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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO
      DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL




              ARTIGO ACADÊMICO:
    ANÁLISE DE TÉCNICAS ARGUMENTATIVAS
          EM ARTIGOS JORNALÍSTICOS




                                 Disciplina: Comunicação e Expressão
                                      Professora: Maria Cristina Goes
                                           Alunos: Anderson Ferreira




                     Rio de Janeiro
                         2012
Introdução
  A ideia de que o alcance do sucesso em uma discussão está interligado à aceitação plena
das ponderações subjetivas de um indivíduo por outro em posição de contra debatedor é
equívoca, apesar de aparentemente maciça. O assentimento de determinada prática ou con-
ceito por caráter compulsório é uma marca de oposição: impositor e suplantado. Alheio à
oposição, o convencimento é estabelecido por bases argumentativas de adesão a uma tese,
inicialmente avessa, como fruto de auto motivação. Nesse caso, não se estabelece, portan-
to, a imagem de um campeão sobre a de um derrotado. Em máximo estágio de argumenta-
ção bem sucedida e aceita, sagra-se a partilha de uma noção acerca do objeto passível a
opiniões.
  Até mesmo como fator atenuante é conveniente a distinção entre vencer e convencer. A
despeito de sua posição hierárquica muitos são os líderes empresariais que discorrem sobre
sua maneira de guiar as ações de grupos inferiores – termo usado aqui com isenção de car-
ga degradante, somente como marcador hierárquico – qualificando-a como igualitária em
termos de argumentação e abertura a discussões fundamentadas. Nesses casos, a liderança
se dá pelo convencimento e não pela imposição forçosa.
  Ao articulista é também essencial o domínio dos métodos de construção de argumento,
visto que a suas críticas é imperioso um embasamento de sustentação. O presente trabalho
tem por intuito, justamente verificar as técnicas argumentativas usuais nos textos de João
Ubaldo Ribeiro, com base em quatro de seus textos publicados nos jornais O Estado de
São Paulo e O Globo, no ano de 2011.
  Sob primeira e pouco sólida análise, João Ubaldo faz abundantemente o emprego de
exemplos e de recursos de presença como base para sua argumentação. É aparentemente
comum que João Ubaldo faça uso da primeira pessoa – do singular, na maioria dos casos,
mas também do plural. Como marca da aclamada carreira como escritor membro da Aca-
demia Brasileira de Letras, João Ubaldo apresenta requintado recurso léxico indicado pela
notável opção de vocábulos.
  Para proceder à análise mais densa dos artigos de João Ubaldo Ribeiro serão emprega-
das como arcabouço teórico as ideias de Abreu (2009) acerca de argumentação.


1. O que é argumentar?
  Para argumentar em favor de uma tese é necessário em primeiro momento fazer com
que o interlocutor – que pode ser uma pessoa ou um auditório – concorde com outra tese
que se relacione com a principal facilitando sua penetração. Essa tese preparatória chama-
se tese de adesão inicial (Abreu, 2009, p.44). Concordando ela, o auditório se faz mais
propenso a concordar com a tese principal. A ligação entre essas teses se dá por meio de
técnicas argumentativas. Dentre as principais técnicas argumentativas, destacam-se o ar-
gumento do ridículo, o argumento pelo exemplo e sua variação pelo modelo ou antimodelo
e a argumentação pela analogia.
  No argumento do ridículo constrói-se uma situação irônica, adotando-se de forma pro-
visória, um argumento do outro, extraindo dele todas as conclusões, por mais estapafúr-
dias que sejam (Abreu, 2009, p.52). Nesse argumento o articulador pode debater uma ideia
concordando com ela, a princípio, e posteriormente incluindo-a em situações estapafúrdias
que comprovem sua ilegitimidade.
  O argumento pelo exemplo é a criação de uma base argumentativa sobre um fato já
ocorrido ou sobre as ações de uma pessoa ou grupo de pessoas. Uma mãe pode tentar in-
fluenciar um filho a mudar seu comportamento, citando a postura de seu irmão mais velho,
por exemplo. Nesse caso, o irmão mais velho atua como um modelo para o mais novo. A
argumentação pelo modelo é uma variação da argumentação pelo exemplo (Abreu, 2009,
p.61). Se a mãe citasse o irmão mais velho como um exemplo a não ser copiado, este agora
atuaria como um antimodelo.
  Quando se argumenta pela analogia, utiliza-se como tese de adesão inicial um fato que
tenha uma relação analógica com a tese principal (Abreu, 2009, p.62). As analogias se
apoiam, não em exemplos, mas em situações semelhantes em determinados aspectos a
ideia da tese principal. Para demonstrar a importância do trabalho em equipe dentro de
uma empresa, um líder de setor ou gerente pode citar a coletividade de esportes como o
futebol em prol de um bem comum: a vitória, a ascensão, o sucesso.


2. A argumentação de João Ubaldo Ribeiro
  Nas linhas que seguem se procederá a análise dos quatro artigos de João Ubaldo Ribei-
ro. Com exceção do texto intitulado “Melhor não adoecer” publicado no jornal O Estado
de São Paulo, todos os textos foram publicados no jornal O Globo. Todos os artigos estão
disponíveis no sítio eletrônico da Academia Brasileira de Letras.
2.1 “O que já foi um peito”
   No texto “O que já foi um peito”, publicado no jornal O Globo, em 27 de novembro de
2011, João Ubaldo emprega o recurso da analogia. Ele apresenta a tese principal de seu
artigo de maneira explícita, no final do segundo parágrafo: “A banalização de qualquer
coisa a barateia lhe tira o valor e o atrativo.” e nos parágrafos seguintes, trabalha em uma
tese de adesão inicial que possui relação analógica com a principal. Sua pretensão é a de,
com função argumentativa, demonstrar ao leitor que a questão dos seios é um adequado
exemplo dessa banalização que degrada seu valor atrativo.
   Para isso, João Ubaldo promove uma construção argumentativa baseada em um diálogo
fictício de objetivo a discorrer a respeito dos seios nos tempos antigos e nos atuais. Com
mesmo intuito ele emprega, junto ao diálogo fictício, o recurso de presença. O melhor re-
curso de presença são as histórias (Abreu, 2009, p.73) e no trecho introdutório ao uso do
recurso, João Ubaldo inicia seu discurso narrativo com ares de nostalgia. Observe:


            “Ora, se não me lembro do nosso tempo, os dois pirralhos rondando a ponte à
         espera do navio que trazia Nélson, o dono do cinema, os rolos de filmes e os car-
         tazes. Apesar de gostarmos de filmes americanos de guerra, de caubói, de espada
         e correlatos, as férias em Itaparica eram a oportunidade de ouro para a gente ver
         filme impróprio, ou seja, 15 segundos de peito para 90 minutos de projeção. Na
         cidade, vários porteiros de cinema, como o do finado Glória, que exibia muito
         filme impróprio, eram conhecidos como carrascos, não deixavam passar nem car-
         teira de estudante falsificada. O quente era filme francês. Um ou outro italiano,
         mas os franceses eram mais de confiança. Nélson sabia disso. Geralmente ele se
         recusava a quebrar o suspense ainda na ponte, mas, no dia seguinte, um palhaço
         em pernas de pau, ostentando os cartazes no peito e nas costas, circulava, anun-
         ciando "hoje o filme é francês e é impróprio!", certeza de grande bilheteria infan-
         to-juvenil.”


   Sua ligeira melancolia ao rememorar momentos passados corrobora com sua tese prin-
cipal, à medida que, nos trechos seguintes, ele expõe acontecimentos de sua juventude,
uma época em que a nudez no cinema era menos recorrente e, portanto mais estimada.
Com a técnica do recurso de presença, João Ubaldo aprofunda sua tese de adesão inicial e
por analogia reforça sua tese principal.
2.2 “Melhor não adoecer”
   No texto “Melhor não adoecer”, publicado no jornal O Estado de São Paulo, em 18 de
dezembro de 2011, o articulista João Ubaldo apresenta de forma explícita sua tese principal
no último parágrafo. Diz ele: “os seguros de saúde não deviam nortear-se por padrões de
conduta meramente empresariais, não deviam ter lucro como objetivo em última análise
exclusivo.”. Sinteticamente, João abarca todas as suas ponderações acerca do assunto em
uma única frase. Na frase seguinte, ele faz uso da definição expressiva de saúde como um
argumento quase lógico (Abreu, 2009, p.47). Ao definir saúde como “um bem e um valor
da mais alta relevância para a coletividade, uma questão de saúde nacional”, João Ubal-
do expõe sua preocupação com a maneira como tem sido avaliada a saúde, algo aquém de
sua real seriedade. Definindo-a, ele fixa seu ponto de vista como tese de adesão inicial.
   Antes de exibir sua tese, João Ubaldo a fundamenta com o intenso uso da primeira pes-
soa e com o emprego do recurso de presença. É prioritário que ele dê seu testemunho pes-
soal nesse artigo para embasar sua crítica. E mais além, João pretende demonstrar unidade
com o leitor e o faz de forma aberta e literal por duas vezes: primeiro em: “Podia ser eu,
podia ser a encantadora leitora ou o gentil leitor...” e novamente, de forma quase redun-
dante no parágrafo seguinte: “Sim, ele podia ser qualquer um de nós, o mundo dá voltas.”.
O segundo uso serve, inclusive, como introdutório ao recurso de presença em que João
Ubaldo apresenta um testemunho pessoal relacionado ao teor do artigo.


            “Fiz Bradesco e com certeza tenho muitos companheiros de plano entre vocês.
         Mas fiz nos bons tempos, hoje a situação é diferente, como sabem os companhei-
         ros. Lembro que, na época meio duro, condição desagradavelmente costumeira
         em minha sofrida categoria profissional, não pensei em economizar, ao contratar
         um plano para mim e minha pequena família. Procurei uma empresa de solidez
         inconteste, perguntei qual era o seu melhor plano, o camarada me disse, eu engo-
         li em seco e assinei. Foi-me vendida a expectativa de sempre contar com atendi-
         mento médico conforme minha necessidade.”


   No sexto parágrafo, João Ubaldo faz novo uso do recurso de presença.
“Um advogado amigo meu me disse que as seguradoras estão adotando, em
        certos casos, a velha tática de jogar o barro à parede, para ver se cola. O freguês
        vai se operar do fêmur, o seguro diz que não paga uma determinada prótese, só
        paga uma outra, considerada pelo médico inferior ou inaceitável. Aí o segurado
        entra em juízo e, me diz esse amigo, invariavelmente ganha e os planos sabem
        disso. Apenas, como primeira reação, negam o pedido. Se o prejudicado não tiver
        a ideia ou a cachimônia de procurar um advogado, a caixinha mais uma vez tilin-
        ta no plano de saúde. Como aconteceu comigo, aliás, numa operação de catarata.
        O Bradesco disse que não pagava a lente prescrita, mas somente outra, bem mais
        barata, que o médico não aceitava. Aí eu paguei o raio da lente, miséria pouca é
        bobagem e pouco dinheiro eu tenho muito.”


  Desta vez, ele objetiva reforçar e se contra posicionar a uma prática adotada por algu-
mas seguradoras de saúde. Com o mesmo intuito, ele inicia o parágrafo se utilizando de um
argumento de autoridade. No momento em que João escreve: “Um advogado amigo meu
me disse...”, ele aplica maior credibilidade ao discurso. Seria diferente se a “denúncia” de
João Ubaldo não tivesse apoio na instrução inerente ao um profissional.
  Copiosamente, são observadas figuras retóricas no artigo de João Ubaldo. As figuras re-
tóricas são recursos linguísticos utilizados especialmente a serviço da persuasão (Abreu,
2009, p.109). As metáforas são as de maior uso, principalmente em favor de propiciar mais
gravidade às locuções. Sobre os excessivos aumentos no valor das taxas de seguradoras,
João Ubaldo utiliza duas metáforas em um único período: “... a não ser dos aumentos no-
cauteantes que se sucedem em cascata, à medida que o segurada vai ficando mais velho.”.
Segundo a proposta classificatória de J.V. Jensen, em artigo intitulado “Metaphorical
Constructs for the Problem-solving Process”¹, a primeira metáfora representada pelo adje-
tivo “nocauteantes” relativo à palavra “aumentos” pode ser classificada como uma metáfo-
ra esportiva, por transferir uma palavra do vocabulário dos esportes para uma situação dis-
tinta. A segunda metáfora pode ser classificada como metáfora de fenômeno natural, pois o
abusivo número de aumentos das taxas de seguradoras é comparado a uma cascata exata-
mente por sua grandiosidade e aparência de inacabável. No trecho “todo dia nos aterrori-
zam com histórias e reportagens terríveis sobre hospitais da rede pública...”, João Ubaldo
fez uso do pleonasmo com o par de vocábulos “aterrorizam” e “terríveis”. O pleonasmo
proposital tem por objetivo dar realce a uma ideia ou argumento (Abreu, 2009, p.129). No
mesmo período, ele emprega uma metáfora em: “vemos gente empilhada em corredores
infectos...”. Sua intenção é, claramente, enfatizar o descaso com que são tratados os paci-
entes na rede pública de saúde comparando-os com objetos ou produtos empilháveis. A
descontentação de João Ubaldo a respeito da rede pública de saúde é tamanha, que, ainda
no mesmo período, ele faz alusão à “Divina Comédia”, de Dante Alighieri. Ele, mais pre-
cisamente, faz referência à primeira das três partes em que se divide a obra: “... quase tudo
o que tenha descrito do inferno quem, como Dante, já lá desceu”. O inferno a que se refere
é o descrito na primeira parte da obra de Dante Alighieri, intitulada “Inferno”. João Ubal-
do compara-o com as instalações dos hospitais da rede pública de saúde.
     Mesmo criticando uma vertente de mazelas visíveis no Brasil e indo de encontro com
um público leitor provavelmente disposto a discutir os problemas de saúde pública e,
so1bretudo, privada, João Ubaldo solidifica sua conduta crítica com múltiplos recursos
argumentativos e ainda um título que marca sua contestação em relação ao sistema de saú-
de brasileiro, seja no setor público ou no privado.


2.3 “O totalitarismo científico”
     No texto “O totalitarismo científico”, publicado no jornal O Globo, em 2 de outubro de
2011, João Ubaldo sugere a existência de um novo totalitarismo e o denomina científico.
Sua tese principal, manifesta explicitamente no texto, é a de que “cada vez mais se tenta
regular a conduta do cidadão, mesmo em áreas imemoravelmente reservadas a arbítrio e
atos da sua exclusiva alçada.”. Antes, no entanto, João Ubaldo apresenta uma definição
lógica de “totalitarismo”. A definição funciona como contextualização, mas também como
um meio de demarcação da ilegitimidade do totalitarismo. Diz ele: “há totalitarismo
quando uma organização, geralmente um Estado (‘Estado’, no caso, são todos os países
politicamente organizados), mas pode ser qualquer outra, como um partido político, pre-
tende assumir controle sobre toda a vida do cidadão, não somente quanto a ideias e senti-
mentos, mas quanto a comportamento e observação de valores.”.
     Toda a construção argumentativa em favor de sua tese principal é baseada em argumen-
tos do ridículo e pelo exemplo, prioritariamente. Em duas ocasiões, João Ubaldo apresenta
exemplos. Primeiro em: “Isso se deu, por exemplo, com a lei da palmada, que, aliás, pare-
ce que não colou, considerada descabida por muitos países”, em que estabelece ainda a
construção de um antimodelo. A argumentação pelo antimodelo fala naquilo que devemos

1
    Apud Abreu, 2009, p.116-128
evitar (Abreu, 2009, p.61). Neste caso, pela ineficiência da lei que denominou “lei da pal-
mada”, devem ser evitadas práticas similares que possivelmente seriam igualmente inefi-
cazes. O segundo exemplo utilizado por João Ubaldo é, inclusive, a base temática para seu
terceiro parágrafo:


            “O fumo é um bom caso. Não estou a soldo da execrada indústria do tabaco,
         sou a favor de que não se fume (contanto que se faça esta escolha livremente),
         mas ninguém que tenha um pensamento consequente pode aceitar o que já se co-
         meça a fazer (ainda mais que está na moda nos Estados Unidos e o nosso ideal é
         ser americano). É possível agora – e parece que alguns poucos já fizeram isso –
         que um condomínio residencial, por decisão de maioria simples, resolva abolir o
         fumo em suas dependências e aplicar pesadas multas aos moradores que fuma-
         rem – atenção -, mesmo trancados em seus próprios apartamentos ou casas. Fa-
         la-se na instalação, que já ocorre nos Estados Unidos, de detectores de fumaça
         nos apartamentos. Não sei o que acontecerá com quem queime incenso em casa,
         mas provavelmente acionará uma sirene e convocará uma brigada do Comando
         de Caça ao Tabagista. Cada casa vai virar banheiro de avião e qualquer fumaci-
         nha que seu dono fizer será denunciada e implacavelmente castigada.”


   Ao longo do parágrafo, João discorre sobre as determinações impostas pelo Estado con-
tra o fumo e, com o argumento do ridículo encerra sua crítica posicionando em oposição as
tais determinações. João Ubaldo ironiza a instalação de detectores de fumaça dentro de
apartamentos quando escreve: “não sei o que acontecerá com quem queime incenso em
casa, mas provavelmente acionará uma sirene e convocará uma brigada do Comando de
Caça ao Tabagista.”.
   Seguindo sua fundamentação contra as leis antifumo e a favor da liberdade de escolha,
João inicia o quarto parágrafo de seu artigo com uma série de perguntas retóricas que de-
monstram seu posicionamento diante do tema.


            “Que é isso? Aonde chegamos? O infeliz compra uma casa, faz dela seu lar
         supostamente inviolável e não tem liberdade em seu próprio território, sem preju-
         dicar ninguém, a não ser ele mesmo? O condômino que for voto vencido vai ter
         de parar de fumar, pitar ao relento ou vender o apartamento e se mudar? Vive-se
em cidades poluídas como Rio e São Paulo, mas o cigarro do vizinho, trancado
        em seu escritório, é o que prejudica o condomínio? E se fumaça e cheiro começa-
        rem a ultrapassar os limites do cigarro e do charuto?”


  No trecho que segue a sequencia de questionamentos argumentativos, João Ubaldo no-
vamente faz emprego do argumento do ridículo: “Deverão em breve manifestar-se os que
se sentem incomodados com cheiro de carne assada – e assim poderão ser banidos os
churrascos na cobertura... Caprichando, dá para proibir tudo.”. Todos os parágrafos se-
guintes também trabalham como argumentos do ridículo, em que João questiona esse “to-
talitarismo científico” com previsões irônicas sobre as possíveis outras áreas de intromis-
são de controle por parte do Estado.


2.4 “O crime compensa”
  No texto “O crime compensa”, publicado no jornal O Globo, em 20 de novembro de
2011, João Ubaldo Ribeiro discorre a respeito das punições por crimes cometidos no Brasil
e as qualifica como ineficientes e motivadoras a um aumento da criminalidade. Sua tese
principal, não explícita, é a de que essa impunidade é tamanha que leva a população a crer
que o crime compensa.
  Logo no início de seu artigo, João Ubaldo contextualiza apontando para o abusivo nú-
mero de “roubalheiras generalizadas”, desvios de recursos e donativos humanitários e pa-
gamentos de propina que ocorrem no Brasil.


           “Pois é. Hoje, outra vez, qual é o gancho? Quer se leia o jornal, quer se con-
        verse na esquina, só se fala em ladroagem. Roubalheiras generalizadas, desvios,
        comissões, propinas. Rouba-se tudo, em toda parte. Roubam-se recursos do go-
        verno na União, nos estados e nos municípios. Roubam-se donativos humanitá-
        rios e verbas emergenciais destinadas a socorrer flagelados. Rouba-se material,
        rouba-se combustível, rouba-se o que é possível roubar. Qual é, então, o gancho?
        Só pode ser a ladroagem. Não há outro, pelo menos que eu veja. É o tema do dia,
        não adianta querer escolher outro, ele se impõe.”


  Em favor de sua tese, João Ubaldo emprega principalmente o argumento do ridículo.
Primeiro em: “Às vezes, chega a parecer que existe uma central programadora de falca-
truas, pois a engenhosidade dos ladrões não tem limites e, hoje, analisar somente os gol-
pes dados em uma ou mais dois ministérios requereria um profissional especializado, com
anos de estudo e experiência.”. E novamente quando escreve que “a melhor maneira de
assassinar alguém no Brasil é encher a cara, sair no carro e atropelar a vítima”.
  No sexto parágrafo, João Ubaldo argumenta pelo exemplo, citando um acontecimento
ocorrido em São Paulo para corroborar com a veracidade de sua tese.


           “Não sei em que outro país do mundo o sujeito entra numa delegacia policial
        levando o cadáver da vítima, mostrando a arma do crime e confessando sua auto-
        ria, para ser posto em liberdade logo em seguida, já cercado de advogados e ma-
        nobras para evitar a cadeia. É difícil de acreditar, mesmo sabendo-se que é ver-
        dade documentada. Réu primário, moradia conhecida, ocupação fixa etc. e tal e o
        sujeito vai para casa quase como se nada tivesse acontecido, talvez até trocando
        um aperto de mão com o delegado, como já imaginei aqui. Ou seja, é crime, mas
        é mole matar no Brasil, o preço é muito em conta. E essa situação não envolve
        apenas os ricos, porque os outros também estão aprendendo, como foi o caso de
        um jovem assaltante de São Paulo, que muitos de vocês devem ter visto na TV.
        Apresentou-se numa delegacia espontaneamente, é réu primário, tem residência
        fixa etc. etc. Embora tenha posto a culpa na vítima, por esta haver reagido, con-
        fessou o crime. Foi solto logo em seguida, saindo muito sorridente da delegacia.
        E, se um dia vier a ser condenado, contará com um mar de recursos à sua dispo-
        sição, complementados pelos benefícios a que terá direito, com a progressão da
        pena.”


  João Ubaldo faz ainda o emprego de metáforas ao comentar sobre os processos jurídicos
brasileiros. Ele diz, primeiramente: “... as nossas leis não têm dentes, não mordem nin-
guém” e um mais adiante atribui a impunidade dos crimes cometidos a “firulas jurídicas”,
entre outros motivadores. Segundo a, já citada, proposta classificatória de J.V. Jensen, a
segunda metáfora pode ser qualificada como esportiva, por se apropriar de uma palavra
pertencente ao vocabulário dos esportes para rotular práticas do campo jurídico.
3. Considerações Finais
  Feita a análise mais aprofundada dos artigos de João Ubaldo Ribeiro, tornou-se possível
aferir, de maneira mais segura, acerca das técnicas argumentativas por ele utilizadas com
maior assiduidade. Observou-se serem os recursos de presença e as argumentações do ridí-
culo os mais usuais artifícios de fundamentação de sua tese principal. Mesmo discorrendo
sobre assuntos de seriedade subentendida, João Ubaldo, com humor leve e alinhado, de-
monstra capacidade de atribuir menos pesar a suas críticas.
  Conforme a hipótese levantada na primeira parte do trabalho, João Ubaldo demonstra
extenso vocabulário e apurada competência na escolha das palavras; características que,
indubitavelmente, engrandecem seus artigos e lhes concedem maior credibilidade e força
persuasiva. A capacidade argumentativa de João Ubaldo é grandiloquente, mas também, a
fineza de seus textos contribui com seu poder de convencimento.


4. Referências Bibliográficas
   •   ABREU, Antônio Suárez. A arte de argumentar: gerenciando razão e emoção. 13
       ed. Cotia: Ateliê Editorial, 2009.
   •   RIBEIRO, João Ubaldo. O que já foi um peito.
       Disponível em: <http://is.gd/5dTY6Z> Acesso em: 28 Maio 2012.
   •   RIBEIRO, João Ubaldo. Melhor não adoecer.
       Disponível em: <http://is.gd/TLpur7> Acesso em: 28 Maio 2012.
   •   RIBEIRO, João Ubaldo. O crime compensa.
       Disponível em: <http://is.gd/p7aMI5> Acesso em: 28 Maio 2012.
   •   RIBEIRO, João Ubaldo. O totalitarismo científico.
       Disponível em: <http://is.gd/EsFTce> Acesso em: 28 Maio 2012.

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Artigo acadêmico

  • 1. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL ARTIGO ACADÊMICO: ANÁLISE DE TÉCNICAS ARGUMENTATIVAS EM ARTIGOS JORNALÍSTICOS Disciplina: Comunicação e Expressão Professora: Maria Cristina Goes Alunos: Anderson Ferreira Rio de Janeiro 2012
  • 2. Introdução A ideia de que o alcance do sucesso em uma discussão está interligado à aceitação plena das ponderações subjetivas de um indivíduo por outro em posição de contra debatedor é equívoca, apesar de aparentemente maciça. O assentimento de determinada prática ou con- ceito por caráter compulsório é uma marca de oposição: impositor e suplantado. Alheio à oposição, o convencimento é estabelecido por bases argumentativas de adesão a uma tese, inicialmente avessa, como fruto de auto motivação. Nesse caso, não se estabelece, portan- to, a imagem de um campeão sobre a de um derrotado. Em máximo estágio de argumenta- ção bem sucedida e aceita, sagra-se a partilha de uma noção acerca do objeto passível a opiniões. Até mesmo como fator atenuante é conveniente a distinção entre vencer e convencer. A despeito de sua posição hierárquica muitos são os líderes empresariais que discorrem sobre sua maneira de guiar as ações de grupos inferiores – termo usado aqui com isenção de car- ga degradante, somente como marcador hierárquico – qualificando-a como igualitária em termos de argumentação e abertura a discussões fundamentadas. Nesses casos, a liderança se dá pelo convencimento e não pela imposição forçosa. Ao articulista é também essencial o domínio dos métodos de construção de argumento, visto que a suas críticas é imperioso um embasamento de sustentação. O presente trabalho tem por intuito, justamente verificar as técnicas argumentativas usuais nos textos de João Ubaldo Ribeiro, com base em quatro de seus textos publicados nos jornais O Estado de São Paulo e O Globo, no ano de 2011. Sob primeira e pouco sólida análise, João Ubaldo faz abundantemente o emprego de exemplos e de recursos de presença como base para sua argumentação. É aparentemente comum que João Ubaldo faça uso da primeira pessoa – do singular, na maioria dos casos, mas também do plural. Como marca da aclamada carreira como escritor membro da Aca- demia Brasileira de Letras, João Ubaldo apresenta requintado recurso léxico indicado pela notável opção de vocábulos. Para proceder à análise mais densa dos artigos de João Ubaldo Ribeiro serão emprega- das como arcabouço teórico as ideias de Abreu (2009) acerca de argumentação. 1. O que é argumentar? Para argumentar em favor de uma tese é necessário em primeiro momento fazer com que o interlocutor – que pode ser uma pessoa ou um auditório – concorde com outra tese
  • 3. que se relacione com a principal facilitando sua penetração. Essa tese preparatória chama- se tese de adesão inicial (Abreu, 2009, p.44). Concordando ela, o auditório se faz mais propenso a concordar com a tese principal. A ligação entre essas teses se dá por meio de técnicas argumentativas. Dentre as principais técnicas argumentativas, destacam-se o ar- gumento do ridículo, o argumento pelo exemplo e sua variação pelo modelo ou antimodelo e a argumentação pela analogia. No argumento do ridículo constrói-se uma situação irônica, adotando-se de forma pro- visória, um argumento do outro, extraindo dele todas as conclusões, por mais estapafúr- dias que sejam (Abreu, 2009, p.52). Nesse argumento o articulador pode debater uma ideia concordando com ela, a princípio, e posteriormente incluindo-a em situações estapafúrdias que comprovem sua ilegitimidade. O argumento pelo exemplo é a criação de uma base argumentativa sobre um fato já ocorrido ou sobre as ações de uma pessoa ou grupo de pessoas. Uma mãe pode tentar in- fluenciar um filho a mudar seu comportamento, citando a postura de seu irmão mais velho, por exemplo. Nesse caso, o irmão mais velho atua como um modelo para o mais novo. A argumentação pelo modelo é uma variação da argumentação pelo exemplo (Abreu, 2009, p.61). Se a mãe citasse o irmão mais velho como um exemplo a não ser copiado, este agora atuaria como um antimodelo. Quando se argumenta pela analogia, utiliza-se como tese de adesão inicial um fato que tenha uma relação analógica com a tese principal (Abreu, 2009, p.62). As analogias se apoiam, não em exemplos, mas em situações semelhantes em determinados aspectos a ideia da tese principal. Para demonstrar a importância do trabalho em equipe dentro de uma empresa, um líder de setor ou gerente pode citar a coletividade de esportes como o futebol em prol de um bem comum: a vitória, a ascensão, o sucesso. 2. A argumentação de João Ubaldo Ribeiro Nas linhas que seguem se procederá a análise dos quatro artigos de João Ubaldo Ribei- ro. Com exceção do texto intitulado “Melhor não adoecer” publicado no jornal O Estado de São Paulo, todos os textos foram publicados no jornal O Globo. Todos os artigos estão disponíveis no sítio eletrônico da Academia Brasileira de Letras.
  • 4. 2.1 “O que já foi um peito” No texto “O que já foi um peito”, publicado no jornal O Globo, em 27 de novembro de 2011, João Ubaldo emprega o recurso da analogia. Ele apresenta a tese principal de seu artigo de maneira explícita, no final do segundo parágrafo: “A banalização de qualquer coisa a barateia lhe tira o valor e o atrativo.” e nos parágrafos seguintes, trabalha em uma tese de adesão inicial que possui relação analógica com a principal. Sua pretensão é a de, com função argumentativa, demonstrar ao leitor que a questão dos seios é um adequado exemplo dessa banalização que degrada seu valor atrativo. Para isso, João Ubaldo promove uma construção argumentativa baseada em um diálogo fictício de objetivo a discorrer a respeito dos seios nos tempos antigos e nos atuais. Com mesmo intuito ele emprega, junto ao diálogo fictício, o recurso de presença. O melhor re- curso de presença são as histórias (Abreu, 2009, p.73) e no trecho introdutório ao uso do recurso, João Ubaldo inicia seu discurso narrativo com ares de nostalgia. Observe: “Ora, se não me lembro do nosso tempo, os dois pirralhos rondando a ponte à espera do navio que trazia Nélson, o dono do cinema, os rolos de filmes e os car- tazes. Apesar de gostarmos de filmes americanos de guerra, de caubói, de espada e correlatos, as férias em Itaparica eram a oportunidade de ouro para a gente ver filme impróprio, ou seja, 15 segundos de peito para 90 minutos de projeção. Na cidade, vários porteiros de cinema, como o do finado Glória, que exibia muito filme impróprio, eram conhecidos como carrascos, não deixavam passar nem car- teira de estudante falsificada. O quente era filme francês. Um ou outro italiano, mas os franceses eram mais de confiança. Nélson sabia disso. Geralmente ele se recusava a quebrar o suspense ainda na ponte, mas, no dia seguinte, um palhaço em pernas de pau, ostentando os cartazes no peito e nas costas, circulava, anun- ciando "hoje o filme é francês e é impróprio!", certeza de grande bilheteria infan- to-juvenil.” Sua ligeira melancolia ao rememorar momentos passados corrobora com sua tese prin- cipal, à medida que, nos trechos seguintes, ele expõe acontecimentos de sua juventude, uma época em que a nudez no cinema era menos recorrente e, portanto mais estimada. Com a técnica do recurso de presença, João Ubaldo aprofunda sua tese de adesão inicial e por analogia reforça sua tese principal.
  • 5. 2.2 “Melhor não adoecer” No texto “Melhor não adoecer”, publicado no jornal O Estado de São Paulo, em 18 de dezembro de 2011, o articulista João Ubaldo apresenta de forma explícita sua tese principal no último parágrafo. Diz ele: “os seguros de saúde não deviam nortear-se por padrões de conduta meramente empresariais, não deviam ter lucro como objetivo em última análise exclusivo.”. Sinteticamente, João abarca todas as suas ponderações acerca do assunto em uma única frase. Na frase seguinte, ele faz uso da definição expressiva de saúde como um argumento quase lógico (Abreu, 2009, p.47). Ao definir saúde como “um bem e um valor da mais alta relevância para a coletividade, uma questão de saúde nacional”, João Ubal- do expõe sua preocupação com a maneira como tem sido avaliada a saúde, algo aquém de sua real seriedade. Definindo-a, ele fixa seu ponto de vista como tese de adesão inicial. Antes de exibir sua tese, João Ubaldo a fundamenta com o intenso uso da primeira pes- soa e com o emprego do recurso de presença. É prioritário que ele dê seu testemunho pes- soal nesse artigo para embasar sua crítica. E mais além, João pretende demonstrar unidade com o leitor e o faz de forma aberta e literal por duas vezes: primeiro em: “Podia ser eu, podia ser a encantadora leitora ou o gentil leitor...” e novamente, de forma quase redun- dante no parágrafo seguinte: “Sim, ele podia ser qualquer um de nós, o mundo dá voltas.”. O segundo uso serve, inclusive, como introdutório ao recurso de presença em que João Ubaldo apresenta um testemunho pessoal relacionado ao teor do artigo. “Fiz Bradesco e com certeza tenho muitos companheiros de plano entre vocês. Mas fiz nos bons tempos, hoje a situação é diferente, como sabem os companhei- ros. Lembro que, na época meio duro, condição desagradavelmente costumeira em minha sofrida categoria profissional, não pensei em economizar, ao contratar um plano para mim e minha pequena família. Procurei uma empresa de solidez inconteste, perguntei qual era o seu melhor plano, o camarada me disse, eu engo- li em seco e assinei. Foi-me vendida a expectativa de sempre contar com atendi- mento médico conforme minha necessidade.” No sexto parágrafo, João Ubaldo faz novo uso do recurso de presença.
  • 6. “Um advogado amigo meu me disse que as seguradoras estão adotando, em certos casos, a velha tática de jogar o barro à parede, para ver se cola. O freguês vai se operar do fêmur, o seguro diz que não paga uma determinada prótese, só paga uma outra, considerada pelo médico inferior ou inaceitável. Aí o segurado entra em juízo e, me diz esse amigo, invariavelmente ganha e os planos sabem disso. Apenas, como primeira reação, negam o pedido. Se o prejudicado não tiver a ideia ou a cachimônia de procurar um advogado, a caixinha mais uma vez tilin- ta no plano de saúde. Como aconteceu comigo, aliás, numa operação de catarata. O Bradesco disse que não pagava a lente prescrita, mas somente outra, bem mais barata, que o médico não aceitava. Aí eu paguei o raio da lente, miséria pouca é bobagem e pouco dinheiro eu tenho muito.” Desta vez, ele objetiva reforçar e se contra posicionar a uma prática adotada por algu- mas seguradoras de saúde. Com o mesmo intuito, ele inicia o parágrafo se utilizando de um argumento de autoridade. No momento em que João escreve: “Um advogado amigo meu me disse...”, ele aplica maior credibilidade ao discurso. Seria diferente se a “denúncia” de João Ubaldo não tivesse apoio na instrução inerente ao um profissional. Copiosamente, são observadas figuras retóricas no artigo de João Ubaldo. As figuras re- tóricas são recursos linguísticos utilizados especialmente a serviço da persuasão (Abreu, 2009, p.109). As metáforas são as de maior uso, principalmente em favor de propiciar mais gravidade às locuções. Sobre os excessivos aumentos no valor das taxas de seguradoras, João Ubaldo utiliza duas metáforas em um único período: “... a não ser dos aumentos no- cauteantes que se sucedem em cascata, à medida que o segurada vai ficando mais velho.”. Segundo a proposta classificatória de J.V. Jensen, em artigo intitulado “Metaphorical Constructs for the Problem-solving Process”¹, a primeira metáfora representada pelo adje- tivo “nocauteantes” relativo à palavra “aumentos” pode ser classificada como uma metáfo- ra esportiva, por transferir uma palavra do vocabulário dos esportes para uma situação dis- tinta. A segunda metáfora pode ser classificada como metáfora de fenômeno natural, pois o abusivo número de aumentos das taxas de seguradoras é comparado a uma cascata exata- mente por sua grandiosidade e aparência de inacabável. No trecho “todo dia nos aterrori- zam com histórias e reportagens terríveis sobre hospitais da rede pública...”, João Ubaldo fez uso do pleonasmo com o par de vocábulos “aterrorizam” e “terríveis”. O pleonasmo proposital tem por objetivo dar realce a uma ideia ou argumento (Abreu, 2009, p.129). No
  • 7. mesmo período, ele emprega uma metáfora em: “vemos gente empilhada em corredores infectos...”. Sua intenção é, claramente, enfatizar o descaso com que são tratados os paci- entes na rede pública de saúde comparando-os com objetos ou produtos empilháveis. A descontentação de João Ubaldo a respeito da rede pública de saúde é tamanha, que, ainda no mesmo período, ele faz alusão à “Divina Comédia”, de Dante Alighieri. Ele, mais pre- cisamente, faz referência à primeira das três partes em que se divide a obra: “... quase tudo o que tenha descrito do inferno quem, como Dante, já lá desceu”. O inferno a que se refere é o descrito na primeira parte da obra de Dante Alighieri, intitulada “Inferno”. João Ubal- do compara-o com as instalações dos hospitais da rede pública de saúde. Mesmo criticando uma vertente de mazelas visíveis no Brasil e indo de encontro com um público leitor provavelmente disposto a discutir os problemas de saúde pública e, so1bretudo, privada, João Ubaldo solidifica sua conduta crítica com múltiplos recursos argumentativos e ainda um título que marca sua contestação em relação ao sistema de saú- de brasileiro, seja no setor público ou no privado. 2.3 “O totalitarismo científico” No texto “O totalitarismo científico”, publicado no jornal O Globo, em 2 de outubro de 2011, João Ubaldo sugere a existência de um novo totalitarismo e o denomina científico. Sua tese principal, manifesta explicitamente no texto, é a de que “cada vez mais se tenta regular a conduta do cidadão, mesmo em áreas imemoravelmente reservadas a arbítrio e atos da sua exclusiva alçada.”. Antes, no entanto, João Ubaldo apresenta uma definição lógica de “totalitarismo”. A definição funciona como contextualização, mas também como um meio de demarcação da ilegitimidade do totalitarismo. Diz ele: “há totalitarismo quando uma organização, geralmente um Estado (‘Estado’, no caso, são todos os países politicamente organizados), mas pode ser qualquer outra, como um partido político, pre- tende assumir controle sobre toda a vida do cidadão, não somente quanto a ideias e senti- mentos, mas quanto a comportamento e observação de valores.”. Toda a construção argumentativa em favor de sua tese principal é baseada em argumen- tos do ridículo e pelo exemplo, prioritariamente. Em duas ocasiões, João Ubaldo apresenta exemplos. Primeiro em: “Isso se deu, por exemplo, com a lei da palmada, que, aliás, pare- ce que não colou, considerada descabida por muitos países”, em que estabelece ainda a construção de um antimodelo. A argumentação pelo antimodelo fala naquilo que devemos 1 Apud Abreu, 2009, p.116-128
  • 8. evitar (Abreu, 2009, p.61). Neste caso, pela ineficiência da lei que denominou “lei da pal- mada”, devem ser evitadas práticas similares que possivelmente seriam igualmente inefi- cazes. O segundo exemplo utilizado por João Ubaldo é, inclusive, a base temática para seu terceiro parágrafo: “O fumo é um bom caso. Não estou a soldo da execrada indústria do tabaco, sou a favor de que não se fume (contanto que se faça esta escolha livremente), mas ninguém que tenha um pensamento consequente pode aceitar o que já se co- meça a fazer (ainda mais que está na moda nos Estados Unidos e o nosso ideal é ser americano). É possível agora – e parece que alguns poucos já fizeram isso – que um condomínio residencial, por decisão de maioria simples, resolva abolir o fumo em suas dependências e aplicar pesadas multas aos moradores que fuma- rem – atenção -, mesmo trancados em seus próprios apartamentos ou casas. Fa- la-se na instalação, que já ocorre nos Estados Unidos, de detectores de fumaça nos apartamentos. Não sei o que acontecerá com quem queime incenso em casa, mas provavelmente acionará uma sirene e convocará uma brigada do Comando de Caça ao Tabagista. Cada casa vai virar banheiro de avião e qualquer fumaci- nha que seu dono fizer será denunciada e implacavelmente castigada.” Ao longo do parágrafo, João discorre sobre as determinações impostas pelo Estado con- tra o fumo e, com o argumento do ridículo encerra sua crítica posicionando em oposição as tais determinações. João Ubaldo ironiza a instalação de detectores de fumaça dentro de apartamentos quando escreve: “não sei o que acontecerá com quem queime incenso em casa, mas provavelmente acionará uma sirene e convocará uma brigada do Comando de Caça ao Tabagista.”. Seguindo sua fundamentação contra as leis antifumo e a favor da liberdade de escolha, João inicia o quarto parágrafo de seu artigo com uma série de perguntas retóricas que de- monstram seu posicionamento diante do tema. “Que é isso? Aonde chegamos? O infeliz compra uma casa, faz dela seu lar supostamente inviolável e não tem liberdade em seu próprio território, sem preju- dicar ninguém, a não ser ele mesmo? O condômino que for voto vencido vai ter de parar de fumar, pitar ao relento ou vender o apartamento e se mudar? Vive-se
  • 9. em cidades poluídas como Rio e São Paulo, mas o cigarro do vizinho, trancado em seu escritório, é o que prejudica o condomínio? E se fumaça e cheiro começa- rem a ultrapassar os limites do cigarro e do charuto?” No trecho que segue a sequencia de questionamentos argumentativos, João Ubaldo no- vamente faz emprego do argumento do ridículo: “Deverão em breve manifestar-se os que se sentem incomodados com cheiro de carne assada – e assim poderão ser banidos os churrascos na cobertura... Caprichando, dá para proibir tudo.”. Todos os parágrafos se- guintes também trabalham como argumentos do ridículo, em que João questiona esse “to- talitarismo científico” com previsões irônicas sobre as possíveis outras áreas de intromis- são de controle por parte do Estado. 2.4 “O crime compensa” No texto “O crime compensa”, publicado no jornal O Globo, em 20 de novembro de 2011, João Ubaldo Ribeiro discorre a respeito das punições por crimes cometidos no Brasil e as qualifica como ineficientes e motivadoras a um aumento da criminalidade. Sua tese principal, não explícita, é a de que essa impunidade é tamanha que leva a população a crer que o crime compensa. Logo no início de seu artigo, João Ubaldo contextualiza apontando para o abusivo nú- mero de “roubalheiras generalizadas”, desvios de recursos e donativos humanitários e pa- gamentos de propina que ocorrem no Brasil. “Pois é. Hoje, outra vez, qual é o gancho? Quer se leia o jornal, quer se con- verse na esquina, só se fala em ladroagem. Roubalheiras generalizadas, desvios, comissões, propinas. Rouba-se tudo, em toda parte. Roubam-se recursos do go- verno na União, nos estados e nos municípios. Roubam-se donativos humanitá- rios e verbas emergenciais destinadas a socorrer flagelados. Rouba-se material, rouba-se combustível, rouba-se o que é possível roubar. Qual é, então, o gancho? Só pode ser a ladroagem. Não há outro, pelo menos que eu veja. É o tema do dia, não adianta querer escolher outro, ele se impõe.” Em favor de sua tese, João Ubaldo emprega principalmente o argumento do ridículo. Primeiro em: “Às vezes, chega a parecer que existe uma central programadora de falca-
  • 10. truas, pois a engenhosidade dos ladrões não tem limites e, hoje, analisar somente os gol- pes dados em uma ou mais dois ministérios requereria um profissional especializado, com anos de estudo e experiência.”. E novamente quando escreve que “a melhor maneira de assassinar alguém no Brasil é encher a cara, sair no carro e atropelar a vítima”. No sexto parágrafo, João Ubaldo argumenta pelo exemplo, citando um acontecimento ocorrido em São Paulo para corroborar com a veracidade de sua tese. “Não sei em que outro país do mundo o sujeito entra numa delegacia policial levando o cadáver da vítima, mostrando a arma do crime e confessando sua auto- ria, para ser posto em liberdade logo em seguida, já cercado de advogados e ma- nobras para evitar a cadeia. É difícil de acreditar, mesmo sabendo-se que é ver- dade documentada. Réu primário, moradia conhecida, ocupação fixa etc. e tal e o sujeito vai para casa quase como se nada tivesse acontecido, talvez até trocando um aperto de mão com o delegado, como já imaginei aqui. Ou seja, é crime, mas é mole matar no Brasil, o preço é muito em conta. E essa situação não envolve apenas os ricos, porque os outros também estão aprendendo, como foi o caso de um jovem assaltante de São Paulo, que muitos de vocês devem ter visto na TV. Apresentou-se numa delegacia espontaneamente, é réu primário, tem residência fixa etc. etc. Embora tenha posto a culpa na vítima, por esta haver reagido, con- fessou o crime. Foi solto logo em seguida, saindo muito sorridente da delegacia. E, se um dia vier a ser condenado, contará com um mar de recursos à sua dispo- sição, complementados pelos benefícios a que terá direito, com a progressão da pena.” João Ubaldo faz ainda o emprego de metáforas ao comentar sobre os processos jurídicos brasileiros. Ele diz, primeiramente: “... as nossas leis não têm dentes, não mordem nin- guém” e um mais adiante atribui a impunidade dos crimes cometidos a “firulas jurídicas”, entre outros motivadores. Segundo a, já citada, proposta classificatória de J.V. Jensen, a segunda metáfora pode ser qualificada como esportiva, por se apropriar de uma palavra pertencente ao vocabulário dos esportes para rotular práticas do campo jurídico.
  • 11. 3. Considerações Finais Feita a análise mais aprofundada dos artigos de João Ubaldo Ribeiro, tornou-se possível aferir, de maneira mais segura, acerca das técnicas argumentativas por ele utilizadas com maior assiduidade. Observou-se serem os recursos de presença e as argumentações do ridí- culo os mais usuais artifícios de fundamentação de sua tese principal. Mesmo discorrendo sobre assuntos de seriedade subentendida, João Ubaldo, com humor leve e alinhado, de- monstra capacidade de atribuir menos pesar a suas críticas. Conforme a hipótese levantada na primeira parte do trabalho, João Ubaldo demonstra extenso vocabulário e apurada competência na escolha das palavras; características que, indubitavelmente, engrandecem seus artigos e lhes concedem maior credibilidade e força persuasiva. A capacidade argumentativa de João Ubaldo é grandiloquente, mas também, a fineza de seus textos contribui com seu poder de convencimento. 4. Referências Bibliográficas • ABREU, Antônio Suárez. A arte de argumentar: gerenciando razão e emoção. 13 ed. Cotia: Ateliê Editorial, 2009. • RIBEIRO, João Ubaldo. O que já foi um peito. Disponível em: <http://is.gd/5dTY6Z> Acesso em: 28 Maio 2012. • RIBEIRO, João Ubaldo. Melhor não adoecer. Disponível em: <http://is.gd/TLpur7> Acesso em: 28 Maio 2012. • RIBEIRO, João Ubaldo. O crime compensa. Disponível em: <http://is.gd/p7aMI5> Acesso em: 28 Maio 2012. • RIBEIRO, João Ubaldo. O totalitarismo científico. Disponível em: <http://is.gd/EsFTce> Acesso em: 28 Maio 2012.