Expansão Marítima- Descobrimentos Portugueses século XV
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1. 11/04/2022
Número: 0301012-70.2014.8.05.0001
Classe: APELAÇÃO CRIMINAL
Órgão julgador colegiado: Primeira Câmara Criminal 1ª Turma
Órgão julgador: Des. Eserval Rocha - 1ª Câmara Crime 1ª Turma
Última distribuição : 06/05/2021
Valor da causa: R$ 0,00
Processo referência: 0301012-70.2014.8.05.0001
Assuntos: Estupro de vulnerável
Segredo de justiça? NÃO
Justiça gratuita? SIM
Pedido de liminar ou antecipação de tutela? NÃO
Tribunal
PJe - Processo Judicial Eletrônico
Partes Procurador/Terceiro vinculado
Vitor Figueiredo Santana (APELANTE) ADENILSON MALHEIROS SANTOS SILVA (ADVOGADO)
Ministerio Publico do Estado da Bahia (APELADO)
MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DA BAHIA (APELADO)
Oscar Araújo da Silva (TERCEIRO INTERESSADO)
Adriani Vasconcelos Pazelli (TERCEIRO INTERESSADO)
Documentos
Id. Data da
Assinatura
Documento Tipo
26013
538
07/04/2022 13:52 Voto do Magistrado Voto
2. PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
Primeira Câmara Criminal 1ª Turma
Processo: 0301012-70.2014.8.05.0001
APELAÇÃO CRIMINAL n.
Órgão Julgador: Primeira Câmara Criminal 1ª Turma
APELANTE: Vitor Figueiredo Santana
Advogado(s): ADENILSON MALHEIROS SANTOS SILVA
APELADO: Ministerio Publico do Estado da Bahia e outros
Advogado(s):
VOTO
II - Conhece-se do recurso, posto que preenchidos os requisitos de admissibilidade.
Passando ao exame dos autos, de acordo com a denúncia, o réu manteve relações
sexuais com a vítima que, à época dos fatos tinha 11 (onze) anos de idade, na casa da avó do
acusado.
O fato foi descoberto pela genitora da menor, VERAILDES SANTOS DE JESUS,
que notou mudanças no comportamento da vítima e descobriu que a filha estava depilando os
pelos pubianos.
Segundo o relato da vítima, na delegacia, conheceu o acusado, rapaz de 21 (vinte e
um anos) de idade, porque uma amiga sua o apresentou e, no mês de novembro do ano de
2012, ela e o réu estavam na casa da avó do acusado e mantiverem relação sexual consentida
(fl. 10).
Ainda na fase do inquérito, a mãe da menor disse que descobriu que a filha
manteve relação sexual com o Apelante e que, ao confronta-lo, este manifestou interesse em
manter o relacionamento de namoro com a menor (fl. 9).
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3. Na delegacia, a genitora da menor disse também que o acusado passou a namorar
a vítima com seu consentimento e que passou a frequentar sua casa. Depois afirmou que o
acusado deixou de procurar sua filha.
A perícia realizada às fls. 21/23 constatou desvirginamento antigo, sem sinais
recentes de conjunção carnal.
Em juízo, 6 (seis) anos após os fatos narrados, a mãe da menor Veraildes Santos
de Jesus e a menor apresentaram relato, segundo o qual, o fato teria ocorrido na rua, atrás de
um caminhão e que, posteriormente, foram ameaçadas pelo acusado. Confira-se (fl. 224):
[...] que conheceu o acusado quando tinha 11 anos de idade, o qual não
tinha amizade com a sua família e morava nas proximidades de sua casa;
que uma amiga da declarante a apresentou a ele, mas a declarante não
quis namorar; que nunca foi na casa do acusado; que a declarante estava
vindo da igreja, sozinha, e o acusado a chamou e a levou para onde
estava o caminhão; que o acusado puxou a declarante e a levou para trás
do caminhão; que o caminhão estava parado bem distante da casa da
declarante; que a declarante manteve a sua primeira relação sexual com o
acusado na rua, atrás de um caminhão, e houve sangramento; que já
tinha ficado, antes, com o acusado, mas apenas se beijaram; que a
declarante disse a sua idade ao acusado; que mantiveram relações
sexuais uma só vez; que antes da mãe da declarante denunciar o
acusado na Delegacia, o acusado foi a escola onde a declarante estudava
para fazer ameaças dizendo que mataria a mãe da declarante, caso
acontece alguma coisa com ele; que o acusado foi o seu primeiro
namorado; que a declarante não quis manter relação sexual com o
acusado.
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4. [...] que a declarante e a filha moravam no bairro das Sete Portas, bairro
onde o acusado também residia; que quando a filha ia fazer 12 anos de
idade, a declarante observou que ela estava ficando muito calada e
mudando de comportamento dentro de casa, inclusive saindo do banheiro
enrolada na toalha, quando o costume era sair do banheiro despida, já
que a declarante é viúva e morava com as suas duas filhas; que a
declarante puxou a toalha e viu que a filha estava toda depilada; que
perguntou por qual motivo a filha se depilou e a filha respondeu que foi
Vitor quem a orientou a se depilar; que a declarante pediu que a filha a
levasse até a casa de Vitor; que chegando lá a declarante perguntou a
Vitor se ele tirou a virgindade de sua filha e Vitor confirmou; que o
acusado sabia a idade da vítima; que a outra filha da declarante disse ao
acusado para conversar com a declarante e o acusado disse que não
conversaria com a declarante porque não queria compromisso; que a
vítima contou à declarante que o acusado a levou para trás de um
caminhão, tampou a boca da menor e cometeu o ato.
O réu, Vitor Figueredo Santana, por sua vez, disse o seguinte em juízo (fl. 186):
[...] que efetivamente namorou a vítima, a qual aparentava ter 15 anos de
idade, e que a vítima era quem ia atrás dele; que não sabia a idade da
vítima; que manteve relações sexuais consentidas vez com a vítima em
sua residência, uma única vez; que foi uma amiga da vítima quem a
apresentou ao depoente; que namorou a vítima de um a dois meses; que
o namoro era escondido; que a vítima teve três ou quatro namorados
antes de namorar o depoente; que eles se chamam Danilo, Wesley e
Ramon, sendo que do quarto namorado o depoente não lembra o nome.
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5. Mariluce Assis da Mota Santos, amiga da mãe da vítima, afirmou em seu
depoimento que a vítima realmente aparentava ter mais idade do que realmente tinha (fl. 195).
A Testemunha Juliete dos Santos Silva (fl. 224) afirmou que era colega de trabalho
do réu, afirmando que ele teria dito que a menor era sua namorada, tendo acrescentado que
viu os dois juntos no bairro onde morava e que a menina aparentava ter cerca de 16
(dezesseis) anos de idade.
Outra testemunha, José Wilson Ferreira Santos, disse ser conhecido do réu e
afirmou que a menor aparentava ter características físicas que o faziam achar tratar-se de
alguém com 16 (dezesseis) ou 17 (dezessete) anos de idade e ficou surpreso ao saber da
idade real da vítima.
Alguns aspectos relatados no inquérito chamaram atenção porque foram alterados
em juízo, especialmente sobre o local no qual teria ocorrido a prática do crime, pois segundo a
denúncia os fatos se deram na casa da avó do acusado, de acordo com o que fora relatado no
inquérito policial.
Outro aspecto a ser destacado é o fato de ter sido declarado na fase extrajudicial
que, após a descoberta do que teria acontecido entre a menor e o acusado, a genitora teria
consentido o namoro (fl. 09).
Também chama atenção acréscimos de novas circunstâncias ao relatos da genitora
e da menor, ao declararem que a vítima foi puxada para trás de um caminhão para ser
violentada, ou seja, inovou-se na versão em juízo, tentando-se conduzir ao entendimento de
que haveria emprego de violência real.
Apesar da alteração da versão dada durante o inquérito, a vítima relatou em juízo
contato anterior à conjunção carnal com o acusado, tendo afirmado que chegou a ficar com o
réu, trocando beijos.
O conhecimento acerca da idade da menor pelo réu também não foi uma questão
explorada nas declarações que deram ensejo à instauração da ação penal, passando a ter
relevância no relato da genitora somente no depoimento prestado em juízo.
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6. É preciso observar que a precisão e harmonia apontadas na sentença acerca das
versões dos fatos apresentadas em juízo pelos depoimentos da vítima, da sua genitora e da
testemunha de acusação não corresponde ao que se nota da oitiva dos referidos depoimentos
colhidos em juízo e no cotejo com as demais provas dos autos.
De fato, não há dúvidas acerca da materialidade, tendo em vista que tanto a vítima
quanto o acusado reconhecem a prática dos atos de conotação sexual descritos na denúncia,
existindo ainda laudo de exame de constatação de conjunção carnal, que atestou a existência
de desvirginamento antigo da vítima.
Contudo, existe séria controvérsia acerca do conhecimento do acusado quanto à
real idade da vítima, que, à época dos fatos, contava com 11 (onze) anos de idade.
Como cediço, o erro de tipo deflui de falsa representação da realidade, da
concepção equivocada do agente sobre o plano concreto e, seja evitável ou não, escusável ou
não, sempre afasta o dolo, implicando plena atipicidade da conduta quando ausente previsão
culposa que se reserva para os erros evitáveis/escusáveis. Está previsto no art. 20, caput, do
Código Penal, in verbis: "O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo,
mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.
Sobre o assunto, Rogério Sanchez Cunha leciona: ''o agente ignora ou tem
conhecimento equivocado da realidade. Cuida-se de ignorância ou erro que recai sobre as
elementares, circunstâncias ou quaisquer dados que se agregam a determinada figura típica''
1
Prossegue o mesmo doutrinador, sustentando que o erro de tipo pode ser dividido em duas
espécies: o erro de tipo essencial e o erro de tipo acidental. Aprofundando o conceito de erro
de tipo essencial, destaca:
a) essencial – recai sobre dados principais do tipo (ex.: num dia de caça,
atirar contra pessoa pensando ser animal). Inexistindo consciência e
vontade, exclui, sempre, o dolo. Se o erro for invencível (ou escusável) é
dizer, inevitável, mesmo atentando-se para os cuidados necessários, além
do dolo exclui-se também a culpa; se vencível (ou inescusável), isto é,
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7. evitável pela diligência ordinária, o agente responderá por crime culposo,
se previsto pelo tipo respectivo (ex.: no caso do exemplo acima,
provando-se que qualquer pessoa, nas condições em que o caçador se
viu envolvido, empregando a diligência ordinária exigida pela ordem
jurídica, não incidiria em erro, há exclusão do dolo, mas não da culpa,
respondendo o agente por homicídio culposo).
ATENÇÃO: a evitabilidade do erro é aferida a depender da corrente que
se adote. A corrente tradicional invoca a figura do ghomem médioh por
entender que a previsibilidade deve ser avaliada objetivamente, levando
em consideração estritamente o fato, não o autor. A corrente moderna
trabalha com as circunstâncias do caso concreto, pois percebe que o grau
de instrução, idade do agente, momento e local do crime podem interferir
na previsibilidade da vítima. (CUNHA, Rogério Sanches. Código Penal
para Concursos. Salvador: 12. ed., rev., atual. e ampl. - JusPodium, 2019,
p. 107).
Logo, caso não haja prova concreta de que, nas circunstâncias nas quais se
desenvolveu o contato lascivo, o acusado tinha consciência que a vítima era menor de 14
(catorze) anos, falece o dolo indispensável para conformação do fato típico. Importante notar
que a verificação dessa ciência por parte do acusado deve ser levada a efeito em atenção a
todo o contexto que envolveu o contato sexual.
In casu, o acusado, ao ser ouvido em juízo, negou que tivesse conhecimento acerca
da real idade da vítima e tal fato, realmente, suscita dúvidas nos autos, por não ter sido essa
questão levantada e investigada quando da coleta dos depoimentos da vítima e genitora na
fase extrajudicial e também em razão do relato de que a vítima tinha características físicas
bastante desenvolvidas, que lhe faziam aparentar ter mais idade, segundo depoimentos da
próprio mãe da vítima e da amiga da mãe da vítima Mariluce Assis da Mota Santos, colhidos
em juízo (fl. 225).
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8. De fato, mostra-se evidente a dificuldade de se distinguir e apontar a idade
específica de adolescentes nessa faixa etária, sobremodo quando a compleição física é
relativamente robusta.
Diante desse cenário, entendo que deve prosperar a pretensão absolutória, tendo
em vista que a prova acostada aos autos não conduz à conclusão inexorável de que o acusado
tinha consciência da idade real da vítima, ou seja, que se tratava de menor de 14 (catorze)
anos na data dos fatos, incorrendo, portanto, em erro de tipo escusável, que exclui o dolo da
conduta.
Assim sendo, considerando a dinâmica dos fatos, as diversas versões acerca do
acontecido apresentada pela vítima, restou clara dúvida relevante sobre a percepção da
realidade acerca da idade da vítima, o que afasta o dolo do tipo.
Registre-se que este panorama não se confunde com a presunção absoluta de
violência dos delitos de estupro cometidos contra menores de 14 anos, porquanto sabido que
nestas hipóteses haverá a configuração do ilícito tipificado no art. 217-A do CP
independentemente de grave ameaça ou violência (real ou presumida), sendo, pois, irrelevante
eventual consentimento ou autodeterminação da vítima.
A sobredita conjuntura apresentada, em verdade, evidencia que as peculiaridades
do caso pode ter contruibuído para que o acusado criasse uma falsa percepção da realidade,
justamente quanto a uma das elementares do tipo penal incriminador, qual seja, a idade da
vítima, e, na dúvida, decide-se em favor do acusado, restando caracterizada a excludente de
ilicitude prevista no art. 20, caput, do Código Penal, o que autoriza juízo absolutório, na linha
dos seguintes julgados tanto do Superior Tribunal de Justiça:
EMENTA: PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO
RECURSO ESPECIAL. 1. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. RESP
REPETITIVO 1.480.881/PI E SÚMULA 593/STJ. PARTICULARIDADES
DO CASO CONCRETO. NECESSIDADE DE DISTINÇÃO. 2. ART. 217-A
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9. DO CP. SIMPLES PRESUNÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE DE
CONSENTIR. CRITÉRIO MERAMENTE ETÁRIO. RESPONSABILIDADE
PENAL SUBJETIVA. NECESSIDADE DE COMPATIBILIZAÇÃO. 3.
AUSÊNCIA DE TIPICIDADE MATERIAL. INEXISTÊNCIA DE
RELEVÂNCIA SOCIAL. FORMAÇÃO DE NÚCLEO FAMILIAR COM
FILHO. HIPÓTESE DE DISTINGUISING. 4. CONDENAÇÃO QUE
REVELA SUBVERSÃO DO DIREITO PENAL. COLISÃO DIRETA COM O
PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PREVALÊNCIA DO
JUSTO. 5. DERROTABILIDADE DA NORMA. POSSIBILIDADE
EXCEPCIONAL E PONTUAL. PRECEDENTES DO STF. 6. AUSÊNCIA
DE ADEQUAÇÃO E NECESSIDADE. INCIDÊNCIA DA NORMA QUE SE
REVELA MAIS GRAVOSA. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE
AUSENTES. 7. PRETENSÃO ACUSATÓRIA CONTRÁRIA AOS
ANSEIOS DA VÍTIMA. VITIMIZAÇÃO SECUNDÁRIA.
DESESTRUTURAÇÃO DE ENTIDADE FAMILIAR. OFENSA MAIOR À
DIGNIDADE DA VÍTIMA. 8. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS.
NECESSIDADE DE PONDERAÇÃO. INTERVENÇÃO NA NOVA
UNIDADE FAMILIAR. SITUAÇÃO MUITO MAIS PREJUDICIAL QUE A
CONDUTA EM SI. 9. EXISTÊNCIA DE UNIÃO ESTÁVEL COM FILHO.
ABSOLUTA PROTEÇÃO DA FAMÍLIA E DO MENOR. ABSOLVIÇÃO
PENAL QUE SE IMPÕE. ATIPICIDADE MATERIAL RECONHECIDA. 10.
AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A hipótese
trazida nos presentes autos apresenta particularidades que impedem a
simples subsunção da conduta narrada ao tipo penal incriminador, motivo
pelo qual não incide igualmente a orientação firmada pelo Superior
Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial Repetitivo n.
1.480.881/PI e no enunciado sumular n. 593/STJ. 2. Atualmente, o
estupro de vulnerável não traz em sua descrição qualquer tipo de ameaça
ou violência, ainda que presumida, mas apenas a presunção de que o
menor de 14 anos não tem capacidade para consentir com o ato sexual.
Assim, para tipificar o delito em tela, basta ser menor de 14 anos. Diante
do referido contexto legal, se faz imperativo, sob pena de violação da
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10. responsabilidade penal subjetiva, analisar detidamente as particularidades
do caso concreto, pela perspectiva não apenas do autor mas também da
vítima. 3. Um exame acurado das nuances do caso concreto revela que a
conduta imputada, embora formalmente típica, não constitui infração
penal, haja vista a ausência de relevância social e de efetiva vulneração
ao bem jurídico tutelado. De fato, trata-se de dois jovens namorados, cujo
relacionamento foi aprovado pelos pais da vítima, sobrevindo um filho e a
efetiva constituição de núcleo familiar. Verifica-se, portanto,
particularidades que impedem o julgamento uniforme no caso concreto,
sendo necessário proceder ao distinguishing ou distinção. 4. A
condenação de um jovem de 20 anos, que não oferece nenhum risco à
sociedade, ao cumprimento de uma pena de 14 anos de reclusão, revela
uma completa subversão do direito penal, em afronta aos princípios
fundamentais mais basilares, em rota de colisão direta com o princípio da
dignidade humana. Dessa forma, estando a aplicação literal da lei na
contramão da justiça, imperativa a prevalência do que é justo,
utilizando-se as outras técnicas e formas legítimas de interpretação
(hermenêutica constitucional). 5. O Supremo Tribunal Federal, por mais
de uma vez, já deixou de aplicar um tipo penal ao caso concreto, nos
denominados hard cases, se valendo da teoria da derrotabilidade do
enunciado normativo, a qual trata da possibilidade de se afastar a
aplicação de uma norma, de forma excepcional e pontual, em hipóteses
de relevância do caso concreto (HC 124.306/RJ, Rel. Min. Roberto
Barroso, julgado em 9/8/2016, DJe 16/3/2017). 6. Ademais, a incidência
da norma penal, na presente hipótese, não se revela adequada nem
necessária, além de não ser justa, porquanto sua incidência trará violação
muito mais gravosa de direitos que a conduta que se busca apenar.
Dessa forma, a aplicação da norma penal na situação dos autos não
ultrapassa nenhum dos crivos dos princípios da proporcionalidade e da
razoabilidade. 7. Destaco, ainda, conforme recentemente firmado pela
Quinta Turma, que não se mostra coerente impor à vítima uma vitimização
secundária pelo aparato estatal sancionador, ao deixar de considerar
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11. "seus anseios e sua dignidade enquanto pessoa humana". A manutenção
da pena privativa de liberdade do recorrente, em processo no qual a
pretensão do órgão acusador se revela contrária aos anseios da própria
vítima, acabaria por deixar a jovem e o filho de ambos desamparados não
apenas materialmente mas também emocionalmente, desestruturando
entidade familiar constitucionalmente protegida. (REsp 1524494/RN e
AREsp 1555030/GO, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 18/5/2021, DJe
21/5/2021). 8. Se por um lado a CF consagra a proteção da criança e do
adolescente quanto à sua dignidade e respeito (art. 227), não fez diferente
quando também estabeleceu que a família é a base da sociedade, e que
deve ter a proteção do Estado, reconhecendo a união estável como
entidade familiar (art. 226, ˜ 3‹). Antes, ainda proclamou a dignidade da
pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de
Direito (1º, III) e o caminho da sociedade livre, justa e fraterna como
objetivo central da República (preâmbulo e art. 3º, III). Assim, proclamar
uma censura penal no cenário fático esquadrejado nestes autos é intervir,
inadvertidamente, na nova unidade familiar de forma muito mais
prejudicial do que se pensa sobre a relevância do relacionamento e da
relação sexual prematura entre vítima e recorrente. 9. Há outros aspectos,
na situação em foco, que afastam a ocorrência da objetividade jurídica do
art. 217-A do CP. Refiro-me não só à continuidade da união estável mas
também ao nascimento do filho do casal. E a partir disso, um novo bem
jurídico também merece atenção: a absoluta proteção da criança e do
adolescente (no caso um bebê). Submeter a conduta do recorrente à
censura penal levará ao esfacelamento da união estável, ocasionando na
vítima e em seu filho traumas muito mais danosos que se imagina que
eles teriam em razão da conduta imputada ao impugnante. No jogo de
pesos e contrapesos jurídicos não há, neste caso, outra medida a ser
tomada: a opção absolutória na perspectiva da atipicidade material. Essa
particular forma de parametrar a interpretação das normas jurídicas
(internas ou internacionais) é a que mais se aproxima da Constituição
Federal, que faz da cidadania e da dignidade da pessoa humana dois de
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12. seus fundamentos, bem como tem por objetivos fundamentais erradicar a
marginalização e construir uma sociedade livre, justa e solidária (incisos I,
II e III do art.3º). Tudo na perspectiva da construção do tipo ideal de
sociedade que o preâmbulo da respectiva Carta Magna caracteriza como
"fraterna" (HC n. 94163, Relator Min. Carlos Britto, julgado em 2/12/2008,
DJe 22/10/2009). (AgRg no RHC 136.961/RJ, Rel. Ministro REYNALDO
SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 15/06/2021, DJe
21/06/2021). 10. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ,
AgRg no REsp 1919722/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA
FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 17/08/2021, DJe 20/08/2021).
Destarte, o que se tem de concreto é que houve a conjunção carnal e que não se
demonstrou com segurança que o acusado conhecia o fato de a vítima contar apenas com 11
(onze) anos de idade à época dos fatos e, sendo possível admitir-se a excludente de ilicitude
prevista no art. 20, caput, do Código Penal, e, não vislumbrando nos autos elementos
probatórios suficientes, isento de dúvidas, a embasar a condenação, impõe-se a absolvição do
recorrido, sobretudo, em face do princípio in dubio pro reo.
CONCLUSÃO
III - Por todo o exposto, dá-se provimento ao recurso, para absolver VITOR
FIGUEIREDO SANTANA da imputação que lhe foi feita na inicial acusatória, com fulcro no art.
386, VI, do Código de Processo Penal.
Sala das Sessões, de de 2021.
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13. Presidente
Nartir Dantas Weber
Relatora
Procurador (a) de Justiça
1CUNHA, Rogério Sanches. Código Penal para Concursos. Salvador: 12. ed., rev., atual. e ampl. - JusPodium, 2019, p. 107.
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