1. 0
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS XIV
LICENCIATURA EM HISTÓRIA
ANTONIO THIAGO GORDIANO SAMPAIO
Construção do catolicismo em Conceição do Coité
Da colonização ao primeiro centenário da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité
I
Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição – Conceição do Coité/BA
Conceição do Coité
2010
2. 1
ANTONIO THIAGO GORDIANO SAMPAIO
Construção do catolicismo em Conceição do Coité
Da colonização ao primeiro centenário da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité
Artigo apresentado à Universidade do Estado da
Bahia – Campus XIV como requisito parcial para
obtenção do título de graduado em Licenciatura em
História sob a orientação do professor Aldo José
Morais.
Conceição do Coité
2010
3. 2
Componentes da Banca examinadora:
Orientador: Professor Aldo José Morais
________________________________________________
________________________________________________
________________________________________________
4. 3
RESUMO
Este artigo tem por objetivo apresentar um panorama religioso da Paróquia Nossa
Senhora da Conceição do Coité, analisando desde a colonização das terras onde está sito o
município, a elevação da capela à condição de Freguesia até o primeiro centenário da mesma.
Nesse sentido são privilegiados estudos das atividades pastorais desenvolvidas pelos padres
que ocuparam a direção espiritual do rebanho católico local, tendo por base o Livro de Tombo
da Freguesia, o mesmo desde 1855, e das práticas religiosas populares, longe ou não do clero,
através de entrevistas com pessoas conhecidas na comunidade católica coiteense.
PALAVRAS – CHAVE:
Conceição do Coité – Igreja Católica – Religiosidade popular.
ABSTRACT
This article aims to present an overview of the parish religious Our Lady of the Coité,
since analyzing the colonization of land where the municipality is located, the elevation of the
chapel to the condition Town until the first anniversary thereof. In that sense, privileged
studies of pastoral activities carried out by priests who occupied the spiritual direction of the
local Catholic flock, with the on the Book of Tombo da Freguesia, the same since 1855, and
practices popular religious, far or not the clergy, through interviews with people known in the
Catholic community coiteense.
WORD-KEY
Conceição do Coité, Catholic church, Popular religiosity
5. 4
Introdução
A relação com o sagrado sempre esteve presente em todos os povos que habitaram a
terra. Como afirma Eliade 1, desde os tempos primitivos o sagrado se manifesta no meio dos
homens. Esta hierofania pode se dar de diversas maneiras, desde uma pedra, um fenômeno
natural ou mesmo numa pessoa. Com isto conclui-se que onde há seres humanos há religião,
há uma busca de se ligar ao sagrado, sendo que diversas formas religiosas foram
desenvolvidas ao longo da história da humanidade.
Durante muito tempo a história estabeleceu como alvo de suas análises grandes fatos e
grandes personagens históricos, porém depois da Escola dos Annales isto começou a mudar e
o olhar dos historiadores abarca cada vez um campo maior de possibilidades, e dentro dele o
campo dos estudos sobre religião e religiosidade vem ganhando força. No Brasil, por
exemplo, a Associação Nacional dos Historiadores, possui um Grupo de Trabalho sobre o
tema, publicando inclusive, a cada quadrimestre, uma revista eletrônica2 contendo trabalhos
atuais sobre diversos aspectos do tema.
O interesse deste autor pelo tema nasce de seus questionamentos sobre a presença
física da Igreja Católica por praticamente todas as localidades do município de Conceição do
Coité, através de capelas, e também por sua forte ligação com as práticas religiosas, tanto
populares quanto oficiais, além da origem e crescimento no seio de uma família
tradicionalmente católica.
Este artigo estuda uma Freguesia do interior da Bahia, criada no século XIX, traçando
um paralelo entre o processo de colonização de suas terras e a presença religiosa na região,
mostrando como Igreja Católica e Estado se articularam desde o período do Brasil colônia. No
estudo da dita freguesia, privilegiamos os aspectos práticos do seu cotidiano: como esta
freguesia cresceu com a construção de capelas; as principais preocupações dos padres que
assumiram a direção espiritual da mesma e como os católicos vivenciavam sua fé estando ou
não próximo ao padre e à Igreja Matriz.
1
ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano: a essência das religiões. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 2008. Pg.
17.
2
Revista Brasileira de História das Religiões, disponível em: http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/index.html
6. 5
A Colonização das terras coiteenses
As terras brasileiras foram colonizadas pelos portugueses, povo que professava a
religião Cristã, sendo um país de maioria católica, principal denominação cristã desde que o
cristianismo se afirmou como religião oficial do Império Romano. Os portugueses tinham
desde cedo intenções de cristianizar os povos que aqui viviam, os indígenas, e foi também
estabelecido como critério para quem desejasse emigrar para o Brasil que deveria professar o
catolicismo e colaborar com a disseminação do mesmo em terras brasileiras. E desde cedo o
Brasil, assim como Portugal, vivia sob o sistema do padroado, onde poder religioso e poder
político eram inseparáveis, cabendo à Igreja o registro de nascimentos, casamentos, mortes, e
ser cidadão era ser católico, aderindo à Religião as pessoas aderiam também ao estado 3.
O processo de colonização do Brasil foi muito lento, partindo principalmente do litoral
e o mesmo acontecia com a religião, que se firmava nas cidades litorâneas onde eram
fundados os primeiros bispados, sendo o primeiro o de São Salvador, em 1555. É válido
ressaltar que a freqüência aos cultos e templos, não eram tão comuns, devido a fatores como a
distância e a falta de padres, portanto desenvolveu-se desde muito cedo no Brasil um
catolicismo individualista, onde as práticas religiosas eram feitas em família. “Essa
insuficiente presença da Igreja fez-se acompanhar pelo pequeno contato com o escrito, que ela
em geral propiciava, favorecendo a persistência na América Portuguesa de uma visão de
mundo que considerava o divino como imanente, como parte do cotidiano.” 4
Para isso cada família tinha os instrumentos necessários em sua casa, desde as capelas
para as famílias mais ricas, simples oratórios de parede, ou mesmo oratórios de bolsos para as
famílias mais humildes. Com estas práticas, os católicos desenvolviam entre si e os santos de
sua devoção uma relação bem próxima, quase mesmo familiar, de intimidade. A presença do
santo era sempre invocada para as mais diversas situações, fortalecendo assim o que podemos
chamar de catolicismo devocional. 5
3
GRISCI, Carmem Lígia Iochins. Igreja questionada. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. Pg. 23
4
NEVES, Guilherme Pereira. Milagres do Cotidiano. Revista de História da Biblioteca Nacional. Rio de
Janeiro, SABIN: ano 4, nº 41, pg. 18-23 fev. de 2009.
5
MOTT, Luis. Cotidiano e vivência religiosa: da capela ao calundu. In. NOVAIS, Fernando A. e SOUZA,
Laura de Mello (orgs). História da Vida Privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. Pg. 164-166.
7. 6
A colonização dos sertões foi desde cedo uma das preocupações do governo
português, quando percebeu a extensão do território que lhes pertencia e os perigos que corria
ao deixar estes territórios sem ocupação branca. A principal forma de distribuição da terra
para aqueles que provassem que tinham condições de ocupá-la e fazer prosperar, depois de
fracassado o sistema de capitanias, era a distribuição de sesmarias, que era uma extensão de
terras agricultáveis, de duas a dez léguas em quadra, doada a um sesmeiro para povoar e
desenvolver regiões incultas6. Como afirma Monica Duarte7, no século XVII a distribuição de
sesmarias será expandida, partindo em sua maioria do litoral, seguindo o rumo dos principais
rios conhecidos até então. Juntamente com a distribuição de sesmarias, apesar da imprecisão
de seus limites, dois outros fatores influenciavam bastante para a povoação do sertão: a
criação de gado, expandindo as terras buscando pastagens para as boiadas, e o trabalho
missionário dos jesuítas que tornava o inóspito e desconhecido território do sertão familiar aos
portugueses.
A colonização das terras onde se situa o município de Conceição do Coité está inserida
no contexto do transporte do gado da região do São Francisco, ainda nos primórdios do século
XVII, até Salvador, com a construção de uma estrada ligando o Rio São Francisco à Cidade
do Salvador:
Partia-se da cidade da Bahia, passando por Feira Velha, Pojuca, Santo Antônio de
Alagoinhas, e dali a Aramari – lugar de rancho dos animais -, onde bifurcavam-se
dois caminhos. O primeiro tomava o rumo do norte, atravessando o rio Itapicuru,
junto à vila de mesmo nome, passava no arraial dos Nambis, ladeava o rio real, no
lugar em que hoje se encontra a cidade de Campos, e novamente dividia-se em
várias direções. De Aramari, podia o viajante tomar também o rumo de Subaúma,
passando pelo riacho Camaragipe, cruzando Água Fria, Serrinha (outra paragem de
rancho para as criações de gado), Tambuatá, Coité, deixando para trás o rio do
Peixe, em direção ao vale do Palmeirinha até Sapucaia e, daí, à Vila de Jacobina.8
Como afirma o memorialista Orlando Matos as terras em que hoje está o município de
Conceição do Coité pertenciam à família Guedes de Brito, grande latifundiária do Brasil
Colônia, e com o passar do tempo as terras foram sendo divididas, por herança ou por compra,
e várias fazendas surgiram. Legalmente as terras destas fazendas estavam ligadas à Freguesia
de Água Fria e é de lá que os jesuítas partem em missão, seguindo a estrada que as ligavam à
6
VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva: 2000. Pg. 380
7
DANTAS, Mônica Duarte. Povoamento e ocupação do sertão de dentro baiano. Revista Penelópe, nº 23.
8
Idem. Ibidem, loc. cit.
8. 7
Jacobina e ao São Francisco. Consta nos registros jesuítas da Missão de São João Batista de
Água Fria informações sobre a Capela do Pindá (fazenda que na geografia atual, situa-se a
pouco mais de 6 km da sede do município), nas terras do sertão do Tocós, que já no ano de
1742 registra assentamento de óbito. Entretanto, em 1758, os jesuítas são expulsos e as
capelas erguidas por eles caem no completo abandono9. Podemos supor, contudo, que o povo
continuou alimentando a sua fé mesmo sem a presença dos jesuítas, através das práticas
devocionais tão conhecidas dos portugueses e já entrelaçadas com outras crenças dos
indígenas e africanos.
De acordo com Oliveira, cerca de dois anos após a expulsão dos jesuítas, os
missionários franciscanos instalados na Freguesia do Bom Jesus da Jacobina, assumiram o
comando espiritual destas populações, e orientaram a criação de uma nova capela, ainda em
terras do sítio Pindá, mas na Fazenda Nova (atualmente, a sede do município), distante apenas
uma légua da primeira capela construída pelos jesuítas. Para a construção da capela as normas
eclesiásticas exigiam a doação das terras. O senhor João Benevides então, doa cem metros ao
redor da Igreja, e tem início a construção da capela, chamada de Capela do Coité, por sua
proximidade com o Tanque do Coité (Olhos d’Água). A construção foi rápida, possivelmente
tratando-se de uma construção rudimentar, e já em 1762 consta assentamento de óbito na dita
capela10. Quanto à capela construída pelos jesuítas acabou totalmente demolida, pela falta de
zelo dos herdeiros daquelas terras.
A Criação da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Coité
A povoação começou a crescer, com a passagem de tropeiros pessoas foram se
instalando nas proximidades do Tanque do Coité, e a dita Capela prosperou. Em 1855, Coité
era um arraial próspero, passagem obrigatória dos tropeiros que rumavam para as feiras de
gado e a Capela havia passado por reformas, tornando-se um belo templo de oração.
Mostrando a força do dito arraial e a importância que a religião tinha para aquele povo, em
nove de maio de 1855, por resolução nº539 do vice governador da Bahia, Álvaro Tibério de
Moncorvo, a capela é elevada à condição de freguesia, conforme podemos encontrar no Livro
Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité: “Art. 1º - A Capela de Nossa
9
BARRETO, Orlando Matos: Conceição do Coité da colonização à emancipação. Conceição do Coité/Ba, Nossa
Editora Gráfica: 2007. Pg. 67
10
OLIVEIRA, Vanilson Lopes de. Conceição do Coité - A capital do Sisal. Salvador: Universidade do Estado
da Bahia. 1993. p. 7.
9. 8
Senhora da Conceição do Coité, filial erecta em Freguesia de Nossa Senhora de Riachão do
Jacuípe, fica erecta em Freguesia com a mesma invocação e Orago.”11
Ainda analisando a referida resolução, podemos encontrar os limites territoriais da dita
Freguesia, que abrangem atualmente os territórios dos municípios de Conceição do Coité,
Santa Luz, Valente e Retirolândia, mostrando assim a vasta área que seria administrada pela
mesma12. Apenas em 1869 será nomeado o primeiro vigário para a nova Freguesia, sendo
designado o padre Marcolino Madureira, nomeado por Provisão Eclesiástica em 19 de julho
de 1869. Este chegou à nova freguesia um mês depois, quando registrou: “A 19 de Agosto de
1869, às 5 horas da tarde (quinta-feira) cheguei na sede desta freguesia, tomando posse da
direção espiritual...”13.
O Livro Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité, não trás muitas
informações sobre o início das atividades paroquiais, mas podemos concluir, tendo em vista a
sua grande extensão e as dificuldades de transporte daquele período de meados do século
XIX, que estas atividades se centravam na sede da Freguesia, para onde acorriam pessoas das
outras localidades nos ofícios religiosos mais importantes como a Semana Santa e a Festa da
Padroeira.
Dito isto podemos concluir que as práticas devocionais, tão conhecidas do povo
português, iam ganhando força no interior do município e fortalecendo o catolicismo popular,
levando a cabo para a maioria dos fiéis daquele tempo, principalmente dos lugares mais
distantes, uma máxima até hoje conhecida do povo: “muito santo, pouco padre; muita reza,
pouca missa” como veremos mais adiante em entrevistas com pessoas de idade mais avançada
e tradicionalmente católicas. Esta afirmação mostra-se verdadeira também quando se leva em
conta que a capela do arraial de Santa Luzia (atual Cidade de Santa Luz), construída em 1890,
passa a ter uma missa mensal apenas em 1938 14, com a chegada do novo pároco, Pe. Urbano
Galvão Dohn, que substitui o padre Antonio Cyro do Valle. Portanto, apenas uma vez ao mês
os fiéis católicos daquela localidade tinham um contato direto com o clero, nos outros dias
alimentavam sua fé com as práticas devocionais às quais os leigos tinham acesso: ladainhas,
benditos, rezas do terço.
11
Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité, p. 03
12
Idem
13
Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité, p. 03v.
14
Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité, p. 28.
10. 9
As Santas Missões
Um acontecimento muito presente no imaginário católico até os nossos dias, apesar de
hoje esta prática encontrar-se revestida de outra configuração, é a realização de Santas
Missões15. Dias em que os padres percorriam as localidades do município pregando sermões e
administrando os sacramentos. Muitas delas foram realizadas na Freguesia de Coité com o
objetivo de preparar o povo para as festas maiores16 ou mesmo suprir a necessidade pastoral
de atender o rebanho de uma freguesia que continuava crescendo, e também doutrinar os fiéis,
deixando claro quais as práticas necessárias à sua salvação.
A primeira destas Santas Missões foi realizada no ano de 1875, pregada pelos Freis
Capuchinos de 15 a 25 de maio. Apesar do pouco registro desta Missão, o padre Marcolino
Madureira deixa claro que os freis vieram por seu convite e a preocupação principal é a
administração do Sacramento da Crisma a cerca de 800 pessoas nos dias finais da dita
missão17. Aliás, esta é uma preocupação recorrente neste final do século XIX e começo do
século XX, da qual trataremos com mais profundidade adiante. Muitas outras Missões
ocorreram nesta freguesia e podemos perceber o crescimento desta, analisando o mapa das
Missões realizadas. Com o tempo elas vão se estendendo para outras localidades da Freguesia,
assim podemos constatar em 1911 uma Missão no Arraial de Santa Luzia; em 1942 ocorreram
as primeiras Santas Missões nas localidades de Salgada e Retiro:
Foram realizadas nas Capelas de Salgada e Retiro Santas Missões cujos resultados
fôram bem compensadores. Foram pregadores os Padres do Coração de Maria Pe.
Mariano e Pe. José [...]. Pela primeira vez estas localidades receberam tão preciosa
graça. A cifra de 3.000 comunhões em dez dias apezar da grande falta de agua que
dificultava a afluência dos fieis bem diz o fervor dos que assistiram a estes piedosos
exercícios. Mil e poucos crismas; 60 batizados e 55 casamentos. 18
Algumas destas Missões tinham um caráter específico como no caso da Missão
Eucarística, pregada pelos padres Edmundo Carneiro e José de Andrade Lima, no ano de
1932, visando aumentar o zelo dos fiéis católicos para com o Sacramento da Eucaristia,
devoção que estava sendo incentivada pela Igreja Católica em detrimento de outras devoções
15
As missões eram momentos em que alguns padres, de congregações religiosas, visitavam uma localidade, a
fim de administrar os sacramentos, suprindo assim a necessidade pastoral e a impossibilidade do vigário de
atender todos os fiéis. Atualmente, estas Missões perderam a característica de distribuição dos sacramentos,
servindo para animar o espírito cristão e reunir o povo católico.
16
Chamamos de Festas Maiores, celebrações como a Semana Santa, a Festa da Padroeira, o Mês Mariano, o dia
de Corpus Cristhi.
17
Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité, p. 05v.
18
Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité, p. 35.
11. 10
populares. Muitas também foram as Congregações Religiosas que pregaram Missão nesta
Freguesia, além dos Capuchinhos, da Congregação do Coração de Maria e dos Redentoristas,
Franciscanos também passaram por esta terra.
Outro evento também realizado pelos párocos eram os encontros chamados de
Congressos, em que os fiéis assistiam a pregações de padres de outras cidades, de bispos ou
professores sobre um determinado tema. Podemos perceber aqui uma preocupação doutrinal
por parte do clero que visava com este evento esclarecer para grande número de fiéis o
ensinamento da Igreja. Este Congresso era cercado de muito zelo por parte do pároco que
preparava apresentações feitas pelas crianças, cantos, e uma Missa Solene para o
encerramento deste. Muitas vezes o mesmo era realizado em praça pública, para chamar a
atenção de todos os cidadãos. Vale ainda ressaltar que todo este zelo e pompa por parte do
clero se justificava pelo fato deste Congresso não ser realizado anualmente, apenas em
ocasiões especais19.
A Construção de Capelas – a Fé se espalha pelo interior da Freguesia
Outro fator que permite analisar o crescimento da Freguesia e constatar a importância
que a Religião Católica teve para o crescimento do município é a construção de capelas em
diversas localidades deste. A primeira capela da qual encontramos referência data de 1880 e
está localizada no Arraial do Valente. “A 1 de março de 1880, devidamente autorizado benzi a
Capela de Jesus Maria José do arraial do Valente d’esta freguesia e as imagens respectivas e o
Cemitério”20. Como afirmamos estas capelas só poderiam ser construídas em terras doadas à
Igreja e com referida autorização. Porém, eventualmente tal norma não era observada, como
ficou registrado pelo pároco, em 1897, quando “A vinte e seis de julho fui autorizado pelo
Excelentíssimo Senhor D. Luiz Antonio dos Santos, arcebispo da Diocese, a filiar a Capela e
Cemitério das Araras (...) nos terrenos isolados da fazenda Araras” 21. Pelo que está exposto, o
proprietário da Fazenda Araras construiu sem autorização esta capela e só depois procurou o
Vigário Madureira para lá celebrar, e o mesmo, por conta do fazendeiro ter descumprido as
regras eclesiásticas buscou a autoridade do Arcebispo para resolver o problema.
19
Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité, pg. 64.
20
Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité,pg 6v.
21
Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité, pg. 7.
12. 11
Encontramos a Licença para Construção da Capela no Arraial de Santa Luzia no ano
de 1890, sendo o pedido feito por uma comissão de habitantes liderados pelos senhores
Manuel Sabino dos Santos e José Martins Leitão 22. A licença foi concedida, porém a
construção da capela não se deu de forma muito rápida, por conta das dificuldades financeiras
encontradas pelos moradores daquele arraial, o que levou as obras a serem concluídas apenas
em 1904. No ano de 1933, assim que toma posse como novo vigário da Freguesia,
substituindo o Padre Madureira que havia falecido em nove de março do mesmo ano, o Padre
Antonio Cyro do Valle, inventaria os bens da freguesia e das capelas sob sua administração,
daí podemos ter uma visão da extensão da freguesia percebendo as localidades que estavam
prosperando e construindo suas capelas. Consta no inventário a capela de Santa Luzia, no
arraial de Santa Luzia; capela de Jesus Maria José no arraial do Valente; capela do Sagrado
Coração de Jesus do Curral Velho; capela de Santo Antonio, na fazenda Santo Antonio na
beira do Rio; capela de Santa Terezinha na fazenda Joazeiro.
Com a chegada do Pe. Urbano Galvão Dohn, em 1937 aumenta o zelo pastoral do
vigário para com outras localidades que estavam prosperando e necessitavam de uma
capela, como podemos conferir do seu relato acerca da construção da capela do arraial de
Victoriolandia no ano de 1939:
Procurou o vigário levar a efeito a construção de uma capela no arraial de
Victoriolandia, correspondendo assim ao progresso e desenvolvimento da referida
localidade. Encontrou na pessoa do senhor José Ferreira um cooperador eficaz e
mais ainda um benemérito. Fez a doação do terreno necessário e por não ter
conseguido o auxilio bastante para a referida obra, tem ele dispendido cerca de três a
quatro contos de réis na dita construção, esperando, entretanto, que por esmolas e
auxílios de festas possa reembolsar a referida quantia23.
Este arraial ao qual o vigário se refere chamando de Victoriolandia, de acordo com
nossos indícios, trata-se do arraial de Salgada. Os indícios nesse sentido são, primeiramente, a
menção ao nome do senhor José Ferreira, conhecido proprietário de terras daquela localidade.
Além disso, Victoriolandia, seria uma homenagem à primeira padroeira do referido arraial,
que desde seu desenvolvimento no período da construção da ferrovia Leste-Brasileira,
contava com uma capela sob a invocação de Nossa Senhora da Vitória, possivelmente
Victória como era grafado naquele tempo. Confirma nossos indícios ainda o fato de nos
relatos referentes ao ano de 1940 o Pe. Urbano falar da construção de um altar na capela de
22
Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité, pg. 13.
23
Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité, pg. 29v.
13. 12
Salgada, mais um ato de generosidade do senhor José Ferreira 24. Portanto, tudo faz crer que o
arraial ficou mesmo conhecido como Salgada e não como Victoriolândia como talvez
pretendesse o vigário.
No ano de 1944 a Capela de Santa Luzia foi elevada à Freguesia, passando então a ter
vigário próprio. Com a elevação, o território desmembrado da Freguesia de Nossa Senhora da
Conceição do Coité, compreende, além do arraial de Santa Luzia, o arraial do Valente e
algumas capelas sitas nas ditas terras: a capela do Sagrado Coração de Jesus do Curral Velho;
capela de Santo Antonio, na fazenda Santo Antonio na beira do Rio, diminuindo assim o
território sob a administração da Freguesia de Coité.
No ano de 1942 foi iniciada a construção da Capela do arraial de Retiro, sendo
responsável pela construção o senhor Deraldino Oliveira. A partir daqui as referências às
construções de capelas tornam-se mais raras e algumas começam a ser citadas nas atividades
pastorais. Encontramos referência à Festa de São Joaquim, no ano de 1945, em Aroeira,
terminada com procissão solene. Em 1956, por ocasião da Semana Santa, encontramos a
relação das capelas visitadas pelo então vigário substituto (enquanto o Pe. Urbano exercia a
função de Deputado Estadual) Pe. Geraldino Rocha Passos sendo elas: Salgadalia,
Retirolandia, Bandarrinha, Aroeira e Joazeiro 25.
Em 1965, quando era vigário desta freguesia, o Pe. Antonio Tarashi, registrando as
compras de materiais litúrgicos feitas para as capelas da Freguesia, lista as seguintes capelas
como pertencentes à Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Coité: Salgadália, Almas,
Juazeiro, Retirolândia e Goiabeira 26. Nesta listagem aparecem duas novas capelas que
anteriormente não haviam sido citadas no Livro de Tombo: Almas e Goiabeira.
Nos arquivos paroquiais referentes à Festa da Padroeira encontramos um cartaz-
convite para o ano de 1967, onde se anuncia que uma das noites do novenário seria
paraninfado pelo “povo das capelas”. Com este documento obtemos assim então uma relação
definitiva das capelas da Freguesia até aquele momento, visto que, no principal evento
católico do ano (a Festa de Nossa Senhora da Conceição do Coité), não haveria motivos para
o vigário excluir nenhuma das capelas das localidades rurais. Portanto, neste ano de 1967, a
Paróquia de Nossa Senhora da Conceição contava com as seguintes capelas: Salgadália, Vila
24
Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité, pg. 31v.
25
Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité, pg. 55.
26
Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité, pg. 68 frente e verso.
14. 13
Carneiro (Goiabeira), Bandeassu, Joazeirinho, Aroeira, Lagôa do Meio, Almas, Ipueirinha,
Santa Rosa, Santa Cruz, Vila São João e São Roque.
Neste documento percebemos a falta da capela de Retirolândia que, em 03/01/1967,
foi desmembrada da Paróquia de Coité, passando a integrar a Paróquia Sagrada Família de
Valente, criada na mesma data.
Uma Igreja Sacramentalista
No trato com o Livro Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité
podemos perceber que uma das principais preocupações da Igreja Católica desde o final do
século XIX e início do século XX foi com a distribuição dos Sacramentos. Esta preocupação
esta inserida num movimento interno da Igreja conhecido como Romanização 27, ou seja,
busca homogeneizar as práticas religiosas fazendo com que todos os católicos sigam as
normas ditadas por Roma, sejam obedientes à Doutrina e no caso brasileiro, purgar a Igreja de
todas as práticas devocionais populares que estejam em desacordo com a Doutrina,
principalmente das devoções que recebam influências dos cultos africanos.
Em Coité, esta preocupação é notável quando, ao encerrar o relato de um ano de
trabalho ou de um evento especifico como uma Santa Missão, o vigário apresenta
expressamente o número de batizados, casamentos, crismas e extremas unções administrados
junto aos fiéis, realizando o que podemos chamar de “balanço anual” dos sacramentos. Isso
fica evidente, por exemplo, quando o padre Marcolino Madureira registra os acontecimentos
de uma Missão realizada no arraial de Santa Luzia, no ano de 1910, quando: “confessaram-se
mil e vinte e seis pessoas, fizeram 50 casamentos, e 1.600 pessoas entre adultos e crianças
receberam o santo sacramento do Crisma” 28.
Esta prática permanece até os anos de 1950, portanto mais recentes. Vejamos ao
menos um exemplo: “Movimento parochial do presente ano de 1956: Comunhões de devoção:
4.566; Viáticos: 21; Primeiras Comunhões Solemnes: 156; Primeiras Comunhões Privadas:
45; Confissões de Enfermos: 22; Extremas Uncções: 22; Baptisamentos: 1.360; Casamentos:
27
Tendo início a partir das últimas duas décadas do século XIX, este movimento conhecido como Romanização,
ganhou força no Brasil no início do século XX, e visava a fidelidade à Roma, à sua doutrina e liturgia
conservadora, para tal condenava os fortes traços populares do catolicismo brasileiro.
28
Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité, pg. 9v.
15. 14
160; Óbitos: 275”29. Chega até mesmo a chamar atenção o comentário do Padre Urbano
Galvão Donh:
Comecei então o circulo de pregação de penitência pelas Capelas cujo fruto se nota
sucessivamente pelo aumento de confissões com comunhões. Viu-se o maior
número em Joazeiro cuja cifra chegou a 470 confissões, seguindo-se a de Aroeira e
Retirolandia. Também resolvi celebrar em fazendas, para intensificar a prática da
comunhão quaresmal, pois parece que estamos no tempo de ir a campo se quisermos
salvar alguma coisa. No ano passado havia vencido em número de confissões a
capela de Aroeira seguida de Joazeiro e Retirolandia.30
Com este achado vemos a importância que era dada ao fato dos fiéis acorrem aos
sacramentos, principalmente no período quaresmal, tempo forte de penitência no calendário
litúrgico católico. Com isto buscamos demonstrar o quanto o ideal de romanização estava
presente na formação dos vigários que por aqui passaram e como esta prática era comum.
Ainda demonstrando esta preocupação dos vigários, podemos citar o processo de
preparação para recepção dos sacramentos aos quais os fiéis eram instruídos. O Sacramento
pelo qual os fiéis deveriam nutrir maior zelo e devoção era a Eucaristia, portanto era preciso
instruir bem as crianças que iriam receber a Comunhão pela primeira vez, incutir neles o
respeito devido a tão precioso sacramento. Visando instruir melhor os pequenos fiéis, foi
criada na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Coité, além dos encontros de
Catecismo, a Cruzada Eucarística Infantil, no ano de 1938:
Para animar o sentimento cristão das crianças desta Paróquia, fundou o
Reverendíssimo Vigário com um bom número de crianças a Cruzada Eucarística
Infantil, acostumando assim as crianças à recepção da Divina Eucaristia. Notou o
Reverendíssimo Vigário no ato da fundação na sessão solene realizada no salão da
Igreja Matriz o entusiasmo todo particular quer por parte das crianças bem como da
população.31
Há ainda outra referência à Cruzada que revela como ela funcionava durante o
decorrer do ano: “Durante todo o ano os meninos da Cruzada Eucarística Infantil realizaram
as reuniões para a confissão e comunhão geral da Associação”32.
29
Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité, pg. 57.
30
Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité, pg. 45.
31
Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité, pg. 27.
32
Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité, pg. 33.
16. 15
Conversamos com três pessoas que participaram desta Associação, e elas relataram
acerca do uniforme que usavam, a fim de se distinguirem das demais crianças: “a gente usava
uma camisa branca de manga comprida, uma fita, tinha também uma boina bege, e saia toda
linho, toda de pregas” segundo Raimunda. Conceição nos lembra que esta fita mudava de
acordo com o tempo de permanência na Cruzada “tinha uma mais fina que era dos que
estavam entrando, dos recrutas, tinha outra mais larga para a gente que tinha mais tempo e
tinha as mais largas para quem era o presidente, tinha umas cores diferentes também, mas não
lembro mais, mas era amarela”. Maria do Carmo nos fala que além de participar das Missas e
das reuniões da Cruzada, eles também participavam em outras ocasiões como a Festa da
Padroeira “saia todo mundo na procissão do dia oito, enfileirado, com os uniformes bem
arrumadinho mesmo”. É Maria do Carmo que nos conta também o que aprendiam nas
reuniões da Cruzada “era principalmente sobre o respeito para se ter com a Eucaristia,
aprendia sobre o jejum eucarístico, o respeito mesmo” 33 mostrando assim, como a Igreja
estimulava a substituição da devoção popular pelos santos e santas por devoções mais ligadas
ao clero, como a Eucaristia.
A Festa da Padroeira
Desde a sua construção a capela da Fazenda Nova é dedicada à Nossa Senhora.
Portanto podemos acreditar que desde o século XVIII as pessoas se reúnem naquele templo
para rezar, especialmente no mês dedicado à Nossa Senhora da Conceição, o mês de
Dezembro. Criada a Freguesia e com a chegada do primeiro vigário, seria tarefa dele
incentivar a devoção e a participação dos fiéis. Entretanto, a primeira referência que
encontramos à Festa da Padroeira data de 1882, mas já com grande participação dos fiéis 34.
Além de um momento de encontro, demonstração de fé e amor à Padroeira, a festa configura-
se também como um momento propício para a arrecadação de fundos para a manutenção da
Igreja e das necessidades da paróquia. A festa compreende nove noites de celebrações
eucarísticas na igreja matriz, sendo que depois da celebração litúrgica ocorre em seu entorno o
que é chamado de “parte cultural” da festa: barracas com comidas típicas e apresentações de
grupos culturais. No dia 08 de dezembro, feriado municipal, ocorrem diversas missas – desde
33
Entrevista realizada com Maria da Conceição Boaventura, Maria Raimunda Santos e Maria do Carmo Ramos,
em 13 de janeiro de 2010.
34
Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité, pg. 6v.
17. 16
as primeiras horas da manhã, e no fim da tarde procissão pelas ruas da cidade, encerrando
com a Benção do Santíssimo Sacramento.
Com o passar dos anos os festejos à excelsa Padroeira foram crescendo, como se pode
notar através dos registros deixados pelos vigários. Entretanto, o período mais rico em
registros é a década de 1930, onde pudemos notar detalhes da celebração da Festa da
Padroeira. No ano de 1936 a Festa contou com a participação de mais dois padres de outras
cidades vizinhas, além da participação de um conjunto musical da vizinha cidade de Serrinha.
Contudo, mesmo com esta pompa toda a festa acabou gastando mais do que arrecadou, sendo
necessário retirar dinheiro do caixa da Paróquia, dinheiro em posse do vigário.
Parece que nos anos seguintes a festa começou a ocorrer sem o tradicional
brilhantismo, e o povo vai deixando de cooperar para as despesas, tanto que no encerramento
da Festa de 1939 o pároco designa uma comissão que deverá cuidar dos festejos no ano de
1940 a fim de que seja verdadeiramente a maior festa da paróquia 35. É interessante notar o
esforço que os fiéis das diversas localidades do município faziam para participar da Festa e o
quão importante este momento era para eles. Muitos vinham passar o dia na casa de parentes,
ou ficavam mesmo acampados na praça. Vinham em caravanas a cavalo, com os animais
enfeitados, tudo para garantir a participação neste momento tão importante para a cidade,
tanto religiosa como socialmente. Participar da Festa da Padroeira era quase como que
garantir sua existência, possibilitava ver e ser visto e ninguém queria ficar de fora.
Parece que o esforço do Vigário Pe. Urbano Galvão em resgatar o tradicional
brilhantismo da Festa da Padroeira foi válido. Graças ao trabalho da comissão por ele
estabelecida, a festa contou com a participação de padres de diversas cidades vizinhas, a
presença do Arcebispo Primaz (que chegou ainda para a última novena no dia 07, à noite), a
presença de uma comitiva da cidade de Serrinha liderada pelo prefeito daquele município
juntamente com a tradicional Filarmônica da cidade, uma harmonista também de Serrinha
regeu o coral de senhorinhas da comunidade, que mereceu francos elogios. Vale ainda notar
que, segundo o pároco, todos colaboraram para o brilhantismo da festa, inclusive o prefeito e
demais autoridades do município, a quem ele agradeceu e fez questão de registrar36.
Obviamente que estes registros feitos pelo próprio padre tendem a engrandecer a Festa, para
35
Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité, pg. 29.
36
Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité, pg. 31 frente e verso.
18. 17
assim mostrar que ele vem fazendo mais que os seus antecessores, porém não deixa de ser
válido, inclusive para mostrar a ligação da Igreja com as instituições políticas locais.
Nos anos seguintes a Festa da Padroeira segue sendo bem celebrada, sendo que no ano
de 1942 o vigário tece elogios ao senhor Francisco C. Lima, presidente da comissão, que com
seus esforços fez uma bela festa não apenas na parte externa: barracas e diversões, mas cuidou
também do espaço interno do Templo, adquirindo uma lâmpada para o sacrário e uma
imagem de Santa Terezinha. Nos registros sobre a festa deste ano encontramos uma novidade:
além do andor da Padroeira, foram levadas às ruas também as imagens de Santa Terezinha e
do Coração de Jesus acompanhado pelos membros do Apostolado da Oração 37. Parece que a
idéia de levar mais imagens para a procissão do dia oito de dezembro agradou à massa dos
fiéis que sempre prezou por estas práticas devocionais. No ano de 1951, a festa da Padroeira,
na quase centenária Freguesia, foi celebrada de forma extraordinária, segundo o vigário Pe.
Urbano Galvão:
Deve-se dizer que foi a festa da Unidade Religiosa do município de C. do Coité.
Celebrei Missa cantada, auxiliado pelo Cônego José Trabuco, que foi orador, e pelo
seminarista Tadeu Carvalho. Reuniram-se na Matriz onze andores dos Padroeiros
das capelas do município. Apesar do flagelo da seca que assolava o sertão, reuniu-se
uma massa populosa calculada em quatro mil pessoas. O vigário fez uma oração aos
padroeiros presentes porque intercederam à Deus por este povo que aqui estava, só
pela fé, capaz de transportar montes.38
Pelos relatos trazidos até o presente momento, podemos perceber que a Festa da
Padroeira era sim a maior festa da Paróquia, congregando pessoas de todas as partes do
município e que os diversos padres que por aqui passaram se preocuparam em abrilhantar a
festa e incentivar a devoção à Nossa Senhora da Conceição, promovendo diversas mudanças
ao longo dos anos, mesmo que para isso fosse preciso unir forças com o poder público, coisa
aliás muito comum para o período em análise 39. Até os dias atuais a Festa da Padroeira segue
sendo celebrada e é, inegavelmente, a maior manifestação religiosa do município de
Conceição do Coité.
37
Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité, pg. 35.
38
Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité, pg. 46v.
39
Durante muitos anos prefeitos, vice-prefeitos e vereadores e suas respectivas esposas compuseram a comissão
organizadora da Festa da Padroeira.
19. 18
A Vivência da Fé – práticas devocionais
As capelas, cujo pequeno histórico apresentamos no decorrer deste trabalho,
funcionavam principalmente como ponto de referência para a recepção de Sacramentos pela
população da zona rural do município. Era lá que na passagem do padre poderiam batizar seus
filhos, casar, confessar e comungar, sacramentos necessários à Salvação de todo bom católico.
Porém, não podemos esquecer que a presença do padre nestas comunidades era coisa rara,
estando presente apenas no período da quaresma e para celebrar a Festa do Padroeiro da
Capela. Portanto, durante o ano as pessoas das localidades onde existiam capelas, e também
onde não havia um templo (mas sobretudo nestas), continuavam com suas práticas
devocionais tradicionais que aprenderam com seus antepassados. Como afirmamos, neste
catolicismo devocional o papel principal é desenvolvido pelos Santos e pela Virgem Maria:
“O fiel relacioana-se o tempo todo e a vida toda com o santo. Conversa com ele, pede-lhe
proteção, agradece pelo bem recebido”40. Esta relação podia se dar de forma individual ou
com outras pessoas da mesma família ou de famílias vizinhas.
Buscando entender melhor como se dava esta prática religiosa em Coité entrevistamos
a senhora Maria Pinto41, conhecida como Teteca, natural do Povoado de Boa Vista e
conhecida por sua forte ligação com o Catolicismo, tradição herdada de sua genitora. Neste
catolicismo popular tradicional, o leigo tinha um papel preponderante, assumindo uma
liderança nas várias manifestações religiosas 42. Pelo que podemos analisar na fala de D.
Teteca as devoções eram muitas e compartilhadas entre as famílias conhecidas que chamavam
para “as rezas” em suas casas:
a gente rezava dia 27 de setembro, lá em casa, na roça, quando terminava ia para
casa dos outros vizinhos, de pé meia légua, uma légua de noite, voltava, rezava lá na
casa dos vizinhos, tornava voltar para casa, quando tinha outra reza, em outro lugar
distante, de São José, de Santo Antonio, a gente ia também rezar, terminada a reza a
gente voltava, tudo de pé que não tinha transporte para nada, era uma légua, era
meia, mas a gente ia rezar, tinha aquela devoção.
Outro fato marcante na fala de D. Teteca é a demonstração de fé das pessoas, dos fiéis
que chegavam a andar cerca de seis quilômetros para participar de momentos de devoção
40
PALEARI, Giorgio. Religiões do Povo: um estudo sobre a inculturação. São Paulo, Edições Ave Maria: 1993.
Pg. 68
41
Entrevista realizada com Maria Pinto Lima em 21 de setembro de 2009.
42
PASSOS, Mauro. O catolicismo popular: o sagrado, a tradição e a festa. IN: PASSOS, Mauro (org). A Festa
na vida. Petrópolis/RJ, Editora Vozes: 2002. Pg. 171
20. 19
como este, a certeza de que participar daquele momento era importante fazia as pessoas
superarem os obstáculos. Indagada sobre que orações eram recitadas nestas rezas ela nos diz:
Rezava a Ladainha, rezava um bendito ou de Santo Antonio que fosse, se a reza
fosse de Cosme e Damião, rezava o bendito de Cosme e Damião, se fosse de São
Roque rezava a ladainha, rezava os pai-nosso, o Senhor Deus quando terminava,
porque num tinha festa num tinha nada, terminada a reza era o Senhor Deus. Aí se
fosse de São José, rezava a ladainha, o bendito de São José e o Senhor Deus para
terminar. Então era tudo assim, não tinha nada de outra coisa para fazer né.
Desta fala de D. Maria podemos perceber que as pessoas conheciam diversas destas
orações, dedicadas aos vários santos. Perguntada como as pessoas aprendiam estas rezas, estes
benditos ela nos informou que existiam livrinhos que iam sendo escritos aos poucos.
Funcionava como uma cópia, alguém tinha determinada oração escrita em algum livro de
devoção comprado em determinado lugar, ou sabia de cor, copiava e as outras pessoas iam
fazendo cópias em cadernos manuscritos, aos quais tivemos acesso. No que se refere às
devoções tratadas até aqui percebemos um caráter mais comunitário, juntar as pessoas para
rezar. A reza servia como um pretexto para um encontro, para uma convivência entre amigos,
para festejar algum acontecimento (eram comuns rezas para celebrar aniversários de
nascimento, alguma graça alcançada). Porém, indagada sobre as devoções mais intimas D.
Teteca nos fala:
lá em casa a gente rezava, lá na casa de mãe, a gente rezava todo sábado, toda quarta
o oficio, toda noite papai ajoelhava com a gente, era eu e compadre Francisco os
rezador do ofício, mas era toda quarta e todo sábado. Aí num saí para lugar nenhum,
era em casa mesmo que ele rezava.
Outra prática devocional muito comum entre os católicos até os dias de hoje é a
realização de acompanhamento. Trata-se de uma procissão, com a imagem do santo de
devoção de um lugar para outro, geralmente para agradecer uma graça recebida pela
intercessão do santo ou para lhe fazer um pedido. São comuns também acompanhamentos
para “pagar promessa” feita ao santo “fazia os acompanhamentos com o santo, de lá de casa
para o berimbau, de lá de casa, como já fiz daqui, lá para a Boa Vista o acompanhamento”.
Outro acompanhamento muito comum em Coité, realizado desde a década de 40 até os dias
atuais no último domingo de agosto é o Acompanhamento de São Roque, devoção especial do
povo agradecendo a proteção do santo contra um surto de peste negra que atingiu a região.
21. 20
É interessante notar como em diversos momentos o catolicismo oficial na pessoa do
padre, em última análise o representante da Igreja Católica, está junto do povo em suas
práticas devocionais, como que as legitimando. Em se tratando do Acompanhamento de São
Roque, por exemplo, a liderança da organização do evento religioso é toda de leigos, desde a
escolha da casa para onde a imagem será levada em “acompanhamento” no domingo anterior
saindo da Igreja Matriz; a condução das rezas nas noites daquela semana, puxando terços,
ladainhas, benditos de São Roque, acendendo velas, soltando foguetes e a condução da imagem de
volta à igreja matriz no último domingo de agosto. Entretanto, ao adentrar na igreja matriz, como
“finalização”, “coroação”, daquele ato devocional, o padre celebra a Missa, mostrando assim a
superioridade deste Sacramento por sobre as práticas devocionais populares. Estabelece-se
portanto entre o catolicismo popular e o oficial não apenas relação de combate – quando dos
abusos das práticas devocionais – mas também uma relação de complementaridade, porém
sem nunca perder a dimensão da superioridade de uma delas, no caso o oficial.
Perguntada sobre a relação com o padre, representante oficial da Igreja Católica,
digamos assim, D. Teteca nos diz: “Nesse tempo aqui era o padre Urbano, mas o padre num
ia. Padre urbano ia assim, quando tinha um doente, aí papai vinha buscar ele de cavalo e ele ia
confessar aquele doente”. Quanto a questão da celebração das missas, só mesmo nas
povoações maiores que tivessem capela, o que não era o caso da localidade natal da
entrevistada. Então perguntada como era a freqüência à Missa, principal rito católico, a
entrevistada nos fala que nas datas mais importantes (Natal, Ano Novo, Semana Santa) a
família buscava se fazer presente mesmo com as dificuldades.
Missa de todos os santos a gente vinha, num perdia, todo mundo de pé. Missa de ano
a gente vinha, quando terminava a missa, que neste tempo era doze horas a missa,
quando terminava a missa a gente chegava em casa, fazia um cafezinho no rancho,
tomava, chegava em casa 4horas da manhã.
Outra forma importante que favorecia a expansão destas práticas devocionais é a
criação de grupos, ou associações empenhadas em desenvolver determinada devoção. Dentre
as diversas associações com esta destinação na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do
Coité, uma destaca-se por estar em atividade até os dias atuais e pelo número de fiéis que
engloba, o Apostolado da Oração. De modo geral a criação destas associações estava
diretamente ligada ao clero, não são grupos que surgem esporadicamente em determinados
locais, a Igreja Católica em níveis hierárquicos mais altos incentivava a proliferação destas
afim de diminuir a infiltração de práticas devocionais sincréticas entre os católicos.
22. 21
Devotados ao Sagrado Coração de Jesus, os membros do Apostolado da Oração
destacam-se pelo uso da medalha com a imagem do Coração de Jesus numa fita vermelha e
por terem um dia especial para a prática de sua devoção: a primeira sexta-feira de cada mês. A
devoção ao Sagrado Coração de Jesus teve inicio em 1673, com as visões que a hoje
canonizada pela Igreja, irmã Margarida Alacoque, teve de Nosso Senhor, expondo ao mundo
o coração chagado, e garantindo proteção para aqueles que espalhassem sua devoção 43.
Na Freguesia de Coité o Apostolado da Oração foi criado em 1879 sendo, portanto
uma associação centenária. Desde o começo seus membros reúnem-se nas casas para rezar o
terço, fazer visitas quando um deles está doente, sempre teve muitos membros devidamente
cadastrados e que contribuíam mensalmente com a associação, sendo que um dos membros
era eleito tesoureiro para tomar conta deste dinheiro. No Livro de Tombo da Freguesia de
Nossa Senhora da Conceição do Coité, quando o então vigário registra o relatório do
movimento religioso do ano de 1934 encontramos os seguintes dados sobre o Apostolado da
Oração: “Zeladores na sede do município 4, zeladoras 17, na Capela de Santa Luzia 12,
associados na sede 785, em Santa Luz 125 entre homens e mulheres” 44. Este número de fiéis
se dividia em alguns grupos dentro da própria associação, por isso há mais de um Zelador
(Coordenador), já que cada um respondia por uma parte dos associados. As Festas em Louvor
ao Coração de Jesus eram sempre muito concorridas, cercadas de uma pompa comparável
apenas com os louvores da Padroeira Nossa Senhora da Conceição a 8 de dezembro. Havia
missa cantada, procissão solene pelas ruas da cidade, onde todos os associados compareciam
com sua fita, e benção do Santíssimo Sacramento para o encerramento 45. Em alguns havia
mesmo a presença de padre de outras cidades e mesmo do Arcebispo de Salvador.
Buscando compreender melhor como funcionava esta associação, entrevistamos a
senhora Hormezinda Boaventura46, conhecida por Doza Zinda, figura conhecida de toda a
comunidade católica coiteense. D. Zinda tem hoje 90 anos e como ela mesma diz, desde
muito cedo ingressou no Apostolado: “nem me lembro mais o ano certinho assim, mas acho
que tinha uns 15 anos, eu era muito nova” é interessante notar que segundo a própria, esta não
era uma prática muito comum, ingressar nova nas fileiras do Apostolado da Oração, pois já
naquele a maior parte das pessoas era mais velha, como de fato até hoje acontece com o
Apostolado onde se encontram pessoas adultas e principalmente da terceira idade. D. Zinda
43
Livro Devocional apresentado por uma das senhoras, participante do Apostolado da Oração.
44
Livro de Tombo, pg. 19 frente.
45
Livro de Tombo, pg. 28 verso.
46
Entrevista realizada com a senhora Hormezinda Boaventura Sampaio, em 13 de janeiro de 2010.
23. 22
ocupou ainda o cargo de Presidente do Apostolado (Zeladora), ou seja coordenou o grupo
durante alguns anos e até os dias de hoje sempre que pode busca participar das reuniões e da
missa na primeira sexta-feira de cada mês. Assim, como a maioria dos católicos ela também
tinha devoções particulares por alguns santos, e fazia em casa mesmo suas novenas e rezas
para “Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, Santo Antonio, São Roque”.
Conclusão
Obviamente muitas questões do cotidiano da Freguesia não foram tratadas neste
artigo, bem como outras formas de devoção que foram desenvolvidas já que a prática era
diferente para várias pessoas também ficaram de fora. Entretanto o objetivo deste trabalho foi
mostrar um recorte do panorama religioso coiteense desde a fundação da paróquia até os fins
da década de 1960 quando a realidade apresentada é bastante esta, de uma religião crescendo,
aumentando sua presença em todos os recantos do território municipal mas que crescia
também longe do olhar doutrinador do padre, onde as pessoas desenvolviam com o sagrado
uma relação intima. Resistindo a todo o processo de tentativa de deter seu avanço o
catolicismo popular vai seguir sustentando a fé de muitos que na Semana Santa, por exemplo,
engrossam as fileiras dos confessionários, para a alegria dos religiosos que podem registrar o
crescimento do número de pessoas que recebem os sacramentos. Esta relação dual de
combatido-fortalecido torna o campo de estudo do devocionismo popular bastante amplo e
confirma que não há modelos prontos para os estudos de religiosidade popular, mesmo
havendo características e práticas que se repetem, a realidade sócio-cultural de cada região dá
uma configuração própria para cada lugar.
É com esta estrutura que a Igreja Católica vai se mantér durante muito tempo como a
principal denominação cristã no Brasil. Baseada no devocionismo, fortalecendo as práticas
populares, expandindo sua presença física através de capelas e buscando instruir os fiéis para
continuarem participando das suas atividades religiosas. É ainda este catolicismo todo próprio
que vai abrir as portas aos novos ventos que soprarão sobre a Igreja Católica da América
Latina e em especial do Brasil nos final da década de 60 e na década de 70 do século XX,
fruto do Concílio Vaticano II e das Conferências do Episcopado Latino-americano, ventos
estes que vão transformar a realidade de Igreja que foi apresentada neste trabalho.
24. 23
Referências
BARRETO, Orlando Matos: Conceição do Coité da colonização à emancipação. Conceição
do Coité/Ba: Nossa Editora Gráfica, 2007
DANTAS, Mônica Duarte. Povoamento e ocupação do sertão de dentro baiano. Revista
Penelópe, nº 23.
ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano: a essência das religiões. Rio de Janeiro: Martins
Fontes, 2008.
GRISCI, Carmem Lígia Iochins. Igreja questionada. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.
MOTT, Luis. Cotidiano e vivência religiosa: da capela ao calundu. In. NOVAIS, Fernando
A. e SOUZA, Laura de Mello (orgs). História da Vida Privada no Brasil. São Paulo:
Companhia das Letras, 2005
NEVES, Guilherme Pereira. Milagres do Cotidiano. Revista de História da Biblioteca
Nacional. Rio de Janeiro, SABIN: ano 4, nº 41, pg. 18-23 fev. de 2009
OLIVEIRA, Vanilson Lopes de. Conceição do Coité - A capital do Sisal. Salvador:
Universidade do Estado da Bahia, 1993.
PALEARI, Giorgio. Religiões do Povo: um estudo sobre a inculturação. São Paulo: Edições
Ave Maria, 1993
PASSOS, Mauro. O catolicismo popular: o sagrado, a tradição e a festa. IN: PASSOS, Mauro
(org). A Festa na vida. Petrópolis/RJ: Editora Vozes, 2002
VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva,
2000.
Fontes
1. Escritas:
- Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité
- Arquivo Paroquial, pasta Festa da Padroeira
25. 24
- Arquivos pessoais
2. Orais:
- Entrevista com a srª Maria Pinto Lima, em 21 de setembro de 2009 na sua residência.
- Entrevista com a srª Hormezinda Boaventura Sampaio, em 13 de janeiro de 2010 na sua
residência.
- Entrevista com a srª Maria do Carmo Ramos, em 13 de janeiro de 2010 na casa de sua mãe.
- Entrevista com a srª Maria Raimunda Santos, em 13 de janeiro de 2010 na casa de sua mãe.
- Entrevista com a srª Maria da Conceição Boaventura, em 13 de janeiro de 2010 na casa de
sua mãe.