O documento é uma conversa fictícia entre uma mãe e sua filha de 7 anos. A mãe discute os desafios de cada fase da vida - infância, adolescência, juventude, idade adulta e idosice - para mostrar que cada idade tem problemas e recompensas. Ela diz que o importante é ter amor da família para enfrentar as mudanças durante o crescimento.
2. Esta estória, minha filha, é para você nos seus sete anos. Eu
aqui tomo a liberdade de usar como ponto de partida sua pergunta
de uns tempos atrás e inventar essa conversa entre eu e você. Foi
assim que começou: um dia você estava muito chateada com um
monte de coisas. Disse para mim que nem queria ir à escola porque
sentia que algo de ruim iria acontecer. Alguém iria te aborrecer,
fazendo brincadeiras que você não gosta ou, pior, poderia
acontecer de você ficar de for a das brincadeiras com suas amigas
queridas. Ficar isolada é uma coisa ruim, que deixa você muito
triste.
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4. Você pensou, pensou, e descobriu que a sensação que você
tinha vinha das coisas que andavam acontecendo recentemente. Aí
você disse assim:
- Eu não queria ter a idade que eu tenho. Acho essa idade muito
ruim, tem muitos problemas.
- Eu sei. Só não lembro como era, mas sei que são sérios para
quem está nessa idade.
- Eu queria ser adolescente.
- É mesmo, por que? – disse eu.
- Porque deve ser muito melhor, a gente pode sair por aí quando
quiser…
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5. - Mas você pensa que adolescente não tem problema? Tem sim.
É uma época muito difícil, em que tanta coisa muda na vida da
gente que às vezes dá muito medo. O corpo da gente muda, se a
gente é mulher, nossos peitos crescem e ficam sensíveis, doem.
Depois a gente menstrua e até acostumar a lidar com
absorvente, a se prevenir para o dia que vem a menstruação, a
combater a cólica, tudo parece complicado e chato. Se a gente é
menino, a voz da gente começa a engrossar e todo mundo tira
um barato. Meninos e meninas estão virando homens e
mulheres, os pelos crescem a pele fica cheia de espinha e o
mundo não sabe mais como nos ver: hora nos tratam como
crianças, hora nos cobram responsabilidades de gente grande,
hora nos tratam como estranhos malucos. Pior ainda são os
medos e novos sentimentos. Quando a gente é adolescente a
gente vê um mundo muito grande, muito difícil e muito errado a
nossa volta e tem medo e raiva. Sabe que ele tem que ser
diferente, e sabe que a gente é que tem que achar a saída certa.
A gente tenta se juntar a outras pessoas para ver se funciona…
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7. - E você, mãe, tentou mudar o mundo?
- Tentei, como muita gente.
- E aí?
- E aí que não funcionou. Mas não é só isso. Quando a gente é
adolescente, a gente ama seriamente pela primeira vez. A gente
ama tão forte e tão sério que às vezes parece que a gente vai
morrer. E toda vez que se ama desse jeito, também se sofre
muito. A gente ama muito, muito forte e muitas vezes, e cada
vez é para sempre. É muito sentimento forte para uma pessoa
que acabou de chegar no mundo das pessoas grandes e parece
que a gente vai arrebentar. Os adultos são sempre incapazes de
entender todo o nosso sofrimento e todo o nosso poder e
capacidade. Eles nos tratam de forma estranha e a gente acaba
achando que eles são todos nossos inimigos. Muitas vezes são
mesmo. E o pior é que nem reagir a gente pode, porque a gente
não tem dinheiro e nem direitos: pela lei, a gente ainda é
criança.
- Então não quero ser adolescente. Quero ser jovem.
- Jovem como?
- Jovem, que nem minhas primas.
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8. - Suas primas? Você acha que a vida das suas primas é fácil?
- Ah, elas dirigem, elas cozinham, elas saem sozinhas, elas não
tem mais que fazer o trabalho dos macacos e ninguém canta
“com quem será” para elas. A escola delas é muito mais legal,
ninguém manda a gente ler o qeu a gente não quer ler, ninguém
proibe a gente de ir ao banheiro e ninguém briga se a gente
esquece a borracha e o apontador.
- Você está enganada. Você vê que a Tânia está sempre cansada?
- É.
- E sabe por que? Porque ela está estudando para prestar
vestibular. Prestar vestibular é uma coisa das mais difíceis da
vida. Primeiro porque é difícil mesmo: é uma provona enorme,
em que você tem que escrever muito bem sobre muitos assuntos
e resolver problemas muito difíceis. Dura vários dias e todos os
dias você fica lá várias horas escrevendo. E o pior não é isso: é
preciso passar nessa prova para poder fazer a faculdade que
você escolheu. Dependendo do que você escolhe é muito difícil
ser aprovado porque muitas pessoas escolhem a mesma coisa. E
se tiver só 50 lugares e umas 1000 pessoas quiserem entrar, 950
vão ficar de for a. Você tem que ser um dos 50 melhores para
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9. ser aprovado. Às vezes o nervoso de não conseguir é tão grande
que você até é um dos melhores, mas não consegue passar
porque a cabeça fica toda confusa na hora de responder as
perguntas.
Vestibular só tem uma vez no ano. Você passa o ano
inteirinho alí, naquela expectativa, todo mundo te cobrando e
esperando que você passe e tudo depende só de você. E o medo
de escolher errado? Fazer todo esse sacrifício e no fim você
detesta a faculdade? É muita responsabilidade e é muito
difícil…
- Então eu queria ser a Cíntia, que já está na faculdade.
- Você acha que aí está tudo bem? Que acabaram-se os
problemas?
- É, ela já escolheu e já passou.
- Mas não é assim. Quando a gente escolhe, claro que acha que
está escolhendo uma coisa bem legal. E depois de se matar, é
justo esperar que a recompensa seja muito boa. E não é. Nem na
melhor faculdade do país dá para ficar totalmente satisfeito.
Em parte porque depois de toda a tensão que a gente passa, a
gente espera demais das coisas. Em parte proque é tudo cheio de
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10. defeito mesmo! E aí vem a decepção, parece que os seus sonhos
mais queridos estão indo privada abaixo. E o pior é que a gente é
adulto, todo mundo espera que a gente seja muito bem sucedido,
que seja muito inteligente e que ganhe muito dinheiro. E a
realidade é bem mais complicada: o curso vai chegando ao fim e a
gente vai percebendo que achar um bom emprego ou continuar
estudando uma coisa bem interessante é deficílimo. E também a
gente percebe que namorar não é mais aquela coisa de conto de
fada que era antes. Percebe que o outro, o namorado, é sempre
complicado, tão complicado quanto a gente. Percebe que é difícil
duas pessoas se entenderem sempre…
- Então deve ser horrível ser jovem.
- Não é, também. É bem legal ter autonomia. É legal não
depender de pai e mãe para ir de lá pra cá. É legal também a
gente perceber que por mais medo que dê tomar decisões, a
gente pode acertar e fazer coisas muito legais, escolher
atividades maravilhosas, aprender coisas fantásticas, adquirir
um poder novo que só o conhecimento traz.
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12. - Ah, não. O melhor mesmo é ter a idade da vovó.
- A idade da vovó!?! Por que?
- Porque a vovó está sempre contente, não tem que ficar
trabalhando que nem você, que não me dá atenção, pode brincar
comigo…
- Ah, então você acha que a vida da vovó é um paraíso?
- É bem melhor que a de todo mundo. Ela faz só o que ela quer e
é assim que eu queria ser.
- E de novo você se enganou. Em primeiro lugar, a gente só tem
70 anos se antes a gente teve 14, depois 20, depois 33, depois
muitas outras idades que têm outras dificuldades. Só então a
gente chega aos 70 anos, com o direito de não ter que trabalhar,
de não ter que cuidar de filho, mas com novos desafios e
problemas.
- Que problemas?
- De novo tem a estória de ter o corpo mudando. Quando a gente
fica velho, um monte de coisas no corpo da gente fica diferente:
a gente fica menos flexível, não é mais molinha como criança.
Aparecem dores nas costas, nas pernas, nos ombros… Dores
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13. chatas que não vão embora facilmente. Os olhos ficam cansados
e precisam de óculos e algumas pessoas escutam menos. Como
na nossa sociedade as pessoas acham que bonitas são as pessoas
jovens, tem também a parte chata de que a gente se olha no
espelho e acha que está perdendo a beleza: a pele fica enrugada,
o cabelo mais branco e algumas pessoas engordam. Algumas
pessoas se gostam menos por causa disso. E aí tem o grande
fantasma: o medo da morte. A pessoa vai ficando velha e vai se
sentindo cda vez mais perto da hora de morrer. Quase sempre a
gente tem medo disso. Os amigos da idade da gente vão ficando
doentes, vão morrendo e a gente pensa que a morte está por
perto. Não é fácil.
- É… Eu não queria mesmo é ter a sua idade. Você está sempre
trabalhando, não pode ficar comigo, fica de mau humor…
- É verdade. Minha idade tem também seus problemas. Na
minha idade a gente tem um monte de responsabilidades: tem
que ser capaz de ganhar dinheiro para dar conforto para a
filhinha e tem que ser bom na profissão que escolheu. Isso tudo
porque com trinta e poucos anos todo mundo espera que você já
tenha acertado as suas escolhas, já tenha estudado tudo que
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14. tinha que estudar e já tenha achado um jeito de ganhar dinheiro.
E não é bem assim. A gente sempre tem dúvidas e é difícil
ganhar dinheiro. Quando a gente tem sorte e fez uma escolha
boa de profissão, é essa a hora em que você mais tem que
mostrar que é bom, se não é passado para trás. Mas tem suas
compensações! É uma hora em que muitas das coisas difíceis e
decisões complicadas que a gente fez quando era mais jovem
mostram que foram certas.
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16. A gente vê o resultado do que fez e finalmente pode fazer o que
gosta. Tem a parte legal de ver a filhinha da gente crescer e
cada dia trazer uma coisa nova para o mundo da gente. O
mundo do adulto é muito menos movimentado que o das
crianças.
- Então é legal ter a sua idade, mãe?
- É legal ter a minha idade, filha, como também é legal ter a sua
idade, é legal ser adolescente, é legal ser jovem e é legal ser
velho. Lembra de adolescente? Como é difícil? Mas é demais de
legal também. Ter melhor amiga, descobrir uma turma que
pensa como a gente, descobrir que a gente é poderoso para
mudar o mundo, é quase como adquirir super-poderes! É como
sair do casulo e virar borboleta, poder voar, se encantar com a
própria beleza. E amar… Amar como nunca mais a gente ama
do mesmo jeito.
Ser jovem é difícil, mas também é demais! Poder dirigir seu
carro, tomar decisões, conseguir coisas difíceis e ter orgulho de
ser competente. A gente é adulto, cheio de energia, com muito
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17. mais esperança e pique do que nunca! É a hora de conquistar
grandes coisas, medalhas, idéias, mundos!
E ser velho… Ser velho tem recompensas misteriosas. Tem a
grande recompensa da sabedoria, que eu não posso contar para
você porque também não sei. Mas quero muito viver até lá para
poder receber esse presente da vida: a paz que só vem com a
sabedoria. Deve ser bom demais viver uma hora em que
finalmente a vida faz sentido.
Todas essas fases são legais e difíceis ao mesmo tempo. E sabe
por que? Porque gente é uma coisa que está sempre mudando,
sempre crescendo. Só para de crescer quando morre. Tem fases
em que se cresce mais e fases em que se cresce menos.
Quando a gente cresce, a gente perde muita coisa. É como se a
gente mudasse de casa, para uma casa maior, cheia de novas
possibilidades, mas tivesse que deixar todas as nossas roupas,
nossos brinquedos, o cachorro que a gente ama, as comidas da
geladeira, tudo. Na nova casa a gente encontra novas roupas,
que nos servem melhor, novos brinquedos e um lindo filhote de
cachorro que a gente deve conquistar e criar. No começo é tudo
estranho, a gente sente falta de alguma coisa e nem sabe bem o
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18. que é. Ninguém entende essa nossa saudade. Por isso a gente
fica brava, chata, de mau humor. Crescer é terrível e fascinante.
É duro e maravilhoso. E para que no fim das contas a gente
consiga se agarrar na parte boa e até viciar na arte de crescer é
preciso que a gente conte com muito amor de quem é
importante para nós. É importante a gente olhar em volta e
saber que dá para ir em frente porque o pai e a mãe da gente
estão alí, torcendo, entendendo nosso sofrimento e curtindo
nossa alegria. É importante a gente ter os filhos alí por perto
quando chega a hora de envelhecer, de ficar com medo e às
vezes triste, mas sabendo que filhos e netos nos amam e vão nos
ajudar a atravessar mais essa fase, como a gente os ajudou
quando precisaram.
E eu amo você e vou estar sempre aqui quando sua banda de
rock fizer a primeira apresentação, quando você chorar se o seu
namorado te chatear, quando você tiver que escolher uma
faculdade e quando você for ter seu primeiro filho.
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