1. Revista Jane Austen Portugal
Emma Os Lugares de
A Hartfield Portuguesa p.36 Ao Serão com Jane
Emma, a Heroína que Não Vai a
Austen p.5
Lado Nenhum p. 19
O Estatuto Especial de Emma
Jane Austen Rejeitada? p. 47
Woodhouse p. 21
Maio - Junho | Nº14 | janeaustenpt.blogs.sapo.pt
3. Revista Jane Austen Portugal | SUMÁRIO | 3
EDITORIAL
o facto de Emma nunca viajar, perspectivas diferentes
sobre um mesmo tema.
A nossa revista fica completa com as nossas rubricas
habituais. A Joana, no Mote a Miss Austen, analisa quais
seriam os escritores actuais que Jane Austen gostaria de
Diz o povo que em Maio comem-se as cerejas ao borra- ler. Será que ela iria gostar de ler E Tudo o Vento Levou
lho. Mas a verdade é que em Maio os dias já são gran- ou E o vento levou, título pelo qual a obra é conhecida no
des e muitas vezes as temperaturas são amenas, o sufi- Brasil? Esta é uma das Sugestões Austenianas, apresen-
ciente, para uns belos passeios ao ar livre. tadas pela Luan. Como ela tão bem escreve o livro de
Margareth Mitchell é longo, mas vale muito a pena e de
Porque não viajar então até aos Lugares de Emma? Esta certeza que Jane Austen iria gostar, digo eu, não tenho é
não é certamente a obra com mais viagens, esse mérito a certeza é se ela iria gostar de Scarlett O´Hara, a prota-
pertence a Orgulho e Preconceito, mas os lugares são gonista…
belos e o exercício, como diria Mr. Knightley irá com cer-
teza fazer-nos bem. Da parte das nossas leitoras, temos a participação da
Karla Lucas, que nos apresenta uma página do diário de
Vamos começar por Box Hill, um belo espaço verde, onde Marianne.
podemos fazer umas longas caminhadas. Há alguns
dias Box Hill era visto em todo o mundo já que era lá que Este mês entrevistamos, Deborah Simionato, uma gran-
de fã de Jane Austen, que já viveu em Londres e visitou
decorria uma prova de ciclismo, no âmbito dos Jogos
Bath, esse lugar que tantas vezes visitamos nos livros de
Olímpicos. A Clara escreveu sobre este espaço que é nos Jane Austen.
dias de hoje tão popular como era nos tempos de Jane Com tantas viagens estamos cansados, mas já estamos
Austen; a Clara analisa ainda aquilo que acontece duran- a preparar o próximo mês, desta vez na companhia de
te o piquenique em Box Hill, servindo-se do texto de Jane Fanny Price, uma heroína que tem lutado para conquis-
Austen e do livro de Amanda Grange, Mr. Knightley’s tar os leitores.
Diary.
Vera Santos
Depois de termos percorrido Box Hill, é tempo de irmos
ÍNDICE
até à Abadia de Donwell, onde Mr. Knightley espera por
nós para um belo repasto. Após o almoço vamos apa-
nhar morangos, afortunadamente, Mrs Elton não faz par-
te da lista de convidados. Para descobrirem mais sobre o
que é dito sobre a casa de Mr. Knightley ou sobre os Mote a Miss Austen (4) | Ao Serão com Miss
vários locais que foram usados nas filmagens da adapta- Austen (5) |Encontros Improváveis (9) | Car-
ção de 1996, leiam os textos da Clara. tas de Uma Janette (10)| Box Hill nos Dias
O nosso tour fica completo com uma visita a Squerryes de Hoje (11) | Box Hill em Perspetiva (13) |
Court, o local que na última adaptação representou e Emma, a Heroína que não vai a lado nenhum
muito bem o papel da casa da nossa heroína, Hartfield;
mais uma vez o texto pertence à Clara que escreveu ain-
(19) | O Estatuto Especial de Emma Woo-
da sobre uma possível Hartfield portuguesa. dhouse (21) | A Protagonista Mais Enraizada
de Jane Austen (23) | Hartfield (25) | A Aba-
Para nós é tempo de voltarmos ao presente e descobrir-
mos, através da Marina, as pessoas ilustres que viveram dia de Donwell (26) | Os Cenários de Don-
na verdadeira Hartfield e os seus locais com interesse well - 1996 BBC (30) | Squerryes Court (34)
histórico e cultural. | A Hartfield Portuguesa (36)| As Meninas
Estamos cansados, mas satisfeitos com esta viagem aos de Beverlly Hills (39) | Notícias e Curiosida-
Lugares de Emma, agora resta-nos descansar. Sentamo- des (41) | Passatempo Aniversário Jane Aus-
nos numa cadeira confortável, bebemos uma chávena
ten (44) | Sugestões Austenianas (45) | À
de chá e comemos alguns scones. Para nos distrair,
lemos os textos da Luan, da Júlia e um meu sobre o fac- Discussão (47) |
to de Emma nunca viajar, perspectivas diferentes sobre
4. 4 | RUBRICAS | Revista Jane Austen Portugal
MOTE
Em última análise, tenho que apontar duas auto-
AUSTEN
ras que, acho, agradariam a Jane Austen: Cece-
lia Ahern e Colleen McCullough. São duas escri-
toras capazes, que eu considero terem inspiração
A MISS
austeniana. Collen tem, aliás, uma obra que pre-
tende ser uma continuação de «Orgulho e Pre-
conceito». Em suma, acredito que livros como
«Where Rainbows End» ou «The Thorn Birds»
satisfariam a nossa querida escritora.
De qualquer forma este é um texto de opinião e
: Joana La Cueva se a alguma das leitoras ocorrer outros nomes
apropriados, seria interessante que comentassem
no blogue pois pode gerar-se uma discussão
Se convidasse Jane Austen a ler engraçada.
um autor actual
Várias vezes me questiono qual seria a opinião
de Jane Austen acerca dos livros/autores actuais.
Vou tentar decidir que autor recomendaria a Miss
Austen.
Talvez deva começar pela autora mais famosa
dos últimos tempos: Stephenie Meyer. Para quem
não conhece (haverá alguém?), trata-se da auto-
ra da saga «Crepúsculo». Não é apenas pela
fama dos seus livros que a refiro mas também
porque diz-se que esta senhora quer ser a nova
Jane Austen. Se tal ambição for verdadeira, não
posso dizer que ela esteja num «bom» caminho.
Concordo com a análise da própria autora acerca
da semelhança dos seus livros com o «Monte dos
Vendavais». Não me parece que Jane Austen
fosse fã.
Já por diversas vezes reparei que há tendência a
comparar Austen com Nicholas Sparks. O conhe-
cido escritor tem realmente a componente român-
tica muito forte nas suas histórias, mas de forma
geral, não enfatiza a componente social (tão
importante na obra de Austen). Em extremo
oposto encontra-se Ken Follett cujas obras têm
uma componente histórico-social muito forte, mas
talvez não sejam suficientemente românticas.
5. Revista Jane Austen Portugal | RUBRICAS | 5
AO SERÃO
COM MISS
AUSTEN
: Sandra Freitas
Conheci a Deborah via facebook, algures entre
2010/11, através de outros amigos virtuais que (Deborah em Londres)
partilham o mesmo gosto por Jane Austen. Ela
fascinou-me pela sua frescura, pela sua alegria, pessoas. Aprendi muito sobre mim mesma também,
meus pontos fortes e minhas fraquezas. Foi uma
pela sua boa disposição e especialmente pela sua
experiência enriquecedora”.
devoção às obras de Jane Austen e às adaptações
que se fizeram baseadas nas mesmas. Nessa Deborah afirma que, apesar de viajar sozinha, em
altura, a Deborah encontrava-se a residir em momento algum sentiu que a sua segurança
Londres, beneficiando do seu ano celibatário e a estivesse ameaçada. Estava em Londres quando
aperfeiçoar o seu inglês. aconteceram os riots em Agosto do ano passado e
mesmo assim, sentiu-se segura, já que o número de
Deborah Mondadori Simionato tem 24 anos, é de
polícias nas ruas triplicou. Andava sozinha no bus,
Porto Alegre, Rio Grande do Sul, no Brasil, e formou-
no metro, no comboio, e sempre sem problemas.
se em Psicologia na Universidade Federal do Rio
Ironicamente comenta que isso é algo impossível no
Grande do Sul. Define-se como sendo “viciada em
seu próprio país.
livros e filmes e amante de todas as coisas british e
Austen”. Acrescenta ainda que vive “tentando virar Questionada sobre a forma como esta viagem se
uma heroína digna de um livro de Jane Austen”. proporcionou e tornou possível, Deborah conta que
planeou e poupou dinheiro para esta viagem
Sobre a temporada que passou em terras de Sua
durante dez anos. Mas foi só quando ganhou um
Majestade, a Deborah define-a como sendo a
pequeno prémio na Lotaria Nacional que se
melhor fase da sua vida. Diz que sempre desejou
encontrou em condições reais de viajar. “Não fiquei
conhecer Londres e, apesar de ter ido sozinha, a
milionária, mas ganhei um valor suficiente para
solidão nunca foi problema dado que a internet lhe
bancar minha estadia e as viagens que fiz pelo UK”.
permitiu estar em contacto com família e amigos, e
Foi o dinheiro mais bem gasto na sua ainda jovem
permitiu simultaneamente a partilha online de todas
vida.
as experiências maravilhosas que ela vivenciou.
Além disso, fez algumas amizades com outros “Eu fiquei em Londres por 9 meses, dois dos quais
alunos da escola de inglês, tendo tido oportunidade eu morei em um alojamento da escola de inglês
de conhecer gente do mundo inteiro com quem (Hampstead School of English). Durante os demais
ainda hoje mantém contacto. Posso dizer que meses, eu aluguei um flat na área de Bayswater,
acompanhei virtualmente essa sua jornada com perto de Notting Hill”.
bastante interesse e entusiasmo.
Durante os primeiros meses, estudou inglês,
“Eu amei viajar sozinha, a sensação de liberdade é assistia às aulas e passeou por Londres. E
sensacional, é muito bom poder ir e vir sem ter que dar entretanto, ia fazendo uma lista de lugares que
satisfação a ninguém e visitar os lugares que são do desejava conhecer (a maioria deles relacionado
meu interesse, mas podem não interessar outras
6. 6 | RUBRICAS | Revista Jane Austen Portugal
com Jane Austen, as suas obras e as adaptações). tanto amamos e foi onde ela viveu seus dias mais
Assim que as aulas acabaram, ficou mais dois felizes”.
meses para poder visitar todos os lugares que
Decepções? Nenhuma. Afirma veementemente que
queria. “Minha lista ainda existe e infelizmente não
“Não consigo pensar em nenhum lugar que tenha
consegui visitar todos os lugares que queria...”
me decepcionado, acho que ainda estou encantada
Encontrar-se perto dos lugares percorridos por Jane demais para fazer críticas; ou talvez os lugares
Austen e/ou pelas personagens dos seus livros foi sejam mesmo maravilhosos e não há nada de ruim
algo muito emocionante para Deborah. “Eu sentia para dizer a respeito deles, não sei”.
como se estivesse passeando dentro dos meus
livros preferidos e que a qualquer momento iria me Questionada sobre se repetiria a experiência,
deparar com mulheres de vestidos longos e homens Deborah foi peremptória: “Sim, sim, sim! Mil vezes
de breeches”. sim!... Vivi experiências incríveis na Inglaterra...
Minha estadia foi a melhor experiência até ao
momento...Foi um período de auto-
descoberta que vou para sempre
recordar com carinho.”
Jane Austen foi o que despoletou
esta paixão em Deborah por tudo o
que é britânico. Obsessão talvez seja
a palavra mais adequada, de acordo
com a sua própria opinião. Daí que,
fazendo jus ao motivo da minha
entrevista, transcrevo aqui as
(Chawton) respostas del a às q uestões
colocadas.
Lembras-te do momento ou da
situação que te fez amar as obras de
Jane Austen? Que idade tinhas? Fala
um pouco sobre isso.
Não lembro exatamente como
começou a minha obsessão por todas
as coisas Jane Austen, mas lembro
de ter lido “O Diário de Bridget Jones”
quando tinha uns 16 anos e ter
ficado curiosa com o personagem
que inspirou Mark Darcy. A partir daí,
(A mesa onde Jane Austen escrevia em Chawton)
comecei a ler as obras da Jane e me
apaixonei por seus escritos e pelas
Os locais que mais gostou de visitar foram Bath “por adaptações para a televisão e cinema.
ser uma cidade linda onde a Jane viveu e por ser
pano de fundo para Persuasion e Northanger
Abbey, além de preservar aquele clima antigo e Qual foi o primeiro livro de Jane Austen que leste? E
contar com o maravilhoso Jane Austen Centre” e o último? Qual gostaste mais e qual gostaste menos
Chawton “sem dúvida, um dos locais mais e porquê?
emocionantes para um fã de Jane Austen conhecer; O primeiro que li foi “Pride & Prejudice” (P&P) e o
foi lá que ela revisou todos os livros que hoje nós último “Northanger Abbey”(NA). Coincidentemente,
7. Revista Jane Austen Portugal | RUBRICAS | 7
meu preferido é P&P e o que menos gosto é NA. de Jane Austen deve ser uma ótima pessoa!
Amo P&P por sempre me fazer feliz quando eu leio
(se bem que isso acontece com todos os livros da Qual a tua opinião sobre os livros baseados nas
Jane), por ter uma história de amor tão linda e com obras de Jane Austen? E as fanfictions?
personagens tão incríveis; afinal, que menina não Eu sou absolutamente viciada neles! Tenho uma
quer ser Elizabeth Bennet e encontrar o Mr. Darcy? coleção em casa e estou sempre buscando mais.
Acho que é a história que eu melhor conheço e que Adoro quando os escritores nos levam de volta aos
mais amo. Quanto a NA, eu também adoro e acho tempos da Jane, quando a JAFF (Jane Austen Fan
muito engraçada, não tenho coisas ruins para dizer Fiction) é bem pesquisada e explora outros
a respeito, só que prefiro as outras mesmo. aspectos dos nossos amados personagens e outras
possibilidades – ou sequências – para as nossas
Qual a tua adaptação (filme ou série) preferida das histórias preferidas. Sou muito aberta em relação a
obras de Jane Austen? Porquê? essas coisas (desde que mantenham Darcy e
Minha adaptação preferida é a minissérie da BBC Elizabeth juntos no final, eu leio de tudo!), gosto até
“Pride & Prejudice” (1995). Já vi e revi muitas vezes mesmo de ler as versões modernas para as
e nunca me canso. É a mais fiel ao livro, com histórias.
grandes atores (não me refiro só ao maravilhoso
Colin Firth, mas Jennifer Ehle é minha Elizabeth Dizem que todas procurámos um Darcy. Concordas
preferida também). Ultimamente ando assistindo o com esta opinião? Procuraremos mesmo esse
filme com o Matthew Macfadyen e a Keira Knightley homem que dizem ideal?
(Pride & Prejudice, 2005) com grande frequência. Acho que isso é verdade sim (pelo menos eu estou
Apesar de não ser o mais fiel à história original, procurando o meu Darcy...), mas também acho que
acho o filme mais romântico e com uma fotografia o Darcy não é um homem ideal ou perfeito. Ele tem
lindíssima. Outro que está no meu top é muitos defeitos, entre eles ser arrogante e
“Emma” (BBC, 2009), que sempre me arranca orgulhoso, mas o que o redime aos olhos de
sorrisos e inclusive algumas risadas. Elizabeth (e aos nossos) é o fato de que ele escuta o
que ela tem a dizer e tenta ser um homem melhor
Que mudou Jane Austen na tua vida? para ela, mesmo que ela não case com ele. E mais,
Jane Austen fez meu amor por romances ele está disposto a desafiar todas as regras da
desabrochar. As histórias dela são repletas de uma sociedade na qual ele vive por amor. Quem não
crítica social cómica que eu amo. No entanto, é o quer um homem corajoso desses? Então, sim, nós
romance o que mais me encanta. Eu quero um procuramos um Darcy – ou um Wentworth,
amor digno de algo que a Jane escreveria; não o Knightley, Brandon... -, um homem que nos escute e
relacionamento perfeito, mas um relacionamento seja nosso parceiro, alguém que nos respeite e seja
em que ambos estejam dispostos a se
tentar mais a ser pessoas melhores e
merecedoras do amor do outro. Penso
que aprendi com as heroínas da Jane a
ser uma mulher mais forte e
independente, a rir de mim mesma, a
encarar as coisas com mais leveza.
Posso ficar por horas aqui falando o
que aprendi com cada personagem,
com cada livro, com as coisas que a
Jane disse em suas cartas... Vou me
limitar a dizer que, por causa de Jane
Austen, sou uma pessoa melhor. Afinal,
a gente sabe que todo mundo que é fã (The Royal Crescent em Bath)
8. 8 | RUBRICAS | Revista Jane Austen Portugal
honrado. O dinheiro e a beleza que o Darcy tem são,
obviamente, bem-vindos, mas não essenciais.
Pessoalmente com quem te identificas mais:
Elizabeth Bennet, Emma Woodhouse, Anne Elliot,
Catherine Morland, Elinor Dashwood, Marianne
Dashwood ou Fanny Price? Fala um pouco sobre
cada uma delas.
Acho que eu consigo me ver no lugar de cada uma
delas – e essa é uma das belezas das personagens
criadas pelo gênio que era Jane Austen. É fácil ler a (The Cobb em Lyme Regis, Dorset)
(The Cobb em Lyme Regis, Dorset)
história como se fossemos nós que a estivessemos
vivendo. Como a Lizzy Bennet, eu sou uma leitora
voraz, adoro uma boa discussão e sei rir das
inconsistências dos outros e das minhas; como a
Emma, já me vi várias vezes no papel de cuidadora
dos meus pais, uma responsabilidade por vezes tão
grande que esquecemos de nós mesmos; como a
Anne, eu às vezes pareço quieta e, à primeira vista,
séria; como a Catherine, eu leio muitos romances, o
que me faz sonhar alto de mais; como a Elinor, eu
costumo guardar meus sentimentos e sempre
parecer forte quando tudo ao meu redor está
desmoronando, mesmo sabendo que por dentro eu
estou extremamente feliz ou devastada; como a
Marianne, eu sou muito sensível; como a Fanny, eu
sou tímida e por vezes acho que não mereço as
coisas boas que acontecem comigo. De todas elas,
acho que sou mais como a Elinor, querendo sentir
um amor avassalador como a Marianne, ser “witty”
como a Elizabeth, calma como a Anne e charmosa
como a Emma.
Como imaginas a tua relação com Jane Austen
daqui a 20 anos?
Tenho certeza de que ainda estarei lendo Jane
Austen daqui a 20 anos. Talvez eu esteja mais (Memorial a Jane Austen na Catedral de Winchester)
dedicada a reler apenas os originais e não tanto
JAFF. Não tenho como saber a certo, mas acredito
que a Jane ainda vai ser uma parte muito Não foste nada chata, Deborah! Obrigada por teres
importante da minha vida. partilhado as tuas experiências e o teu amor por
Jane Austen connosco!
Gostarias de acrescentar alguma coisa?
Obrigada por ler e querer saber um pouco sobre Nota: Fotos gentilmente cedidas pela entrevistada.
esse minha obsessão e sobre minha viagem à
Inglaterra – dois assuntos sobre os quais eu amo
falar. Espero não ter sido muito chata!
9. Revista Jane Austen Portugal | RUBRICAS | 9
ENCONTROS Amor que jamais soubera o que significa amar,
Willoughby de Allenham.
IMPROVÁVEIS É verdade que em breve serei a senhora
Brandon, mas, guardo como derradeira
lembrança, a ser com você compartilhada, a
certeza de que sobreviver... quase sempre,
poupa-nos das “menores” e mais devastadoras
: Karla Alessandra Nobre Lucas privações que podem dissolver, na rigidez do
nexo, toda inocência e magia da arte de sorrir
A quem encontrar o presente manuscrito...
com calor! Meu pensamento agora vagueará
Advirto que há nele o registro solene de uma
somente pelo prazer das lembranças do que
passagem, uma travessia, que gostaria que e se
ainda não é, na medida em que o tumulto interior
prolongasse em sua existência, caro leitor:
causado pelo que foi, não me apanha o sono.
Transformada! Deveras, passei por uma
Saiba que guardo com cuidado dentro de mim
completa transformação. E não convém detalhar
meu mais caro presente: tempo e memória na
experiências vãs de outrora, do tempo em que
ponta de uma estrela. Minha memória? Foi um
meu espírito alegre, minha beleza e juventude
retrato em preto e branco, um desbotamento da
foram mitigadas. Reduzi-me à lágrimas em um
aquarela do que vivi. Experimentei... Um dia...
rosto com aspecto pálido e doentio, sem
Alguém... Conheci... e Descobri nos enleios de
expressão alguma. Andava a esmo. Mas agora
uma segunda oportunidade para enxergar que
tudo me soa muito diferente, como se o vento frio
não bastam apenas palavras, mas o que é dito
invadisse meu ser imprimindo a tensão de um
deve acompanhar o que fazem ou deixam de
mistério que em momentos passados reduziu-me
fazer por nossa causa... Aprendi que é possível
à cólera... a um sofrer sofrível que sufocava meu
tecer fios de sonhos possíveis que não se
sentir ― pleno ― de parecer existir uma vez só a
desgastam a cada alinhavo, no absurdo de um
ponto de me fazer sentir e ser nada para outro
sonho presente! O segredo? Nosso segredo é
que apenas simulava um ser e um sentir que, de
extático. Sonho a ser vivido uma só vez na alma
fato, nunca existiram.
infante! E é na cadência do tempo que saboreio a
doçura das palavras e gestos de quem realmente
Antes, a névoa em meus olhos negava-me o
tem o dom de permanecer e fazer durar.
acesso a uma verdade fundamental: de modo
Finalmente alcançou-me o toque das almas do
que hoje, eu, Marianne Dashwood, posso sentir a
Homem que não ousa dizer seu nome, meu
brisa e distrair-me à janela de nosso chalé com
amado, Brandon!
os olhos da esperança; pois, além do horizonte
das expectativas alimentadas pelas “heroínas de
papel”, há o limite do céu e da terra de
Devonshire que tornam o secreto manifesto por
um acaso que a vida me permitiu desvendar, na
Marianne
medida em que experimentei sucessivas
perdas... no amor de um pai e no amor de um
10. 10 | RUBRICAS | Revista Jane Austen Portugal
CARTAS
DE UMA
Jane Austen por que não está aqui para respon-
der a essas perguntas? Eu me manifesto para o
mundo sobre a Jane que você fora um dia, na
JANETTE
verdade que você é! Pois você está viva em cada
minúsculo ser que se interessa pelos seus
romances, que percebo ser seus na vida real, se
não forem seus, eram os seus desejos, seus
pedidos para cada estrela cadente que passava,
: Izabella Rendeiro onde você e seu coração compartilhavam confi-
dências que eu jamais saberei... Um desejo ocul-
Olá eterna Jane Austen, to que espero que tenha sido realizado.
Você, Jane, é um mistério que gostaria de des-
vendar, aprofundando-me em seu Eu, pois você é
Pergunto o porquê dos simples acontecimentos o que escreve, os seus livros são você e essa
tornarem-se dúvidas constantes em minha men- fantasia que criou despertou valores que nem eu
te... O porquê de me transformarem em um que- mesma havia conhecido, um amor jovem e incon-
bra cabeça, onde diversas peças estão faltando e dicional, uma réplica dos contos de fadas, onde
as que sobraram não se encaixam. Meu nome é toda menina sonhadora gostaria de ter, você era
Izabella Rendeiro e estou à procura de resolu- uma delas... E eu tenho absoluta certeza de que
ções, como todas as "Janeites", a busca por res- essa menina utopista jamais morreu! Ela está
postas não para. O que você, Jane, buscou todos aqui, em cada letra de cada traço feito em seus
esses anos? Misturar-se nos seus contares para livros! Você, Austen, fez parte da minha história!
ir ao encontro do seu mundo particular? E seus
amores, seus mais profundos desejos? Eles
basearam-se nos romances que escrevera? Tal- Beijos
vez essas respostas jamais venham, sei que elas
estão na cabeça de cada fã do mundo inteiro,
estão ocultadas em cada mínima interpretação
Izabella Rendeiro, umas de suas maiores admira-
que de diversas formas, estão espalhadas onde
doras.
nós devemos buscá-las.
Talvez o que eu esteja procurando em você,
esteja em mim mesma... Os meus sentimentos
sejam similares aos seus quando jovem, as
minhas emoções talvez, propositalmente, sejam
por você provocadas quando escrevera cada vír-
gula de seus contares... Não sei ao certo como
explicar, mas sinto como se o mundo parasse,
para você e seus personagens passarem,
enquanto eu os sigo de uma maneira automática
e ao mesmo tempo impulsiva.
11. Revista Jane Austen Portugal | ARTIGOS | 11
hillshillshills.wordpress.com
DE HOJE
BOX HILL
NOS DIAS
: Clara Ferreira
Es
romântica influenciava a tendência de comer ao
te local, referido no romance Emma, ar livre como forma de comungar com a nature-
assume um papel importante no desenro- za”. Desta forma, sabemos que Jane Austen
lar da história, não só por representar um dos
também seguia as tendências! Neste mesmo arti-
poucos momentos em que Emma sai do ambien-
te familiar de Hartfield, mas também porque deste go, percebemos a dificuldade que havia em pre-
passeio resultam mudanças importantes no com- parar tais saídas ao ar livre e toda a logística que
portamento e atitude de Miss Woodhouse. isso implicava - na versão de 1996 com Kate
Beckinsale tudo isso é muito bem demonstrado.
“They had a very fine day for Box Hill …
Nothing was wanting but to be happy when Assim como os piqueniques eram uma tendência
they got there. Seven miles were travelled na Época da Regência, também o era o local,
in expectation of enjoyment, and every Box Hill.
body had a burst of admiration on first arri- Box Hill, existe na realidade em Surrey, Reino
ving” Unido, aproximadamente a 30km de distância de
De acordo com o artigo “Emma: Picnicking on Londres. Assim, será de supor que Jane Austen o
Box Hill” do blogue Jane Austen’s World, “os tenha igualmente visitado. A colina tem este
piqueniques tornaram-se muito populares na vira- nome em virtude de um antigo bosque situado
gem do século XIX, quando a sensibilidade num declive muito íngreme do lado oeste com
romântica influenciava a tendência de comer ao vista para o Rio Mole.
ar livre como forma de comungar com a nature-
12. 12 | ARTIGOS | Revista Jane Austen Portugal
wikipedia.com
As primeiras casas da pequena aldeia de Box Hill
datam de 1800, embora grande parte da aldeia
tenha sido construída na metade do século XX.
Isto significa que a popularidade de Box Hill terá
surgido, mais ou menos, na época em que Jane
Austen viveu.
Existem duas pinturas que retratam a vista de
Box Hill, uma de George Lambert que data de
1733 e se encontra no Tate e outra de William
Turner que data de 1796 e que se encontra atual-
mente no Museu Albert and Victoria em Londres,
[podemos ver a pintura de G. Lambert, no título
deste artigo] o que acentua mais a ideia de que
as qualidades paisagísticas de Box Hill se torna-
ram mais conhecidas no preciso período de vida
de Jane Austen.
Hoje em dia Box Hill integra uma Área Especial
de Conservação, o que equivale certamente às
nossas Áreas protegidas, implicando igualmente
inúmeras restrições quanto a construções e des-
truição do meio ambiente.
Tem livre acesso ao público que pode optar por
fazer um percurso pedestre de cerca de 1 km
para Sul chamado “Pilgrims Ways” (Caminho do
Peregrino); visitar o miradouro (Salomons Memo-
rial) onde terá uma ampla paisagem, permitindo
inclusivé que se veja a cidade mais próxima, Dor-
king; visitar o Forte, que só foi construído em
1890, portanto, ainda não exisitia à data em que
foi escrita “Emma”; Broadwoods Folly, uma
pequena torre circular construída em 1820; A Zig
Zag Road, que data de 1869, um caminho muito
íngreme com cerca de 2.5 km que já foi por mui-
tos comparado aos Alpes Franceses; e ainda um
pequeno percurso de pedras sobre o rio no fundo
da colina junto ao Rio Mole.
Box Hill mantém a sua popularidade e, quem
sabe, se Jane Austen, através de Emma, não
teve grande influência nisso!
13. Revista Jane Austen Portugal | ARTIGOS | 13
EM
BOX HILL
PERSPETIVA
Piquenique em Box Hill - Emma 1996 com G. Paltrow (screencap)
: Clara Ferreira Grange, vou percorrer pelos olhos de um e de
outro, o que aconteceu no piquenique de Box Hill.
Bo x Hill é o palco da maior discussão
entre Emma e Mr. Knightley. É nesse
cenário que Emma é veemente repreendida pela
“I was up at daybreak, and oversaw the start of
the clover-cutting before getting ready to go to
Box Hill. The day was fine, and we had a good
forma crua e insensível como trata Miss Bates. É journey. Whether we were tired from yesterday’s
desta grande zanga entre os dois que virá, mais enjoyments or languid because of the heat I do
tarde, surgir em Emma o sentimento singular que not know, but there was a lack of spirit in the
sente por Knightley e que, afinal de contas, ultra- party.” – “Mr. Knightley’s Diary”, Amanda
passa as fronteiras da amizade. Grange (AG).
Dada a importância do local para o desenrolar da “They had a very fine day for Box Hill; and all the
história e do romance entre a nossa heroína e o other outward circumstances of arrangement,
nosso herói, resolvi confrontar as duas perspecti- accommodation, and punctuality, were in favour
vas da ação. Assim, recorrendo ao romance of a pleasant party. (…) Nothing was wanting but
“Emma” de Jane Austen e ao romance-sequela “ to be happy when they got there. Seven miles
Mr. Knightley’s Diary” de Amanda Grange, vou were travelled in expectation of enjoyment, and
14. 14 | ARTIGOS | Revista Jane Austen Portugal
RECORRENDO AO stupid. (…) When they all sat down it was better;
to her taste a great deal better, for Frank Churchill
ROMANCE “EMMA” grew talkative and gay, making her his first object.
DE JANE AUSTEN E (...) and Emma, glad to be enlivened, not sorry to
be flattered, was gay and easy too, and gave him
AO ROMANCE- all the friendly encouragement, the admission to
SEQUELA “MR. be gallant, (...) but which now, in her own estima-
tion, meant nothing. (...) Not that Emma was gay
KNIGHTLEY’S and thoughtless from any real felicity; it was
DIARY” DE AMAN- rather because she felt less happy than she had
expected. She laughed because she was disap-
DA GRANGE, VOU pointed; and though she liked him for his atten-
PERCORRER PELOS tions, and thought them all, whether in friendship,
admiration, or playfulness, extremely judicious,
OLHOS DE UM E DE they were not winning back her heart. She still
OUTRO O QUE intended him for her friend.” - JA
ACONTECEU EM Aqui sim, começamos a notar uma diferença de
perspetivas. Enquanto Knightley censura o com-
BOX HILL portamento de Emma e F. Churchill, tanto por
achar pouco próprio tanto flirt, e porque estando
every body had a burst of admiration on first arri- agora consciente da sua paixão por Emma, não
ving; but in the general amount of the day there pode evitar sentir ciúmes.
was deficiency. There was a languor, a want of
spirits, a want of union, which could not be got Todavia, Jane Austen mostra-nos os pensamen-
over. They separated too much into parties.” – tos de Emma, e estes não podiam ser mais dife-
“Emma”, Jane Austen (JA). rentes. Emma não está minimamente apaixonada
por Frank Churchill, apenas vê nele um amigo.
Amanda Grange mantém o estilo de Jane Austen,
Permite-lhe tais atenções por estar aborrecida ou
referindo a agradável viagem até Box Hill mas
alguma falta de “espírito” por parte dos seus parti- como Jane Austen nos diz, por não se sentir tão
cipantes em virtude do dia anterior passado em feliz como esperava, e daquela forma sempre se
Donwell Abbey. vai distraindo.
“We strolled about until it was time for our picnic. "Our companions are excessively stupid. What
Then, indeed, there was more liveliness in the shall wedo to rouse them? Any nonsense will ser-
party, (...) for Churchill made Emma the object of ve. They shall talk. Ladies and gentlemen, I am
his attentions. (..) Whatever it was, he did not ordered by Miss Woodhouse (who, wherever she
behave like a gentleman. is, presides) to say, that she desires to know what
Emma did not seem to notice anything amiss, and you are all thinking of?" - JA
flirted with him in the most painful way; painful to
me, as I am in love with her more every day. (…) “Emma smiled at this mixture of flattery and silli-
Her flirting grew worse. It was beyond anything I ness, instead of looking disgusted, as she should
had seen, and I dreaded where Frank Churchill‟s
have done” - AG
influence would take her.” – AG
“Some laughed, and answered good-humouredly.
“At first it was downright dulness to Emma. She Miss Bates said a great deal; Mrs. Elton swelled
had never seen Frank Churchill so silent and stu- at the idea of Miss Woodhouse's presiding; Mr.
15. Revista Jane Austen Portugal | ARTIGOS | 15
Knightley's answer was the most distinct. "Is Miss had anyone else whispered in company.” - AG
Woodhouse sure that she would like to hear what
" I am ordered by Miss Woodhouse to say, (...)
we are all thinking of?" - JA
she only demands from each of you either one
“I looked at her intently, knowing she would not thing very clever, be it prose or verse, original or
like my thoughts.” - AG repeated—or two things moderately clever— or
three things very dull indeed, and she engages to
"Oh! no, no"—cried Emma, laughing as care- laugh heartily at them all.
lessly as she could— "Upon no account in the
world. It is the very last thing I would stand the - Oh! very well," exclaimed Miss Bates, "then I
brunt of just now. Let me hear any thing rather need not be uneasy. `Three things very dull
than what you are all thinking of. I will not say qui- indeed.' That will just do for me, you know. I shall
te all. There are one or two,perhaps, (glancing at be sure to say three dull things as soon as ever I
Mr. Weston and Harriet,) whose thoughts I might open my mouth, shan't I? (looking round with the
not be afraid of knowing." - JA most good-humoured
“Well might she say so. They never find fault with dependence on every body's assent)—Do not you
anything she does, but to have such uncritical all think I shall?" - JA
friends is not good for anyone.” - AG
“I was just about to say, „Not at all,‟ and I saw Mrs
Acho interessantíssima a forma como Knightley Weston about to do the same, when Emma said”
consegue avaliar toda a situação sem se deixar - AG
influenciar em demasia pelos seus próprios senti-
mentos... ele mantém total sensatez.Obviamente "Ah! ma'am, but there may be a difficulty. Pardon
que a sua parcialidade para com Emma fazem me—but you will be limited as to number—only
com que se sinta triste pelas suas atitudes pre- three at once." - JA
sentes, todavia, as falhas que lhe aponta são ver-
dadeiras sem qualquer sinal de desfaçatez por “I could not believe it. Instead of reassuring Miss
esta não o encarar como potencial partido. Bates that her contributions to the conversation
"It is a sort of thing," cried Mrs. Elton
emphatically, "which I should not
have thought myself privileged to
inquire into. Though, perhaps, as the
Chaperon of the party— I never was
in any circle— exploring parties—
Piquenique em Box Hill - Emma 1996 com G. Paltrow
young ladies—married women—"
Her mutterings were chiefly to her
husband; (…)” - JA
“Mrs Elton, not at all pleased with the
turn the conversation had taken,
though her anger was mostly caused
by the fact that she was not the cen-
tre of attention. There was whispe-
ring from Frank Churchill, and Emma
showed no disgust at his behaviour,
as she would have done had anyone
else whispered in company.” - AG
16. 16 | ARTIGOS | Revista Jane Austen Portugal
were always valued, she insulted her in front of all insulted her oldest friend? Emma, who had flirted
her friends; worse still, in front of her niece. I felt shamelessly in front of all her friends?
sick with it. She would never have said such a Emma basked in the praise, though it was ill-
deserved, whilst her flatterer, Frank Churchill, lau-
thing before meeting Frank Churchill!” – AG
ghed and enjoyed it. “ - AG
Ñão sei se estes eram os pensamentos que Jane
Austen teria atribuído a Knightley, mas penso que “It did not seem to touch the rest of the party
não devem estar muito longe dos verdadeiros. equally; some looked very stupid about it, and Mr.
Sem dúvida que a influência de F. Churchill foram Knightley gravely said” - JA
uma importante contribuição para uma certa
insensibilidade no comportamento de Emma, pois “This explains the sort of clever thing that is wan-
junto dele era alvo de todas as maiores atenções, ted,‟ I said without humour, „but perfection should
convencendo-se, ainda que de forma inconscien- not have come quite so soon.‟
te, que era, de facto, perfeita. E isso levou-a a It made no difference. Emma was pleased, and
colocar-se numa posição sobranceira e altiva, so was her court. Mrs Elton, it is true, was not
sem ter em conta os outros. Emma foi inconve- pleased, though if she could have changed her
niente, grosseiramente inconveniente e Knightley name to Emma, she would have thought it the
não poderia ter reagido de outra forma. best conundrum in the world. “ - AG
“Miss Bates did not realize what Emma had said, "Oh! for myself, I protest I must be excused," said
and I was about to divert her attention by offering Mrs. Elton; (…) Miss Woodhouse must excuse
her another slice of pie when I saw her face chan- me. I am not one of those who have witty things
ge and knew I was too late.” - AG at every body's service” - JA
“but, when it burst on her, it could not anger, “I declared my intention of taking a walk as well,
though a slight blush shewed that it could pain and gave her one arm, whilst offering Miss Bates
her.” - JA the other.” - AG
“I was mortified, yet Emma continued to smile and “They walked off, followed in half a minute by Mr.
Weston went on with the conversation as though Knightley. Mr. Weston, his son, Emma, and Har-
nothing was wrong.” - AG riet, only remained; and the young man's spirits
now rose to a pitch almost unpleasant. Even
"I doubt its being very clever myself," said Mr.
Emma grew tired at last of flattery and merriment,
Weston. "It is too much a matter of fact, but here
and wished herself rather walking quietly about
it is.—What two letters of the alphabet are there,
with any of the others, or sitting almost alone, and
that express perfection?" - JA
quite unattended to, in tranquil observation of the
“Weston! Who should have shown her what he beautiful views beneath her.” - JA
thought of such conduct by a frown. He then
made things worse by offering a conundrum, and
one which could not have been more badly cho- “And for the rest of the walk, I had to listen to her
sen.” - AG apologizing for her tongue, when it should have
been Emma who was apologizing for hers.
“- M. and A.—Em-ma.—Do you understand?" I did what I could to soothe her, and she grew
Understanding and gratification came together. It easier. “ - AG
might be a very indifferent piece of wit, but Emma
found a great deal to laugh at and enjoy in it.— JA Eu até compreendo a frase de Emma... Afinal,
passei muito tempo do livro a desejar que ela se
“Emma understood, and was gratified, whilst I calasse! Todavia, acho que Emma extravazou
was annoyed. Emma, perfect? Emma, who had muito da sua putativa importância ao expressar
tal sentimento. Enquanto pensamento, julgo que
17. Revista Jane Austen Portugal | ARTIGOS | 17
tal sentimento. Enquanto pensamento, julgo que "I assure you she did. She felt your full meaning.
não nos deixaríamos de rir, mas o facto de o ter She has talked of it since. I wish you could have
dito da boca para fora é altamente repreensível. heard her honouring your forbearance, (...) and,
Mr. Knihtley espanta-se com a atitude de Emma,
were she prosperous, I could allow much for the
primeiro, por expressar semelhante pensamento,
segundo, por não perceber que o que acabou de occasional prevalence of the ridiculous over the
dizer foi em tudo ofensivo. good. Were she a woman of fortune, I would lea-
Não posso deixar de afirmar que considero a ve every harmless absurdity to take its chance, I
linha de pensamento de Knightley seguida por would not quarrel with you for any liberties of
Amanda Grange muito convincente. Depois de manner. Were she your equal in situation (...) Her
Weston fazer a sua charada com o nome de situation should secure your compassion. It was
Emma e perfeição, a resposta dada por Knightley badly done, indeed!” - JA
ainda mencionada por Jane Austen, é muito bem
explorada por Amanda Grange que nos mostra o “She was not interested. She looked away, impa-
sentimento incrédulo e zangado com que Mr. tient with me for speaking to her thus. But I had
Knightley reage a toda aquela situação perante a started, and I could not have done until I had fini-
indiferença de Emma que mantém uma postura shed.” - AG
irrefletida e imprópria.
Não deixa de ser igualmente interessante, o facto “to have you now, in thoughtless spirits, and the
de Amanda Grange nos dar a conhecer o que foi pride of the moment, laugh at her, humble her—
dito no passeio com Knightley, Miss Bates e Jane and before her niece, too(...) This is not pleasant
Fairfax, que nos mostra quão humilde e magoada
to you, Emma (...) I will tell you truths while I can;
Miss Bates estava.
satisfied with proving myself your friend by very
“While waiting for the carriage, she found Mr. faithful counsel, and trusting that you will some
Knightley by her side.” - JA time or other do me greater justice than you can
do now." - JA
“My anger had not cooled when I stood next to
Emma as we waited for the carriage to take us Gostei bastante desta controvérsia entre as pers-
home again. I told myself I must not reprimand petivas de um e outro. Emma só se apercebe das
her or criticize her, but I could not help myself. I implicações do que disse quando Knihtley a
could not see her being dragged down, when a
repreende. É curioso assistir ao duelo de senti-
word from me might stop it. “ - AG
mentos de Knihgtley que até ao último momento
“He looked around, as if to see that no one were tenta não criticá-la por entender que já não ocupa
near, and then said, "Emma, I must once more esse lugar, agora que Emma pretende iniciar a
speak to you as I have been used to do” - JA sua vida ao lado de outro homem. Todavia fá-lo,
e fá-lo por amor.
“I said, in some agitation. Even then, I tried to
hold back, but I could not” - AG A reação inicial de Emma às suas palavras é ain-
da muito imatura, como Austen nos mostra, ela
“I cannot see you acting wrong, without a remons- ainda tenta rir com a situação.
trance. How could you be so unfeeling to Miss
Bates? (...) Emma, I had not thought it possible." “While they talked, they were advancing towards
Emma recollected, blushed, was sorry, but tried to the carriage; it was ready; and, before she could
laugh it off. speak again, he had handed her in.” - JA
"Nay, how could I help saying what I did?— “I handed her into the carriage. She did not even
Nobody could have helped it. It was not so very bid me goodbye. She was sullen. Who could bla-
me her? But it could not be helped. I had said
bad. I dare say she did not understand me." what I had to say, and I returned to the Abbey in
low spirits. “ - AG
18. 18 | ARTIGOS | Revista Jane Austen Portugal
“The wretchedness of a
scheme to Box Hill was
in Emma's thoughts all
the evening. How it might
be considered by the rest
of the party, she could
Piquenique em Box Hill - Emma 1996 com G. Paltrow
not tell. They, (...) might
be looking back on it with
pleasure; but in her view
it was a morning more
completely misspent,
more totally bare of ratio-
nal satisfaction at the
time, and more to be
abhorred in recollection,
than any she had ever
passed.” - JA
Gosto especialmente da
“He had misinterpreted the feelings which had forma como Knightley interpreta erradamente a
kept her face averted, and her tongue motionless. aparente apatia de Emma perante o que lhe diz e
They were combined only of anger against her- os sentimentos dela para com Churchill—e nisto,
self, mortification, and deep concern. She had not ele não podia estar mais enganado!
been able to speak; and, on entering the carriage,
Emma só muito tarde se apercebe do que fez,
sunk back for a moment overcome—then reproa-
mas não tarde de mais, como sabemos, Emma
ching herself for having taken no leave, making
esforça-se por expiar as suas culpas nos capítu-
no acknowledgment, parting in apparent sullen-
los seguintes e consegue-o e por isso entendo
ness, she looked out with voice and hand eager
que esta cena na história representa um ponto de
to shew a difference; but it was just too late. He
viragem em Emma porque ela cresce muito
had turned away, and (...) She continued to look
depois desta reprimenda.
back, but in vain; (...) She was vexed beyond
what could have been expressed— almost
beyond what she could conceal. Never had she
felt so agitated, mortified, grieved, at any circums- NÃO POSSO DEIXAR
tance in her life. “ - JA
DE AFIRMAR QUE
“(I) began to restore my sense of calm. (...) If
Emma had been with me, I would have known
CONSIDERO A LINHA
complete happiness. But she was not, and as I DE PENSAMENTO DE
came inside I had to acknowledge that such a
thing would never come to pass. (...) But I cannot KNIGHTLEY SEGUIDA
forget about Emma. Where is she now? Is she at POR AMANDA GRAN-
Hartfield, thinking of Frank Churchill and his easy
flattery? She must be.“ - AG GE MUITO CONVIN-
CENTE
19. Revista Jane Austen Portugal | ARTIGOS | 19
EMMA
A HEROÍNA
QUE NÃO VAI A LADO NENHUM
Emma 1996 com G. Paltrow
: Vera Santos Jane, Fanny Price, visita a sua família com quem
fica durante alguns meses.
To das as heroínas de Jane Austen, num
momento do livro passam uma tempora-
da fora de casa. As irmãs Dashwood visitam Lon-
Emma é a única que nunca vai a lado nenhum,
sim há o passeio a Box Hill, mas é somente um
passeio que dura algumas horas e permite o
regresso a casa no mesmo dia. Emma nunca vai
dres na companhia da Mrs. Jennings e na volta
para casa passam algumas semanas na proprie- passar algumas semanas com a irmã a Londres
dade dos Palmers, onde devido à doença de ou visitar qualquer outro lugar como Bath.
Marianne ficam mais tempo do que inicialmente Sobre o ponto de vista narrativo Emma é um
previsto. Elizabeth visita os recém-casados Col- romance fechado todos os personagens que
lins e mais tarde os tios proporcionam-lhe umas conhecemos no inicio estão lá no fim, não existe
férias no Derbyshire, a sua irmã Jane passa uma alteração significativa, o livro funciona como
algum tempo em Londres e Lydia vai para Brigh- um circulo fechado. Noutras obras vão nos sendo
ton com os Forsters. Catherine acompanha os apresentadas novas personagens, em Emma
Allen a Bath e Anne Elliot antes de se mudar defi- isso não acontece. Harriet Smith é introduzida no
nitivamente para esta cidade passa algum tempo círculo de Emma, mas ela já vivia há algum tem-
com a sua irmã Mary. Até mesmo a heroína mais po em Highbury e o mesmo é válido para Jane
pobre dos livros de Jane, Fanny Price, visita a Fairfax e Frank Churchill, embora ausentes
20. 20 | ARTIGOS | Revista Jane Austen Portugal
durante uma parte da obra estão presentes pelas verdade, como acontece com Elizabeth Bennet
várias menções que lhes são feitas. A única per- mas nunca a de mudança/ reforma da personali-
sonagem realmente nova que conhecemos, a a dade do qual Henry Crawford é um bom exemplo.
Mrs. Elton, mas a sua presença é irrelevante
excepto para irritar Emma e o leitor com toda a
sua maneira de ser. Todos estes factos e análises levam-me a pensar
O curioso desta constatação é que Emma é de que Emma seria exactamente igual quer tivesse
todas as heroínas a que mais teria possibilidades passado temporadas em Londres ou noutro sítio
de viajar já que era a mais rica. Os motivos para qualquer, embora a aí talvez tendo à sua disposi-
a ausência de alguma viagem são facilmente ção mais divertimentos e ocupações ela não
explicados pelo pai que acha que ir ao jardim já estaria tão preocupada em arranjar casamentos
pode causar uma constipação que o vai matar. ou talvez fosse mais aliciante para ela fazer
Emma não pode e também não quer deixar o pai isso uma vez que existiam mais homens e
e por isso permanece em casa. mulheres livres!!
No entanto uma melhor explicação pode estar
algures na sua correspondência de Jane Austen
onde afirmou que o seu trabalho incidia sobre
três ou quatro famílias da sociedade rural. Talvez
por isso em Emma levou tal afirmou a sério e
criou um leque pequeno de personagens e um
espaço confinado que nunca é alterado ao longo
do livro, mesmo quando Emma encontra o amor
ela encontra-o em alguém que conheceu toda a
Emma 1996 com G. Paltrow
sua vida.
No fundo é como Jane Austen tivesse decidido
brincar com um cenário fixo e nele movimentar
um conjunto de personagens.
Será Emma enquanto personagem limitada por
esta falta de conhecimento do outros espaços
que não Highbury? Pessoalmente acho que não
e Emma seria a mesma pessoa ainda que tivesse
SOBRE O PONTO
feito a volta ao mundo. Na obra de Jane não DE VISTA NARRA-
observamos mudanças significativas nos perso-
nagens pela lugares que visitam. Por exemplo, TIVO EMMA É UM
Elizabeth Bennet descobre durante a sua estadia
no Kent que Darcy está apaixonado por ela, que ROMANCE
Wickham é um patife e a forma como Jane e Bin-
gley foram separados. Mas a sua maneira de ser FECHADO TODOS
continua a mesma. Penso que Jane não via nas
mudanças de ares uma forma de mudar o perso- OS PERSONA-
nagem ou até de corrompê-lo. Em algumas obras
de outros autores observamos isso, um exemplo GENS QUE
típico é o jovem mais inocente que ao vir para a
cidade, após uma vida no campo é corrompido CONHECEMOS
pela vida citadina.
Julgo que Jane Austen acreditava na mudança
NO INICIO ESTÃO
de opiniões quando a pessoa é exposta à verda- LÁ NO FIM
21. Revista Jane Austen Portugal | ARTIGOS | 21
O ESTATUTO
ESPECIAL DE EMMA EM
HARTFIELD
Donwell Abbey - Emma 1996 com K. Beckinsale
: Júlia Marcos Ferreira dias passados em Londres em casa dos mesmos
familiares comuns (na praça de Brunswick) e das
Co
notícias sobre todos, especialmente das crianças,
e ainda a Emma que envia a amiga Harriet Smith
meço por comentar o artigo anterior,
durante semanas para a casa de sua irmã em
aqui apresentado pela Vera, com o qual
Londres para a fazer esquecer a última paixão!
concordo inteiramente, pois Emma é mesmo a
heroína que nunca vai a lugar nenhum!
Não podemos esquecer que no final do século
XVIII, início do XIX, as viagens eram morosas,
Nos últimos dias, voltei a reler a obra “Emma” em
lentas e incómodas, mesmo para quem tinha a
busca de pistas ou ideias que me pudessem elu-
sorte de possuir carruagem. Talvez Emma não se
cidar sobre a ausência de interesse da jovem
sentisse muito bem em viagens mais prolongadas
Emma pelas saídas prolongadas ou mesmo da
e não o quisesse de todo reconhecer. No entanto,
razão pela qual ela parece estar sempre tão feliz
encontramos na obra uma personagem, Frank
no seu próprio ambiente. Parece estranho que
Churchill, que viaja muito e que vai a Londres
uma jovem que tem uma irmã a viver em Londres
para voltar no mesmo dia, vinte e cinco quilóme-
não a visite nem manifeste interesse em o fazer.
tros para cada lado, o que nesse tempo seria sig-
Ao longo da obra encontramos uma Emma
nificativo. As deambulações de Frank Churchill
expectante com as visitas e as estadias em Hart-
não parecem interessar Emma por aí além, pois
field da família de Londres, da irmã, do cunhado,
esta associa-as muitas vezes a uma certa levian-
ou mesmo apenas dos dois sobrinhos mais
dade e inconstância por parte do rapaz.
velhos, Emma que aguarda ansiosamente a che-
gada de Mr. Knightkley regressado de uns dias
22. 22 | ARTIGOS | Revista Jane Austen Portugal
mais consciente e mais humana, mesmo assim,
sempre no seu pedestal. A inimizade incom-
No capítulo XII encontra-se uma ligeira referência preensível de Emma para com Jane Fairfax deve-
a uma certa vontade de viajar (embora não con- se possivelmente a esse brilho que a primeira
cretizada) por parte de Emma, quando se fala no quer ter sempre e a segunda também manifesta,
mar e na estadia da irmã, do cunhado e dos talvez em maior grau, pois como a própria Emma
sobrinhos à beira-mar, e onde Mr. Woodhouse reconhece, Jane suplanta-a na música e na sua
contesta o benefício dessas estadias para a saú- aprimorada execução.
de, Emma confessa: “Peço-lhes que não falem do
mar! Fazem-me inveja e tristeza, eu, que nunca o
vi!” As razões pelas quais Emma nunca viu o mar Em suma, é sempre enriquecedor reler Emma!
podem ser diversas mas também inexplicáveis: a As estratificações sociais rígidas e os preconcei-
proteção e a dependência do pai, alguma imobili- tos nas sociedades rurais inglesas do início do
dade da sua parte para manifestar esses desejos, século XIX são aqui bem apresentadas em todas
afinal podia sempre ter-se juntado à irmã e ao estas personagens.
cunhado para passar a temporada no mar junto
deles. Não é pelo facto de achar que Emma é muito
mimada e se julga muito especial durante grande
Na obra perpassa a ideia que Emma se sente parte do romance, que gosto menos dela! Emma
perfeitamente bem no seu ambiente natural e que é de facto uma figura encantadora e representa
esse ambiente é Hartfield. A sua ligação ao pai, o muito bem a sociedade rural que personifica,
carinho e a paciência com que o trata, mesmo identificando-se tanto com Hartfield, o que a torna
quando as doenças imaginárias de Mr. Woodhou- especial e única como ela própria gostaria de se
se o parecem tornar demasiado hipocondríaco e reconhecer.
impossível de aturar, para Emma, tudo isso é
aceite com um sorriso calmo e benevolente.
A ideia geral que Emma me transmite é que a
sua ligação a Hartfield está associada ao seu
estatuto especial de que goza ali e apenas ali
naquele lugar. Se Emma fosse para outro lugar
qualquer, perderia aquele estatuto de princesi-
nha, de pessoa especial e respeitada, e seria
mais uma jovem entre tantas outras. Essa é a
impressão que tenho em geral, através da leitura
da obra: Emma move-se muito bem naquela loca-
lidade onde é acarinhada e tratada de forma mui-
to especial por todas as pessoas. A irritante Mrs.
Elton (que é de facto irritante para todos nós) é-o
particularmente para Emma, porque desafia o
seu lugar, porque se coloca em primeiro lugar e
Donwell Abbey - Emma 1996 com K. Beckinsale
ignora o estatuto de Emma (até mesmo no fim da
obra, quando se sabe do casamento entre ela e
Mr. Knightley, Mrs. Elton continua a afirmar que
foi Emma quem caçou um bom partido, recusan-
do-lhe mais uma vez o estatuto especial de que a
jovem goza desde sempre).
Todo o percurso de Emma, as suas aproxima-
ções a Harriet Smith, vão no intuito de a valorizar
com a sua influência e de a levar a procurar
melhor partido do que o apaixonado Mr. Martin,
embora no fim Emma reconsidere e fique mais
consciente e mais humana, mesmo assim, sem-
pre no seu pedestal. A inimizade incompreensível
23. Revista Jane Austen Portugal | ARTIGOS | 23
A PROTAGONISTA
MAIS ENRAIZADA
DE JANE AUSTEN
Emma 2009 BBC
: Luan Fernandes ela ser descrita como muito elegante, refinada,
inteligente e sociável e de ela exaltar tais
Eu
qualidades em si mesma, ela não passa de uma
fiquei surpresa com uma constatação simples moça do campo! Me parece que Jane
que fiz recentemente e que foi suscitada Austen, sabiamente, quis destacar as
pelo tema de maio e junho do blog, a saber, "Os incoerências do caráter de Emma: sua
lugares em Emma". Tal constatação é que Emma imaturidade e arrogância contrapostas a sua
é a única protagonista de Jane Austen que não bondade e dedicação familiar.
dorme uma noite fora de casa! Realmente, ela
não viaja para conhecer novos lugares, ou para
acompanhar a moda da sociedade de ir para um Ao lermos “Emma”, há vários diálogos entre ela e
único lugar (tal como Bath), ou para visitar seu pai, nos quais o tema “viagem” é tido como
parentes, ou para estudar. Eu fiquei com pena proibido ou é questionado e massacrado pelos
dela! Poxa! Tão jovem e rica, por que não argumentos de Mr. Woodhouse. Emma é
aproveitar mais a vida e viajar? sensível a esta resistência paterna em permitir
que ela saia de perto dele, visto que ela nunca
visitou a irmã em Londres ou sempre se mostrou
Pois bem, eu creio que este fato de Emma nunca temerosa em se ausentar mesmo que por um
ter viajado foi proposital e planejado por Jane período do dia.
Austen para ressaltar o amor e dedicação de
Emma a seu pai e para mostrar que apesar de
24. 24 | ARTIGOS | Revista Jane Austen Portugal
Ao comparar Emma com as outras “heroínas” de EU CREIO QUE ESTE
Jane Austen me surpreende o fato de que todas
as outras viajaram, se ausentaram meses longe FATO DE EMMA NUNCA
de casa e em tais viagens acontecimentos
importantes das histórias ocorreram. Porém, TER VIAJADO FOI
todos os acontecimentos marcantes de “Emma”
ocorreram no mesmo lugar ou em seus
PROPOSITAL E
arredores. É interessante pensar que esta
condição não torna a história maçante ou com
PLANEJADO POR JANE
menos emoção, pelo contrário, ressalta a AUSTEN PARA
habilidade de Jane Austen em prender a nossa
atenção e nos envolver em suas tramas sagazes. RESSALTAR O AMOR E
DEDICAÇÃO DE EMMA
Realmente, Emma é a protagonista mais
enraizada de Jane Austen! Ela evoluiu enquanto
A SEU PAI E PARA
pessoa, mesmo sem sair do lugar! É em sua MOSTRAR QUE
casa, no seu lar, que Emma descobre o amor, se
frustra, aprende a ser mais humilde e amadurece. APESAR DE ELA SER
DESCRITA COMO
MUITO ELEGANTE
Emma 2009 BBC
25. Revista Jane Austen Portugal | ARTIGOS | 25
HARTFIELD
: Marina Nunes Acredita-se que Henry VIII habitou Castelo Bole-
broke, localizado a uma curta distância da aldeia,
E como o tema é: Os lugares em Emma, resolvi que utilizava na época de caça aos javalis e vea-
fazer uma pesquisa e encontrei a seguinte infor- dos, na floresta Ashdown. Também se acredita
mação para Hartfield: que cortejou Anne Boleyn deste castelo.
Hartfield é uma freguesia em East Sussex , Ingla- Hartfield tinha uma estação ferroviária que foi
terra . Assentamentos na freguesia incluem a vila fechada em 1967. A maioria dos ex-trackbed ago-
de Hartfield, Colemans Hatch, Hammerwood e ra faz parte do Caminho Florestal e da Rota do
Holtye, no extremo norte da Floresta de Ash- Ciclo Nacional e é muito utilizada por caminhan-
down . tes e ciclistas.
Hartfield é a vila principal da freguesia. A igreja é
dedicada à Virgem Maria. Há três casas públicas:
Anchor Inn; Gallipot Inn e Haywagon Inn. A rua da O edificio da estação em si é agora utilizada como
aldeia é estreita, impedindo uma pré-escola. Existe um serviço de transporte
o estacionamento, embora a âncora e a Pousada publico (autocarro/camioneta) que liga a aldeia
Haywagon tenham parques de estacionamento com Crawley, Grinstead Oriente e Tunbridge
privado para clientes. Wells. Há uma série de empresas na aldeia."
Cotchford Farm, em Hartfield foi a casa de AA Mil-
ne (1882-1956), autor dos livros Winnie the Pooh. Então? será que Emma ía gostar de viver na Hart-
Mais tarde, foi possuído por Brian Jones guitarris- field de hoje?
ta e fundador da The Rolling Stones , que foi
encontrado morto na piscina em 1969.
Há uma loja na vila dedicada a todas as coisas
relacionadas com o Ursinho Pooh das histórias.
26. 26 | ARTIGOS | Revista Jane Austen Portugal
A ABADIA
DE
DONWELL
: Clara Ferreira mote para uma das nossas próximas ficções aqui
no Jane Austen Portugal!
Es te podia ser o título de uma aventura
com a nossa intrépida Miss Morland,
mas não, nem creio que haja qualquer história
Donwell Abbey é a distinta propriedade de Mr.
George Knightley em “Emma”. Vou esforçar-me
por fazer uma visita guiada a esta casa que terá
fantasmagórica para contar acerca de Donwell sido o lar de Mrs. e Mr. Knightley depois da morte
Abbey... Mas quiçá, não esteja aqui um bom de Mr. Woodhouse.
27. Revista Jane Austen Portugal | ARTIGOS | 27
Mas tal referência pouco ou nada acrescenta ao
que aqui já foi dito. É pelos pensamentos interes-
seiros de Mr. Elton, que magicava um possível
relacionamento com Emma, que conhecemos um
pouco mais sobre as suas vantagens patrimo-
niais, digamos assim, no Capítulo XVI, Vol. I:
A área de propriedade de Hartfield era
irrelevante, pois mais não era do que um
pequeno entalhe na propriedade de Don-
well Abbey, à qual a restante Highbury
pertencia.
Deste trecho ficamos a perceber que em termos
de vastidão de propriedade, Donwell Abbey não
tinha rival em Highbury. Tal significa que Mr.
Knightley era um grande proprietário na altura,
tanto ou mais que Mr. Darcy em Orgulho e Pre-
conceito. E é prova disso o trecho que coloco em
seguida, retirado do Capítulo XII, Vol.I, a propósi-
to da altura em que John Knightley vem de visita
a Hughbury e Jane Austen nos congratula com a
amizade entre irmãos:
Enquanto rendeiro (...) tinha de lhe contar
[a J. Knightley] acerca do que cada par-
cela de terra iria produzir no próximo
ano, e dar-lhe toda a informação possível
Piquenique em Box Hill - Emma 1996 com G. Paltrow
que seria do interesse do irmão, cujo lar
em Donwell tinham partilhado durante
muitos anos e pelo qual tinham ambos
fortes ligações. O plano para uma drena-
gem, a mudança de uma vedação, a que-
da de uma árvore e o destino de cada
acre de trigo, de nabos ou milho.
Sendo vizinho de Hartfield, sabemos que visitava
várias vezes Mr. e Miss Woodhouse, quase sem-
pre a pé. Isso sempre me fez achar que eram
propriedades muito próximas. Mas Jane Austen
desvenda o mistério logo no Capítulo I do Vol. I:
A primeira referência a Donwell Abbey é feita no
Capítulo III, Vol. I (aviso que a tradução é feita Ele [Mr. Knightley] vivia a cerca de 1,5
por mim do original): km de Highbury.
Felizmente para ele [Mr. Woodhouse], Não é uma grande distância, é certo, mas indica
Highbury incluia Randalls na mesma que Mr. Knightley não tinha medo de uma boa
paróquia e Donwell Abbey na paróquia caminhada! O que me faz acreditar que o Mr.
adjacente, propriedade de Mr. Knightley. Knightley idealizado por Jane Austen era, com os
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Knightley não tinha medo de uma boa caminha- próprio, com condições características,
da! O que me faz acreditar que o Mr. Knightley pouco elevada e abrigada. Os seus jar-
idealizado por Jane Austen era, com os seus dins amplos estendiam-se ao longo do
quase quarenta anos (já pareço Marianne Dash- prado, regados por um ribeiro do qual a
wood a falar!) um homem de exercício. Abadia, com todo o abandono que o tem-
po produz, mal tinha um vislumbre. [A
Não deixa de ser excepcional que Mr. Knightley,
Abadia] Tinha muita abundância de árvo-
com todas as vantagens que possuía, uma vez
res em fileiras e avenidas, que nem a
que era um grande proprietário, culto, de alta
moda nem as extravagências haviam
posição e, interessante a todos os níveis, não
destruído. A casa era maior que Hartfield
fosse ainda casado e a propriedade estivesse
e totalmente diferente, cobria um enorme
destinada ao sobrinho, Henry (de acordo com as
pedaço de terreno, cheia de corredores e
palavras de Emma). É então de supor que Don-
recantos irregulares, tinha várias divi-
well Abbey embora, não sendo assombrada, fos-
sões maioritariamente confortáveis e
se uma casa vazia, tendo por único ocupante um
uma ou duas salas bonitas. No fundo, era
homem solteiro. E nesse sentido escreve também
tudo o que deveria ser, e parecia aquilo
Jane Austen, depois de uma pequena quezília
que era – e Emma sentiu um crescente
com Emma a respeito do jogo de palavras que
respeito por ela, enquanto residência de
implicava Emma, Jane Fairfax e Frank Churchill:
uma família de verdadeira distinção. (...)
Pouco depois saiu rapidamente e foi para
casa, para a frieza e solidão de Donwell Depois de passearem durante algum
Abbey. tempo nos jardins (...) seguiram (...) para
a deliciosa sombra de uma larga avenida
Mas é no Capítulo VII do Vol. III que ficamos a de limeiras, que se estendia para além do
conhecer Donwell Abbey pois Jane Austen pro- jardim, a igual distância do rio (...), não
porciona-nos um delicioso rol de descrições levava a nada. A nada mais do que a uma
sobre esta casa: paisagem que se podia apreciar debaixo
de uma construção de pedra com altos
Enquanto olhava para o tamanho e estilo
pilares, cuja intenção parecia (...) dar a
respeitável da casa, era adequado,
sensação de chegar a uma casa que nun-
ca esteve lá. (...) Era em sim
um agradável passeio, e a vis-
ta com que terminava era
extremamente bonita. A consi-
derável encosta, quase ao fun-
do do terreno onde a Abadia
Donwell Abbey - Emma 1996 com K. Beckinsale
estava, adquiria gradualmente
uma forma de vaso (...) e, a
cerca de meia milha de distân-
cia estava uma rampa de con-
siderável declive e grandeza,
bem revestida com árvores e
ao fundo desta rampa, favora-
velmente localizada e abriga-
da, erguia-se Abbey Mill Farm
(...). Era uma deliciosa paisa-
gem –
29. Revista Jane Austen Portugal | ARTIGOS | 29
deliciosa para o olhar e para
o pensamento. Verdura ingle-
sa, cultura inglesa, conforto
inglês, visto debaixo de um
Donwell Abbey - Emma 1996 com K. Beckinsale
sol radioso sem se tornar
opressivo. (...)
Julgo que ninguém ficará indiferente
a tal descrição. Penso que fiquei
igualmente arrebatada com Donwell
Abbey tal como com Pemberley.
Aliás, através deste artigo, começo a
encontrar diversas semelhanças
entre Darcy e Knightley, se bem que
o último tem um sentido de humor
bem mais cativante, ou talvez seja
só eu, pois sou suspeita, uma vez que tenho Algo que também sabemos é que a Abadia de
Knightley em maior preferência que Darcy. Donwell é famosa pelas suas macieiras e moran-
gueiros, um pouco, se bem se lembram, à seme-
Assim, Dowell, uma extensa propriedade, com lhança da propriedade do Coronel Brandon,
uma enorme casa, ocupada por um solitário indi- famosa pelos seus pessegueiros!
viduo seria, muito embora bela e imponente, uma
casa com demasiadas divisões vazias, muito ao Sabemos isto através de Miss Bates que caracte-
estilo de Northanger Abbey, se bem que esta últi- riza as maçãs de Donwell :
ma tinha sido alvo de algumas modernizações e
As maçãs são das melhores para assar
estivesse mobilada “à la mode”! (…) vieram de Donwell .
O que sobressai da descrição feita por Jane Aus-
Quanto aos morangueiros, percebe-se claramen-
ten são, acima de tudo, os seus jardins—pois o
te através do passeio feito a Donwell onde um
interior da casa devia ser bastante soturno e dos passatempos foi precisamente o de apanhar
desinteressante. Mas os jardins, esses, são cati- morangos.
vantes e inspiradores, propícios a todo o género
de passatempo . Donwell era famosa pelos seus moran-
gueiros.
A descrição feita da larga avenida rodeada de
árvores as quais não tinham sido destruídas por Não sei quanto a vocês, mas eu cá não me
nenhum ímpeto de moda ou extravagância, importava nada de viver num sítio como Donwell
fazem-me recordar do famoso passeio à casa de Abbey, embora tivesse obrigatorimente de acres-
Mr. Rushworth, em Mansfield Park, onde sabe- centar mais elementos à família para preencher
mais espaço e é isso que espero que Emma e
mos que um dos projetos será arrancar todas as
Knightley tenham feito!
árvores que circundam a avenida pois essa era
então a moda do tempo. E se bem me recordo,
Fanny Price fica muito surpreendida pois não
entende como é que uma casa pode ficar mais
bonita depois de destituída de tão frondosas
árvores. Enfim, sabemos então que Mr. Knightley
era um homem de bom gosto e sem qualquer
pretensão de “estar na moda”.