56, p. 311-324, Maio/Ago. 2009




                                                                                                                          tudantis e crise do associativismo em Coimbra, Revista
                                                                  necessário não esquecer que, entre a realidade e a      Crítica de Ciências Sociais, n. 81, p. 9-41, 2008a.

                                                                  imaginação sociológica, não há qualquer incompa-        ________; MENDES, José Manuel. Classes e desigualda-
                                                                                                                          des sociais em Portugal: um estudo comparativo. Porto:
                                                                  tibilidade. Antes pelo contrário: as zonas ocultas      Afrontamento, 1997.
                                                                  da primeira só podem ser iluminadas com o auxí-         ________; BEBIANO, Rui. Do activismo à indiferença: mo-
                                                                                                                          vimentos estudantis em Coimbra. Lisboa: ICS, 2007.
                                                                  lio da segunda. E saber de que lado estamos nesse
                                                                                                                          HYMAN, Richard. Europeização ou erosão das relações
                                                                  mundo de contrastes e de injustiças é uma opção         laborais?. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 62.
                                                                                                                          Coimbra: CES, p. 7-32, 2002.
                                                                  que não pode ser ditada por critérios científicos,
                                                                                                                          MORRIS, Paul. Community beyond tradition. In:
                                                                  mas pelos valores e princípios éticos que guiam o       HEELAS, Paul et al. (Eds.), Detraditionalization. Oxford:
                                                                  cientista social nas suas escolhas e na sua ação        Blackwell, 223-249, 1996.

                                                                  (como cientista e como cidadão).                        RIBEIRO, Gustavo Lins. Política cibercultural: ativismo po-
                                                                                                                          lítico à distância na comunidade transnacional imaginada-
                                                                                                                          virtual. In: ALVEREZ, S.; DAGNINO, E.; A. Escobar (Orgs.).
                                                                                                                          Cultura e política nos movimentos sociais latino-america-
                                                                                                                          nos. Belo Horizonte: Editora UFMG, p. 465-502, 2000.
                                                                         (Recebido para publicação em abril de 2009) SANTOS, Boaventura de Sousa. Um Discurso sobre as
                                                                                           (Aceito em julho de 2009) Ciências. Porto: Afrontamento, 1988.
                                                                                                                          ________. Reinventar a democracia. Lisboa: Gradiva, 1998.
                                                                                                                          ________. A Crítica da razão indolente: contra o desperdí-
                                                                                                                          cio da experiência. Porto: Afrontamento, 2000.




                                                                                                                    322
Elísio Estanque


________. (Org.) Democratizar a democracia: os cami-          ________; FILHO, Naomar de Almeida. A universidade no
nhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civiliza-   século XXI. Para uma Universidade Nova. Coimbra: Edi-
ção Brasileira, 2002.                                         ções Almedina, 2008.
________. Para uma sociologia das ausências e uma soci-       ________; MENESES, Maria Paula (Orgs.). Epistemologias
ologia das emergências. Revista Crítica de Ciências Soci-     do Sul. Coimbra: Edições Almedina, 2009.
ais, n. 62, p. 237-280, 2002a.
                                                              TILLY, Charles. From mobilization to revolution. Addison/
________. (Org.) Trabalhar o mundo: os caminhos do novo       Mass: Wesley Publishing Company, 1978.
internacionalismo operário. Porto: Afrontamento, 2005.
                                                              WATERMAN, Peter . O internacionalismo sindical na era
________. Fórum Social Mundial: manual de uso. Porto:         de Seattle, Revista Crítica de Ciências Sociais, n, 62.
Afrontamento, 2005.                                           Coimbra; CES, p. 33-68, 2002.
________. Renovar a teoria crítica e reinventar a emanci-
pação social. São Paulo: Boitempo Editorial, 2007.
________. (Org.) Democratizar a democracia: os cami-
nhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civiliza-
ção Brasileira, 2002.




                                                                                                                          CADERNO CRH, Salvador, v. 22, n. 56, p. 311-324, Maio/Ago. 2009




                                                        323
SOCIOLOGIA E ENGAJAMENTO EM PORTUGAL...



                                                                    SOCIOLOGY AND ENGAGEMENT IN THE                         LA SOCIOLOGIE ET L’ENGAGEMENT AU
                                                                   PORTUGAL: critical reflection on labour and            PORTUGAL: réflexions à partir du travail et du
                                                                        trade unionism in a time of crisis                              syndicalisme
                                                                                    Elísio Estanque                                          Elísio Estanque
                                                                          This paper aims to be an example of the                 Ce paper (travail) essaie d’être un exemple
                                                                  critical-public sociology that is produced at CES       de la sociologie critique publique développée par
                                                                  – Centre for Social Studies of the University of        le Centre d’Etudes Sociales (CES) de l’Université
                                                                  Coimbra. Focusing one specific research area            de Coimbra. Le thème que l’on aborde ici
                                                                  (sociology of work and trade unionism), the             (sociologie du travail et du syndicalisme) assume
                                                                  critical perspective is assumed, both in                une perspective critique autant d’un point de vue
                                                                  theoretical and reflective terms, as well as            théorique et réflexif que d’une pratique politique
                                                                  political praxis of the social scientist. Considering   des sciences sociales, aspects considérés comme
                                                                  this framework, the current crisis is taken as the      les deux faces d’une même médaille. Partant de ce
                                                                  starting point to discuss the portuguese case on        point de vue, l’actuelle conjoncture de crise est
                                                                  the labour issue, stressing some structural lines       mise en discussion et le cas portugais est analysé
                                                                  of the country as a European semi-periphery and         à la lumière de la question du travail. Certains traits
                                                                  showing that some of its current problems have          structuraux du pays sont mis en évidence tel que
                                                                  ancient roots.                                          celui de semi périphérie de l’Europe et montrent
                                                                                                                          combien quelques problèmes actuels ont une ori-
                                                                                                                          gine très ancienne.

                                                                  KEY-WORDS: public sociology, crisis, labour, trade MOTS-CLÉS: sociologie publique, crise, travail,
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CADERNO CRH, Salvador, v. 22, n. 56, p. 311-324, Maio/Ago. 2009




                                                                   Elísio Estanque - Doutor em Sociologia pelo ISCTE. Pesquisador do CES – Centro de Estudos Sociais e
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                                                                   Brasil e o contexto transnacional. (Co-autor. São Paulo: Cortez, 2005; e Do Activismo à Indiferença: movimen-
                                                                   tos estudantis em Coimbra (em co-autoria com Rui Bebiano, Lisboa, Ed. ICS, 2007).




                                                                                                                     324

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Sociologia e engajamento, crh 2009

  • 1. Elísio Estanque SOCIOLOGIA E ENGAJAMENTO EM PORTUGAL: reflexões a partir do trabalho e do sindicalismo DOSSIÊ Elísio Estanque* O presente paper procura ser um exemplo da sociologia crítica-pública desenvolvida no Cen- tro de Estudos Sociais (CES), da Universidade de Coimbra. A linha temática aqui tratada (sociologia do trabalho e do sindicalismo) assume uma perspectiva crítica, quer do ponto de vista teórico-reflexivo, quer como prática política do cientista social, consideradas duas faces da mesma moeda. Partindo desse ponto de vista, discute-se a atual conjuntura de crise e analisa- se o caso português à luz da questão do trabalho, realçando alguns dos traços estruturais do país como semiperiferia da Europa e mostrando como alguns dos seus atuais problemas têm origens muito antigas. PALAVRAS-CHAVE: sociologia pública, crise, trabalho, sindicalismo, Portugal. O ressurgimento relativo da sociedade por tuguesa e os laços de proximidade entre Por- tugal e o sul global, especialmente com a África e zir ciências sociais numa perspectiva crítica, transdisciplinar e assumidamente engajada. a América Latina, herdados da era colonial, cria- ram um dinamismo raro no nexo entre a sociolo- Embora não representativa do CES, que en- gia crítica e a sociologia pública, desde os projetos emancipatórios do Forum Social Mundial aos pro- volve hoje um numero de mais de cem pesquisado- jetos feministas internacionais, passando pelas crí- res, setenta dos quais com doutorado, a perspecti- ticas, ao estilo de Bourdieu, à dominação social e à violência simbólica.” va crítica e a orientação politicamente engajada dos M. Burawoy, 2007. seus membros é parte integrante da identidade e da tradição desse centro. Nem todos seguem, natural- CADERNO CRH, Salvador, v. 22, n. 56, p. 311-324, Maio/Ago. 2009 A discussão em torno da chamada “public mente, o mesmo paradigma teórico-epistemológico sociology”, desencadeada no mundo acadêmico oci- ou a mesma orientação politica do seu principal dental a partir das contribuições de Michael Burawoy líder, Boaventura de Sousa Santos, mas a tendência (2005, 2007), colocou-se perante a comunidade soci- geral da comunidade do CES é pautada pela preo- ológica do Centro de Estudos de Sociologia (CES) cupação com a interdisciplinaridade, por um lado, como uma teorização interessante – porventura ca- e com a intervenção pública e cívica, por outro, e paz de imprimir um sentido mais engajado à socio- isso não apenas como cidadãos mas também como logia estadunidense, onde pontificou o paradigma cientistas sociais. funcionalista –, mas com pouca novidade para nós. Procura-se construir um conhecimento pro- De fato, há cerca de três décadas que a comunidade gressista, transformador e emancipatório, destina- sociológica de Coimbra vem se dedicando a produ- do a reforçar o espaço público. E pretende-se usá- lo como auxiliar para ver para além do manto de * Doutor em Sociologia. Professor de Sociologia da Uni- opacidade que as instituições e o poder hegemônico versidade de Coimbra. Faculdade de Economia da Uni- versidade de Coimbra - FEUC. Pesquisador do Centro tendem a lançar sobre a realidade, ou, pelo me- de Estudos Sociais - CES. Av. Dias da Silva, 165. Cep: 3004-512 Coimbra. Portugal. nos, aquela parte da realidade social tendente a elisio. estanque@gmail.com pôr em causa as leituras dominantes e a incomo- 311
  • 2. SOCIOLOGIA E ENGAJAMENTO EM PORTUGAL... dar a ordem estabelecida. Visualizar o invisível e paradigma ocidental da ciência moderna em favor valorizar, a partir das margens, as múltiplas de uma visão cosmopolita, multiculturalista e potencialidades emancipatórias que o centro tem emancipatória dos movimentos e dos fenômenos vindo a apagar ou a excluir. Em outras palavras, sociais em geral que, nos últimos anos, afirmou-se recusar limitar-se a justificar o que existe só por- na defesa da “ecologia dos saberes” e na opção pela que existe, e estar atento às ausências e às emer- “epistemologia do Sul”, não obstante o seu interes- gências (Santos, 2000 e 2002a). se filosófico e o seu potencial crítico sejam assun- O presente artigo tem como objetivo forne- tos que se apresentam como mais controversos cer uma amostra dos temas de estudos que temos entre os cientistas sociais, inclusive no seio da desenvolvido, guiados por essa orientação, ou seja, comunidade do CES (Santos; Menezes, 2009). procurando usar a reflexão e a análise sociológica Desse modo, a preocupação neste artigo é para, a partir dela (e com base nos resultados de divulgar junto à comunidade brasileira dos cien- diversos estudos em áreas distintas), intervir na tistas sociais algumas das leituras e diagnósticos esfera pública, procurando dirigir o nosso conhe- que temos proposto sobre as tendências de mu- cimento não apenas para as instituições (“policy dança no período recente, no campo das relações making”), não apenas para a comunidade acadê- de trabalho e do sindicalismo. Tais temáticas são, mica (numa perspectiva “profissional” ou “críti- no entanto, perspectivadas no seu sentido mais ca”), mas para os públicos subalternos e plurais, abrangente, ou seja, como instâncias de eleição em no sentido de disseminar informação e conheci- torno das quais qualquer estratégia de moderni- mento inovador, capaz de instigar a participação e zação, tal como o próprio sistema democrático, a cidadania ativa. Dando sequência a um dos prin- tanto se podem consolidar como entrar em colap- cípios orientadores do CES, a filosofia subjacente so. Para além disso, importa referir que – nesse aos trabalhos realizados nessas áreas – sobretudo campo como em muitos outros que integram as a partir do Núcleo de Estudos do Trabalho e linhas de pesquisa do CES1 – as notas de refle- Sindicalismo (NETSind) – preocupa-se em contri- xão que se seguem são fruto não apenas de resul- buir para “democratizar a democracia” ou, por tados de pesquisas diversas, mas, ao mesmo tem- outras palavras, ajudar a reinventá-la, de uma de- po, exprimem o diálogo que temos aprofundado mocracia representativa e de baixa intensidade rumo com os atores sociais diretamente intervenientes a uma democracia de alta intensidade, em que as nesse domínio, quer no âmbito institucional, os CADERNO CRH, Salvador, v. 22, n. 56, p. 311-324, Maio/Ago. 2009 dimensões “representativa” e “participativa” se que são hoje reconhecidos como “parceiros” de reforcem mutuamente no aprofundamento da cul- diálogo e concertação social (Estado, sindicatos e tura democrática (Estanque, 2007; Santos, 1988, empresários), quer os representantes e ativistas 1998, 2000, 2005, 2007). que lideram o movimento sindical mais combativo, Pode dizer-se que o desenvolvimento do CES quer ainda outros líderes associativos do campo – e de várias das suas linhas de pesquisa numa estudantil e do trabalho. perspectiva engajada e emancipatória – obedeceu a A reflexão sobre a questão laboral e social, uma opção estratégica. Aquela que mais diretamen- de uma maneira geral, não poderia, evidentemen- te carrega a marca teórica e epistemológica da sua principal referência, Boaventura de Sousa Santos, 1 Ver o site do CES em: www.ces.uc.pt. No nosso caso que vem em estreita continuidade com a primazia particular, vale a pena referir que, para além desses te- mas, também a análise das classes e desigualdades soci- das relações de cooperação com os países de língua ais (Estanque e Mendes, 1997), do trabalho e do colectivo operário, em articulação com as identidades comunitári- oficial portuguesa, especialmente o Brasil e as ex- as, analisado a partir da observação participante numa empresa de calçados (Estanque, 2000), e os movimen- colônias africanas, que, por essa via, se foi esten- tos sociais e estudantis (Estanque e Bebiano, 2007) têm dendo a toda a América Latina. Em especial a pers- condensado as principais preocupações analíticas e interventivas.(ver: www.ces.uc.pt/investigadores/cv/ pectiva epistemológica de crítica frontal ao elisio_estanque.php) 312
  • 3. Elísio Estanque te, deixar de ser observada sem se levar em conta A noção de “crise” encerra em si mesma alguns dos traços específicos da sociedade portu- uma enorme variedade de significados e, no caso guesa, mostrando as suas vulnerabilidades parti- vertente – em que se pensa, sobretudo nas ten- culares, que remetem para a história recente do dências negativas na esfera financeira, econômica país e para as dificuldades que vem enfrentando e no emprego –, ela recobre todo um leque de rea- na aproximação aos padrões europeus. lidades bem diferentes, muitas das quais já anti- gas. Por outro lado, a própria crise econômica foi suscitada por um conjunto complexo de fatores DA CRISE E PARA ALÉM DELA: dilemas e sociais, uns mais estruturais outros mais contin- dificuldades estruturais gentes. Diversas instâncias políticas e interesses econômicos desencadearam, desde há cerca de trin- Numa época de crise internacional que atingeta anos, um programa de iniciativas que significou todos os cantos do mundo, é fundamental que nos uma aposta sem precedentes no comércio livre, na questionemos sobre os seus impactos, em especi- especulação nas bolsas de valores, nas offshores e al no setor do trabalho, que se assumiu como a na economia financeira, fatores que serviriam de infraestrutura fundamental do sistema social e barômetro para o crescimento econômico. Os mer- político das sociedades industriais modernas. cados assegurariam um crescimento ilimitado e, Começarei por chamar a atenção para dois pontos portanto, quanto menos regulação e intervenção prévios: em primeiro lugar, existe um conjunto de estatal, tanto melhor. A “bondade” do mercado glo- aspectos relacionados às transformações ocorridas bal parecia garantir o sucesso. nas últimas décadas, em especial no que tange às Embora sejam esses alguns dos lemas que grandes mutações socioeconômicas e sua incidên- conduziram à erupção da atual crise, certos mentores cia nas relações de trabalho e nos processos pro- teóricos importantes, como Alan Greenspan, fize- dutivos, que devem ser previamente equacionados ram mea culpa e assumiram o “erro”. Com efeito, a fim de se compreender como os impactos da atu- foram os Estados e as economias mais ricas do al crise se fazem sentir de modo muito distinto em mundo, fortemente apoiadas pelos mercados in- diferentes contextos e sociedades particulares; em ternacionais e pelas novas tecnologias da informa- segundo lugar, é necessário relativizar a tendência ção e comunicação, que impuseram, como regra, a para se pensar e discutir todos os assuntos em abertura total das fronteiras ao comércio mundial, CADERNO CRH, Salvador, v. 22, n. 56, p. 311-324, Maio/Ago. 2009 torno da “crise”, como se o mundo tivesse come- a competitividade deixada ao sabor do mercado çado em 2008. Tal atitude pode provocar distorções etc., envolvendo tudo isso na conhecida retórica de índole diversa, inclusive perder de vista a com- neoliberal, que prometia um mundo de oportuni- plexidade dos fatores estruturais inerentes à socie-dades para os mais competentes e uma “nova eco- dade portuguesa, e que definem não só os contor- nomia” capaz de assegurar o bem-estar, senão de nos que a crise assume entre nós, mas também os todos, pelo menos daqueles – países, economias e possíveis caminhos para sair dela e enfrentar um indivíduos – que decidissem guiar-se pela aposta cenário pós-crise. Qualquer diagnóstico que se faça nas qualificações, na inovação e na competição. Os acerca da questão do trabalho – seja ele com respei-resultados desastrosos estão hoje à vista de todos. to ao caso português, brasileiro ou outro –, na difí- cil conjuntura internacional que hoje vivemos, não pode circunscrever-se à realidade presente (na ver- GLOBALIZAÇÃO E TRANSFORMAÇÕES NO dade, apenas o passado se deixa conhecer), deven- TRABALHO do antes colocá-la em perspectiva no quadro de um processo histórico mais amplo e de um quadro es- Do mesmo modo que a crise, também a trutural mais vasto e profundo. “globalização” tem suscitado muita controvérsia 313
  • 4. SOCIOLOGIA E ENGAJAMENTO EM PORTUGAL... justamente devido à sua polissemia. Muito embo- para milhões de trabalhadores de diversos conti- ra se tenha percebido que, afinal, o comércio glo- nentes. E o caso particular da Europa é aquele em bal é já uma velha história, da qual existem marcas que as alterações em curso representam um fla- indeléveis há mais de cinco séculos, a reviravolta grante retrocesso em face das conquistas alcançadas ocorrida há cerca de três décadas suscitou uma desde o século XIX, com a decisiva contribuição fantástica multiplicação das transações e fluxos de do movimento operário e do sindicalismo. Porque pessoas, bens e serviços de todos os tipos, dando a Europa é justamente a região “referência” e o ber- lugar a profundas transformações tanto no plano ço da civilização Ocidental, é necessário pensar prático como no plano teórico e conceptual. Com em toda a sua tradição humanista e emancipatória, a massificação da indústria turística e a democrati- na qual encontraremos a gênese das principais dou- zação dos transportes aéreos, o mundo ficou menor trinas progressistas, revoluções e movimentos so- e passou a ser olhado sob novas perspectivas. As ciais. O projeto da modernidade e a democracia velhas noções de modernidade, desenvolvimento e política assentaram promessas de grande potenci- progresso deram lugar à ideia de pós-modernidade, al utópico rumo a uma sociedade mais justa e igua- de imprevisibilidade e de incerteza quanto ao senti- litária. Porém, os velhos lemas do iluminismo – do da história e da mudança social. A intensifica- Liberdade, Igualdade e Fraternidade – foram, nas ção das trocas comerciais na escala transnacional, últimas décadas, secundarizados, se não mesmo com a ajuda da revolução informática, tecnológica e desprezados ostensivamente, no discurso comunicacional, aceleraram e multiplicaram os institucional de governantes e dirigentes (inclusi- processos de mercantilização da vida e das socie- ve de correntes como a social-democracia, cuja dades, ao mesmo tempo em que os Estados e as história e referências éticas e doutrinárias se ins- economias nacionais perderam parte da sua antiga crevem em projetos e ideologias desse teor). Os soberania, autonomia e capacidade reguladora. efeitos da globalização induziram novas formas de Porém, ao contrário da retórica liberal e trabalho cada vez mais desreguladas, num quadro tecnocrática de muitos teóricos e experts, o novo social marcado pela flexibilidade, subcontratação, liberalismo que avassalou o mundo desde os anos desemprego, individualização e precariedade do 1980, não só não atenuou os problemas humanos trabalho. Assistiu-se a uma progressiva redução e os riscos sociais como os agravou drasticamente. de direitos trabalhistas e sociais, e ao aumento da É verdade que as oportunidades de negócio e as insegurança e do risco, num processo que se reve- CADERNO CRH, Salvador, v. 22, n. 56, p. 311-324, Maio/Ago. 2009 vantagens lucrativas se mostraram fantásticas para lou devastador para a classe trabalhadora e o uma ínfima minoria – sobretudo dos que já eram sindicalismo os finais do século XX (Castells, ricos e poderosos –, mas, em contrapartida, a larga 1999; Beck, 2000; Estanque, 2007). maioria das populações e das classes trabalhado- A realidade do mundo do trabalho, nos últi- ras, incluindo amplos setores da classe média, vêm mos tempos, atualizou visões críticas do capitalismo se debatendo com o agravamento das suas condi- até há pouco julgadas ultrapassadas. Karl Marx e a ções de vida e de trabalho. Hoje, muitos consta- sua obra maior, O Capital, voltou a suscitar as aten- tam a intensificação das desigualdades e injusti- ções do mundo, quer por parte de acadêmicos, quer ças sociais, e mesmo aqueles que mais ativamente por parte da opinião pública em geral. Mas, se o glorificaram o mercado livre e as infinitas pensamento marxista parece ganhar nova atualida- potencialidades da economia financeira voltam-se de, não é porque se pretenda recuperar a ortodoxia agora para o Estado pedindo auxílio. leninista ou reincidir em modelos comprovadamente O campo do trabalho é, sem dúvida, aquele falidos, como o soviético. É sim porque o mercado em que os impactos desestruturadores da desregulado, a intensificação da exploração – sob globalização têm se mostrado mais problemáticos. velhas ou novas formas – e todo o conjunto de pro- As consequências disso tornaram-se devastadoras blemas socioeconômicos que a atual crise 314
  • 5. Elísio Estanque aprofundou (em muitos casos pondo a nu o que já mesmo tempo que se combina sob diferentes lógi- lá estava, mas ainda imperceptível) comprovaram cas e formas mais instáveis (metamorfoseia-se) e, a falência do paradigma neoliberal e requerem, por em muitos casos, mais penosas para quem tem de isso, que se repensem os modelos de mercado que viver de qualquer trabalho. Tornou-se clara a ver- guiaram a economia mundial nos últimos tempos. satilidade, a instabilidade e a multiplicidade de Em especial no campo do emprego, temos formas e de sentidos que envolvem o trabalho e assistido a um efeito de pêndulo, em que cada vez seus mundos no início do século XXI. Muito em- menos trabalhadores se encontram numa situação bora se tenha esbatido como potência criadora e de emprego seguro, estável e com direitos, enquan- espaço de consolidação de “subjetividades de clas- to existem cada vez mais pessoas desempregadas se” dirigidas para a ação transformadora, o traba- que se debatem com o iminente risco de pobreza e lho, material e imaterial permanece como o módulo exclusão. Como os vagabundos do século XVIII central no processo de acumulação capitalista europeu ou os chamados malteses alentejanos de (Antunes, 2006). meados do século XX, essa gente vê negados os O flagelo do desemprego, associado a um direitos mais elementares. São atirados ao mundo “individualismo negativo” (Castel, 1998), que se em uma busca desesperada de subsistência e obri- assemelha a fenômenos que ocorreram na Europa gados a aceitar quaisquer condições de trabalho e do século XVIII, resultante dessa precariedade – a se entregarem à vontade gananciosa de patrões geradora das mais diversas formas de dependên- sem escrúpulos. Excluídos, de fato, do estatuto de cia, insegurança, resignação e medo – permite todo cidadania, são por vezes eles próprios que se ne- o tipo de prepotências e abusos. No atual panora- gam a si mesmos o direito de procurar um traba- ma, já não são os direitos trabalhistas aquilo que lho digno, aceitando ser tratados como sub-huma- se pretende defender, mas, do ponto de vista de nos ou como os novos escravos da economia glo- milhões de assalariados, tão só o emprego a todo o bal do século XXI. custo, pois “o pior dos empregos é sempre prefe- Os processos recentes de fragmentação e rível ao desemprego” – o que traduz bem a debili- precarização das relações e formas de trabalho atin- dade em que se encontra hoje o trabalhador. Des- giram o conjunto das classes trabalhadoras e pulve- mantelou-se o velho compromisso entre capital e rizaram as próprias estruturas contratuais e trabalho, e a concertação social – a negociação organizacionais do sistema produtivo. Perante o tri- “tripartite” –, essa velha conquista do fordismo e CADERNO CRH, Salvador, v. 22, n. 56, p. 311-324, Maio/Ago. 2009 unfo do neoliberalismo econômico e o acentuar de do Estado de Bem-Estar europeu, tornou-se uma novas formas de opressão e exploração, alguns dos mera figura de retórica em que já nem as forças velhos conceitos e dicotomias de Marx – tais como políticas herdeiras da social-democracia parecem as divisões entre capital fixo e capital circulante; acreditar, sobretudo quando alcançam o poder. trabalho vivo e trabalho morto; trabalho material e trabalho imaterial; atividades produtivas e impro- dutivas – são hoje reconceitualizados à luz da nova A SOCIEDADE PORTUGUESA NO CONTEXTO dinâmica do capitalismo global. As atuais tendên- EUROPEU cias permitem mostrar como aquelas divisões fo- ram reconvertidas e se imbricam hoje dialeticamente A esse respeito convém apresentar alguns umas nas outras, contribuindo, assim, para inten- traços particulares da sociedade portuguesa. Por- sificar e expandir novas formas de “estranhamento” tugal é, como todos reconhecemos, um país peri- e “alienação” das classes trabalhadoras e dos no- férico da Europa, cujas dificuldades se devem a vos segmentos precarizados. Porém o trabalho, em um tardio e incipiente desenvolvimento industri- vez de desaparecer e se diluir para dar lugar ao al, bem como a um processo de democratização lazer e ao consumo, ganha nova centralidade, ao igualmente recente e repleto de contradições. Com 315
  • 6. SOCIOLOGIA E ENGAJAMENTO EM PORTUGAL... a instauração da democracia em 1974, consolida- que esses setores recém-urbanizados começassem ram-se as classes trabalhadoras vinculadas à a estruturar padrões de vida subjetivamente industria, além dos setores da nova classe média projetados numa imaginária “classe média”, ou, assalariada (setor administrativo, saúde, educação, em outras palavras, numa categoria supostamente poder local e funcionalismo público em geral) que “distintiva” e “superior”, por comparação com os rapidamente se expandiram – apesar de, no seu grupos de referência originários, isto é, os que re- conjunto, a classe média portuguesa ter permane- metiam para um mundo rural e pobre, que se pre- cido débil – sob o impulso de um Estado de Bem- tendia ver ultrapassado. Assim, como alguns es- Estar Social em rápido crescimento, apesar de ele tudos mostraram (Estanque, 2003; Cabral, 2003), próprio ser fraco. Aliás, convém lembrar que Por- uma parte significativa da própria classe trabalha- tugal começou a construir o seu Estado social numa dora manual, incluindo alguns dos seus segmen- altura em que já estavam a emergir os sinais de tos mais precarizados, percebia-se como perten- crise desse modelo na Europa, ou seja, tentou-se cendo à “classe média”. alcançar o comboio quando ele já chegava ao fim Ora, se o consumismo desenfreado e as ex- da viagem. pectativas de mobilidade ascendente puderam ali- Daí que as transformações sociais desenca- mentar tais ilusões durante algum tempo, com a deadas com o 25 de Abril de 1974 – e, de certo entrada no novo milênio e, sobretudo, perante o modo, consignado na constituição “socialista” de reforço da competitividade global, a contenção de 1976 –, sendo, sem dúvida, profundas em muitos custos e as pressões para a flexibilização e aspectos, nunca deixaram de evidenciar os con- privatização (mesmo nos setores onde o emprego trastes que persistiam e persistem na sociedade se mantinha relativamente seguro) deram início a portuguesa. A modernização das infraestruturas, uma profunda mudança na esfera do emprego, em especial após a adesão à União Europeia, em evidenciando, assim, uma vez mais, o caráter per- 1986, trouxe progressos inquestionáveis, mas, no sistente e estrutural das nossas debilidades. Pro- plano social, as dificuldades, injustiças e bloque- blemas supostamente resolvidos há décadas res- ios persistiram. Muito embora os trabalhadores e surgiram, tais como a pobreza, a falta de qualifica- as classes subalternas em geral tenham melhorado ção de trabalhadores e empresários, as elevadas substancialmente as suas condições de vida, em taxas de evasão escolar, o crescimento brutal das comparação com a miséria em que viviam há 30 desigualdades sociais, o aumento do desemprego CADERNO CRH, Salvador, v. 22, n. 56, p. 311-324, Maio/Ago. 2009 ou 40 anos, o certo é que as elites – em especial as e da pobreza, as desigualdades de gênero e uma novas elites privilegiadas, ligadas à indústria e ao rápida precarização do trabalho, que atingiu em comércio – ascenderam muito rapidamente, dis- especial os setores mais jovens (incluindo os mais tanciando-se dos níveis de vida da classe média e escolarizados). dos trabalhadores manuais. A “classe média” cres- Temos, portanto, sobre os nossos ombros, ceu até finais do século, em boa medida à sombra um passado recente marcado por inúmeros con- do crescimento do Estado, como se disse, mas, ao trastes, e é neles que porventura repousam as cau- mesmo tempo, permaneceu instável e internamente sas mais decisivas do nosso atraso estrutural. A muito diferenciada. cultura tradicional do país e a escassa qualificação Pode até dizer-se que a classe média portu- dos agentes econômicos (empresários e trabalha- guesa foi mais importante pelo seu papel como dores) espelham ainda os atributos de uma socie- referência simbólica no imaginário coletivo do que dade subdesenvolvida, amarrada às mentalidades por ser um segmento social consistente e dotado atávicas e paroquiais, aqui e ali deixando ainda de índices elevados de bem-estar. Foi, sobretudo, transparecer alguns resquícios de feudalismo e de o resultado de uma rápida concentração urbana e salazarismo. Prevalecem os modelos de gestão de da facilitação do crédito, aspectos decisivos para natureza despótica, lado a lado com dependênci- 316
  • 7. Elísio Estanque as e tutelas de todos os tipos, que se adaptam de tória e o significado das lutas sociais dos trabalha- modo perverso à vida moderna, corroendo o fun- dores europeus ao longo dos últimos cento e cionamento das empresas e instituições e travan- cinquenta ou duzentos anos, jamais compreende- do as potencialidades de modernização econômi- remos a diferença entre o modelo social europeu e ca e de aprofundamento democrático. o mercantilismo individualista dos países anglo- Mantêm-se ou intensificam-se os velhos saxônicos. Se houve efetivamente progressos fun- dualismos, tais como a divisão entre o interior e o damentais na Europa ao longo de todo esse tem- litoral ou entre o rural e o urbano, muito embora po, eles se devem essencialmente à capacidade de tais divisões conservem fortes imbricações recípro- organização e de luta coletiva da classe trabalhado- cas. Essas antigas contradições continuam a per- ra e do movimento operário nos países industria- sistir, embora se adaptem aos tempos atuais. Os lizados. Esse é, de resto, um patrimônio que é rei- setores protegidos do emprego tornam-se cada vez vindicado por toda a esquerda, desde a social-de- mais raros, enquanto o emprego precário subiu mocracia até o movimento comunista. acima dos 20% (22% em 2007 para os trabalhado- Se hoje temos mecanismos de regulação dos res com menos de 35 anos) e, nas camadas mais conflitos e uma ordem jurídica que privilegia o jovens, atinge cerca do dobro desse percentual, o diálogo e a concertação entre os diferentes parcei- que, por sua vez, exprime a contradição geracional ros e classes sociais, isso se deve aos grandes sa- entre uma juventude mais qualificada, mas tam- crifícios e às lutas do movimento operário. Nesse bém mais precária, e as condições de trabalho dos sentido, o direito do trabalho foi (e é) um instru- seus pais ou avós. O discurso da privatização foi, mento decisivo a serviço dos trabalhadores, desti- durante décadas, elevado ao estatuto de único le- nado a reequilibrar as relações sociais entre capital gítimo, pois apoiado na competitividade, e, ao abri- e trabalho, que são, como se sabe, estruturalmente go desse discurso – erigido em pensamento único assimétricas. No entanto, apesar dos avanços al- por parte do poder –, desencadearam-se diversas cançados, em muitos países persistiram, ao longo reformas nos serviços públicos em diversas áreas, dos tempos, inúmeras formas de trabalho fora de tais como a saúde, o funcionalismo público, a edu- qualquer proteção jurídica, e a erosão dos direitos cação e outras, justificando-se tais mudanças com sociais e econômicos dos trabalhadores suplantou base num suposto privilégio dos trabalhadores e largamente a força da lei. Como sabemos, isso ain- funcionários da administração pública, por con- da ocorre em diversas regiões do globo. CADERNO CRH, Salvador, v. 22, n. 56, p. 311-324, Maio/Ago. 2009 traste com os do setor privado, servindo esse ar- Sendo expressão das relações políticas numa gumento para uma clara estratégia de nivelamento sociedade, a ordem jurídica funcionou, ao longo por baixo. da história, como meio de legitimação de relações Porém, quer a capacidade de realizar as re- de poder fortemente desequilibradas, impondo-se formas, quer as possibilidades de lhes resistir, bem geralmente sobre uma força de trabalho submissa como a razoabilidade com que as mesmas são con- e destituída dos direitos mais elementares, sem cebidas e levadas à cabo são parte de processos mais um salário digno ou proteção social e sem acesso complexos que só poderemos interpretar se forem aos direitos humanos mais elementares. No en- situados no devido contexto e na própria historia. tanto, a transformação histórica obteve importan- E é justamente a essa luz que as propostas legislativas tes resultados de sentido emancipatório, em parti- de alteração do sistema de relações laborais, para cular nos países mais avançados. O direito do tra- terem sucesso, deveriam começar por diagnosticar balho triunfou nos países europeus e é uma ban- a realidade que temos, não com base em juízos deira fundamental para trabalhadores dos mais ideológicos, mas tendo presente o contexto onde diversos continentes, justamente porque representa nos inserimos e o património sociocultural que uma poderosa arma a serviço das classes subalter- herdamos do passado. Sem considerarmos a his- nas, defendida, desde sempre, pelo movimento 317
  • 8. SOCIOLOGIA E ENGAJAMENTO EM PORTUGAL... sindical internacional e veiculada por organizações corroem as nossas instituições, desestimulando o internacionais como a OIT, que tem prestado um trabalhador dedicado. Em vez do mérito e da inici- inestimável papel na defesa dos direitos humanos ativa individual, prevalecem as posturas e atitu- no trabalho, em todos os continentes. É precisa- des de bajulação e resignação perante a autorida- mente à luz desse patrimônio histórico, de que a de; em vez do ambiente de exigência e de estímulo Europa é um palco privilegiado, que as mudanças à criatividade e à co-responsabilização (individual impostas pelos poderes dominantes nessa matéria e coletiva), cultiva-se o “seguidismo” e a mediocri- – no sentido de uma flexibilidade ditada pela con- dade; em vez de cidadãos livres e autônomos, pro- corrência desregrada, pelos requisitos do mercado move-se o oportunismo e a delação. Tudo isso é o global e pelas exigências do grande capital – cor- contrário de uma sociedade democrática avança- rem o risco de representar uma regressão inaceitá- da. Tudo isso se opõe aos valores do socialismo vel para os trabalhadores europeus. democrático. E a tudo isso é possível fazer frente. Portugal, com todas as suas especificidades, A questão está em saber se os governos e a classe insere-se justamente nesse quadro. E é por isso dirigente pretendem inverter esse rumo ou contri- que as alterações que o novo Código do Trabalho2 buir para que ele se torne irreversível e nos em- vem introduzir são, em variadas matérias (ou me- purre de novo para o abismo. lhor, nos seus aspectos mais decisivos), motivo Ora, perante esse panorama – e como diver- de grande apreensão para aqueles que assumem a sos estudos internacionais têm mostrado –, a ques- defesa da classe trabalhadora contra a exploração tão da estabilidade e da segurança no emprego cons- capitalista (cerca de cento e quarenta anos após a titui o principal motivo de preocupação dos traba- 1ª edição do livro 1 de O Capital) e contra outras lhadores. Encontrar um primeiro emprego é a pri- formas de opressão e de injustiça social. Acresce meira das prioridades dos estudantes do ensino que as condições de subdesenvolvimento já refe- superior (Estanque; Bebiano, 2007). ridas colocam a sociedade portuguesa – e a sua Hoje, se é “jovem” até muito além dos 30, força de trabalho assalariada – numa situação de porque muito ficam dependentes da família até especial vulnerabilidade, visto que estamos longe muito tarde, mas se é por vezes considerado “ve- de garantir plenamente os direitos de cidadania. lho” quando, trabalhadores desempregados, com Como muitos de nós temos apontado repetidamen- quarenta e poucos anos, são preteridos devido à te, existem medos incrustados nas instituições, que idade. A perda do emprego é a principal ansieda- CADERNO CRH, Salvador, v. 22, n. 56, p. 311-324, Maio/Ago. 2009 impedem o fortalecimento da esfera pública e ten- de frente à qual muitas outras exigências, mesmos dem a inibir qualquer ação reivindicativa no campo as mais evidentes, podem ser sacrificadas. Exis- profissional, onde imperam os constrangimentos e tem empresas, nos EUA e na Europa, que estabele- a mentalidade autoritária de empresários e chefias. cem um salário máximo, pedindo aos candidatos A presença de culturas autocráticas, de tutelas e a um posto de trabalho que indiquem quanto “pre- compadrios dos mais diversos tipos, onde deveri- tendem” ganhar, até esse nível máximo (por exem- am prevalecer a transparência, as estratégias de ges- plo, oito euros por hora), o que induz a um cons- tão e lideranças democráticas, são ingredientes que tante rebaixamento salarial indicado pelos preten- dentes ao emprego (os que indicam quatro euros 2 Designação atribuída ao pacote legislativo na área traba- lhista, que teve uma primeira versão em 2003, no gover- ou menos serão naturalmente os preferidos). É a no do PSD, dirigido por Durão Barroso, e que mais re- lógica da autonegação da dignidade, produzida pelo centemente foi reformulado e aprovado pela Assembleia da República, em 2008. A nova orientação, defendida espectro do desemprego e da miséria. O clima de pelo PS de José Sócrates, teve, porém, uma forte oposi- ção, sobretudo por parte dos partidos à sua esquerda (o angústia que o atual cenário de crise tem acentua- Partido Comunista e o Bloco de Esquerda) e também por parte do campo sindical (em especial a central sindical do só contribui para que tais sintomas “patológi- mais representativa e combativa, a CGTP), que mobili- cos” se tornem ainda mais dramáticos do que até zou, em 2008, várias manifestações de rua em Lisboa, algumas delas com mais de duzentos mil participantes. agora temos conhecido. 318
  • 9. Elísio Estanque Porém, quando o trabalhador (ou o cida- postamente, se pode dialogar e os outros, ditos con- dão) é sistematicamente reprimido e impedido de servadores ou “ao serviço de...”), seremos levados manifestar a sua vontade ou de exigir o cumpri- a perceber o papel social e transformador do mento de direitos, o que acontece é o aumento do sindicalismo (e tanto a contestação como a negocia- descontentamento e da contrariedade no trabalho ção são vias igualmente válidas no plano social) e e na sociedade. Daí resulta, então, uma de duas talvez então se possa aceitar que o sindicalismo posições: ou se acentua a resignação e o medo, ou combativo e de movimento é aquele que maior con- aumenta a crispação e o sentimento de revolta. Esse tribuição deu e pode dar ao progresso social. ambiente – agravado com as múltiplas formas de É sobretudo em períodos de crise e de difi- recomposição, desmembramento, flexibilidade, culdades para as classes trabalhadoras que ocor- deslocalização e fechamento de empresas, rem as grandes reviravoltas históricas, normalmente precarização do trabalho, fragmentação dos pro- acompanhadas de novos movimentos e da emer- cessos produtivos etc. – tem conduzido a classe gência de novas lideranças. Na Inglaterra do sécu- trabalhadora a uma cultura de impotência e de lo XIX e noutros contextos históricos mais recen- conformismo. Uma “classe” cada vez mais hetero- tes – de que pode ser exemplo o 25 de abril de gênea e frágil, que se depara com tremendas difi- 1974 –, a mobilização popular não se deveu ape- culdades em agir coletivamente. Há muito que as nas a motivações políticas e econômicas (nem a identidades de classe perderam fulgor em favor de causas racionais, da ordem da “consciência” ou outras identidades rivais e de outras formas de dos “interesses”), mas também, talvez, sobretudo, ação coletiva (e de inação), num processo que se a fatores culturais e identitários. A identidade pre- acentuou enormemente com o colapso do regime cede os interesses. Mas estes, quando fundados soviético e, no caso português, após a saturação em fortes carências e necessidades básicas por sa- da linguagem marxista e “de classe” de que se usou tisfazer, podem produzir rebeliões radicais e de e abusou no período da Revolução dos Cravos massas, ainda que não sejam orientadas por ne- (1974). Perante o refluxo da ação coletiva e do dis- nhuma motivação política explícita (ou inspiradas curso ideológico, os sindicatos perderam força e numa ideologia identificável). capacidade de organização e de mobilização, nome- A classe trabalhadora deixou há muito de ser adamente junto dos segmentos mais fragilizados e homogênea (porventura nunca chegou a sê-lo, a não mais jovens da força de trabalho. Para além de um ser em contextos muito particulares), mas a difusão CADERNO CRH, Salvador, v. 22, n. 56, p. 311-324, Maio/Ago. 2009 contexto social e político pouco favorável à partici- da precarização e do trabalho sem estatuto e sem dig- pação coletiva e associativa – e sem esquecer as pró- nidade pode conduzir a novas homogeneizações, que, prias dificuldades de renovação do sindicalismo embora de base trans-classista, sejam capazes de (Estanque, 2008) –, o reforço do poder patronal e a se unificar na defesa de uma identidade agredida e retirada de condições favoráveis à ação sindical vêm ofendida nos locais de trabalho, mas também na agravar ainda mais essas tendências. comunidade de residência ou na relação com os serviços públicos. Mesmo a participação, a solida- riedade e a partilha coletiva da indignação podem SINDICALISMO E AÇÃO COLETIVA, ANTES E recuperar um certo sentido de recompensa simbó- APÓS A CRISE lica, estimulando o desejo de reconstrução comu- nitária, quer se esteja voltado para um passado Nessa discussão, torna-se incontornável nostálgico e em nome das “raízes” (por exemplo, o equacionar a questão sindical. Se nos despirmos nacionalismo ou o bairrismo), quer se projete num de juízos de valor e, sobretudo, se formos capazes futuro promissor e “emancipatório” como, por de evitar a tendência de classificar os sindicatos exemplo, o socialismo (Tilly, 1978; Morris, 1996; entres os “bons” e os “maus” (uns com quem, su- Estanque, 2000). 319
  • 10. SOCIOLOGIA E ENGAJAMENTO EM PORTUGAL... Tomados por muitos como fatores de blo- gor o princípio da “válvula de escape”, mas os queio ao crescimento econômico e ao desenvolvi- seus efeitos são politicamente incertos. As ondas mento, os sindicatos queixam-se, com razão, de de protesto e o discurso de indignação que as acom- que, em diversas regiões do mundo, as formas de panha, exacerbados por um poder (institucional, trabalho parecem ter regressado aos tempos “satâ- empresarial ou governamental) de viés autoritário, nicos” de Marx. Mas, apesar da mítica classe ope- podem ganhar um efeito mimético de proporções rária estar em desagregação, não surge no horizon- imprevisíveis, se para tal as condições sociais se te nenhuma outra identidade capaz de congregar a tornarem propícias. unidade dos assalariados. As atuais pressões do O atual contexto de crise, ao mesmo tempo mercado e da economia global deixam aos sindica- em que ameaça desfazer um conjunto de laços soci- tos uma margem de manobra cada vez mais estrei- ais que até aqui garantiam a coesão mínima da soci- ta, mas, por outro lado, o esforço de atualização edade, pode – precisamente porque o sistema soci- por parte das estruturas sindicais tem sido dimi- al tem horror ao vazio – galvanizar de novo as mul- nuto e insuficiente para responder aos problemas tidões que se sentem ressentidas e desprotegidas. E da atualidade. Sobra, então, espaço para novos o fato de o sindicalismo apenas timidamente se atores e movimentos. envolver nesse tipo de iniciativas, até agora, não Nas últimas décadas, enquanto a economia garante que elas continuem a ter uma expressão e os mercados deixaram de estar confinados às fron- modesta. Até porque, se o presente é fortemente teiras nacionais, o movimento sindical revelou marcado pela contingência, tanto pode acontecer enormes dificuldades em agir para além do âmbito que expressões de grupos minoritários (sejam eles nacional (e, muitas vezes, do próprio âmbito os MayDay, os FERVE ou outros3) possam repenti- setorial). A globalização revelou-se contraditória e namente se alastrar, como a própria intensificação gerou múltiplos efeitos paradoxais, nomeadamen- da pressão pode levar a que o sindicalismo radicalize te ondas sucessivas de protestos juvenis e movi- o seu discurso e consiga mobilizar a massa de pre- mentos sociais que se reclamaram de “alter- cários e desempregados que tem vindo a engrossar globalização”. Desde a cúpula da Organização e ameaça expandir-se ao longo de 2009. Mundial do Comércio (OMC) em Seattle, em 1999, Diversos autores e acadêmicos têm formu- passando pelos encontros do Fórum Social Mun- lado a necessidade de se criarem novas alianças e dial, em Porto Alegre e outras cidades, esse ativismo CADERNO CRH, Salvador, v. 22, n. 56, p. 311-324, Maio/Ago. 2009 – largamente apoiado pelas redes virtuais do 3 MayDay: um movimento autônomo ativado por grupos de trabalhadores precários em vários países europeus, com ciberespaço – revelou novas e inovadoras formas influência da extrema-esquerda, que há cerca de três anos de denúncia e de intervenção pública, que até ago- se estendeu a Portugal e começou a organizar manifesta- ções no dia 1 de maio. Já o FERVE – Fartos d’ Estes Reci- ra têm marcado as formas de ativismo global do bos Verdes – é uma organização ou movimento que sur- giu de forma espontânea a partir de um grupo de jovens século XXI. As mais recentes ondas de contestação trabalhadores, com contratos precários, cujo estatuto de prestações e registo fiscal é feito com base nos “Recibos dos jovens (França, Grécia, Catalunha), invocam, Verdes”, ou seja, um livro de recibos fornecido pela repar- por vezes, o Maio de 68, até porque as condições tição de finanças para trabalhadores autônomos ou pro- fissionais liberais (como advogados, técnicos de contas, sociais são igualmente ativadas por condições se- canalizadores etc). O regime de recibo verde foi concebido para trabalhos pontuais, mas em Portugal, como até re- melhantes, em que os grupos e as comunidades de centemente, a legislação trabalhista era considerada mui- to rígida (na proteção ao trabalhador e, sobretudo, na pre- jovens se afirmam, mobilizando-se contra um venção da demissão ilegal) e começou a generalizar-se nas opositor, ou um “inimigo” identificado. Mas são empresas o recurso a esse tipo de prestação, desde os anos 90, como forma de contornar o direito do trabalho e faci- fenômenos muito distintos. Enquanto, naquela épo- litar as demissões. Daí surgiram os chamados “falsos reci- bos verdes”, isto é, situações em que o mesmo trabalha- ca, era a consciência política e as autoproclamadas dor permanecia com esse estatuto precário (e poupando os encargos às empresas) durante anos, contribuindo para “vanguardas” que assumiam a liderança da luta, aumentar, juntamente com os contratos a prazo, o volu- agora a ação coletiva perdeu parte do seu conteú- me de assalariados nessa situação (que se situa hoje entre 18 a 20% da força de trabalho, mas bem acima disso nas do político. Dito de outro modo, continua em vi- camadas mais jovens). 320
  • 11. Elísio Estanque dinâmicas internacionalistas, como condição para te do sindicalismo de hoje se deixou enredar. Exi- revitalizar o sindicalismo perante o agravamento ge uma reflexão séria e uma atitude autocrítica e das desigualdades e injustiças sociais em todos os porventura mais humilde da parte das atuais lide- continentes, alegando que a mobilidade global – ranças sindicais, associativas e institucionais, em de capitais e de empresas funcionando em rede – todos os domínios da nossa vida social. exige respostas sindicais também em rede e igual- Por exemplo, a extraordinária capacidade da mente articuladas na escala transnacional internet e do ciberespaço constitui um enorme (Waterman, 2002; Estanque, 2007). Ao contrário potencial ainda subaproveitado. A facilidade para de outros países e regiões, como o Brasil e a Amé- aceder à informação, para acumular e divulgar co- rica Latina, onde a cooperação entre as universi- nhecimento em frações de segundo poderia ser uma dades, os acadêmicos e os centros de pesquisa, de poderosa arma a serviço do movimento sindical e um lado, e os movimentos sociais e sindicais, de da democracia em geral (Ribeiro, 2000; Waterman, outro, são uma constante, em Portugal essa tradi- 2002). O problema não reside, portanto, na ção praticamente não existe. tecnologia ou na sua ausência. O problema é que os As novas redes e estruturas transnacionais atributos socioculturais que enunciei anteriormen- de organização política são cada vez mais necessári- te se refletem e se reproduzem nos mais diversos as. Não apenas na União Europeia, onde as famíli- meios e instâncias organizacionais, inibindo, assim, as políticas possuem ainda pouca eficácia e os pró- uma maior transparência na gestão das instituições prias estruturas sindicais são incipientes. Para en- e travando, sem sabermos até onde, o processo de frentar os atuais desafios (que a crise apenas veio consolidação e aprofundamento democrático. acelerar), o sindicalismo de hoje terá de se reinventar ou se reestruturar profundamente. Um sindicalismo de movimento social global, orientado para a in- CONCLUSÃO tervenção cidadã, terá de se estender para além da esfera laboral; terá de passar das solidariedades Concluindo, a crise que nos surpreendeu nacionais para as transnacionais, de dentro para no final de 2008 tem causas bem mais profundas e fora, dos países avançados para os países pobres. longínquas do que pode parecer. E o modo como Precisamos de um sindicalismo que não abdique setores decisivos, como o do emprego, são ou não da defesa dos valores democráticos, mas em que capazes de responder às dificuldades e problemas CADERNO CRH, Salvador, v. 22, n. 56, p. 311-324, Maio/Ago. 2009 eles se alarguem à democracia participativa (nas do presente deriva, em boa medida, da capacidade empresas, escolas, cidades, comunidades etc.); que que tenha de reconverter algumas das velhas pechas coloque as questões ambientais e a defesa dos con- do nosso sistema produtivo em potencialidades de sumidores, dos saberes e tradições culturais lo- mudança. Mudança para um outro paradigma. E cais no centro das suas lutas e negociações; que isso depende muito dos agentes econômicos em resista ao capitalismo destrutivo através de um posições de liderança e da capacidade do próprio maior controle sobre o processo produtivo, os in- poder político de aceitar o surgimento de novos vestimentos, a inovação tecnológica e as políticas protagonistas e de novas posturas com sentido éti- de formação e qualificação profissional; que pense co, animados pela defesa da causa pública, em os problemas laborais no quadro mais vasto da busca do bem-estar geral e da construção de vín- sociedade, da cultura ao consumo, do trabalho ao culos de solidariedade com as classes subalternas. lazer, da empresa à família, do local ao global (Es- Essa visão resulta, como indicamos no iní- tanque, 2004; Hyman, 2002). cio deste artigo, de um conjunto de atividades, de Mas tudo isso pressupõe uma estratégia pesquisa e de intervenção, que temos desenvolvi- ambiciosa que rompa com a prática de acomoda- do no CES há cerca de 20 anos. A preocupação ção ao funcionamento burocrático em que boa par- em levar a sociologia para fora dos muros da uni- 321
  • 12. SOCIOLOGIA E ENGAJAMENTO EM PORTUGAL... versidade não é nova para nós. E, no campo con- REFERÊNCIAS creto do sindicalismo e do trabalho, talvez não seja um mero acaso que as pessoas que integram a equi- ANTUNES, Ricardo (Org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. São Paulo: Editora Boitempo, 2006. pe e o núcleo de pesquisa (NETSind) quase todas BECK, Ulrich. Un nuevo mundo feliz: la precaridad del elas tiveram experiências profissionais marcantes trabajo en la era de la globalización. Barcelona: Paidós, 2000. desde muito jovens e ao longo do seu percurso de BURAWOY, Michael . For public sociology. American Journal Review, v. 70, p. 4-28, february, 2005. vida. Por outro lado, participaram ou militaram ________. Open Social Sciences: to whom, for what?, em sindicatos, partidos ou movimentos sociais e Portuguese Journal of Social Science, v. 6, n. 3, 2007. associativos progressistas. CABRAL, M. Villaverde, et al (Orgs.). Desigualdades soci- ais e percepções da justiça. Lisboa: ICS, 2003. De resto, quer o trabalho de observação par- CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social. ticipante durante três meses numa fábrica de cal- Petrópolis: Editora Vozes, 1998. çados, trabalhando oito horas diárias na linha de CASTELLS, Manuel. A sociedade em Rede - A era da in- formação: economia, sociedade e cultura, São Paulo: Paz e montagem e convivendo diáriamente com os ope- Terra, 1999. rários, dentro e fora da empresa, quer os estudos ESTANQUE, Elísio. Entre a fábrica e a comunidade: subjectividades e práticas de classe no operariado do cal- sobre o movimento estudantil e o envolvimento çado. Porto: Afrontamento, 2000. com os estudantes nas comunidades das “repú- ________. O efeito classe média – desigualdades e oportu- blicas” estudantis de Coimbra (Estanque, 2008a), nidades no limiar do século XXI. In: CABRAL, M. V., J. Vala e A. Freire (Orgs.). 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Antes pelo contrário: as zonas ocultas Afrontamento, 1997. da primeira só podem ser iluminadas com o auxí- ________; BEBIANO, Rui. Do activismo à indiferença: mo- vimentos estudantis em Coimbra. Lisboa: ICS, 2007. lio da segunda. E saber de que lado estamos nesse HYMAN, Richard. Europeização ou erosão das relações mundo de contrastes e de injustiças é uma opção laborais?. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 62. Coimbra: CES, p. 7-32, 2002. que não pode ser ditada por critérios científicos, MORRIS, Paul. Community beyond tradition. In: mas pelos valores e princípios éticos que guiam o HEELAS, Paul et al. (Eds.), Detraditionalization. Oxford: cientista social nas suas escolhas e na sua ação Blackwell, 223-249, 1996. (como cientista e como cidadão). RIBEIRO, Gustavo Lins. Política cibercultural: ativismo po- lítico à distância na comunidade transnacional imaginada- virtual. In: ALVEREZ, S.; DAGNINO, E.; A. Escobar (Orgs.). 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  • 13. Elísio Estanque ________. (Org.) Democratizar a democracia: os cami- ________; FILHO, Naomar de Almeida. A universidade no nhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civiliza- século XXI. Para uma Universidade Nova. Coimbra: Edi- ção Brasileira, 2002. ções Almedina, 2008. ________. Para uma sociologia das ausências e uma soci- ________; MENESES, Maria Paula (Orgs.). Epistemologias ologia das emergências. Revista Crítica de Ciências Soci- do Sul. Coimbra: Edições Almedina, 2009. ais, n. 62, p. 237-280, 2002a. TILLY, Charles. From mobilization to revolution. Addison/ ________. (Org.) Trabalhar o mundo: os caminhos do novo Mass: Wesley Publishing Company, 1978. internacionalismo operário. Porto: Afrontamento, 2005. WATERMAN, Peter . O internacionalismo sindical na era ________. Fórum Social Mundial: manual de uso. Porto: de Seattle, Revista Crítica de Ciências Sociais, n, 62. Afrontamento, 2005. Coimbra; CES, p. 33-68, 2002. ________. Renovar a teoria crítica e reinventar a emanci- pação social. São Paulo: Boitempo Editorial, 2007. ________. (Org.) Democratizar a democracia: os cami- nhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civiliza- ção Brasileira, 2002. CADERNO CRH, Salvador, v. 22, n. 56, p. 311-324, Maio/Ago. 2009 323
  • 14. SOCIOLOGIA E ENGAJAMENTO EM PORTUGAL... SOCIOLOGY AND ENGAGEMENT IN THE LA SOCIOLOGIE ET L’ENGAGEMENT AU PORTUGAL: critical reflection on labour and PORTUGAL: réflexions à partir du travail et du trade unionism in a time of crisis syndicalisme Elísio Estanque Elísio Estanque This paper aims to be an example of the Ce paper (travail) essaie d’être un exemple critical-public sociology that is produced at CES de la sociologie critique publique développée par – Centre for Social Studies of the University of le Centre d’Etudes Sociales (CES) de l’Université Coimbra. Focusing one specific research area de Coimbra. Le thème que l’on aborde ici (sociology of work and trade unionism), the (sociologie du travail et du syndicalisme) assume critical perspective is assumed, both in une perspective critique autant d’un point de vue theoretical and reflective terms, as well as théorique et réflexif que d’une pratique politique political praxis of the social scientist. Considering des sciences sociales, aspects considérés comme this framework, the current crisis is taken as the les deux faces d’une même médaille. Partant de ce starting point to discuss the portuguese case on point de vue, l’actuelle conjoncture de crise est the labour issue, stressing some structural lines mise en discussion et le cas portugais est analysé of the country as a European semi-periphery and à la lumière de la question du travail. Certains traits showing that some of its current problems have structuraux du pays sont mis en évidence tel que ancient roots. celui de semi périphérie de l’Europe et montrent combien quelques problèmes actuels ont une ori- gine très ancienne. KEY-WORDS: public sociology, crisis, labour, trade MOTS-CLÉS: sociologie publique, crise, travail, unionism, Portugal. syndicalisme, Portugal. CADERNO CRH, Salvador, v. 22, n. 56, p. 311-324, Maio/Ago. 2009 Elísio Estanque - Doutor em Sociologia pelo ISCTE. Pesquisador do CES – Centro de Estudos Sociais e Professor de Sociologia na Universidade de Coimbra. Coordenador dos Programas de Pós-Graduação em Relações de Trabalho, Desigualdades Sociais e Sindicalismo. Desenvolve pesquisas nas áreas de Sociologia do Trabalho, Classes e Desiguadades Sociais, Movimentos Sociais e Estudantis. Publicou, entre outros, Entre a Fábrica e a Comunidade (Porto, Afrontramento, 2000); Mudanças no Trabalho e Ação Sindical: Portugal, Brasil e o contexto transnacional. (Co-autor. São Paulo: Cortez, 2005; e Do Activismo à Indiferença: movimen- tos estudantis em Coimbra (em co-autoria com Rui Bebiano, Lisboa, Ed. ICS, 2007). 324