1. CINCO LIVROS QUE FALAM DE AMOR
E, UMA MÃO CHEIA DE POETAS
Cinco livros que falam de diferençados amores - Se de tal verdade
sabemos nós !... - Do primeiro nos dá a nobre Agustina, com a pena
arada de socalcos, uma marcante história de amor duma jovem de
olhos azuis e trágicos.
Fanny Owen de seu nome, tão delicada e branca, de andar leve e
cultivado que até a gente lusa espanta. Certo dia, do enlevo dos cetins
e do rodopio da valsa, atraiu, sem ser esperado, a gula dum morgado
de herança vasta.
Chamava-se José Augusto – um doido por amores fugazes -, que logo
pensou em ter mais uma cativa ave.
Surge então Camilo – que trindade fenecida -, moderando destas
almas um Castelo de alegrias e penas surgidas: (mas, há lá maior
grilheta para uma mulher, do que de Branco ser amada, por um
letrado, um vate, que a idolatrava!...),
Fenece então a flor, cortada como lírio a Orago, uma capela, um
coração, um destemor, pálida neve no além conservada.
O morgado dá-se ao láudano. Deixa os Rabelos pelo murmúrio das
Tágides. Morre num ignorado mistério, num catre sem cor numa rua
de tavolagem.
Resta o génio das letras. Quanto bebe dali a pena!...Voltar ao exílio do
amor Plácido; vestir dos arcebispos os ares, pensar na sorte dum
poeta, o quanto escrever para a viagem: que encerrado olhar à lauda e
ao sol dos dias está por porvir; num trágico palio de plátanos; oh! Que
desfecho medonhamente anunciado…
Tudo isto nas réstias dum tempo de Patuleia.
Pois décadas mais tarde, já não há do amor tão funesta ideia. De se
envolver por morte e desencanto em cores de negros prantos.
Vem então, pela mão de Eça, a Luisinha, tão prendada, burguesinha,
sem cautela. E, ele, Basílio, o primo, dono do sorvo coquete dos
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2. bulevards; do charuto ceptro, da bebida borbulhante, do retiro ninho
em quarto cansado de ais; do ousado contar gabarola entre três
conhaques reais.
Retomam idílio antigo. Como a solidão é tão pertinente de
carinhos!.... Jorge estava longe; e, embora se de amores no Alentejo
distante, o recato dela deveria ser constante. Ao homem ainda tudo é
permitido; amores, amantes, desvarios, ficava tudo como dantes.
Se do inebriar tudo cega, como passarinho que a Gavião se entrega,
descobre Juliana, a criada, dos amantes, as ternas cartas trocadas.
Que martírio sofre a pobre menina. Se a voz propalada, ao convívio
das boas casas, fosse invelada do Carmo à Encarnação?
Falada, adultera, rejeitada, conventualmente internada e emparedada
dos cetins de ocasião.
Basílio parte, ela fica; quanto de mentira havia nos seus juramentos. A
chantagem tão brutal transforma-a. Jorge encontra-a definhada, triste
acabrunhada, um passarinho invernado sem ter nada.
Decorrem breves sóis; insurge-se o cérebro a tal medida de
acrescentada inrazão de tal pecado.
Perdoa-lhe Jorge no estertor, mas para Luísa já não há mais amor.
Basílio regressa, como marinheiro que colhe a cada porto. Da notícia
da morte de Luísa, toma de tão breve saber, quase como qualquer
recado em jornal amarfanhado, sem préstimo de ler.
E outros amores, mais felizes, no século das luzes se dão:
Passados em casarões de pedras sem idade. Lareiras beirãs, murtas,
heras, mostos e farelos, grasnados pela manhã; cobres areados entre
quadros soturnos de fidalgos acordados; abundâncias de celeiros e
gado. É tão bom o amor maternal!... “Tia Susana meu Amor”… Sou
eu, o António!... Acolha-me!...Desprenda alfazemas antigas das
flanelas do quarto novo.
Como, também, é boa esta deriva do amor sem o resfolgo.
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3. São coisas simples que se guardam, viagens, rostos, gentes.
Marmelada cativa e lambareira; a escola o milho a eira.
Parte António Alçada, para Lisboa, em demanda das laudas da
jurisprudência. Aumentasse-lhe aquele jeito cativante da serra e do
colóquio pensado em urzes e chocalhares de ovelha madrinha. Tem
todos os amigos destas e de outras terras. Conta como ninguém: dum
simples repasto faz um banquete; duma história sertaneja um
brilharete. Dum dia de Portugal em ensaio premente. Que saudades:
“Tia Suzana, Meu Amor “ !...
Então :
“Para Sempre”: não pensem que foi fácil com verdes anos ficar
entregue aos granitos, a Gouveia, à serra, às tias, ao espartar dos
irmãos mais velhos. Sendo Vergílio de apelido Ferreira, pai e mãe
idos às bordas de um outro Atlântico sem Beira.
Remédio foi a sotaina: estudar, comer, ter agasalho dos rigores, ainda
por cima ter latim, estar sob os olhos do tal Senhor, que até as cavacas
nos via apanhar da terra.
Oh!...Quanto serviu na outra escola, todos estes anos trocados p’la
sacola.
Então foi a paixão do ofício: primeiro guardador de livros; tantos,
poeirentos, arrumados, prestáveis, saídos como em funis de apriscos
aos prados de ler. Depois… Que paixão, meu Deus!... Ela pequenina
de nome Sandra: tão esquiva como carpa mondeguina sem provir do
enternecer; mas quando se gosta!... Não há nada a fazer…
Que terrível vingança Ele me fez!...
Levando-a um dia para um campo de crisântemos. Sem se poder
despedir. Escrevi-lhe por intermédio da Xana (a minha filha), antes da
resposta ainda vou decerto encontrá-la ao entardecer.
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4. E depois dos clarins da liberdade, como é que se arruma tudo isto?
Com “ Um Amor Feliz”: uma ousadia promontórica; um David que
esculpe ( que desfaz o Ballet Rose , a resumo de história), feita de
corpos nus, peitos inflamados. Uma tal trama que é mais do que
versos de fado. Ela como as deusas das Cíclades; loura, rosada, peitos
de abrunhos bem nascidos. Deitada num leito de vingança, dando ao
púbis um valor do imerecido.
Como tudo é então compreendido.
As fáceis eram “ porreirinhas” as difíceis “ peneirentas”.
Os namoros eram fátuos que a vaidade alimenta.
E desponta no látego da calçada o pão da antiga amizade. É o “
Niassa”, o amigo; alguém disse: – de dois seres iguais a lealdade, sem
perigo -, David, corre em busca da amada, Mourão, Ferreira, Algarve,
Estremoz, as pedras do nada.
Como é sempre difícil o amor em Portugal!...
E os poetas!... Onde estão os poetas?
Perguntamos todos à uma, ansiosos como se das portas do Paraíso se
tratasse.
Pois, é de lá que eles convergem. Ele há lá gente que seja mais tu cá
tu lá com os deuses. Que faça corar as virgens; apaladando-se com as
ninfas, sendo reverenciado pelos tritões; dando guarida aos
Unicórnios: até Ninrod não os dispensava quando os degraus de
antigas alturas talhava. Pois, “ 366 Poemas que falam de Amor”; é
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5. para eles um recreio, uma brincadeira; tudo o que sabem preenche as
idades do mundo, enche as cornucópias de Matusalém é, o registo do
Olimpo. Dão-nos, da fonte dos dias, uma amostra do que reservam
para quem os ame. Haverá quem os possa esquecer?... Não acredito!...
O mundo desapareceria com eles como trago de absinto.
Nota: Este texto foi escrito com o propósito de ser lido na última
sessão da Comunidade de Leitores “ Em Português nos Entendemos” ;
“ O Amor por grandes Escritores da Literatura Portuguesa “ –
Coordenação e apresentação do Prof. Dr. Fernando Pinto do Amaral.
Na ficção:
Fanny Owen / Agustina Bessa- Luís
O Primo Basílio/ Eça de Queirós
Tia Suzana, meu Amor / António Alçada Baptista
Para Sempre/ Vergílio Ferreira
Um Amor Feliz / David Mourão- Ferreira
Na poesia:
366 Poemas que falam de Amor / org. de Vasco Graça Moura
O autor, também, participante na Comunidade de Leitores, quis
homenagear os escritores, especialmente nos seus relatos no feminino,
o Prof. Pinto do Amaral e, todos os colegas, especialmente as
mulheres.
5/12/09
José movilha
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