A reportagem descreve as condições precárias vividas por moradores de duas comunidades carentes localizadas na divisa entre Niterói e São Gonçalo. As ruas são de barro, não há saneamento básico e os políticos raramente retornam após as eleições. Um guia da comunidade critica o capitalismo por beneficiar apenas os ricos e deixar os pobres marginalizados.
1. 4 Fevereiro de 2009
Aldeia Imbuhy ainda vive
Silva
Barb
io da to Calda
s
osa
tempos de ditadura.
Fab eixo Em vários pontos de Niterói, tivessem uma empatia imediata com a pela mídia convencional. Clara Maria,
s por P
to e foto Henrique durante todo mês de janeiro, aldeia de pescadores. “O Imbuhy 78, ficou chocada. “Não sei o que me
Tex Luiz aconteceram protestos também nos apóia em Camboinhas. espanta mais. Se é o exército se
e direcionados ao despejo de Estamos retribuindo e nos preocupando com esas famílias de
moradores centenários de uma fortalecendo com essa união. Somos bem, enquanto a Amazônia é
tradicional comunidade pesqueira duas comunidades tradicionais da saqueada por estrangeiros, se é a
da cidade. A Aldeia Imbuhy, que cidade. Eles são uma comunidade omissão dos meios de comunicação
já vem a muito perdendo espaço tradicional pesqueira e nós uma e do governo federal, ou se são as
para o Exército Brasileiro e tendo, comunidade indígena que faz parte da pessoas que passam direto por uma
segundo eles, seu direito de ir e história local.” Concluiu Urutau. Além manifestação como esta, sem se
vir completamente cerceado pelos das dificuldades em comum, o mesmo interessar em saber o que está
mesmos, está mais perto que advogado luta por ambas as causas. acontecendo em nossa cidade.”
nunca de perder o único local que Arão da Providência Araújo Filho, é As 32 famílias que resistem na Aldeia
conheceram como casa. de origem indígena e acredita que Imbuhy estão cada vez mais
Nos eventos podiam ser essas comunidades deveriam ser pressionadas e com os dias contados
encontrados estudantes, olhadas com maior respeito. para o despejo. Segundo eles seus
jornalistas, escritores, movimentos A CCOB (Conselho Comunitário da parentes são impedidos de visita-los,
anarquistas, habitantes da aldeia Orla da Baía) também vem dando apoio pois o exército controla com mão de
indígena de Camboinhas, entre a ambas as lutas e diz que o maior ferro quem entra e sai, alegando que
outros. O índio Urutau, da etnia inimigo é o interesse econômico e é uma área de segurança nacional,
A aldeia indígena de Camboinhas presta sua
Guajajara, disse que também estão imobiliário. Pessoas que passavam mas os moradores alegam que estão
A jornalista e militante dos direitos
humanos, Renata Machado, foi uma das solidariedade participando da luta. Além do sofrendo uma pressão muito forte pelas manifestações davam seu apoio ali antes do forte e que a primeira
várias personalidades a colaborar com o microfone aberto, faixas e panfletos infor- por parte do ministério público e e se espantavam por não serem bandeira da república foi bordada por
mavam sobre o ocorrido. Muitas pessoas da Prefeitura, o que fez com que informadas de tais acontecimentos moradora local.
abaixo-assinado. ficaram surpresas ao tomar conhecimento.
Lideranças comunitárias se reunem em
busca de um movimento sólido em Niterói
Assim que entramos no grande salão único grupo. “Mas dentro desse atrapalharia a algumas associações de
tivemos a grata surpresa, de ali grupo existem vários. Existe o grupo participar, já que existem líderes de
encontrar, vários presidentes de de mulheres, a juventude socialista, outros partidos e ainda aqueles que
Associações de Moradores com quem o núcleo de articulação comunitária são apartidários, ele respondeu
já havíamos tido contato que é filiado ao PDT, partido do atual prontamente que não. “Tem pessoas
anteriormente. Maurinho (Presidente prefeito da cidade, que vem aqui de outros partidos. O objetivo é
da Grota), Valadares (Presidente oferecendo sua sede como ponto de comunitário. O Prefeito estar abrindo
reeleito na Martins Torres), Carlos encontro para as reuniões, além de espaço para a gente é um fato positivo.
Momoco (Ex-presidente da Beltrão) e um grupo de idosos, que no As associações precisam desse canal
Rogerinho (morador e forte liderança momento se encontra um pouco aberto, independente da opção
dentro do Morro Boa Vista). Foi uma desarticulado, mas já estamos política. O que é comunitário não pode
reunião amistosa com um farto lanche tratando de reorganizá-lo.” Explica ter partido. Eles têm o direito de fazer
no final. Antonio. suas reivindicações ao Prefeito.”
O encontro vem acontecendo desde Quando perguntado sobre as Antonio Luzia Jacobe acredita que a
fevereiro de 2008, reunindo expectativas para o novo governo de confiança adquirida durante seus anos Um evento que reúne várias lideranças comunitárias da cidade e pretende aproxi-
inicialmente de 15 a 20 associações de Niterói, Antonio Luzia se mostrou a frente dos movimentos sociais mar as comunidades da esfera governamental.
moradores. Em maio já reunia 40 esperançoso e disse que agora o facilitou na organização dessa nova
associações. Hoje o número ainda não prefeito está vindo com maior frente comunitária que está se
para de crescer. Antonio Luzia Jacobe, experiência, o que de acordo com seu formando e agregando cada vez mais
fundador do movimento comunitário ponto de vista será positivo para as adeptos. “Devido ao trabalho que fiz,
de Niterói e presidente da Federação comunidades. Ele ainda lembrou de as pessoas acreditam muito em mim.
das Associações de Moradores de que anteriormente já havia trabalhado Minha estrada não começou hoje.”
Niterói (FAMNIT) por dois mandatos, com Jorge Roberto Silveira, quando Os encontros vêm
está de frente nessa empreitada que foi escolhido por eleições diretas para acontecendo quinzenalmente,
visa trazer maior união entre as assumir o cargo de Coordenador de
comunidades carentes da cidade e Assuntos Comunitários. “Foi à
as quintas feiras, das 19 às 21
maior contado com a prefeitura. Ele primeira eleição direta comunitária e horas na sede do PDT, ao lado
conta que no início haviam vários fui eleito por 54 associações do Jardim São João, no centro
grupos que sentavam para discutir, comunitárias.” de Niterói. Maiores
mas que hoje a aliança já foi tão Ao ser perguntado se a reunião informações no próprio local.
fortalecida que aconteceu a fusão em sendo feita na sede de um partido
Mercadinho das Famílias e Bela Vista.
Como vivem as comunidades na divisa Niterói-São Gonçalo?
a comunidade Mercadinho das Famílias. ALEXANDRE: Quem manda é a
Chegando ao Rio do Ouro
Caminhando pela Estrada Velha de O acesso pertencente à cidade de Niterói classe empresarial. Eles detem a
Maricá, em Rio do Ouro, nos mostra logo suas necessidades. Alexandre tecnologia. Só pensam em si. São
encontramos com Alexandre Mendes, 31, dá ênfase a falta de asfalto e comemora egocêntricos. Exploram a
Chargista, cartunista, morador da quando passamos por um caminhão de
humanidade. Vigiam-nos. Não a
comunidade Bela Vista e o responsável lixo. “Isso é muito raro, mas hoje eles
estão fazendo o trabalho de coleta de lixo”. nada que forneça alegria e
pela apresentação do local, já que tanto
Em alguns lugares foram feitos serviços pensamento as pessoas. Tudo é
Mercadinho das famílias, quanto Bela
Vista, não possuem presidente de de pavimentação, que Alexandre contou alienante. Esse é o capitalismo.
Associação. ter sido executado com o próprio esforço *Nisso chega Davi, um dos filhos
Estudante de história e idealizador de um da comunidade. A questão dos políticos de Alexandre, 9 anos.
projeto que visa produzir vídeos que aparecem em época de eleição e Comunidade: Seu pai estava falando
documentários sobre o levantamento somem passado tal período, escutada em sobre as mazelas do capitalismo. O
histórico de comunidades carentes, outras comunidades, também foi ouvida. que você pensa sobre isso?
Alexandre nos contou um pouco sobre a O campinho está em situação precária,
DAVI: Eu acho o sistema capitalista
história da estrada: “Na década de 70 deixando os moradores sem uma área de
lazer que pudessem desfrutar. A sede da ruim.
essa estrada foi ampliada e aterrada.
associação é outra que está em completo Comunidade: Por quê?
Podemos observar que as casas do lado
direito da pista no sentido São Gonçalo abandono. DAVI: Porque o rico sempre vem na
são abaixo do nível da rua. Esse é o frente e o pobre fica atrás. Sempre lá
Ruas precárias por toda comunidade embaixo. Eles descriminam o pobre
princípio da urbanização do bairro do
Rio do Ouro.” e o negro.
Ao chegarmos na comunidade onde mora, improvisaram uma canaleta para escoar as
Ao passarmos em frente a Associação Comunidade: E por que é assim?
Alexandre anuncia com seu sarcasmo águas da chuva. “Essas ruas são mal
Niteroiense de Deficientes Físicos DAVI: Porque o rico não quer que o
característico: “Agora acaba o chão de projetadas por terem sido feitas pelos
(ANDEF) Alexandre elogiou o projeto e pobre seja rico. Quer que ele fique
cimento e começa a trilogia do terror. Com: próprios moradores e suas enchadas.”
disse que além de atender aos deficientes sempre a margem da sociedade. Não
Barro, esgoto a céu aberto e nada de água Explica nosso guia.
ele é aberto aos moradores do Rio do
encanada.” Embora a situação da falta de saneamento dão chance para as pessoas
Ouro e comunidades vizinhas.
Sede da asssociação abandonada já ter sido vista em diversas comunidades, aprenderem.
Entrando na comunidade é sempre espantoso ver o esgoto das casas
Durante a caminhada atravessamos o *Alexandre estoura uma
Mercadinho das Famílias limite da cidade de São Gonçalo. A sendo lançado em valas pelas ruas, onde as gargalhada: “Estou criando um
Em determi- situação é muito parecida em ambas as pessoas passam tendo um inevitável monstro. O terror dos direitistas.”
nado ponto da partes. Mais alguns passos dentro do contato com os dejetos.
Alexandre completamente a
estrada, município vizinho chegamos a Chegando a sua casa Alexandre nos
entramos em apresentou seus filhos e nos acomodou
vontade
comunidade Bela Vista, onde o contraste
um pequeno da precariedade das ruas e moradias se em seu quarto que serve como biblioteca,
desvio que dá faz de forma gritante com a riqueza academia, escrtório e local de descanso. Lá
para as ruas natural em volta, que dá um ar de paz e pudemos ter uma interessante conversa.
M a n o e l tranqüilidade. Bate papo com Alexandre e Davi
Furtado e Acesso a residências Comunidade: Porque as pessoas vivem
Alexandre mendes
E r n e s t o Como havia chovido há pouco tempo, de forma tão precária nas comunida-
subindo a ladeira do
Mercadinho das Mendonça, Chegando a Bela Vista pudemos constatar a situação caótica das des carentes?
famílias que dão acesso
ruas da comunidade. Os moradores