1. A RODA QUE NÃO RODA
A roda que quando chega a ser roda, já dela ninguém precisa.
Para quem nunca ouviu falar, a roda da vida é uma ferramenta de coaching utilizada como técnica
de diagóstico auto-reflexiva que se materializa num círculo colorido com uma escala visual
representativa do estado actual da nossa vida. Para quem já ouviu falar, talvez ela possa ser mais
que isso.
Commumente recomendada pela sua simplicidade, flexibilidade e impacto visual, a maioria dos
artigos, posts ou capítulos que podemos encontrar focam-se sobretudo numa de duas abordagens: (i)
na demonstração do seu potencial face a tão baixo investimento (conscencialização do estado
global, apoio à decisão, eventual alavancagem para o futuro); ou (ii) no ensino da utilização da
mesma (desenho das áreas, preenchimento da escala, perguntas orientadoras, etc).
Neste artigo, propõe-se (i) discutir o alargamento do âmbito da sua utilização e (ii) explorar as suas
limitações.
A análise de um todo ou a escolha de um caminho?
Conceptualmente, o mapeamento e a comparação constituirão sempre a essência da roda. Contudo,
a sua flexibilidade permite que a mudança de objetivo ‘dite a forma’, abrindo variadas
possibilidades de aplicação. Imaginemos as seguintes contextos:
A) um estudante que quer saber como se encontra nas várias áreas académico-profissionais;
B) um estudante que quer saber qual o estabelecimento de ensino que deve escolher tendo em
conta os seus objetivos pessoais e profissionais.
O objetivo do estudante em A é diferente do da situação B. No primeiro, interessa comparar um
conjunto de competências que co-existem e podem até correlacionar-se entre si ou com elas
próprias em momentos diferentes; no segundo, o foco consiste na escolha de uma opção em
detrimento das outras, todas independentes e concorrentes, baseando-se em critérios iguais e que
são pertinentes para a tomada dessa decisão.
Vejamos os exemplos:
1
Gráfico 1. Exemplo de uma Roda da Vida, aplicada à vertente profissional.
2. O gráfico 2 – um exemplo para a situação A – pode responder a questões como: (i) qual a área
estudo em que o estudante é melhor ou pior; (ii) se o estudante domina muito algumas áreas e pouco
outras (tem mais aptidão para uma das áreas?) ou (iii) se não domina nenhuma em particular, mas
domina todas de forma suficiente (é equilibrado/multifacetado)? O mapeamento é feito de forma a
se ter uma visão global (uma só roda) em relação ao objectivo e a comparação é feita entre si (áreas
de estudo).
Já os gráficos 3 e 4 – um exemplo para a situação B – podem responder a questões como: (i) qual a
universidade que vai mais ao encontro dos interessesdo estudante; (ii) qual a universidade que,
embora de forma mediana, reúne todos os seus objetivos (a mais equilibrada) ou (iii) aquela que,
não reunindo todos, reúne de forma elevada alguns deles? No mapeamento é necessário ter mais de
que uma visão global do contexto (mais do que uma roda) de forma a que a comparação possa ser
feita entre os critérios homólogos dos contextos e não entre si – ou seja, a Localização da U. Nova
Lisboa com a da U. Beira Interior e não a da Localização da U. Nova Lisboa com a
Empregabilidade, Custo, Investigação ou Plano de Estudo também da U. Nova Lisboa (pois estes
são independentes, não compraráveis entre si).
Podemos ‘pegar’ nestes exemplos e mudar-lhe os assuntos e/ou especificá-los – e.g., de áreas de
estudo para competências profissinais ou para competências profissinais na área da Informática – ou
adaptar os seus critérios de seleção e/ou aumentá-los – e.g., dentro do critério da Empregabilidade,
subdividi-lo em Empregabilidade a 1, 3 e 5 anos; ou acrescentar outros como o Ranking, os
Parceiros (no mercado de trabalho) ou Academia (da universidade). É agora tudo uma questão de
adaptação ao assunto – o quê - e de definição de objetivos – e se queremos analisá-lo como um todo
ou fazer uma escolha de caminho.
E fosse mais objetiva, orientadora e ajustada?
Da limitação nasce a oportunidade (ou não fosse este artigo um artigo sobre lean!), e a roda, como
outras ferramentas, não são perfeitas. Tentemos responder às seguintes perguntas:
1. como defeniria a simplicidade ou complexidade da sua função/trabalho?
2. é a situação profissional ou a vida pessoal a área que mais pode alavancar a sua vida?
3. o que terá de que fazer para alavancar essa mesma área?
A verdade é que pessoas diferentes, dão respostas diferentes, e nem todas respoderiam 10 à primeira
pergunta; a ‘vida profissional’ à segunda; e nem tão pouco existe uma só resposta correcta para a
terceira. Na tentativa de tornar a roda mais (i) objectiva, (ii) orientadora e (iii) ajustada
poderemos, respectivamente:
i. tentar criar valores-referência para os quais haja exemplos de correspondência mais
concretos, como acontece, por exemplo, no Quadro Europeu Comum de Referências para as
Línguas;
ii. anexar informações que ajudem a identificar quais as áreas com maior poder de
alavancagem, baseados em dados ou estudos relevantes;
2
Empregabilidade
Localização
Plano de estudo Investigação
Custo
0
5
10
U. Nova Lisboa
Gráfico 3. Exemplo de uma situação B, opção 1.
Empregabilidade
Localização
Plano de estudo Investigação
Custo
0
5
10
U. Beira Interior
Gráfico 3. Exemplo de uma situação B, opção 2.
Ciências
Letras
Artes Desporto
Tecnologia
0
5
10
Áreas de estudo
Gráfico 2. Exemplo de uma situação A.
3. iii. definir ponderações (peso) para as diferentes áreas, tendo em conta fatores como a
complexidade das competências a adquirir, tempo necessário a tal, investimento económico
requerido, nível de motivação, entre outros.
Agarrando novamente na situação A, eis uma tentativa de aplicação:
(i) atribuição de significado à escala númerica (referência), ficando a escolha do maior número
dependente do grau de confiança e/ou ajuste do estudante em relação à descrição de competências
sugerida;
Tabela 1 – Exemplo de um quadro de referências aplicado à situação A.
Pontuação Referências (significado)
0-1 Não estar familiarizado com a temática.
2-3 Estar familiarizado com a temática e conhecer algumas das suas aplicações e/ou os seus princípios-base.
4-5
Dominar os seus princípios-base e saber aplicá-los na prática; e/ou estar familiarizado com aspectos mais
complexos.
6-7
Dominar princípios-base e intermédios, e saber aplicá-los na prática; e/ou estar familiarizado com
aspectos mais complexos.
8-9 Dominar princípios-base, intermédios e avançados, e saber aplicá-los na prática.
10
Inovar em assuntos da temática (Investigação) e/ou saber transmitir esses conhecimentos a outros
(Ensino).
(ii) baseada em pesquisa diversificada e fontes com graus de confiança e imparcialidade
significativos, atribuir um valor numérico correspondente ao seu poder de alavancagem, tão
detalhado quanto o pretendido (e.g., subdivisão por localização) e adequado ao objetivo pesssoal do
estudante (e.g. alavancagem formativa, económica, funcional, etc);
Tabela 2 – Exemplo de possível resumo de informação sobre poder de alavancagem aplicado à situação A.
Área Nível de alavancagem Pontuação Fonte
Ciências Médio (Portugal)
Elevado (América do Norte)
2
3
www.fct.pt
www.princetonreview.com
Letras Médio (Portugal)
Elevado (África)
2
3
infocursos.mec.pt
www.sokanu.com
Artes Baixo (Portugal)
Médio (Europa)
1
2
infocursos.mec.pt
www.careeraddict.com
Desporto Baixo (Portugal)
Baixo (Europa)
1
1
www.forum.pt
sporteducation.eu
Tecnologia Elevado (Portugal)
Elevado (Ásia)
3
3
revistas.rcaap.pt
www.princetonreview.com
(iii) a definição de um potencial pode ajudar a perceber a margem de progressão de cada área até ao
estado definido como ideal, independente do seu poder de alanvancagem. Os critérios que compõe
esse potencial e a sua ponderação númerica deve ser ajustada de forma a refletir os objetivos e
sentimentos do estudante. Imaginemos: o Desporto pode ser uma área de pouca alavancagem, mas
que se consegue, em pouco tempo e com pouco investimento, chegar ao estado pretendido (bom
potencial para progressão).
Tabela 3 – Exemplo de definição de critérios e respectivo peso aplicado à situação A.
Ponderação/Peso Dificuldade Tempo Investimento Motivação
x0.05 Muito difícil > 2 ano > 2000 euros S/ interesse
x0.10 Difícil 6 meses a 2 ano 500-2000 euros C/ interesse
X0.15 Pouco díficil < 6 meses < 500 euros C/ muito interesse
3
4. Tabela 4 – Tabela de apoio ao cálculo do potencial representado no Gráfico 5.
Áreas Estudo Sit. Atual Dificuldade Duração Investimento Motivação Pond. Final Potencial
Ciência 4 x1.05 x1.05 x1.15 x1.05 x1.08 4.30
Letras 6 x1.15 x1.05 x1.10 x1.15 x1.11 6.68
Artes 7 x1.15 x1.05 x1.15 x1.10 x1.11 7.79
Desporto 5 x1.00 x1.05 x1.15 x1.00 x1.05 5.25
Tecnologia 5 x1.10 x1.05 x1.15 x1.10 x1.10 5.50
Comparando com o Gráfico 2, o 5 permite-nos responder a um novo conjunto de questões para
além das apresentadas anteriormente: (iv) qual a área em que o estudante poderá ter mais
possibilidade de evoluir; (v) qual a área em que poderá ter maior probabilidade de obter maior
sucesso; (vi) qual a área que menos esforço necessita para atingir o objectivo; (vii) qual a área que
mais poderá impulsionar as outras. Também a interpretação torna-se mais interessante. Em vez da
comparação entre áreas de estudo, podemos (i) compará-las com elas mesmas no futuro; (ii) o seu
potencial com a sua situação atual; (iii) ou o seu potencial com o seu poder de alavancagem.
Conclusão
Mais que simples, intuitiva e barata, a roda é, sobretudo, flexível! E é essa a característica que
permite suprimir aquilo que podem ser as suas limitações. Depende agora dos objetivos,
criatividade e sinceridade de cada um ‘pô-la a rodar’ da forma mais útil.
Inês Marques Lopes
4
Ciências
Letras
Artes Desporto
Tecnologia
0
5
10
Alavancagem
Sit. Atual
Potencial
Sit. Ideal
Gráfico 5. Exemplo de aplicação das sugestões propostas à situação A.