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DOMÍNIO CONEXO




     Etiologia das más oclusões: perspectiva clínica
     (parte III) – fissuras labiopalatinas
     Etiology of malocclusions: clinical perspective (part III) – cleft lip and palate



                                                                                               Daniela G. Garib*
                                                                                               Omar Gabriel da Silva Filho**
                                                                                               Guilherme Janson***
                                                                                               João Henrique Nogueira Pinto****




     Resumo                                                                                    Abstract

     A fissura labiopalatina, como o          que compromete a integridade do                  The lip and palate clefts, as the name                      the anatomical rupture which compro-
     nome sugere, aloja-se na face mé-        rebordo alveolar, 2) pelos problemas             suggests, are located in the midface                        mises the integrity of the alveolar ridge;
     dia, rompendo lábio, palato ou as        dentários, agenesias e más posições              and split the lip, the palate or both the                   2) due to the dental problems, the
     duas estruturas. Portanto, está na       envolvendo os dentes adjacentes à                structures. Therefore, cleft lip and pal-                   agenesis and malpositions involving the
     área de alcance do dentista e causa      fissura, e 3) pela deficiência maxilar,          ate is pertaining to the Dentistry field                    teeth adjacent to the cleft; and 3) due
     problemas estruturais no osso alve-      sagital e transversal induzida pelas             and causes morphological problems in                        to the sagittal and transversal maxillary
     olar e na maxila como um todo, na        cirurgias plásticas reconstrutivas. O            the maxillary alveolar region and in the                    deficiency induced by the reconstruc-
     dependência da extensão da fissura.      presente artigo se dedica a um re-               maxilla, depending on the cleft exten-                      tive plastic surgeries. This article is
     A relação óbvia e urgente com a má       passe panorâmico sobre a etiologia               sion. The obvious and urgent relation                       dedicated to a panoramic overview of
     oclusão é compreendida de três ma-       dessa anomalia que acomete 1 em                  of the cleft lip and palate to the mal-                     the etiology of this malformation which
     neiras: 1) pela ruptura anatômica        cada 650 brasileiros.                            occlusion occurs by three manners: 1)                       affects one in every 650 Brazilians.

     Palavras-chave:                                                                           Keywords:
     Etiologia. Fissuras labiopalatinas. Má oclusão.                                           Etiology. Cleft lip and palate. Malocclusion.




                                                                                               	    *	 Professora Doutora de Ortodontia, Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais e Faculdade de
                                                                                                      Odontologia de Bauru, Universidade de São Paulo.
                                                                                               	   **	 Ortodontista do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, Universidade de São Paulo. Coorde-
                                                                                                      nador do Curso de Ortodontia Preventiva e Interceptiva da Sociedade de Promoção Social do Fissurado
                                                                                                      Labiopalatal (PROFIS).
                                                                                               	 ***	 Professor Titular e chefe do Departamento de Odontopediatria, Ortodontia e Saúde Coletiva da Faculdade de
                                                                                                      Odontologia de Bauru, Universidade de São Paulo.
                                                                                               	 ****	 Superintendente adjunto do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, Universidade de São Paulo.




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Garib DG, Silva OG Filho, Janson G, Pinto JHN




AS FISSURAS LABIOPALATINAS: DEFINIÇÃO E EPIDEMIOLOGIA                               HRAC-USP-Bauru12, encerra em fundamento dois princípios:
                                                                                    a morfologia e a origem embriológica da fissura. Usa como
    As fissuras de lábio e/ou palato, nomeadas generica-                            referência anatômica o forame incisivo, vestígio do limite em-
mente como fissuras labiopalatinas, figuram entre as mal-                           brionário entre palato primário e palato secundário na vida
formações mais frequentes que acometem a espécie hu-                                pré-natal, para classificar as fissuras em três grupos principais:
mana e são facilmente diagnosticadas até mesmo na vida                              fissuras pré-forame incisivo (fissuras de palato primário), fissu-
pré-natal, motivos pelos quais são tão estudadas (Fig. 1).                          ras transforame incisivo (fissuras de palato primário e secun-
São reconhecidas pela Organização Mundial de Saúde                                  dário, simultaneamente) e fissuras pós-forame incisivo (fissuras
(OMS) como um relevante problema de saúde pública. No                               de palato secundário) (Fig. 2).
mundo, nasce uma criança com fissura a cada dois minutos                                Em alguns pacientes, as fissuras labiopalatinas associam-
e meio15. No Brasil, admite-se uma ocorrência em torno                              se a outras anomalias, constituindo, nesses casos, as fissuras
de 1:6508, concordando com as estatísticas mundiais que                             sindrômicas. Como exemplo, a síndrome de Van der Woude, a
acusam uma prevalência média entre 1 e 2 indivíduos com                             síndrome velocardiofacial (Fig. 3), a trissomia do cromossomo
fissura de lábio e/ou palato para cada 1.000 nascimentos.                           18, a síndrome Opitz-G (ectrodactilia, displasia ectodérmica e
Manifestam-se precocemente na vida intrauterina, mais                               fissura labiopalatina), etc. Mais de 200 síndromes envolvem as
precisamente no período embrionário para as fissuras de                             fissuras labiopalatinas e a frequência de anomalias associadas
face e de palato primário, e no início do período fetal para                        é mais alta entre os pacientes com fissura isolada de palato,
as fissuras envolvendo o palato secundário.                                         entre 13 e 50%, do que entre pacientes com fissura de lábio
    Uma maneira prática de conhecer a anatomia da fissura é                         associada ou não à fissura de palato, o que corresponde de
enquadrá-la dentro de um sistema de classificação de base                           2 a 13%. As fissuras sindrômicas, mais raras do que as não
morfológica. O sistema de classificação de Spina, adotado no                        sindrômicas, costumam ter etiologia genética, cromossômica




A                                                       B                                                             C

Figura 1 Fissuras labiopalatinas: A) fissura labial; B) fissura completa de lábio e palato unilateral; C) fissura palatina.


                                                                                                                      Fissuras do palato primário




                                                                                                               Fissuras dos palatos primário e secundário




                                                                                                                     Fissuras do palato secundário




Figura 2 Representação esquemática das fissuras que envolvem o palato
primário e/ou o palato secundário.




                                                                                    Rev Clín Ortod Dental Press. 2010 ago-set;9(4):30-6                     31
domínio conexo                                                                                                     Etiologia das más oclusões: perspectiva clínica (parte III) – fissuras labiopalatinas




                                                                                                                               Figura 3 Paciente com síndrome velocardiofa-
                                                                                                                               cial: A, B) base alar alargada e predominância
                                                                                                                               vertical na face (dolicofacial), e cabelos abun-
                                                                                                                               dantes; C, D) disfunção velofaringeana relacio-
                                                                                                                               nada com a fissura de palato mole, e E) dedos
                 A                                                   B                                                         das mãos finos.




                 C                                                   D                                                          E




                 ou exposição teratogênica particular já bem definidas ou em                         fatores ambientais. As fissuras labiopalatinas são determi-
                 definição. Um exemplo, a síndrome velocardiofacial (Fig. 3)                         nadas dependendo do número ou procedência dos genes
                 apresenta um grande número de alterações fenotípicas que                            e/ou fatores ambientais em ação. A malformação apresen-
                 incluem insuficiência velofaringeana atribuída a fissuras evi-                      ta-se apenas quando a suscetibilidade excede um limiar
                 dentes ou submucosas de palato, hipernasalidade, defeitos                           crítico7. E quanto maior a suscetibilidade, mais extensa é a
                 cardíacos e problemas desenvolvimentais como dificuldade                            fissura. Por isso, pais de uma criança com fissura labiopala-
                 de aprendizagem, comandada por uma deleção no cromos-                               tina podem não apresentar a fissura e tampouco um histó-
                 somo 22q11.2, ocorrendo em 1 para cada 4.000 nascimentos3.                          rico familiar para esse tipo de malformação; mas, ao gerar
                      Por outro lado, a etiologia das fissuras labiopalatinas iso-                   uma criança com fissura de lábio e palato, conclui-se que
                 ladas é mais complexa, apresentando causalidade multifato-                          os mesmos possuem genes para a formação dessa fissura.
                 rial, onde tanto os fatores genéticos (sistema poligênico de                        No entanto, os pais tiveram genes ativos em quantidade
                 herança), como os fatores ambientais, desempenham um pa-                            suficiente para que seus lábios e palatos fossem normais.
                 pel de relevância na determinação da malformação7. Esses                            Apenas quando o desequilíbrio entre os genes exceder
                 fatores são discutidos a seguir.                                                    um limiar crítico ocorrerá a malformação genética, e quan-
                                                                                                     to mais esse limiar for superado, mais graves ou extensas
                                                                                                     serão as malformações. Além disso, alguns genes confe-
                 Fatores genéticos                                                                   rem maior suscetibilidade aos fatores ambientais, deno-
                                                                                                     tando a importância da interação entre genes e ambiente
                    As fissuras labiopalatinas apresentam um padrão de he-                           na etiologia das fissuras labiopalatinas7,14.
                 rança poligênica interagindo com o meio ambiente, o que                                 Estudos mostram uma maior prevalência da fissura em
                 qualifica uma etiologia multifatorial7. Essa irregularidade                         famílias de pacientes afetados se comparada à da popula-
                 é determinada pela interação de genes em diferentes ló-                             ção em geral. Aproximadamente 26% dos pacientes com fis-
                 cus, cada um com um pequeno efeito aditivo, somada aos                              suras labiopalatinas apresentam história familiar. O grau de




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Garib DG, Silva OG Filho, Janson G, Pinto JHN




concordância para gêmeos homozigóticos varia de 26 a 35%,      Fatores ambientais
de acordo com o tipo de fissura. Para gêmeos heterozigóti-
cos, essa proporção é de apenas 5 a 6%7.                           Durante a vida intrauterina, a fase mais crítica para a atua-
    Considerando-se a prevalência da fissura de lábio e        ção dos teratógenos concentra-se no intervalo entre a quarta
palato na população em geral, de 1 em 1.000, as chances        e a oitava semana de gestação. Dificilmente os fatores te-
de desenvolvimento da fissura em parentes de primeiro          ratogênicos provocam alterações do desenvolvimento antes
grau seria de 35 em 1.000; nos parentes de segundo grau,       da fase embrionária (período pré-embionário). Antes da fase
as chances seriam de 7 em 1.000; e dentre os parentes de       embrionária, os teratógenos ocasionam frequentemente
terceiro grau, 3 em 1.000 7. Além disso, quanto mais grave     morte do embrião e subsequente aborto15. Os métodos de
é a malformação da criança afetada, maior a chance de          estudo da influência de fatores ambientais na etiologia das
haver outros casos na família 7. Dessa forma, 5% dos pa-       fissuras labiopalatinas incluem estudos em animais, estudos
rentes próximos são afetados quando a fissura é bilateral      retrospectivos de caso controle e, com menos frequência, os
e completa, enquanto apenas 2% são afetados quando a           estudos prospectivos.
mesma é unilateral e incompleta7.                                  Dentre os principais fatores etiológicos ambientais das fis-
    Os genes envolvidos na etiologia das fissuras labiopa-     suras, incluem-se o tabagismo, a ingestão de bebidas alcoó-
latinas decodificam fatores de transcrição (TBX22, MSX1),      licas, deficiências vitamínicas e drogas anticonvulsivantes (fe-
fatores de crescimento (TGFα, TGFß3) e moléculas de            nitoínas)5,15,16. Além disso, especula-se que o estresse, devido
adesão celular (PVRL1). Os genes homeobox podem ser            à liberação de corticosterona, os benzodiazepínicos, doenças
considerados os genes mais importantes do crânio e da          virais agudas (vírus Influenza da gripe e vírus do sarampo) ou a
face, pois controlam vários eventos como a indução, a          febre relacionada a elas, radiação ionizante e certos químicos
morte programada de células e a interação do mesên-            (pesticidas) também possam elevar o risco de fissura15,16. Dife-
quima com o epitélio durante o desenvolvimento cranio-         rentemente da Síndrome de Down, a idade dos pais parece
facial 7. As proteínas codificadas pelos genes homeobox        não se associar com a incidência de fissuras. Uma droga po-
reprimem ou ativam a expressão de outros genes que             tencialmente teratogênica, utilizada para tratamento derma-
regulam processos embriológicos. Em nível celular, esse        tológico, a tretinoína, não se relaciona à fissura.
controle é expresso por meio de dois principais grupos             A etiologia das fissuras labiopalatinas representa um
de proteínas reguladoras: a família dos fatores de cres-       importante campo de estudo visando estratégias de pre-
cimento e a superfamília do esteroide/tireoide/ácido re-       venção para o futuro da humanidade. Essas perfazem as
tinoico 7. Essas moléculas reguladoras incluem o fator de      perspectivas evolutivas da ciência nessa área. Como o
crescimento fibroblástico (FGF), fator de crescimento epi-     homem ainda não pode alterar o genótipo de risco para
dermal (EGF), fator alfa de transformação de crescimen-        fissura, atualmente os esforços preventivos concentram-
to (TGFα), fator beta de transformação de crescimento          se nos fatores etiológicos ambientais. O planejamento da
(TGFß) e proteínas osteomorfogênicas (BMPs) que consti-        gravidez, assim como o acompanhamento médico pré-
tuem a mensagem bioquímica dos genes homeobox para             natal com suplementação vitamínica e administração de
coordenação da migração celular e posterior interação          ácido fólico, consistem na conduta preventiva ideal para
celular que regulam o crescimento 7. Esses mecanismos          as fissuras labiopalatinas.
carregarão a chave para a compreensão de doenças e
anomalias, e estão sendo alvo de intensas pesquisas so-
bre biologia craniofacial.                                     Fatores nutricionais e vitamínicos
    Recentemente, Carinci et al.1 revisaram os fatores ge-
néticos envolvidos na etiologia das fissuras e concluíram          Há evidências que sugerem que a complementação vita-
que as fissuras de lábio (com ou sem envolvimento do pa-       mínica durante a gestação constitui um fator protetor contra
lato) e as fissuras palatinas apresentam origens genéticas     a formação de fissuras labiopalatinas15. O ácido fólico, espe-
distintas. Para as fissuras de lábio, foram mapeados 10 loci   cialmente, desempenha esse papel importante. Os folatos
genéticos (OFC 1 a 10) em diferentes cromossomos. Uma          pertencem ao grupo da vitamina B e são encontrados em
das mutações foi encontrada no gene MSX1, o mesmo              vegetais de folhas verdes, feijão, vagem, fava, brócolis, espi-
gene envolvido na etiologia das agenesias dentárias. Para      nafre, gema de ovo, germe de trigo, carnes magras, fígado,
a fissura de palato, por enquanto somente um gene foi          peixe e no suco de frutas cítricas, como a laranja e o limão.
identificado (TBX22).                                          Alguns cereais também são fortificados com o ácido fólico.



                                                               Rev Clín Ortod Dental Press. 2010 ago-set;9(4):30-6                 33
domínio conexo                                                                                                    Etiologia das más oclusões: perspectiva clínica (parte III) – fissuras labiopalatinas




                 Complexos vitamínicos costumam incluir 0,4mg de ácido                              Tabagismo
                 fólico. Os folatos reconhecidamente previnem defeitos no
                 tubo neural durante a embriogênese, os quais podem levar a                            A OMS atribui 20% dos casos de fissuras labiopalati-
                 abortos espontâneos, anencefalia e espinha bífida. Em 1991,                        nas ao tabagismo 15. Até mesmo o fumo passivo parece
                 os suplementos de ácido fólico foram recomendados para                             elevar o risco para essa malformação15. Uma mãe fuman-
                 prevenção de defeitos do tubo neural (MRC vitamin study)6.                         te apresenta maiores chances de gerar um filho com fis-
                 Nessa ocasião, aconselhou-se 4mg/dia em mulheres com                               suras, com um risco elevado em 1,3 a 2,3 vezes 15,16. Por
                 histórico e 0,4mg/dia em mulheres sem histórico familiar.                          outro lado, quando o tabagismo é considerado conjun-
                     Como o mesênquima facial deriva de células da cris-                            tamente com o histórico genético, o risco eleva-se para
                 ta neural, postulou-se que o ácido fólico poderia também                           5 a 7 vezes 14.
                 apresentar um efeito preventivo nas fissuras. Desde então,
                 o tema tem sido extensivamente estudado. Pesquisas em
                 animais com dieta deficiente em ácido fólico, ou com ad-                           Bebidas alcoólicas
                 ministração de drogas antifolato, apontaram um aumento
                 na formação de fissuras4. Evidências adicionais do papel                               Um consumo excessivo de álcool pode aumentar o risco
                 protetor do ácido fólico na determinação das fissuras in-                          de fissuras. Shaw e Lammer10 encontraram um risco elevado
                 dicam que os folatos mostram-se deficientes em mulheres                            em 3,4 vezes diante do consumo de mais de cinco drinques
                 que usam medicamentos anticonvulsivantes, bebem ou                                 por ocasião. Evidência adicional da influência do álcool na
                 fumam. Muitos estudos em humanos de casos controles                                etiologia das fissuras é que 10% dos bebês com Síndrome Al-
                 mostraram-se controversos e muitas vezes inconclusivos.                            coólica Fetal apresentam fissura palatina15.
                 Por outro lado, a unanimidade de pesquisas prospectivas
                 com suplementação vitamínica evidenciou um efeito pro-
                 tetor do ácido fólico na incidência de fissuras4. Além disso,                      Drogas anticonvulsivantes
                 estudos associando o ácido fólico a um fator de risco ge-
                 nético (gene MSX1 ou TGFα) comprovaram seu efeito po-                                   A fenitoína é considerada um antifolato5. Mulheres que
                 sitivo na prevenção de fissuras11,15. Os folatos mostram-se                        utilizam drogas anticonvulsivantes apresentam um risco de
                 essenciais na síntese de componentes do DNA e RNA (ex.                             1% de gerar filhos com fissuras, o que equivale a um risco
                 purinas e pirimidinas) que regulam a expressão dos genes                           aproximadamente 10 vezes aumentado em relação à popu-
                 e a diferenciação celular. Adicionalmente, participam do                           lação em geral.
                 metabolismo dos aminoácidos15.
                     As vitaminas B6 e B2 também mostram um resultado
                 promissor na prevenção das fissuras. Tanto a baixa quanto a                        AS FISSURAS LABIOPALATINAS: ABORDAGEM TERAPÊUTICA
                 excessiva dose de vitamina A têm sido relacionadas com as
                 fissuras15. A OMS recomenda mais estudos sobre a influên-                              O processo de reabilitação das fissuras inicia-se com as
                 cia das vitaminas na etiologia das fissuras15. No entanto, esse                    cirurgias plásticas primárias, queiloplastia e palatoplastia,
                 tipo de estudo impõe dificuldades metodológicas, uma vez                           realizadas nos primeiros meses e nos primeiros anos de
                 que as pesquisas mensuram a alimentação materna, e não a                           vida, respectivamente13. Mas o processo reabilitador não
                 quantidade de nutrientes ingeridos.                                                se restringe ao reparo anatômico da fissura. Dependendo
                      Na Finlândia, um acompanhamento gestacional de 600                            do tipo e extensão da fissura, vários outros comprometi-
                 mães de bebês com fissuras encontrou maior prevalência                             mentos funcionais e morfológicos — como a fala, audição,
                 das fissuras nas classes sociais mais baixas9. Na Escócia, um                      desenvolvimento da oclusão e crescimento craniofacial —
                 estudo apontou que o risco de fissura de lábio (com ou sem                         acompanham o indivíduo com fissuras, exigindo a inter-
                 envolvimento do palato) é maior em pacientes menos privi-                          venção da equipe interdisciplinar em épocas oportunas,
                 legiados2. Esses dados inferem que a deficiência nutricional                       no afã de alcançar a reabilitação integral do paciente com
                 apresenta um papel importante na etiologia das fissuras. No                        essa malformação13. Geralmente, a reabilitação estende-
                 Brasil, a maioria dos pacientes com fissuras enquadra-se em                        se até a maturidade esquelética e a Ortodontia constitui
                 classes socioeconômicas menos privilegiadas, apesar de que                         parte essencial da reabilitação estética e funcional.
                 esses dados podem constituir o reflexo da estratificação so-                           Pacientes com fissuras de lábio e palato (fissuras dos
                 cial de nossa população.                                                           palatos primário e secundário simultaneamente) mostram



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Garib DG, Silva OG Filho, Janson G, Pinto JHN




                                                 A                                                       B




C                                                D                                                       E




Figura 4 Paciente com fissura completa de
lábio e palato unilateral do lado esquerdo.
A, B) Fotos faciais: observar o padrão facial
Classe III devido à retrusão maxilar típica do
paciente com fissuras operado na infância.
C a G) Fotos intrabucais.                        F                                                       G




Figura 5 Imagem radiográfica periapical do rebordo fissurado. A ausência de osso alveolar na
região limita a movimentação ortodôntica.




                                                                       Rev Clín Ortod Dental Press. 2010 ago-set;9(4):30-6   35
domínio conexo                                                                                                                       Etiologia das más oclusões: perspectiva clínica (parte III) – fissuras labiopalatinas




                 más oclusões complexas (Fig. 4) resultantes da presença                                         CONCLUSÕES FINAIS
                 da fissura em si, das anomalias dentárias associadas prin-
                 cipalmente aos dentes adjacentes à fissura e, finalmente,                                           A presente coletânea de artigos, em três partes, expõe a
                 da atresia ocasionada pelas cirurgias plásticas primárias.                                      diversificada etiologia das más oclusões, dividindo-a em fa-
                 A arcada dentária mostra-se segmentada nos pacientes                                            tores genéticos e fatores ambientais. O que chama a atenção
                 com fissuras que atravessam o rebordo alveolar. A ausên-                                        é a simplicidade do sistema adotado: ou tem predominância
                 cia de tecido ósseo alveolar na região da fissura (Fig. 5)                                      genética ou é essencialmente ambiental, muito embora es-
                 impõe modificações nas angulações dentárias naturais                                            ses fatores possam se mesclar em muitas más oclusões. É
                 dos dentes que irrompem vizinhos à fissura. Geralmen-                                           justamente essa simplicidade que celebra sua aplicabilidade
                 te, os caninos apresentam angulações mais acentuadas,                                           clínica. A distinção dos fatores etiológicos, que podem ou
                 enquanto os incisivos que ladeiam a fissura mostram-se                                          não ser alterados pelo homem, aponta os limites de nossa
                 contra-angulados, definindo desvios da linha média su-                                          especialidade na prevenção, tratamento e estabilização de
                 perior nos casos de fissuras unilaterais. O procedimento                                        irregularidades dentofaciais. Além disso, ao entender o peso
                 de enxerto ósseo alveolar secundário, realizado no final                                        da genética na causalidade das más oclusões, o profissional
                 da dentadura mista, imediatamente antes da erupção do                                           pode prever as chances de parentes e filhos de pacientes
                 canino permanente adjacente, soluciona essa limitação                                           ortodônticos desenvolverem irregularidades semelhantes,
                 alveolar na reabilitação bucal13.                                                               aumentando seu poder de realizar um diagnóstico precoce.




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                 5.	 Loffredo LC, Souza JM, Freitas JA, Mossey PA. Oral clefts and vitamin                       13.	Trindade IEK, Silva OG Filho. Fissuras labiopalatinas: uma abordagem interdisciplinar.
                     supplementation. Cleft Palate Craniofac J. 2001 Jan;38(1):76-83.                                São Paulo: Ed Santos; 2007.
                 6.	 MRC Vitamin Study Research Group. Prevention of neural tube defects: results of the         14.	Wong FK, Hagg U. An update on the aetiology of orofacial clefts. Hong Kong Med J.
                     Medical Research Council Vitamin Study. Lancet. 1991 Jul 20;338(8760):131-7.                    2004 Oct;10(5):331-6.
                 7.	 Mossey PA. The heritability of malocclusion: Part 1 - genetics, principles and              15.	World Health Organization. Global strategies to reduce the health-care burden of
                     terminology. Br J Orthod. 1999 Jun;26(2):103-13.                                                craniofacial anomalies. Genebra: WHO 2002.
                 8.	 Nagem H Filho, Moraes N, Rocha RGF. Contribuição para o estudo da prevalência               16.	Wyszynski DF, Beaty TH. Review of the role of potential teratogens in the origin of
                     das más formações congênitas lábio-palatais na população escolar de Bauru. Rev Fac              human nonsyndromic oral clefts. Teratology. 1996 May;53(5):309-17.
                     Odontol São Paulo. 1968;6(2):111-28.




                                                                                                                         Endereço para correspondência
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                                                                                                                         Al. Octávio Pinheiro Brisola 9-75 – 17.012-901 - Bauru / SP
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            36                                             Rev Clín Ortod Dental Press. 2010 ago-set;9(4):30-6

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  • 1. DOMÍNIO CONEXO Etiologia das más oclusões: perspectiva clínica (parte III) – fissuras labiopalatinas Etiology of malocclusions: clinical perspective (part III) – cleft lip and palate Daniela G. Garib* Omar Gabriel da Silva Filho** Guilherme Janson*** João Henrique Nogueira Pinto**** Resumo Abstract A fissura labiopalatina, como o que compromete a integridade do The lip and palate clefts, as the name the anatomical rupture which compro- nome sugere, aloja-se na face mé- rebordo alveolar, 2) pelos problemas suggests, are located in the midface mises the integrity of the alveolar ridge; dia, rompendo lábio, palato ou as dentários, agenesias e más posições and split the lip, the palate or both the 2) due to the dental problems, the duas estruturas. Portanto, está na envolvendo os dentes adjacentes à structures. Therefore, cleft lip and pal- agenesis and malpositions involving the área de alcance do dentista e causa fissura, e 3) pela deficiência maxilar, ate is pertaining to the Dentistry field teeth adjacent to the cleft; and 3) due problemas estruturais no osso alve- sagital e transversal induzida pelas and causes morphological problems in to the sagittal and transversal maxillary olar e na maxila como um todo, na cirurgias plásticas reconstrutivas. O the maxillary alveolar region and in the deficiency induced by the reconstruc- dependência da extensão da fissura. presente artigo se dedica a um re- maxilla, depending on the cleft exten- tive plastic surgeries. This article is A relação óbvia e urgente com a má passe panorâmico sobre a etiologia sion. The obvious and urgent relation dedicated to a panoramic overview of oclusão é compreendida de três ma- dessa anomalia que acomete 1 em of the cleft lip and palate to the mal- the etiology of this malformation which neiras: 1) pela ruptura anatômica cada 650 brasileiros. occlusion occurs by three manners: 1) affects one in every 650 Brazilians. Palavras-chave: Keywords: Etiologia. Fissuras labiopalatinas. Má oclusão. Etiology. Cleft lip and palate. Malocclusion. * Professora Doutora de Ortodontia, Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais e Faculdade de Odontologia de Bauru, Universidade de São Paulo. ** Ortodontista do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, Universidade de São Paulo. Coorde- nador do Curso de Ortodontia Preventiva e Interceptiva da Sociedade de Promoção Social do Fissurado Labiopalatal (PROFIS). *** Professor Titular e chefe do Departamento de Odontopediatria, Ortodontia e Saúde Coletiva da Faculdade de Odontologia de Bauru, Universidade de São Paulo. **** Superintendente adjunto do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, Universidade de São Paulo. 30 Rev Clín Ortod Dental Press. 2010 ago-set;9(4):30-6
  • 2. Garib DG, Silva OG Filho, Janson G, Pinto JHN AS FISSURAS LABIOPALATINAS: DEFINIÇÃO E EPIDEMIOLOGIA HRAC-USP-Bauru12, encerra em fundamento dois princípios: a morfologia e a origem embriológica da fissura. Usa como As fissuras de lábio e/ou palato, nomeadas generica- referência anatômica o forame incisivo, vestígio do limite em- mente como fissuras labiopalatinas, figuram entre as mal- brionário entre palato primário e palato secundário na vida formações mais frequentes que acometem a espécie hu- pré-natal, para classificar as fissuras em três grupos principais: mana e são facilmente diagnosticadas até mesmo na vida fissuras pré-forame incisivo (fissuras de palato primário), fissu- pré-natal, motivos pelos quais são tão estudadas (Fig. 1). ras transforame incisivo (fissuras de palato primário e secun- São reconhecidas pela Organização Mundial de Saúde dário, simultaneamente) e fissuras pós-forame incisivo (fissuras (OMS) como um relevante problema de saúde pública. No de palato secundário) (Fig. 2). mundo, nasce uma criança com fissura a cada dois minutos Em alguns pacientes, as fissuras labiopalatinas associam- e meio15. No Brasil, admite-se uma ocorrência em torno se a outras anomalias, constituindo, nesses casos, as fissuras de 1:6508, concordando com as estatísticas mundiais que sindrômicas. Como exemplo, a síndrome de Van der Woude, a acusam uma prevalência média entre 1 e 2 indivíduos com síndrome velocardiofacial (Fig. 3), a trissomia do cromossomo fissura de lábio e/ou palato para cada 1.000 nascimentos. 18, a síndrome Opitz-G (ectrodactilia, displasia ectodérmica e Manifestam-se precocemente na vida intrauterina, mais fissura labiopalatina), etc. Mais de 200 síndromes envolvem as precisamente no período embrionário para as fissuras de fissuras labiopalatinas e a frequência de anomalias associadas face e de palato primário, e no início do período fetal para é mais alta entre os pacientes com fissura isolada de palato, as fissuras envolvendo o palato secundário. entre 13 e 50%, do que entre pacientes com fissura de lábio Uma maneira prática de conhecer a anatomia da fissura é associada ou não à fissura de palato, o que corresponde de enquadrá-la dentro de um sistema de classificação de base 2 a 13%. As fissuras sindrômicas, mais raras do que as não morfológica. O sistema de classificação de Spina, adotado no sindrômicas, costumam ter etiologia genética, cromossômica A B C Figura 1 Fissuras labiopalatinas: A) fissura labial; B) fissura completa de lábio e palato unilateral; C) fissura palatina. Fissuras do palato primário Fissuras dos palatos primário e secundário Fissuras do palato secundário Figura 2 Representação esquemática das fissuras que envolvem o palato primário e/ou o palato secundário. Rev Clín Ortod Dental Press. 2010 ago-set;9(4):30-6 31
  • 3. domínio conexo Etiologia das más oclusões: perspectiva clínica (parte III) – fissuras labiopalatinas Figura 3 Paciente com síndrome velocardiofa- cial: A, B) base alar alargada e predominância vertical na face (dolicofacial), e cabelos abun- dantes; C, D) disfunção velofaringeana relacio- nada com a fissura de palato mole, e E) dedos A B das mãos finos. C D E ou exposição teratogênica particular já bem definidas ou em fatores ambientais. As fissuras labiopalatinas são determi- definição. Um exemplo, a síndrome velocardiofacial (Fig. 3) nadas dependendo do número ou procedência dos genes apresenta um grande número de alterações fenotípicas que e/ou fatores ambientais em ação. A malformação apresen- incluem insuficiência velofaringeana atribuída a fissuras evi- ta-se apenas quando a suscetibilidade excede um limiar dentes ou submucosas de palato, hipernasalidade, defeitos crítico7. E quanto maior a suscetibilidade, mais extensa é a cardíacos e problemas desenvolvimentais como dificuldade fissura. Por isso, pais de uma criança com fissura labiopala- de aprendizagem, comandada por uma deleção no cromos- tina podem não apresentar a fissura e tampouco um histó- somo 22q11.2, ocorrendo em 1 para cada 4.000 nascimentos3. rico familiar para esse tipo de malformação; mas, ao gerar Por outro lado, a etiologia das fissuras labiopalatinas iso- uma criança com fissura de lábio e palato, conclui-se que ladas é mais complexa, apresentando causalidade multifato- os mesmos possuem genes para a formação dessa fissura. rial, onde tanto os fatores genéticos (sistema poligênico de No entanto, os pais tiveram genes ativos em quantidade herança), como os fatores ambientais, desempenham um pa- suficiente para que seus lábios e palatos fossem normais. pel de relevância na determinação da malformação7. Esses Apenas quando o desequilíbrio entre os genes exceder fatores são discutidos a seguir. um limiar crítico ocorrerá a malformação genética, e quan- to mais esse limiar for superado, mais graves ou extensas serão as malformações. Além disso, alguns genes confe- Fatores genéticos rem maior suscetibilidade aos fatores ambientais, deno- tando a importância da interação entre genes e ambiente As fissuras labiopalatinas apresentam um padrão de he- na etiologia das fissuras labiopalatinas7,14. rança poligênica interagindo com o meio ambiente, o que Estudos mostram uma maior prevalência da fissura em qualifica uma etiologia multifatorial7. Essa irregularidade famílias de pacientes afetados se comparada à da popula- é determinada pela interação de genes em diferentes ló- ção em geral. Aproximadamente 26% dos pacientes com fis- cus, cada um com um pequeno efeito aditivo, somada aos suras labiopalatinas apresentam história familiar. O grau de 32 Rev Clín Ortod Dental Press. 2010 ago-set;9(4):30-6
  • 4. Garib DG, Silva OG Filho, Janson G, Pinto JHN concordância para gêmeos homozigóticos varia de 26 a 35%, Fatores ambientais de acordo com o tipo de fissura. Para gêmeos heterozigóti- cos, essa proporção é de apenas 5 a 6%7. Durante a vida intrauterina, a fase mais crítica para a atua- Considerando-se a prevalência da fissura de lábio e ção dos teratógenos concentra-se no intervalo entre a quarta palato na população em geral, de 1 em 1.000, as chances e a oitava semana de gestação. Dificilmente os fatores te- de desenvolvimento da fissura em parentes de primeiro ratogênicos provocam alterações do desenvolvimento antes grau seria de 35 em 1.000; nos parentes de segundo grau, da fase embrionária (período pré-embionário). Antes da fase as chances seriam de 7 em 1.000; e dentre os parentes de embrionária, os teratógenos ocasionam frequentemente terceiro grau, 3 em 1.000 7. Além disso, quanto mais grave morte do embrião e subsequente aborto15. Os métodos de é a malformação da criança afetada, maior a chance de estudo da influência de fatores ambientais na etiologia das haver outros casos na família 7. Dessa forma, 5% dos pa- fissuras labiopalatinas incluem estudos em animais, estudos rentes próximos são afetados quando a fissura é bilateral retrospectivos de caso controle e, com menos frequência, os e completa, enquanto apenas 2% são afetados quando a estudos prospectivos. mesma é unilateral e incompleta7. Dentre os principais fatores etiológicos ambientais das fis- Os genes envolvidos na etiologia das fissuras labiopa- suras, incluem-se o tabagismo, a ingestão de bebidas alcoó- latinas decodificam fatores de transcrição (TBX22, MSX1), licas, deficiências vitamínicas e drogas anticonvulsivantes (fe- fatores de crescimento (TGFα, TGFß3) e moléculas de nitoínas)5,15,16. Além disso, especula-se que o estresse, devido adesão celular (PVRL1). Os genes homeobox podem ser à liberação de corticosterona, os benzodiazepínicos, doenças considerados os genes mais importantes do crânio e da virais agudas (vírus Influenza da gripe e vírus do sarampo) ou a face, pois controlam vários eventos como a indução, a febre relacionada a elas, radiação ionizante e certos químicos morte programada de células e a interação do mesên- (pesticidas) também possam elevar o risco de fissura15,16. Dife- quima com o epitélio durante o desenvolvimento cranio- rentemente da Síndrome de Down, a idade dos pais parece facial 7. As proteínas codificadas pelos genes homeobox não se associar com a incidência de fissuras. Uma droga po- reprimem ou ativam a expressão de outros genes que tencialmente teratogênica, utilizada para tratamento derma- regulam processos embriológicos. Em nível celular, esse tológico, a tretinoína, não se relaciona à fissura. controle é expresso por meio de dois principais grupos A etiologia das fissuras labiopalatinas representa um de proteínas reguladoras: a família dos fatores de cres- importante campo de estudo visando estratégias de pre- cimento e a superfamília do esteroide/tireoide/ácido re- venção para o futuro da humanidade. Essas perfazem as tinoico 7. Essas moléculas reguladoras incluem o fator de perspectivas evolutivas da ciência nessa área. Como o crescimento fibroblástico (FGF), fator de crescimento epi- homem ainda não pode alterar o genótipo de risco para dermal (EGF), fator alfa de transformação de crescimen- fissura, atualmente os esforços preventivos concentram- to (TGFα), fator beta de transformação de crescimento se nos fatores etiológicos ambientais. O planejamento da (TGFß) e proteínas osteomorfogênicas (BMPs) que consti- gravidez, assim como o acompanhamento médico pré- tuem a mensagem bioquímica dos genes homeobox para natal com suplementação vitamínica e administração de coordenação da migração celular e posterior interação ácido fólico, consistem na conduta preventiva ideal para celular que regulam o crescimento 7. Esses mecanismos as fissuras labiopalatinas. carregarão a chave para a compreensão de doenças e anomalias, e estão sendo alvo de intensas pesquisas so- bre biologia craniofacial. Fatores nutricionais e vitamínicos Recentemente, Carinci et al.1 revisaram os fatores ge- néticos envolvidos na etiologia das fissuras e concluíram Há evidências que sugerem que a complementação vita- que as fissuras de lábio (com ou sem envolvimento do pa- mínica durante a gestação constitui um fator protetor contra lato) e as fissuras palatinas apresentam origens genéticas a formação de fissuras labiopalatinas15. O ácido fólico, espe- distintas. Para as fissuras de lábio, foram mapeados 10 loci cialmente, desempenha esse papel importante. Os folatos genéticos (OFC 1 a 10) em diferentes cromossomos. Uma pertencem ao grupo da vitamina B e são encontrados em das mutações foi encontrada no gene MSX1, o mesmo vegetais de folhas verdes, feijão, vagem, fava, brócolis, espi- gene envolvido na etiologia das agenesias dentárias. Para nafre, gema de ovo, germe de trigo, carnes magras, fígado, a fissura de palato, por enquanto somente um gene foi peixe e no suco de frutas cítricas, como a laranja e o limão. identificado (TBX22). Alguns cereais também são fortificados com o ácido fólico. Rev Clín Ortod Dental Press. 2010 ago-set;9(4):30-6 33
  • 5. domínio conexo Etiologia das más oclusões: perspectiva clínica (parte III) – fissuras labiopalatinas Complexos vitamínicos costumam incluir 0,4mg de ácido Tabagismo fólico. Os folatos reconhecidamente previnem defeitos no tubo neural durante a embriogênese, os quais podem levar a A OMS atribui 20% dos casos de fissuras labiopalati- abortos espontâneos, anencefalia e espinha bífida. Em 1991, nas ao tabagismo 15. Até mesmo o fumo passivo parece os suplementos de ácido fólico foram recomendados para elevar o risco para essa malformação15. Uma mãe fuman- prevenção de defeitos do tubo neural (MRC vitamin study)6. te apresenta maiores chances de gerar um filho com fis- Nessa ocasião, aconselhou-se 4mg/dia em mulheres com suras, com um risco elevado em 1,3 a 2,3 vezes 15,16. Por histórico e 0,4mg/dia em mulheres sem histórico familiar. outro lado, quando o tabagismo é considerado conjun- Como o mesênquima facial deriva de células da cris- tamente com o histórico genético, o risco eleva-se para ta neural, postulou-se que o ácido fólico poderia também 5 a 7 vezes 14. apresentar um efeito preventivo nas fissuras. Desde então, o tema tem sido extensivamente estudado. Pesquisas em animais com dieta deficiente em ácido fólico, ou com ad- Bebidas alcoólicas ministração de drogas antifolato, apontaram um aumento na formação de fissuras4. Evidências adicionais do papel Um consumo excessivo de álcool pode aumentar o risco protetor do ácido fólico na determinação das fissuras in- de fissuras. Shaw e Lammer10 encontraram um risco elevado dicam que os folatos mostram-se deficientes em mulheres em 3,4 vezes diante do consumo de mais de cinco drinques que usam medicamentos anticonvulsivantes, bebem ou por ocasião. Evidência adicional da influência do álcool na fumam. Muitos estudos em humanos de casos controles etiologia das fissuras é que 10% dos bebês com Síndrome Al- mostraram-se controversos e muitas vezes inconclusivos. coólica Fetal apresentam fissura palatina15. Por outro lado, a unanimidade de pesquisas prospectivas com suplementação vitamínica evidenciou um efeito pro- tetor do ácido fólico na incidência de fissuras4. Além disso, Drogas anticonvulsivantes estudos associando o ácido fólico a um fator de risco ge- nético (gene MSX1 ou TGFα) comprovaram seu efeito po- A fenitoína é considerada um antifolato5. Mulheres que sitivo na prevenção de fissuras11,15. Os folatos mostram-se utilizam drogas anticonvulsivantes apresentam um risco de essenciais na síntese de componentes do DNA e RNA (ex. 1% de gerar filhos com fissuras, o que equivale a um risco purinas e pirimidinas) que regulam a expressão dos genes aproximadamente 10 vezes aumentado em relação à popu- e a diferenciação celular. Adicionalmente, participam do lação em geral. metabolismo dos aminoácidos15. As vitaminas B6 e B2 também mostram um resultado promissor na prevenção das fissuras. Tanto a baixa quanto a AS FISSURAS LABIOPALATINAS: ABORDAGEM TERAPÊUTICA excessiva dose de vitamina A têm sido relacionadas com as fissuras15. A OMS recomenda mais estudos sobre a influên- O processo de reabilitação das fissuras inicia-se com as cia das vitaminas na etiologia das fissuras15. No entanto, esse cirurgias plásticas primárias, queiloplastia e palatoplastia, tipo de estudo impõe dificuldades metodológicas, uma vez realizadas nos primeiros meses e nos primeiros anos de que as pesquisas mensuram a alimentação materna, e não a vida, respectivamente13. Mas o processo reabilitador não quantidade de nutrientes ingeridos. se restringe ao reparo anatômico da fissura. Dependendo Na Finlândia, um acompanhamento gestacional de 600 do tipo e extensão da fissura, vários outros comprometi- mães de bebês com fissuras encontrou maior prevalência mentos funcionais e morfológicos — como a fala, audição, das fissuras nas classes sociais mais baixas9. Na Escócia, um desenvolvimento da oclusão e crescimento craniofacial — estudo apontou que o risco de fissura de lábio (com ou sem acompanham o indivíduo com fissuras, exigindo a inter- envolvimento do palato) é maior em pacientes menos privi- venção da equipe interdisciplinar em épocas oportunas, legiados2. Esses dados inferem que a deficiência nutricional no afã de alcançar a reabilitação integral do paciente com apresenta um papel importante na etiologia das fissuras. No essa malformação13. Geralmente, a reabilitação estende- Brasil, a maioria dos pacientes com fissuras enquadra-se em se até a maturidade esquelética e a Ortodontia constitui classes socioeconômicas menos privilegiadas, apesar de que parte essencial da reabilitação estética e funcional. esses dados podem constituir o reflexo da estratificação so- Pacientes com fissuras de lábio e palato (fissuras dos cial de nossa população. palatos primário e secundário simultaneamente) mostram 34 Rev Clín Ortod Dental Press. 2010 ago-set;9(4):30-6
  • 6. Garib DG, Silva OG Filho, Janson G, Pinto JHN A B C D E Figura 4 Paciente com fissura completa de lábio e palato unilateral do lado esquerdo. A, B) Fotos faciais: observar o padrão facial Classe III devido à retrusão maxilar típica do paciente com fissuras operado na infância. C a G) Fotos intrabucais. F G Figura 5 Imagem radiográfica periapical do rebordo fissurado. A ausência de osso alveolar na região limita a movimentação ortodôntica. Rev Clín Ortod Dental Press. 2010 ago-set;9(4):30-6 35
  • 7. domínio conexo Etiologia das más oclusões: perspectiva clínica (parte III) – fissuras labiopalatinas más oclusões complexas (Fig. 4) resultantes da presença CONCLUSÕES FINAIS da fissura em si, das anomalias dentárias associadas prin- cipalmente aos dentes adjacentes à fissura e, finalmente, A presente coletânea de artigos, em três partes, expõe a da atresia ocasionada pelas cirurgias plásticas primárias. diversificada etiologia das más oclusões, dividindo-a em fa- A arcada dentária mostra-se segmentada nos pacientes tores genéticos e fatores ambientais. O que chama a atenção com fissuras que atravessam o rebordo alveolar. A ausên- é a simplicidade do sistema adotado: ou tem predominância cia de tecido ósseo alveolar na região da fissura (Fig. 5) genética ou é essencialmente ambiental, muito embora es- impõe modificações nas angulações dentárias naturais ses fatores possam se mesclar em muitas más oclusões. É dos dentes que irrompem vizinhos à fissura. Geralmen- justamente essa simplicidade que celebra sua aplicabilidade te, os caninos apresentam angulações mais acentuadas, clínica. A distinção dos fatores etiológicos, que podem ou enquanto os incisivos que ladeiam a fissura mostram-se não ser alterados pelo homem, aponta os limites de nossa contra-angulados, definindo desvios da linha média su- especialidade na prevenção, tratamento e estabilização de perior nos casos de fissuras unilaterais. O procedimento irregularidades dentofaciais. Além disso, ao entender o peso de enxerto ósseo alveolar secundário, realizado no final da genética na causalidade das más oclusões, o profissional da dentadura mista, imediatamente antes da erupção do pode prever as chances de parentes e filhos de pacientes canino permanente adjacente, soluciona essa limitação ortodônticos desenvolverem irregularidades semelhantes, alveolar na reabilitação bucal13. aumentando seu poder de realizar um diagnóstico precoce. Referências 1. Carinci F, Scapoli L, Palmieri A, Zollino I, Pezzetti F. Human genetic factors in 9. Saxén I. Cleft lip and palate in Finland: parental histories, course of pregnancy and nonsyndromic cleft lip and palate: an update. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2007 selected environmental factors. Int J Epidemiol. 1974 Sep;3(3):263-70. Oct;71(10):1509-19. 10. Shaw GM, Lammer EJ. Maternal periconceptional alcohol consumption and risk for 2. Clark JD, Mossey PA, Sharp L, Little J. Socioeconomic status and orofacial clefts in orofacial clefts. J Pediatr. 1999 Mar;134(3):298-303. Scotland, 1989 to 1998. Cleft Palate Craniofac J. 2003 Sep;40(5):481-5. 11. Shaw GM, Wasserman CR, Murray JC, Lammer EJ. Infant TGF-alpha genotype, 3. Devriendt K, Fryns JP, Mortier G, van Thienen MN, Keymolen K. The orofacial clefts, and maternal periconceptional multivitamin use. Cleft Palate annual incidence of DiGeorge/velocardiofacial syndrome. J Med Genet. 1998 Craniofac J. 1998 Jul;35(4):366-70. Sep;35(9):789-90. 12. Silva OG Filho, Ferrari FM Jr, Rocha DL, Freitas JAS. Classificação das fissuras lábio- 4. Hartridge T, Illing HM, Sandy JR. The role of folic acid in oral clefting. Br J Orthod. palatais: breve histórico, considerações clínicas e sugestão de modificação. Rev Bras 1999 Jun;26(2):115-20. Cir. 1992;82(2):59-65. 5. Loffredo LC, Souza JM, Freitas JA, Mossey PA. Oral clefts and vitamin 13. Trindade IEK, Silva OG Filho. Fissuras labiopalatinas: uma abordagem interdisciplinar. supplementation. Cleft Palate Craniofac J. 2001 Jan;38(1):76-83. São Paulo: Ed Santos; 2007. 6. MRC Vitamin Study Research Group. Prevention of neural tube defects: results of the 14. Wong FK, Hagg U. An update on the aetiology of orofacial clefts. Hong Kong Med J. Medical Research Council Vitamin Study. Lancet. 1991 Jul 20;338(8760):131-7. 2004 Oct;10(5):331-6. 7. Mossey PA. The heritability of malocclusion: Part 1 - genetics, principles and 15. World Health Organization. Global strategies to reduce the health-care burden of terminology. Br J Orthod. 1999 Jun;26(2):103-13. craniofacial anomalies. Genebra: WHO 2002. 8. Nagem H Filho, Moraes N, Rocha RGF. Contribuição para o estudo da prevalência 16. Wyszynski DF, Beaty TH. Review of the role of potential teratogens in the origin of das más formações congênitas lábio-palatais na população escolar de Bauru. Rev Fac human nonsyndromic oral clefts. Teratology. 1996 May;53(5):309-17. Odontol São Paulo. 1968;6(2):111-28. Endereço para correspondência Daniela G. Garib Al. Octávio Pinheiro Brisola 9-75 – 17.012-901 - Bauru / SP E-mail: dgarib@uol.com.br 36 Rev Clín Ortod Dental Press. 2010 ago-set;9(4):30-6