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SOCIOLOGIA BRASILEIRA
Desde sua consolidação, nos anos 1930, até os dias de hoje, a Sociologia feita no Brasil sofreu influência
de teses e teorias desenvolvidas em outros países. A sociedade brasileira foi analisada com base nas relações
sociais, políticas, econômicas e ideológicas estabelecidas com outras sociedades, em especial com as sociedades
capitalistas do Ocidente.
Em razão das feições particulares que a sociedade brasileira ganhou em cinco séculos de história, seus
intérpretes procuraram analisar os fatores que a distinguem das demais sociedades contemporâneas.
1 INTERPRETAÇÕES SOBRE A FORMAÇÃO DO BRASIL
No final do século XIX e início do XX, diversos estudiosos buscaram analisar as particularidades do Brasil.
Eles investigaram como a nação teria se formado, quais seriam as bases dessa formação social, em que medida o
passado colonial e escravista teria influenciado essa formação e quais seriam as características centrais da
identidade social brasileira. Mais tarde, entre as décadas de 1950 e 1960, essas questões se ampliaram e se
diversificaram: destacaram-se os trabalhos que refletiam sobre o papel econômico e político do Brasil na divisão
internacional do trabalho e a relação de dependência com os países de economia mais avançada. Nos dias de hoje,
uma questão central é a reprodução do passado de desigualdades sociais no Brasil, seja por consequência da
escravidão, seja em razão do papel subalterno diante de países economicamente mais ricos, como Estados Unidos,
Alemanha, França, Inglaterra e, mais recentemente, a China.
Durante os períodos colonial e imperial, predominavam a produção agrícola e extrativista com utilização de
força de trabalho escrava e uma organização social majoritariamente rural e centrada na esfera familiar. Após a
Proclamação da República (1889), o trabalho assalariado livre tornou-se dominante e o país viveu um intenso
processo de urbanização, o que gerou novas contradições e problemas sociais. Essas questões também se refletiam
no ambiente universitário que se estruturava.
Influenciados pelas discussões sociológicas que ocorriam em países europeus ou nos Estados Unidos,
intelectuais desse período acreditavam que havia uma contradição entre o que a sociedade brasileira era de fato e
aquilo que poderia ser. Muitas dessas interpretações problematizavam as particularidades do Brasil pela perspectiva
de outras sociedades.
O passado colonial aparecia como elemento central na maioria dos livros dessa época que discutiram a
formação social do país. Em 1920, o historiador e sociólogo Oliveira Vianna (1883-1951) publicou Populações
meridionais do Brasil, livro que destaca diferenças entre o povo brasileiro e os demais. Motivado por sua tese de
que o Brasil teria sido formado por brancos, apesar da presença de índios, mestiços e negros, Oliveira Vianna
previa uma nação embranquecida, em razão da forte imigração europeia e da suposta maior fecundidade dos
brancos em relação às outras “raças”.
Em 1933 Gilberto Freyre publicou Casa-grande & senzala, livro que o sociólogo e crítico Antonio Candido
(1918-) considera ser uma ponte entre as interpretações embasadas em fatores naturais, como o meio e a raça, e a
contribuição sociológica desenvolvida a partir dos anos 1940. Freyre argumenta que a miscigenação seria o traço
cultural central da sociedade brasileira.
Mas ao contrário de interpretações anteriores, não vê a mestiçagem de forma negativa e enfatiza a
necessidade de substituir o conceito de “raça”, largamente difundido no Brasil, pelo conceito de cultura.
Segundo Gilberto Freyre, a família patriarcal foi a base sobre a qual a mestiçagem se desenvolveu no
Brasil. Presente sobretudo no latifúndio monocultor do Nordeste brasileiro, a família patriarcal constituiria, assim, a
forma social ideal para que a “raça” branca, colonizadora, se relacionasse com as demais “raças”.
Gilberto Freyre defende sua tese da democracia racial, sempre observando o predomínio dos aspectos
culturais em relação aos “raciais”. Nesses termos, a mestiçagem é entendida como uma vantagem e o negro é
desmitificado como ser “selvagem”. O povo brasileiro é considerado não como simples soma de três “raças”, mas
como resultado de um encontro mais complexo, que remete à formação da cultura brasileira.
Diferentemente de Freyre, o historiador e economista Caio Prado Júnior (1907-1990), nos livros Evolução
política do Brasil (1933) e Formação do Brasil contemporâneo (1942), interpreta o passado colonial baseando-se na
produção, distribuição e consumo de mercadorias. Neste segundo livro, o Brasil é analisado como parte do
processo de expansão mercantil europeia. Para Caio Prado, a formação do Brasil teria se dado de fora para dentro,
levando o país a se estruturar como fornecedor de produtos tropicais, a exemplo da cana-de-açúcar. Segundo esse
autor, a história do Brasil deveria ser entendida num âmbito mais amplo, que tem relação direta com as formas de
expansão do comércio europeu na América do Sul.
As massas de escravos, semiescravos, pobres, explorados e empobrecidos ganham importância na análise
de Caio Prado. O autor aponta também para a especificidade que diferencia a sociedade brasileira da portuguesa
desde o período colonial. Segundo ele, já naquele período os brasileiros teriam adquirido forma própria, diferente
das formas indígenas, africanas e da portuguesa. Consequentemente, nós, brasileiros, teríamos começado a
desenvolver uma mentalidade coletiva singular.
Outro autor importante desse período foi Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), que publicou o livro
Raízes do Brasil em 1936, três anos depois de Casa-grande & senzala e com escrita completamente diversa da de
Freyre. De estilo mais conciso, a obra aborda as dificuldades de implantação do liberalismo tradicional diante da
formação histórica da sociedade brasileira. Sérgio Buarque foi influenciado pela história social francesa, a
sociologia da cultura alemã, sobretudo a obra de Max Weber, e a teoria sociológica e etnológica.
Sérgio Buarque dialogou com o historiador Manoel Bomfim (1868-1932) e com o pensador e político
Alberto Torres (1865-1917), entre outros autores, e especialmente com Oliveira Vianna, ao criticar a visão
autoritária desse autor sobre a formação social do Brasil. Com Raízes do Brasil, Sérgio Buarque buscou, de modo
geral, apresentar as características da nação brasileira, os marcos principais de mudança e os caminhos para a
transformação futura.
As análises realizadas por Sérgio Buarque de Holanda se estruturaram em torno da oposição entre o mundo
rural e o mundo urbano e entre a esfera privada e a esfera pública. Em sua concepção, é preciso superar as raízes
que caracterizaram a sociedade brasileira, para que se possa modificá-la. Com esse objetivo em vista, o autor traçou
um panorama histórico do Brasil desde os períodos colonial, imperial e republicano, até os anos 1930.
2. A GERAÇÃO DE 1930
Na década de 1930, Gilberto Freyre, Caio Prado Júnior e Sérgio Buarque de Holanda deram forma
científica à Sociologia brasileira. Amparados, respectivamente, nas obras de Franz Boas, Karl Marx e Max Weber,
tornaram-se decisivos para os rumos da Sociologia no país. A seguir, vamos examinar os pontos centrais das obras
de Sérgio Buarque e Caio Prado Júnior.
Sérgio Buarque adotou o referencial weberiano para analisar o Brasil desde o período colonial. Sua obra
denuncia a permanência dos fundamentos das oligarquias agrárias e do patriarcalismo na sociedade brasileira.
Opondo-se às teorias racistas e aproximando-se de Gilberto Freyre, esse autor entende que a mestiçagem
teve papel central na construção da identidade nacional. Porém, enquanto Gilberto Freyre fez uma interpretação
positiva do passado rural como algo próprio de nossa cultura e que não deveria ser transformado, Sérgio Buarque
enfatizou a necessidade da transformação social, da constituição de um conjunto de regras e normas destinadas a
superar um passado de favorecimentos pessoais originários das oligarquias rurais.
Alicerçando seu raciocínio nos tipos ideais weberianos, Sérgio Buarque constituiu um etos nacional, isto é,
um conjunto de características dessa cultura, na medida em que explicitou os traços marcantes da sociedade
brasileira da época.
Esse etos nacional se fundamenta em uma relação dialética própria da sociedade brasileira. De um lado,
Sérgio Buarque assinalou a modernização da sociedade brasileira; de outro, o conservadorismo, que tenta bloquear
essa modernização.
Para esse autor, o tipo ideal que explicita esse processo contraditório é o homem cordial. Ele seria a chave
analítica para compreender como certos setores da sociedade brasileira resistem ao processo de modernização.
Segundo Sérgio Buarque, a modernização constrói uma nova sociabilidade, que coloca em risco o universo das
relações de favorecimento já estabelecidas.
Assim, a cordialidade sintetizaria uma forma de conduta social, nem sempre consciente, que procura frear a
modernização da sociedade brasileira e conservar as relações sociais de favorecimento pessoal. A evolução da
sociedade brasileira, para esse autor, deve superar essas características e se pautar na busca de uma sociedade
civilizada, uma sociedade urbana e cosmopolita que deixe para trás o mundo rural.
A Sociologia de Sérgio Buarque examina, com base na sociedade brasileira, a ligação estreita entre o que é
público e o que é privado e seus limites. A ausência de delimitações entre essas duas esferas da vida social pode ser
observada ainda hoje, e a prática do favorecimento se disseminou em paralelo com a modernização da sociedade
brasileira, sobretudo no que se refere à burocracia estatal. Vemos casos de desvio de verbas e má administração de
dinheiro público, nepotismo e corrupção, ao longo de todo o século XX e começo do século XXI. Nesse sentido, a
obra de Sérgio Buarque de Holanda é uma leitura fundamental para entender o processo histórico-social brasileiro.
Caio Prado Júnior, por sua vez, procurou caracterizar em que medida a formação do Brasil estaria atrelada
ao contexto de expansão do mercado europeu. A análise que desenvolveu no livro Formação do Brasil
contemporâneo parte da metodologia marxista, sobretudo por tentar compreender o que estaria oculto no processo
de colonização da sociedade brasileira. Para esse autor, a colonização do Brasil e suas consequências históricas
devem ser pensadas a partir da ideia de que o Brasil se integrou a uma dinâmica maior, diretamente relacionada à
expansão marítima e comercial europeia.
O início da colonização portuguesa na América se fundamentou na produção e exploração de gêneros
tropicais direcionados para o mercado externo, e não no povoamento do território. No início, a sociedade brasileira
se estruturou economicamente na produção de açúcar e tabaco; mais tarde na extração de ouro e diamantes; e em
seguida na produção de algodão e de café, atendendo o mercado europeu. Para o autor, a grande propriedade (o
latifúndio), a monocultura e o trabalho escravo se apresentariam, portanto, como as três características centrais da
formação social do Brasil nos séculos XVI, XVII e XVIII.
A produção agrária, que tinha como centro geopolítico o engenho e a fazenda, integrou-se aos objetivos
comerciais europeus. A figura que predominou nesse período não foi a do pequeno produtor rural, e sim a do
empresário explorador, o empresário de um grande negócio. Para Caio Prado, seria necessário entender a nação a
partir do que ela herdou da colônia, observando essa transformação como um processo histórico de longa duração.
A análise que Caio Prado fez do século XIX mostra-se importante sobretudo por dois motivos. Primeiro
porque faz um “balanço final” de três séculos de colonização, depois porque se mostra como “chave insubstituível”
para compreender a sociedade brasileira que se constituiu posteriormente. A obra de Caio Prado Jr. demonstra quão
importante é analisar os períodos colonial e imperial para compreender o Brasil, seja do ponto de vista do resgate
da nossa formação social, seja para observar a presença desse passado na sociedade brasileira atual. Ao observar as
nuances arcaicas do Brasil moderno, Caio Prado considerou a formação do país ainda incompleta.
Essa incompletude se deve, na visão de Caio Prado, à permanência do Brasil em um papel de subordinação
e dependência em relação a outras economias. Segundo esse autor, o passado colonial ainda estaria presente na
sociedade brasileira: ele observa, por exemplo, que o trabalho livre não teria se organizado em todo o país,
conservando traços do trabalho escravo. O mesmo raciocínio valeria para a produção extensiva destinada a atender
os mercados no exterior e a ausência de um mercado interno desenvolvido, que reproduziria, assim, a subordinação
do Brasil em relação a economias de outros países.
Cabe dizer que o pensamento de Caio Prado se alinhava aos estudos historiográficos de seu tempo. Nas
últimas décadas, novos estudos historiográficos têm destacado a dinâmica econômica colonial, a diversidade de
atividades econômicas voltadas para o mercado interno e a importância dos pequenos produtores para o
desenvolvimento social e econômico do território durante o período colonial.
3. A ESCRAVIDÃO E A QUESTÃO RACIAL
A herança escravista e a questão racial, temas abordados por vários sociólogos durante o século XX,
permanecem extremamente relevantes no século XXI.
Os historiadores Fernando Novais (1933-) e Emilia Viotti da Costa (1928-), os sociólogos Octavio Ianni e
Fernando Henrique Cardoso (1931-) e mais recentemente os historiadores Sidney Chalhoub (1957-), Silvia Hunold
Lara (1955-), Célia Maria Marinho de Azevedo (1951-), os sociólogos Antonio Sérgio Guimarães (1952-) e Sérgio
Costa (1962-), o antropólogo Kabengele Munanga (1942-), entre tantos outros, procuram entender o peso e a
importância desses temas para a sociedade brasileira.
A referência clássica desses autores, ainda que com críticas e avanços, é a obra de Florestan Fernandes (ver
Capítulo 4 e Perfil a seguir). Esse autor foi responsável pela formação de um conjunto de pesquisadores que
desenvolveram o seu trabalho na Sociologia brasileira, particularmente Octavio Ianni e Fernando Henrique
Cardoso. Além das discussões acerca da escravidão e da questão racial, sua obra aborda temas como a metodologia
sociológica, o subdesenvolvimento, as classes sociais e a questão indígena, tornando-se, assim, uma das referência
centrais para a Sociologia brasileira contemporânea.
Para Fernandes, a escravidão no Brasil tomou formas distintas e se conecta direta e indiretamente com os
ciclos econômicos do período colonial. Em semelhança com a abordagem de Caio Prado Júnior, Florestan
Fernandes entendia que o Brasil colônia havia se estruturado como uma economia exportadora de produtos
tropicais e que essa organização fora imposta pela metrópole portuguesa. A economia colonial foi marcada pela
especialização em determinados ramos produtivos, especialização que se manteve após a emancipação da colônia
iniciada com a vinda da família imperial portuguesa para o Brasil, em 1808.
Florestan Fernandes observou que as estruturas de dominação social do período colonial teriam sido
preservadas no processo de modernização capitalista no Brasil na medida em que, já no século XX, a dependência
em relação à metrópole teria sido transferida, de forma mais ampla, para o mercado capitalista europeu. A
escravidão projeta-se, assim, como um fenômeno social que tem ressonância na organização social da sociedade
brasileira até nossos dias.
A desigualdade social, por exemplo, teria relação direta com a escravidão e mais particularmente com o
modo como os negros foram incorporados a uma sociedade de classes, depois da abolição, em 1888. Ou seja,
mesmo considerando o fim da escravidão um marco histórico importante, seria fundamental questionar em que
medida as desigualdades sociais baseadas em diferenças de cor se reproduzem e se manifestam após a abolição.
Para entender esse processo seria preciso analisar o mito da democracia racial. Em seu livro A integração
do negro na sociedade de classes (1978), Florestan Fernandes observou que a democracia racial teria servido para
difundir a ideia de que não existem distinções sociais entre negros e brancos e afirmar uma suposta convivência
pacífica e harmônica entre brancos e não brancos. Essas ideias levariam a supor que as oportunidades econômicas,
sociais e políticas estariam abertas a todos os brasileiros de forma igualitária.
Segundo esse autor, essa ideologia propaga até hoje no Brasil racismo, preconceitos e discriminações.
Exemplos disso seriam afirmações do senso comum que garantem que o negro não tem problema de integração
social, que a “índole brasileira” não permite distinções raciais, que as oportunidades sociais estão abertas a todos os
brasileiros de forma igualitária, que o negro está satisfeito com sua condição social e seu estilo de vida. Esse
problema social fica evidente em um estudo realizado em 2014 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em
parceria com a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), denominado
Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade Racial. Segundo esse estudo, no Brasil, a
probabilidade de um jovem negro ser assassinado é 2,5 vezes maior do que a de um jovem branco. Um outro dado
indica que a taxa de jovens negros mortos por 100 mil habitantes subiu de 60,5 em 2007 para 70,8 em 2012 e entre
os jovens brancos de 26,1 para 27,8. Mesmo que a taxa de assassinatos tenha aumentado para negros e brancos, a
frequência de mortes de jovens negros, que já era maior, cresceu muito mais que a de jovens brancos.
Para Florestan Fernandes, de um lado o mito da democracia racial teria consolidado a crença de que a
situação do negro se deve a sua própria incapacidade de superar dificuldades sociais, tais como o desemprego e a
pobreza. Por outro lado, o mito desresponsabiliza o branco e o isenta (sobretudo os brancos da classe dominante)
dos efeitos da abolição e da degradação da situação da comunidade negra no Brasil. Fernandes sugeriu, entretanto,
que o mito da democracia racial poderia ser usado como ponto de partida para a melhoria da condição do negro na
sociedade de classes, desde que o pressuposto democrático seja realmente alcançado. Salientou, assim, que a luta
em torno dessa questão deve ser levada a cabo por negros e pardos.
Nos últimos anos, entretanto, essa questão vem sendo trabalhada por outro ângulo. O mito da democracia
racial não seria simplesmente um mecanismo de acobertamento das desigualdades e discriminações, mas também
reproduziria a ideologia da identidade nacional que impede a construção da igualdade entre os brasileiros.
4. PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO
Nas últimas décadas ocorreram grandes mudanças na economia mundial, sobretudo com as reestruturações
produtivas iniciadas no Japão nas décadas de 1950 e 1960 e nas décadas de 1960 e 1970 nos Estados Unidos e na
Europa ocidental (ver Capítulo 7). As consequências desse processo de reestruturação produtiva mundial, que teve
por base a substituição intensa de trabalho por novas tecnologias produtivas, principalmente robótica e
microeletrônica, foram percebidas no Brasil desde a década de 1990 até os dias de hoje.
A incorporação dessa base tecnológica foi impulsionada pelo avanço do neoliberalismo nos governos
Fernando Collor (1990 a 1992) e Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2002), que promoveram a abertura
econômica, a privatização de empresas estatais e a desregulamentação de leis de proteção ao trabalhador. Essas
medidas tiveram como consequências centrais o aumento do desemprego formal e, em razão disso, o aumento do
trabalho informal, reduções salariais significativas, a precarização do trabalho e o enfraquecimento político da
classe trabalhadora.
A Sociologia brasileira analisou esse período destacando questões como: a consolidação da democracia, o
nascimento de novos movimentos sociais, a constituição de políticas neoliberais, de novas identidades sociais e
culturais, a questão ambiental, a questão racial, as políticas de inclusão social, as ações afirmativas (como cotas) e,
nos últimos anos, a discussão sobre as classes médias e sobre o neodesenvolvimentismo. A seguir discutiremos o
trabalho e sua precarização, enfatizando em que medida a desigualdade social ganhou novos contornos em razão
das relações de trabalho que se estabeleceram nas três últimas décadas.
A reestruturação produtiva chegou ao Brasil no final dos anos 1980 e início dos anos 1990. Assim como na
reestruturação produtiva europeia e estadunidense, milhares de postos de trabalho foram substituídos por
tecnologias robótica e microeletrônica. Isso provocou a dispensa de boa parte da classe operária industrial e o
acúmulo de funções para os trabalhadores que permaneceram em seus postos de trabalho.
Entretanto, no Brasil, o processo de reestruturação produtiva apresenta particularidades. Enquanto na
Europa e nos Estados Unidos havia, anteriormente, leis de proteção ao trabalhador instituídas no contexto do
Estado de bem-estar social, no Brasil a história é bem distinta. Nos dois cenários a reestruturação se desenvolve em
um mesmo sentido: aumentar a produtividade para gerar mais lucro, com base na submissão política da classe
trabalhadora e de suas instituições representativas (sindicatos e partidos). No Brasil, porém, um passado de
desigualdades sociais, relacionado primeiro com a escravidão e depois com as formas desiguais de inclusão do
negro na sociedade de classes, e de separação marcante entre ricos e pobres, influenciou profundamente a forma
como a reestruturação produtiva se efetivou.
O Brasil continua apresentando um dos índices mais altos de desigualdade social do mundo. A
reestruturação produtiva aprofundou uma condição de precariedade que a classe trabalhadora brasileira já
vivenciava desde sua formação, no início do século XX. A precarização do trabalho tem, portanto, não apenas
características gerais, mas também características específicas do contexto brasileiro.
Entre as características gerais, podemos destacar a desregulamentação das leis de proteção ao trabalhador e
a terceirização, que se fundamenta no princípio da empresa enxuta. Por meio da terceirização, as empresas
transferem a outras a responsabilidade de partes da produção que não considerem estratégicas. Em relação à
desregulamentação de leis trabalhistas, durante os anos 1990 houve um processo de “flexibilização” das
negociações salariais, de jornada de trabalho (com o banco de horas), de formas de contratação (como a contratação
por tempo parcial), o que permitiu ao empregador dispensar o trabalhador sem pagar encargos trabalhistas. Isso
favoreceu a subcontratação, muito presente nas empresas terceirizadas, nas quais os direitos trabalhistas foram
drasticamente reduzidos.
Entre os aspectos específicos da reestruturação da produção e do trabalho no Brasil, temos como
características a informalidade, a degradação das condições de trabalho e a intensificação de problemas de saúde no
trabalho. De acordo com os dados expostos pela socióloga Maria da Graça Druck (1953-), a precarização tem
aumentado nos últimos anos. Em seu levantamento, feito com base na Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio
(Pnad), em 2009 havia 101,1 milhões de indivíduos economicamente ativos no Brasil. Dentre esses 101,1 milhões,
8,4 milhões eram desempregados e 8,2 milhões estavam sem remuneração alguma. Druck entende, assim, que 16,6
milhões de pessoas, isto é, 16,4% da população ativa, estava fora do mercado de trabalho. Além disso, observa com
base no mesmo censo que, dos 84,5 milhões de indivíduos empregados, 43,5 milhões estavam sem carteira
assinada, isto é, sem direitos trabalhistas garantidos pelo emprego formal. Esses números revelam um alto grau de
informalidade do trabalho no Brasil.
A superexploração do trabalho ocorre seja pela extensão da jornada, seja pela aceleração no ritmo da
produção, com imposição de metas e acúmulo de funções. Em termos da saúde do trabalhador, Graça Druck
demonstra um aumento no número de acidentes de trabalho na última década e também da incidência de doenças
mentais relacionadas à violência nos ambientes de trabalho. Estas últimas derivam da pressão exercida sobre os
trabalhadores em razão de uma ideologia de metas produtivas a serem atingidas a qualquer preço. Segundo a
autora, em 2001 foram registrados 340,3 mil acidentes de trabalho no Brasil; já em 2009, o número de acidentes
sobe para 723,5 mil, um aumento de 126% em nove anos.
Observa-se, portanto, um quadro de reprodução das formas de desigualdades sociais no Brasil. É
importante salientar que as causas dessa desigualdade devem ser pensadas na relação entre vários elementos da
formação histórica da sociedade brasileira. Compreender nosso passado é o ponto de partida para entendermos o
Brasil contemporâneo, sobretudo se observarmos como novas demandas, reivindicações e problemas sociais
aparecem mascarados de novidade, mas, na maioria das vezes, têm relação com velhas questões de nossa estrutura
social.

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Sociologia brasileira

  • 1. SOCIOLOGIA BRASILEIRA Desde sua consolidação, nos anos 1930, até os dias de hoje, a Sociologia feita no Brasil sofreu influência de teses e teorias desenvolvidas em outros países. A sociedade brasileira foi analisada com base nas relações sociais, políticas, econômicas e ideológicas estabelecidas com outras sociedades, em especial com as sociedades capitalistas do Ocidente. Em razão das feições particulares que a sociedade brasileira ganhou em cinco séculos de história, seus intérpretes procuraram analisar os fatores que a distinguem das demais sociedades contemporâneas. 1 INTERPRETAÇÕES SOBRE A FORMAÇÃO DO BRASIL No final do século XIX e início do XX, diversos estudiosos buscaram analisar as particularidades do Brasil. Eles investigaram como a nação teria se formado, quais seriam as bases dessa formação social, em que medida o passado colonial e escravista teria influenciado essa formação e quais seriam as características centrais da identidade social brasileira. Mais tarde, entre as décadas de 1950 e 1960, essas questões se ampliaram e se diversificaram: destacaram-se os trabalhos que refletiam sobre o papel econômico e político do Brasil na divisão internacional do trabalho e a relação de dependência com os países de economia mais avançada. Nos dias de hoje, uma questão central é a reprodução do passado de desigualdades sociais no Brasil, seja por consequência da escravidão, seja em razão do papel subalterno diante de países economicamente mais ricos, como Estados Unidos, Alemanha, França, Inglaterra e, mais recentemente, a China. Durante os períodos colonial e imperial, predominavam a produção agrícola e extrativista com utilização de força de trabalho escrava e uma organização social majoritariamente rural e centrada na esfera familiar. Após a Proclamação da República (1889), o trabalho assalariado livre tornou-se dominante e o país viveu um intenso processo de urbanização, o que gerou novas contradições e problemas sociais. Essas questões também se refletiam no ambiente universitário que se estruturava. Influenciados pelas discussões sociológicas que ocorriam em países europeus ou nos Estados Unidos, intelectuais desse período acreditavam que havia uma contradição entre o que a sociedade brasileira era de fato e aquilo que poderia ser. Muitas dessas interpretações problematizavam as particularidades do Brasil pela perspectiva de outras sociedades. O passado colonial aparecia como elemento central na maioria dos livros dessa época que discutiram a formação social do país. Em 1920, o historiador e sociólogo Oliveira Vianna (1883-1951) publicou Populações meridionais do Brasil, livro que destaca diferenças entre o povo brasileiro e os demais. Motivado por sua tese de que o Brasil teria sido formado por brancos, apesar da presença de índios, mestiços e negros, Oliveira Vianna previa uma nação embranquecida, em razão da forte imigração europeia e da suposta maior fecundidade dos brancos em relação às outras “raças”. Em 1933 Gilberto Freyre publicou Casa-grande & senzala, livro que o sociólogo e crítico Antonio Candido (1918-) considera ser uma ponte entre as interpretações embasadas em fatores naturais, como o meio e a raça, e a contribuição sociológica desenvolvida a partir dos anos 1940. Freyre argumenta que a miscigenação seria o traço cultural central da sociedade brasileira. Mas ao contrário de interpretações anteriores, não vê a mestiçagem de forma negativa e enfatiza a necessidade de substituir o conceito de “raça”, largamente difundido no Brasil, pelo conceito de cultura. Segundo Gilberto Freyre, a família patriarcal foi a base sobre a qual a mestiçagem se desenvolveu no Brasil. Presente sobretudo no latifúndio monocultor do Nordeste brasileiro, a família patriarcal constituiria, assim, a forma social ideal para que a “raça” branca, colonizadora, se relacionasse com as demais “raças”. Gilberto Freyre defende sua tese da democracia racial, sempre observando o predomínio dos aspectos culturais em relação aos “raciais”. Nesses termos, a mestiçagem é entendida como uma vantagem e o negro é
  • 2. desmitificado como ser “selvagem”. O povo brasileiro é considerado não como simples soma de três “raças”, mas como resultado de um encontro mais complexo, que remete à formação da cultura brasileira. Diferentemente de Freyre, o historiador e economista Caio Prado Júnior (1907-1990), nos livros Evolução política do Brasil (1933) e Formação do Brasil contemporâneo (1942), interpreta o passado colonial baseando-se na produção, distribuição e consumo de mercadorias. Neste segundo livro, o Brasil é analisado como parte do processo de expansão mercantil europeia. Para Caio Prado, a formação do Brasil teria se dado de fora para dentro, levando o país a se estruturar como fornecedor de produtos tropicais, a exemplo da cana-de-açúcar. Segundo esse autor, a história do Brasil deveria ser entendida num âmbito mais amplo, que tem relação direta com as formas de expansão do comércio europeu na América do Sul. As massas de escravos, semiescravos, pobres, explorados e empobrecidos ganham importância na análise de Caio Prado. O autor aponta também para a especificidade que diferencia a sociedade brasileira da portuguesa desde o período colonial. Segundo ele, já naquele período os brasileiros teriam adquirido forma própria, diferente das formas indígenas, africanas e da portuguesa. Consequentemente, nós, brasileiros, teríamos começado a desenvolver uma mentalidade coletiva singular. Outro autor importante desse período foi Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), que publicou o livro Raízes do Brasil em 1936, três anos depois de Casa-grande & senzala e com escrita completamente diversa da de Freyre. De estilo mais conciso, a obra aborda as dificuldades de implantação do liberalismo tradicional diante da formação histórica da sociedade brasileira. Sérgio Buarque foi influenciado pela história social francesa, a sociologia da cultura alemã, sobretudo a obra de Max Weber, e a teoria sociológica e etnológica. Sérgio Buarque dialogou com o historiador Manoel Bomfim (1868-1932) e com o pensador e político Alberto Torres (1865-1917), entre outros autores, e especialmente com Oliveira Vianna, ao criticar a visão autoritária desse autor sobre a formação social do Brasil. Com Raízes do Brasil, Sérgio Buarque buscou, de modo geral, apresentar as características da nação brasileira, os marcos principais de mudança e os caminhos para a transformação futura. As análises realizadas por Sérgio Buarque de Holanda se estruturaram em torno da oposição entre o mundo rural e o mundo urbano e entre a esfera privada e a esfera pública. Em sua concepção, é preciso superar as raízes que caracterizaram a sociedade brasileira, para que se possa modificá-la. Com esse objetivo em vista, o autor traçou um panorama histórico do Brasil desde os períodos colonial, imperial e republicano, até os anos 1930. 2. A GERAÇÃO DE 1930 Na década de 1930, Gilberto Freyre, Caio Prado Júnior e Sérgio Buarque de Holanda deram forma científica à Sociologia brasileira. Amparados, respectivamente, nas obras de Franz Boas, Karl Marx e Max Weber, tornaram-se decisivos para os rumos da Sociologia no país. A seguir, vamos examinar os pontos centrais das obras de Sérgio Buarque e Caio Prado Júnior. Sérgio Buarque adotou o referencial weberiano para analisar o Brasil desde o período colonial. Sua obra denuncia a permanência dos fundamentos das oligarquias agrárias e do patriarcalismo na sociedade brasileira. Opondo-se às teorias racistas e aproximando-se de Gilberto Freyre, esse autor entende que a mestiçagem teve papel central na construção da identidade nacional. Porém, enquanto Gilberto Freyre fez uma interpretação positiva do passado rural como algo próprio de nossa cultura e que não deveria ser transformado, Sérgio Buarque enfatizou a necessidade da transformação social, da constituição de um conjunto de regras e normas destinadas a superar um passado de favorecimentos pessoais originários das oligarquias rurais. Alicerçando seu raciocínio nos tipos ideais weberianos, Sérgio Buarque constituiu um etos nacional, isto é, um conjunto de características dessa cultura, na medida em que explicitou os traços marcantes da sociedade brasileira da época.
  • 3. Esse etos nacional se fundamenta em uma relação dialética própria da sociedade brasileira. De um lado, Sérgio Buarque assinalou a modernização da sociedade brasileira; de outro, o conservadorismo, que tenta bloquear essa modernização. Para esse autor, o tipo ideal que explicita esse processo contraditório é o homem cordial. Ele seria a chave analítica para compreender como certos setores da sociedade brasileira resistem ao processo de modernização. Segundo Sérgio Buarque, a modernização constrói uma nova sociabilidade, que coloca em risco o universo das relações de favorecimento já estabelecidas. Assim, a cordialidade sintetizaria uma forma de conduta social, nem sempre consciente, que procura frear a modernização da sociedade brasileira e conservar as relações sociais de favorecimento pessoal. A evolução da sociedade brasileira, para esse autor, deve superar essas características e se pautar na busca de uma sociedade civilizada, uma sociedade urbana e cosmopolita que deixe para trás o mundo rural. A Sociologia de Sérgio Buarque examina, com base na sociedade brasileira, a ligação estreita entre o que é público e o que é privado e seus limites. A ausência de delimitações entre essas duas esferas da vida social pode ser observada ainda hoje, e a prática do favorecimento se disseminou em paralelo com a modernização da sociedade brasileira, sobretudo no que se refere à burocracia estatal. Vemos casos de desvio de verbas e má administração de dinheiro público, nepotismo e corrupção, ao longo de todo o século XX e começo do século XXI. Nesse sentido, a obra de Sérgio Buarque de Holanda é uma leitura fundamental para entender o processo histórico-social brasileiro. Caio Prado Júnior, por sua vez, procurou caracterizar em que medida a formação do Brasil estaria atrelada ao contexto de expansão do mercado europeu. A análise que desenvolveu no livro Formação do Brasil contemporâneo parte da metodologia marxista, sobretudo por tentar compreender o que estaria oculto no processo de colonização da sociedade brasileira. Para esse autor, a colonização do Brasil e suas consequências históricas devem ser pensadas a partir da ideia de que o Brasil se integrou a uma dinâmica maior, diretamente relacionada à expansão marítima e comercial europeia. O início da colonização portuguesa na América se fundamentou na produção e exploração de gêneros tropicais direcionados para o mercado externo, e não no povoamento do território. No início, a sociedade brasileira se estruturou economicamente na produção de açúcar e tabaco; mais tarde na extração de ouro e diamantes; e em seguida na produção de algodão e de café, atendendo o mercado europeu. Para o autor, a grande propriedade (o latifúndio), a monocultura e o trabalho escravo se apresentariam, portanto, como as três características centrais da formação social do Brasil nos séculos XVI, XVII e XVIII. A produção agrária, que tinha como centro geopolítico o engenho e a fazenda, integrou-se aos objetivos comerciais europeus. A figura que predominou nesse período não foi a do pequeno produtor rural, e sim a do empresário explorador, o empresário de um grande negócio. Para Caio Prado, seria necessário entender a nação a partir do que ela herdou da colônia, observando essa transformação como um processo histórico de longa duração. A análise que Caio Prado fez do século XIX mostra-se importante sobretudo por dois motivos. Primeiro porque faz um “balanço final” de três séculos de colonização, depois porque se mostra como “chave insubstituível” para compreender a sociedade brasileira que se constituiu posteriormente. A obra de Caio Prado Jr. demonstra quão importante é analisar os períodos colonial e imperial para compreender o Brasil, seja do ponto de vista do resgate da nossa formação social, seja para observar a presença desse passado na sociedade brasileira atual. Ao observar as nuances arcaicas do Brasil moderno, Caio Prado considerou a formação do país ainda incompleta. Essa incompletude se deve, na visão de Caio Prado, à permanência do Brasil em um papel de subordinação e dependência em relação a outras economias. Segundo esse autor, o passado colonial ainda estaria presente na sociedade brasileira: ele observa, por exemplo, que o trabalho livre não teria se organizado em todo o país, conservando traços do trabalho escravo. O mesmo raciocínio valeria para a produção extensiva destinada a atender os mercados no exterior e a ausência de um mercado interno desenvolvido, que reproduziria, assim, a subordinação do Brasil em relação a economias de outros países.
  • 4. Cabe dizer que o pensamento de Caio Prado se alinhava aos estudos historiográficos de seu tempo. Nas últimas décadas, novos estudos historiográficos têm destacado a dinâmica econômica colonial, a diversidade de atividades econômicas voltadas para o mercado interno e a importância dos pequenos produtores para o desenvolvimento social e econômico do território durante o período colonial. 3. A ESCRAVIDÃO E A QUESTÃO RACIAL A herança escravista e a questão racial, temas abordados por vários sociólogos durante o século XX, permanecem extremamente relevantes no século XXI. Os historiadores Fernando Novais (1933-) e Emilia Viotti da Costa (1928-), os sociólogos Octavio Ianni e Fernando Henrique Cardoso (1931-) e mais recentemente os historiadores Sidney Chalhoub (1957-), Silvia Hunold Lara (1955-), Célia Maria Marinho de Azevedo (1951-), os sociólogos Antonio Sérgio Guimarães (1952-) e Sérgio Costa (1962-), o antropólogo Kabengele Munanga (1942-), entre tantos outros, procuram entender o peso e a importância desses temas para a sociedade brasileira. A referência clássica desses autores, ainda que com críticas e avanços, é a obra de Florestan Fernandes (ver Capítulo 4 e Perfil a seguir). Esse autor foi responsável pela formação de um conjunto de pesquisadores que desenvolveram o seu trabalho na Sociologia brasileira, particularmente Octavio Ianni e Fernando Henrique Cardoso. Além das discussões acerca da escravidão e da questão racial, sua obra aborda temas como a metodologia sociológica, o subdesenvolvimento, as classes sociais e a questão indígena, tornando-se, assim, uma das referência centrais para a Sociologia brasileira contemporânea. Para Fernandes, a escravidão no Brasil tomou formas distintas e se conecta direta e indiretamente com os ciclos econômicos do período colonial. Em semelhança com a abordagem de Caio Prado Júnior, Florestan Fernandes entendia que o Brasil colônia havia se estruturado como uma economia exportadora de produtos tropicais e que essa organização fora imposta pela metrópole portuguesa. A economia colonial foi marcada pela especialização em determinados ramos produtivos, especialização que se manteve após a emancipação da colônia iniciada com a vinda da família imperial portuguesa para o Brasil, em 1808. Florestan Fernandes observou que as estruturas de dominação social do período colonial teriam sido preservadas no processo de modernização capitalista no Brasil na medida em que, já no século XX, a dependência em relação à metrópole teria sido transferida, de forma mais ampla, para o mercado capitalista europeu. A escravidão projeta-se, assim, como um fenômeno social que tem ressonância na organização social da sociedade brasileira até nossos dias. A desigualdade social, por exemplo, teria relação direta com a escravidão e mais particularmente com o modo como os negros foram incorporados a uma sociedade de classes, depois da abolição, em 1888. Ou seja, mesmo considerando o fim da escravidão um marco histórico importante, seria fundamental questionar em que medida as desigualdades sociais baseadas em diferenças de cor se reproduzem e se manifestam após a abolição. Para entender esse processo seria preciso analisar o mito da democracia racial. Em seu livro A integração do negro na sociedade de classes (1978), Florestan Fernandes observou que a democracia racial teria servido para difundir a ideia de que não existem distinções sociais entre negros e brancos e afirmar uma suposta convivência pacífica e harmônica entre brancos e não brancos. Essas ideias levariam a supor que as oportunidades econômicas, sociais e políticas estariam abertas a todos os brasileiros de forma igualitária. Segundo esse autor, essa ideologia propaga até hoje no Brasil racismo, preconceitos e discriminações. Exemplos disso seriam afirmações do senso comum que garantem que o negro não tem problema de integração social, que a “índole brasileira” não permite distinções raciais, que as oportunidades sociais estão abertas a todos os brasileiros de forma igualitária, que o negro está satisfeito com sua condição social e seu estilo de vida. Esse problema social fica evidente em um estudo realizado em 2014 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em parceria com a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), denominado Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade Racial. Segundo esse estudo, no Brasil, a
  • 5. probabilidade de um jovem negro ser assassinado é 2,5 vezes maior do que a de um jovem branco. Um outro dado indica que a taxa de jovens negros mortos por 100 mil habitantes subiu de 60,5 em 2007 para 70,8 em 2012 e entre os jovens brancos de 26,1 para 27,8. Mesmo que a taxa de assassinatos tenha aumentado para negros e brancos, a frequência de mortes de jovens negros, que já era maior, cresceu muito mais que a de jovens brancos. Para Florestan Fernandes, de um lado o mito da democracia racial teria consolidado a crença de que a situação do negro se deve a sua própria incapacidade de superar dificuldades sociais, tais como o desemprego e a pobreza. Por outro lado, o mito desresponsabiliza o branco e o isenta (sobretudo os brancos da classe dominante) dos efeitos da abolição e da degradação da situação da comunidade negra no Brasil. Fernandes sugeriu, entretanto, que o mito da democracia racial poderia ser usado como ponto de partida para a melhoria da condição do negro na sociedade de classes, desde que o pressuposto democrático seja realmente alcançado. Salientou, assim, que a luta em torno dessa questão deve ser levada a cabo por negros e pardos. Nos últimos anos, entretanto, essa questão vem sendo trabalhada por outro ângulo. O mito da democracia racial não seria simplesmente um mecanismo de acobertamento das desigualdades e discriminações, mas também reproduziria a ideologia da identidade nacional que impede a construção da igualdade entre os brasileiros. 4. PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO Nas últimas décadas ocorreram grandes mudanças na economia mundial, sobretudo com as reestruturações produtivas iniciadas no Japão nas décadas de 1950 e 1960 e nas décadas de 1960 e 1970 nos Estados Unidos e na Europa ocidental (ver Capítulo 7). As consequências desse processo de reestruturação produtiva mundial, que teve por base a substituição intensa de trabalho por novas tecnologias produtivas, principalmente robótica e microeletrônica, foram percebidas no Brasil desde a década de 1990 até os dias de hoje. A incorporação dessa base tecnológica foi impulsionada pelo avanço do neoliberalismo nos governos Fernando Collor (1990 a 1992) e Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2002), que promoveram a abertura econômica, a privatização de empresas estatais e a desregulamentação de leis de proteção ao trabalhador. Essas medidas tiveram como consequências centrais o aumento do desemprego formal e, em razão disso, o aumento do trabalho informal, reduções salariais significativas, a precarização do trabalho e o enfraquecimento político da classe trabalhadora. A Sociologia brasileira analisou esse período destacando questões como: a consolidação da democracia, o nascimento de novos movimentos sociais, a constituição de políticas neoliberais, de novas identidades sociais e culturais, a questão ambiental, a questão racial, as políticas de inclusão social, as ações afirmativas (como cotas) e, nos últimos anos, a discussão sobre as classes médias e sobre o neodesenvolvimentismo. A seguir discutiremos o trabalho e sua precarização, enfatizando em que medida a desigualdade social ganhou novos contornos em razão das relações de trabalho que se estabeleceram nas três últimas décadas. A reestruturação produtiva chegou ao Brasil no final dos anos 1980 e início dos anos 1990. Assim como na reestruturação produtiva europeia e estadunidense, milhares de postos de trabalho foram substituídos por tecnologias robótica e microeletrônica. Isso provocou a dispensa de boa parte da classe operária industrial e o acúmulo de funções para os trabalhadores que permaneceram em seus postos de trabalho. Entretanto, no Brasil, o processo de reestruturação produtiva apresenta particularidades. Enquanto na Europa e nos Estados Unidos havia, anteriormente, leis de proteção ao trabalhador instituídas no contexto do Estado de bem-estar social, no Brasil a história é bem distinta. Nos dois cenários a reestruturação se desenvolve em um mesmo sentido: aumentar a produtividade para gerar mais lucro, com base na submissão política da classe trabalhadora e de suas instituições representativas (sindicatos e partidos). No Brasil, porém, um passado de desigualdades sociais, relacionado primeiro com a escravidão e depois com as formas desiguais de inclusão do negro na sociedade de classes, e de separação marcante entre ricos e pobres, influenciou profundamente a forma como a reestruturação produtiva se efetivou.
  • 6. O Brasil continua apresentando um dos índices mais altos de desigualdade social do mundo. A reestruturação produtiva aprofundou uma condição de precariedade que a classe trabalhadora brasileira já vivenciava desde sua formação, no início do século XX. A precarização do trabalho tem, portanto, não apenas características gerais, mas também características específicas do contexto brasileiro. Entre as características gerais, podemos destacar a desregulamentação das leis de proteção ao trabalhador e a terceirização, que se fundamenta no princípio da empresa enxuta. Por meio da terceirização, as empresas transferem a outras a responsabilidade de partes da produção que não considerem estratégicas. Em relação à desregulamentação de leis trabalhistas, durante os anos 1990 houve um processo de “flexibilização” das negociações salariais, de jornada de trabalho (com o banco de horas), de formas de contratação (como a contratação por tempo parcial), o que permitiu ao empregador dispensar o trabalhador sem pagar encargos trabalhistas. Isso favoreceu a subcontratação, muito presente nas empresas terceirizadas, nas quais os direitos trabalhistas foram drasticamente reduzidos. Entre os aspectos específicos da reestruturação da produção e do trabalho no Brasil, temos como características a informalidade, a degradação das condições de trabalho e a intensificação de problemas de saúde no trabalho. De acordo com os dados expostos pela socióloga Maria da Graça Druck (1953-), a precarização tem aumentado nos últimos anos. Em seu levantamento, feito com base na Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (Pnad), em 2009 havia 101,1 milhões de indivíduos economicamente ativos no Brasil. Dentre esses 101,1 milhões, 8,4 milhões eram desempregados e 8,2 milhões estavam sem remuneração alguma. Druck entende, assim, que 16,6 milhões de pessoas, isto é, 16,4% da população ativa, estava fora do mercado de trabalho. Além disso, observa com base no mesmo censo que, dos 84,5 milhões de indivíduos empregados, 43,5 milhões estavam sem carteira assinada, isto é, sem direitos trabalhistas garantidos pelo emprego formal. Esses números revelam um alto grau de informalidade do trabalho no Brasil. A superexploração do trabalho ocorre seja pela extensão da jornada, seja pela aceleração no ritmo da produção, com imposição de metas e acúmulo de funções. Em termos da saúde do trabalhador, Graça Druck demonstra um aumento no número de acidentes de trabalho na última década e também da incidência de doenças mentais relacionadas à violência nos ambientes de trabalho. Estas últimas derivam da pressão exercida sobre os trabalhadores em razão de uma ideologia de metas produtivas a serem atingidas a qualquer preço. Segundo a autora, em 2001 foram registrados 340,3 mil acidentes de trabalho no Brasil; já em 2009, o número de acidentes sobe para 723,5 mil, um aumento de 126% em nove anos. Observa-se, portanto, um quadro de reprodução das formas de desigualdades sociais no Brasil. É importante salientar que as causas dessa desigualdade devem ser pensadas na relação entre vários elementos da formação histórica da sociedade brasileira. Compreender nosso passado é o ponto de partida para entendermos o Brasil contemporâneo, sobretudo se observarmos como novas demandas, reivindicações e problemas sociais aparecem mascarados de novidade, mas, na maioria das vezes, têm relação com velhas questões de nossa estrutura social.