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Capítulo 1
Introdução
“The nervous system is almost entirely inaccessible to direct observation.
As a rule, the state of the nervous system can be ascertained only by the
manner in which its work is done, and morbid states reveal their presence
by the derangement of function which they cause.”
Sir William Gowers (1886)
Oobjetivo da observação clínica é o diagnóstico do estado de saúde do in-
divíduo. A palavra diagnóstico (do grego diagnostikós, discernimento)
significa o conhecimento do estado de saúde por meio de manifestações sub-
jetivas (sintomas) e objetivas (sinais).
O conhecimento é o ato pelo qual a pessoa apreende determinado obje-
to, produzindo-se a respectiva representação mental. Há duas maneiras de se
conhecer um objeto. Uma é mediante os sentidos, isto é, quando a informa-
ção é captada pelos órgãos sensoriais; a outra se dá com a participação ativa e
adicional do pensamento, ou seja, o conhecimento se completa no plano inte-
lectual. A utilização de ambas as formas satisfaz as necessidades da vida coti-
diana. Com o desenvolvimento social, verificou-se que o conhecimento pode
ser estendido a partir dessas formas (conhecimento vulgar ou empírico),
chegando a formas próprias para o domínio da natureza (conhecimento
científico), até alcançar formas que buscam apreender a essência das coisas
(conhecimento filosófico).
Na medicina ocidental atual, o diagnóstico médico procura fundamen-
tar-se essencialmente no conhecimento científico. Este tipo de conhecimento
resulta da investigação sistemática dos fenômenos naturais com o objetivo de
estabelecer não só a constância de sua ocorrência, mas também a constância
de suas eventuais relações, culminando com sua reprodução experimental.
Nesse esforço, a avaliação dos fenômenos, a constância dos mesmos e de sua
eventual inter-relação se estendem do plano qualitativo ao quantitativo, cul-
minando com a sua expressão matemática.
1
A medicina científica iniciou-se pela aceitação do corpo de doutrinas
médicas atribuídas a Hipócrates, segundo as quais as doenças decorrem de
causas naturais em vez de sobrenaturais. Daí o diagnóstico passou a se basear
na observação de sistemática de sintomas e sinais produzidos caracteristica-
mente pelas doenças, buscando-se as manifestações constantes e encontrá-
veis nos diversos pacientes com a mesma doença. Ao longo dos séculos, veri-
ficou-se que o conjunto de queixas espontâneas e de sinais manifestos era
passível, inclusive por influência de outras ciências, de estender-se para além
de seu repertório tradicional. Na metade do século XVIII, Morgagni, entre
outros, comprovou que a doença poderia ser identificada nos órgãos e que os
sintomas e sinais eram determinados pela alteração anatômica observada, ou
seja, a doença observada na necropsia corresponderia, no indivíduo vivo, a
sinais clínicos (correlação anatomoclínica).
Partiu-se daí para a busca de métodos que colocassem órgãos inacessíveis
em contato com os sentidos do médico. Auenbrugger (1761) e Laennec
(1819), que introduziram, respectivamente, a percussão do tórax e o estetoscó-
pio, inauguraram uma nova era na clínica, possibilitando a identificação de si-
nais físicos até então com difícil acesso ou não facilmente observados. Assim, a
simples observação hipocrática dos sinais e sintomas, em geral espontâneos,
passou a ser complementada com a busca sistemática dos sinais.
Na segunda metade do século XIX, Claude Bernard sistematiza os méto-
dos experimentais da medicina, tornando possível o acesso por meio de
dados laboratoriais às disfunções provocadas pelas várias alterações orgâni-
cas. Assim, a investigação clínica dos sintomas e sinais observados no corpo
(exame clínico) é complementada pela pesquisa de sinais obtidos em exames
laboratoriais (exames complementares). A consolidação da medicina experi-
mental, como ciência, se deu graças aos resultados obtidos, entre outros, por
Pasteur, Koch, Virchow e Cajal. O acúmulo de tais conquistas e suas decor-
rências no final do século XIX estimulou, então, a idéia de que a atitude cien-
tífica e a familiaridade com os métodos da medicina experimental devam
constituir a base da formação do médico.
Especulações futuristas sugerem o advento para breve do diagnóstico
direto (e não mais complementar) por aparelhagem cada vez mais simplifica-
da, com alto índice de miniaturização, de portabilidade e até de descartabili-
dade, o que eliminaria o dispêndio de tempo com prolongadas anamneses e
minuciosos exames físicos. Infelizmente, a obsolescência antecipada dos
recursos semiológicos clássicos tem prejudicado principalmente os pacien-
tes, além de denegrir o exercício clínico e, em conseqüência, a imagem pro-
fissional do médico. Assim, razões éticas e científicas sustentam a manuten-
ção da hierarquia metodológica de anamnese, exame físico e exames comple-
mentares na prática médica atual. Quatro outros argumentos reforçam essas
razões. O primeiro é a crescente e salutar retroalimentação que se estabelece
2 INTRODUÇÃO
entre a sensibilidade para detectar sintomas e sinais, de um lado, e, de outro,
a capacidade para o raciocínio fisiopatológico, este condicionado pela cultu-
ra nosológica do examinador. O segundo é a possibilidade de manter a ne-
cessária capacidade diagnóstica do examinador na eventualidade de se
encontrar desarmado de qualquer recurso tecnológico. O terceiro é o reco-
nhecido papel da anamnese e do exame físico em estabelecer e em enrique-
cer a relação médico-paciente. O quarto é a própria sobrevivência do médico
como profissional em seu perfil clássico, pois as mesmas especulações prevê-
em a extinção de tal perfil ou da própria profissão caso venhamos a prescin-
dir de tais exames. Esta última possibilidade parece improvável, pois a pró-
pria história da medicina indica o caráter cumulativo e não substitutivo dos
sucessivos modos de exercício profissional. Resta saber que tipo de convivên-
cia haverá entre o perfil robótico do profissional emergente e o perfil huma-
no do profissional clássico.
A observação clínica permite que a doença seja diagnosticada por meio
de suas manifestações fundamentais que são os sintomas e os sinais. À pri-
meira vista, as manifestações subjetivas seriam os sintomas, e as objetivas se-
riam os sinais. Ao longo do tempo, entretanto, consagrou-se a separação
imprecisa de tais termos, denotada pela distinção adicional entre sintomato-
logia subjetiva e objetiva. Por outro lado, semiologicamente o sintoma é um
sinal. Assim, para simplificar, é melhor definir sintoma como sinal subjetivo
ou objetivo que comparece como queixa do paciente. E sinal clínico propria-
mente dito é a manifestação objetiva detectada pelo médico ou apontada, sob
indagação, pelo próprio paciente ou por terceiros.
O paciente pode queixar-se manifestações subjetivas como dor, mal-estar,
formigamento e pode, ainda, queixar-se manifestações objetivas interpretadas
pelo médico como exoftalmia, edema, hematúria. Um acompanhante pode
descrever para o médico os sinais da crise epiléptica do paciente, a qual pode
também ser presenciada pelo próprio médico, que verificará com plena objeti-
vidade a seqüência característica dos mesmos sinais clínicos. O exemplo da cri-
se epiléptica é ilustrativo porque nela podem manifestar-se alterações psíqui-
cas que não podem ser observadas pelo médico, exceto se relatada como quei-
xa espontânea ou como resposta durante o interrogatório. A crise epiléptica,
aliás, era considerada na semiologia clássica como o único quadro clínico
impossível de ser simulado até que um ator o conseguiu com êxito.
Síndrome é um conjunto característico de sintomas e/ou sinais com
denominação específica. A crise epiléptica, citada no exemplo anterior,
designa uma síndrome. Como os sinais e os sintomas compõem a síndrome,
esta pode compor várias doenças. Ainda no exemplo citado, a síndrome da
crise epiléptica pode aparecer em mais de uma doença, por exemplo, a neu-
rocisticercose e o trauma do encéfalo. Curioso é o caso da AIDS (acrônimo
em inglês do termo Acquired Immunodeficiency Syndrome) ou SIDA (correspon-
3Capítulo 1 ¿ INTRODUÇÃO
dente do acrônimo em português, “Síndrome de Imunodeficiência Adquiri-
da”). Geralmente a sigla tem sido usada como se tratasse de doença e não de
síndrome. Para o uso semiologicamente correto, a doença seria designada
como virose causadora de imunodeficiência, virose imunossupressora ou
então imunodeficiência adquirida por vírus, já que a AIDS ou SIDA, sendo
síndrome, pode ser causada não apenas por uma espécie ou família de vírus,
mas também por qualquer fator etiológico adquirido.
Esquematicamente, o sintoma corresponde ao alarme do organismo para
fugir da lesão ou para evitar agravá-la, o sinal corresponde à lesão e, como tal,
esboço do diagnóstico anatômico, a síndrome corresponde ao diagnóstico funcio-
nal (quadro fisiopatológico), e a doença corresponde ao diagnóstico etiológico
(quando se espera do examinador apontar uma única causa capaz de explicar
todas as manifestações clínicas observadas). A ilustração mais conhecida de
tal esquema é a inflamação, em que o sintoma dor se acompanha dos sinais tu-
mor, rubor e calor, tudo levando à perda (parcial ou total, reversível ou não) da
função de que é capaz a estrutura anatômica acometida. Então se conclui que
a inflamação é uma síndrome. Se tal síndrome acomete, por exemplo, uma
articulação, há várias doenças que podem causá-la, por exemplo, o trauma,
uma bactéria ou a doença reumática. Convém aqui lembrar que não é corre-
to chamar neste caso o trauma, a bactéria ou a causa mal conhecida de etiolo-
gias, pois a palavra etiologia não tem esta significação substantivada, assim
como não se deve chamar um quadro patológico de patologia.
O vigor e a eficácia dos conceitos de sintoma, sinal, síndrome e doença
estão relacionados ao caráter racional e lógico da cultura ocidental e de sua
expressão científica. Desde a medicina grega, o conhecimento e a vitória
sobre as doenças vêm-se ampliando exatamente porque a medicina assumiu
uma linguagem que permite ao médico, de certa maneira, dialogar com o
organismo doente. Nesse caso, os sintomas e os sinais seriam as letras, as sín-
dromes seriam as palavras e as doenças seriam as sentenças.
Os sintomas e os sinais mais valorizados na semiologia clássica são os
essenciais e os patognomônicos. Essenciais são aqueles cuja ausência põe em
dúvida o diagnóstico de uma síndrome ou de uma doença. Patognomônico
(do grego pathos, doença, gnomon, indicador) é aquele que, por si só, respon-
de pelo diagnóstico de uma síndrome ou de uma doença.
A doutrina semiológica clássica aconselha o médico a esboçar o diagnós-
tico puramente clínico, ou seja, por meio apenas da anamnese e do exame
físico, e, ao fazê-lo deve procurar expressá-lo em termos anatômico, funcio-
nal e etiológico. Essa orientação não significa o interesse de colocar à prova a
habilidade diagnóstica do profissional, mas de habituá-lo aos caminhos do
raciocínio clínico, que, com o tempo, acaba consolidando sua competência
pessoal intransferível. Quando isso não acontece, o médico – na contramão
desse hábito salutar – vai-se tornando cada vez mais dependente de exames
4 INTRODUÇÃO
complementares, freqüentemente solicitados em bloco, na expectativa de
que um deles atinja o alvo diagnóstico. Os exames, de fato, complementares
são solicitados com claro fundamento no exame clínico e têm caráter com-
probatório, ou então, são quantificadores de lesão ou de disfunção, ou ainda,
em casos especiais, são indispensáveis e inadiáveis para excluir determinada
alternativa diagnóstica. A realização de diferentes exames laboratoriais em
bloco, cada vez mais passíveis de serem feitos com uma única coleta de
material orgânico, estaria justificada em casos de exame médico periódico
preventivo de saúde ou para levantamento nosológico.
Para exemplificar a aplicação dos conceitos apresentados, tomemos o
caso de uma criança com cefaléia, vômitos, estase papilar e ataxia axial. São
sintomas e sinais que, tomados isoladamente, podem ter múltiplos significa-
dos, mas, em conjunto, apontam determinado diagnóstico. De fato, a associa-
ção de cefaléia, vômitos e estase papilar indica hipertensão intracraniana,
enquanto a ataxia de tronco denuncia lesão do verme cerebelar. É possível,
portanto, diagnosticar a lesão cerebelar mediana ou vermiana e, sua conse-
qüência, a síndrome de hipertensão intracraniana. A lesão identificada pode
explicar todos os sintomas e os sinais observados. Ela produz a ataxia de tron-
co ao comprometer as vias cerebelo-vestibulares, responsáveis pelo equilí-
brio, e leva à hipertensão intracraniana (cefaléia, vômitos e estase papilar) ao
bloquear o trânsito do liquor junto ao quarto ventrículo. Ora, a nosologia nos
ensina que o meduloblastoma é tumor freqüente na criança e localiza-se pre-
ferencialmente no verme cerebelar, podendo obstruir o quarto ventrículo.
Chegamos, assim, ao diagnóstico nosológico, ou seja, o conjunto de sinto-
mas, sinais e síndrome que compõe o diagnóstico da doença, o meduloblas-
toma. Este diagnóstico clínico pode ser confirmado por exames complemen-
tares. O meduloblastoma apresenta-se na tomografia computadorizada
como imagem indicativa de massa localizada no quarto ventrículo, com for-
ma regular, sem densidade máxima e com retenção homogênea do contras-
te. Após a cirurgia, apresenta-se como tumor rosa-acinzentado, moderada-
mente vascular e de consistência mole, exibindo microscopicamente células
pequenas e redondas. Todas essas evidências complementares são confirma-
tórias daquele diagnóstico anatômico resultante da observação clínica, assim
como as eventuais medidas da pressão liquórica e da estase papilar poderiam
ser confirmatórias do diagnóstico funcional correspondente à síndrome
hipertensiva intracraniana, também diagnosticada clinicamente.
O exemplo citado mostra que o médico comum não é obrigado a ser um
cientista, mas que deve guardar, no exercício quotidiano de sua profissão,
plena fidelidade à atitude científica. Esta, em contrapartida, o impedirá de se
perder em procedimentos aleatórios e restringirá sua conduta diagnóstica e
terapêutica aos claros limites estabelecidos pela ciência médica de cada
época.
5Capítulo 1 ¿ INTRODUÇÃO
Desde o começo da observação, quando cumprimenta o paciente, anota
a identificação e toma conhecimento da queixa principal, o médico já deve
colocar seu raciocínio clínico em ação. Este deve estar em pleno curso quan-
do se caracterizam os sintomas e os sinais ao longo da anamnese e do exame
físico. Deve haver o cuidado para que hipóteses diagnósticas precipitadas ou
assumidas como diagnóstico final não desviem o raciocínio clínico de sua
objetividade essencial. Esta deve sempre estar associada à capacidade para
reformular o raciocínio feito, seja diante da repetição paciente da observa-
ção, seja diante de resultados de exames complementares, seja ainda diante
da evolução clínica posterior.
Comparado aos demais sistemas orgânicos, o sistema nervoso apresenta
o privilégio de permitir excepcionais objetividade e precisão na correlação
anatomoclínica. Já a correlação fisiológico-clínica das atividades cerebrais
encontrava-se, até recentemente, no pólo oposto do qual deverá sair rapida-
mente com os recentes progressos verificados nas neurociências. Assim, por
ora, continua necessária, na observação clínica usual, a separação da semiolo-
gia neurológica da semiologia psiquiátrica, embora ambas tratem do mesmo
sistema nervoso. A separação deve ser apenas metodológica, ditada inclusive
por razões éticas, impondo-se, por isso mesmo, em vez da competição, o
trabalho em equipe de neurologistas e psiquiatras.
Os sintomas e os sinais estritamente neurológicos devem ser interpreta-
dos como indicadores de lesão com precisa localização anatômica. Assim, o
sólido conhecimento da organização anatomofuncional geral do sistema ner-
voso é indispensável ao domínio da semiologia neurológica básica. A seqüên-
cia do raciocínio neurológico está resumida no esquema seguinte.
6 INTRODUÇÃO
Observação clínica (anamnese, exame físico)
Conhecimentos das manifestações das doenças (patologia)
Análise dos fatos (sintomas e sinais)
Raciocínio indutivo
Dedução das conseqüências
Síntese
Hipótese diagnóstica (sindrômica, anatômica, etiológica)
Avaliação da hipótese diagnóstica (exames complementares, evolução)
Conclusão diagnóstica
Nunca será demasiado enfatizar que a complementação diagnóstica, a
partir da localização da lesão, depende do repertório nosológico disponível
na cultura clínica do profissional e, igualmente, de sólida formação médica,
pois a observação clínica que inclua os demais sistemas orgânicos poderá ser
decisiva nos passos finais até o diagnóstico etiológico.
Assim, o diagnóstico de determinado acometimento neurológico envol-
ve três passos distintos. O primeiro é determinar o local da lesão no sistema
nervoso (diagnóstico anatômico), o segundo é identificar a disfunção fisio-
patológica (diagnóstico sindrômico) e o terceiro, a investigação etiológica. É
aconselhável localizar a lesão segundo a disposição longitudinal do sistema
nervoso, ao longo do neuroeixo, desde as estruturas periféricas até as cen-
trais: receptoras (sensoriais) ou efetoras (músculos), nervo periférico, raiz
nervosa, medula, tronco encefálico, cerebelo e cérebro. A seguir, faz-se a
localização horizontal, isto é, na seção transversa do neuroeixo: se a lesão esti-
ver localizada à direita ou à esquerda, é dorsal ou ventral, central ou periféri-
ca nesse plano. Os locais de lesão do sistema nervoso são geralmente isola-
dos, por isso devemos tentar explicar os achados do exame neurológico com
base em um único local acometido. Somente quando tal explicação não se
revelar plausível, admitir-se-á o comprometimento múltiplo.
Determinado o local da lesão, é necessário ter em mente que certas doen-
ças têm preferência topográfica. É importante ressaltar o repertório nosoló-
gico do sistema nervoso:
¡ Defeitos congênitos.
¡ Doenças neoplásicas.
¡ Doenças vasculares.
¡ Infecções seletivas ou generalizadas.
¡ Doenças inflamatórias difusas.
7Capítulo 1 ¿ INTRODUÇÃO
História Exame Físico
Sintoma A Sinal ASintoma B Sinal B
Sistema Funcional A Sistema Funcional B
Diagnóstico
Diferencial
Diagnóstico Anatômico
Patologia A Patologia B Patologia C
Possibilidade A Possibilidade B
Diagnóstico Neurológico
História e Exame
Exames
Complementares
¡ Doenças metabólicas e intoxicações.
¡ Doenças desmielinizantes.
¡ Doenças degenerativas, além das vasculares.
¡ Trauma.
Como já assinalado, o sistema nervoso dispõe de organização morfofisio-
lógica diferente do conjunto dos demais sistemas, a qual não só lhe empresta
objetividade na linguagem diagnóstica, como lhe confere certa unicidade na
resposta à lesão. Isso significa que os sintomas e os sinais resultam mais da
localização da lesão do que da natureza da mesma. Exemplificando, tanto um
infarto, como um tumor no córtex motor primário produzem ambos, basica-
mente, o mesmo déficit neurológico, ou seja, a mesma hemiplegia.
Dentro da peculiaridade de sua morfofisiologia, é fundamental conhecer
os três efeitos distintos causados por qualquer lesão no funcionamento neu-
ral: 1; perda, déficit, abolição ou destruição (total ou parcial, transitória ou
permanente) de determinada capacidade funcional; 2; exacerbação, libera-
ção ou desinibição de função normalmente controlada, refreada ou inibida; e
3; irritação ou excitação, causando efeito inexistente. Exemplos de déficit ou
perda funcional são a paralisia, a hipoestesia, a anestesia, a arreflexia, a hemi-
anopsia, a cegueira, a surdez, o declínio da inteligência ou da memória.
Exemplos de liberação ou exacerbação: hipertonia, hiper-reflexia, movimen-
tos anormais, dor, disestesia. Exemplos de efeito irritativo: dor por irritação
de nervo periférico, crise epiléptica. As manifestações por perda funcional
são também chamadas de negativas, e as demais, positivas.
Na interpretação dos sintomas e sinais é importante considerar a idade
do paciente. O amadurecimento neural está relacionado à mielinização das
vias nervosas, sem a qual as funções integradas e o comportamento da pes-
soa em crescimento ficam comprometidos (maturidade funcional). A hierar-
quia dos níveis funcionais, segundo a teoria proposta inicialmente por Jack-
son, postula que o amadurecimento se dá do menos para o mais organizado,
do mais elementar para o mais complexo e do mais automático para o mais
voluntário. Durante o processo, a etapa mais recente inibe a precedente.
Quando há lesão, esta tende a neutralizar o efeito inibidor do desenvolvi-
mento mais recente, exacerbando regressivamente o mais antigo.
Na ontogênese da motricidade humana, evoluímos a partir de funções
elementares e reflexas para complexas e voluntárias. Assim, as atividades
automáticas observadas ao nascimento, como sugar, nadar e andar, são inibi-
das durante o primeiro ano de vida, ressurgindo, posteriormente, como ati-
vidades menos reflexas e mais voluntárias. Exemplo da dissolução jacksonia-
na, com regressão a etapas já superadas, é o ressurgimento do reflexo cuta-
neoplantar em extensão (sinal de Babinski) na lesão da via piramidal, outro é
8 INTRODUÇÃO
o reaparecimento da sucção e da preensão reflexas nas lesões dos lobos
frontais.
Diante dos fatos expostos, é fundamental interpretar os dados da obser-
vação sempre considerando a etapa evolutiva própria da idade do paciente.
O exame nunca deve ser procedimento mecânico, pois nele se observam res-
postas a estímulos diversos, desde o simples reflexo miotático até perguntas
e comandos complexos. Entre o estímulo e a resposta ocorrem interações em
diferentes níveis do sistema nervoso, que incluem desde a recepção e a inter-
pretação do estímulo até a formulação da resposta. A lesão nervosa pode
atingir um ou mais desses níveis, de tal modo que a característica da resposta
vai refletir a estrutura lesada. A avaliação neurológica, portanto, fundamen-
ta-se em evidências interpretáveis, como desvio de determinado padrão
admitido como normal. É necessário, pois, que o examinador esteja familia-
rizado não só com esse padrão, mas também com as eventuais evidências de
seu desvio e ainda com os meios para produzi-las. Se o quadro clínico for a
exteriorização das reações do sistema nervoso, devemos, para bem obser-
vá-lo, apelar ao mesmo princípio geral de estímulo e resposta, ou seja, que
recorramos a estímulos capazes de deflagrar respostas indicadoras do esta-
do funcional do sistema nervoso. Pelo conhecimento das respostas normais e
das alterações produzidas em circunstâncias anormais, podemos avaliar as
diferentes funções e, conseqüentemente, a integridade ou não das respecti-
vas conexões nervosas.
Como já foi salientado, a exeqüibilidade in vivo da correlação clínico-ana-
tômica é peculiar ao exame neurológico. Vem sendo sedimentada há mais de
um século e, em vez de superada pela mais recente tecnologia diagnóstica,
vem sendo exigida e reforçada por esta. Assim, o exame clínico continua a
obrigar os neurologistas a estarem quotidianamente atualizados com a anato-
mia funcional do sistema nervoso. De fato, excetuando-se a extremidade
periférica do nervo óptico visível ao oftalmoscópio e os troncos de alguns
nervos periféricos acessíveis à palpação, as estruturas do sistema nervoso são
inacessíveis à observação direta em virtude de estarem protegidas pelo estojo
crânio-vertebral. Assim, os recursos clínicos indiretos utilizados no exame
neurológico para se chegar a precisar alterações anatômicas internas dão a
este capítulo da semiologia médica elegância incomparável exatamente por
alcançar estruturas inatingíveis, mas com notável objetividade. De fato, o
exame neurológico avalia as funções das estruturas e não as estruturas. Ele
explora, por exemplo, a função motora voluntária e não a via motora voluntá-
ria, investiga as funções neurais da extremidade cefálica e não os nervos
cranianos.
Em suma, na sistematização do exame, percorremos cada função referen-
te a cada estrutura, com o objetivo de evidenciar para cada uma sua integri-
dade ou sua eventual alteração.
9Capítulo 1 ¿ INTRODUÇÃO
São as seguintes as funções neurológicas investigadas na observação clínica:
¡ Motoras.
¡ Sensitivas.
¡ Sensoriais.
¡ Superiores.
O exame neurológico clássico enfoca isoladamente os nervos cranianos,
mas, do ponto de vista funcional, seria mais lógico fazê-lo com as funções neu-
rais próprias da extremidade cefálica. Assim, o exame neurológico deve ser
feito segundo a seguinte sistemática:
¡ Motricidade do tronco e dos membros.
¡ Sensibilidade do tronco e dos membros.
¡ Funções da extremidade cefálica.
¡ Funções superiores.
Quando o paciente manifestar sinal de coma, torna-se indispensável bem
caracterizar este diagnóstico antes de avaliar seletivamente as demais funções.
Daí ser necessário que o exame do coma em si preceda os demais aspectos do
exame neurológico.
Tal é o plano geral da exploração das funções neurológicas. Passemos,
então, à análise pormenorizada de cada uma, de acordo com a seguinte
seqüência.
¡ Conceito de função.
¡ Exploração da função, com definição da resposta normal.
¡ Anatomia funcional dos centros e vias, aplicada ao raciocínio clínico e con-
seqüentemente ao diagnóstico topográfico.
Essas são as bases da semiologia do sistema nervoso e de sua compreen-
são fisiopatológica.
10 INTRODUÇÃO
Capítulo 2
Anamnese
Da mesma forma que para as demais especialidades, a anamnese é de fun-
damental importância em neurologia. Assim, a reconhecida relevância
do exame físico neurológico não deve de modo algum diminuir o valor da
anamnese.
O diagnóstico resulta da consistência entre a anamnese, o exame físico e
os exames complementares. Em muitos exemplos, a anamnese bem-feita possi-
bilita a formulação do diagnóstico provável, antes mesmo do início do exame
físico. Quando associada a um exame físico preciso, permitirá, na maioria dos
casos, o diagnóstico correto.
A anamnese nunca deverá ser procedimento burocrático, mas processo
ativo durante o qual as hipóteses sobre lesões e disfunções são formuladas e
reformuladas de mente aberta. Na coleta de informações não há pormenor
de maior ou menor relevância. Nas três dimensões do espaço diagnóstico – o
paciente, a doença e as circunstâncias epidemiológicas – cada indício deve
concorrer e ser aproveitado para o raciocínio clínico. Neste aproveitamento
tornam-se decisivos os conhecimentos prévios de anatomia e de fisiopato-
logia, tanto quanto a cultura clínica do examinador.
Na anamnese, o paciente (ou seu acompanhante) é interrogado sobre a
história da moléstia atual, antecedentes pessoais e antecedentes familiares.
HISTÓRIA DA MOLÉSTIA ATUAL
Não apenas a queixa principal, mas cada uma das que o próprio paciente con-
sidera relacionadas à sua moléstia atual devem ser pormenorizadas conforme
suas características: localização, duração, intensidade, freqüência, tipo, fato-
res que desencadeiam, agravam ou atenuam e manifestações associadas.
11
■ Localização
É o local do corpo onde o paciente define ou julga localizar-se algo de anor-
mal. Se possível, solicitar que ele aponte com o dedo esse local.
■ Duração
É o tempo decorrido a partir da data ou época aproximada do surgimento do
sintoma ou sinal.
■ Intensidade
Os sintomas ou os sinais podem em geral ser quantificados em graus, por
exemplo: forte, médio ou fraco. Ressalta-se que existem escalas próprias para
a quantificação de determinados sinais e sintomas, como escalas analógicas
de dor, escala de força muscular. Para maior clareza, devem indicar-se entre
parênteses os limites da escala empregada. Por exemplo: fraqueza muscular
grau 4 (escala de 0 a 5 do Medical Research Council).
■ Freqüência
Anotar se o sintoma ou o sinal apresenta tendência à diminuição ou ao desa-
parecimento espontâneo e se os intervalos respectivos são regulares ou não,
prolongados ou não. A febre, especialmente a causada pela malária, é o exem-
plo tradicional de manifestação a intervalos. Os adjetivos clássicos de freqüên-
cia são: intermitente, a manifestação desaparece e reaparece periodicamente
ao longo da mesma doença; remitente, diminui sem desaparecer, recorrente (ou
recidivante) desaparece e reaparece como se fosse nova doença. Por causa do
uso impreciso, tais termos classificatórios devem ser substituídos por descri-
ção específica da freqüência do sintoma ou do sinal, se possível quantificada.
■ Tipo ou peculiaridade
Deixar que o paciente descreva o tipo, o aspecto peculiar ou a qualidade que
atribui à manifestação em pauta.
■ Fatores desencadeantes, agravantes ou atenuantes
Quais são os fatores que o paciente aponta espontaneamente como capazes
de provocar, agravar ou melhorar a manifestação clínica descrita. Caso não
aponte, pode-se mencionar diretamente um ou mais fatores específicos, no
caso de o clínico necessitar saber se, de fato, estão ausentes. Incluem-se aqui as
medicações ou recursos físicos e dietéticos eventualmente utilizados.
■ Manifestações associadas
Quais são outras manifestações subjetivas ou objetivas que acompanham sem-
pre ou ocasionalmente o sintoma ou o sinal que está sendo caracterizado.
12 ANAMNESE
Em neurologia, tem grande valor caracterizar o tempo de aparecimento
de sintomas e sinais. Os eventos vasculares cerebrais iniciam-se tipicamente
de forma aguda. É interessante comentar que os sinais decorrentes de embo-
lias e hemorragias instalam-se em segundos ou minutos, e que, nas trombo-
ses cerebrais, podem evoluir em algumas horas, assumindo caráter progres-
sivo. Nos acidentes isquêmicos transitórios (AIT) ocorrem manifestações
sensitivo-motoras fugazes em horas, que podem prenunciar déficits definiti-
vos. O início agudo pode ocorrer também em processos traumáticos,
inflamatórios e/ou infecciosos, como na meningite e na encefalite viral.
Outras doenças iniciam-se de modo lento e gradual, como as tóxico-me-
tabólicas, as degenerativas e as expansivas ou tumorais. Nestas, entretanto, a
evolução pode assumir caráter súbito por hemorragia interna da lesão. Entre
todas, as doenças degenerativas apresentam a evolução mais lenta.
É também conveniente determinar o caráter evolutivo do quadro clínico,
se progressivo ou regressivo. No progressivo importa determinar se a pro-
gressão é uniforme ou se ocorre com estabilizações variáveis seguidas por
progressão subseqüente. As doenças degenerativas e neoplásicas têm evolu-
ção gradual e progressiva. A evolução fulminante pode ser observada em
infecções e em síndromes tóxico-metabólicas. A evolução recidivante, com
graus variáveis de resolução, pode ser observada em síndromes trombo-oclu-
sivas dos grandes vasos encefálicos (carótidas e basilar). Na esclerose múlti-
pla é típica a evolução remitente e recidivante. As neoplasias e os acometi-
mentos vasculares exibem quadros focais, ao passo que as síndromes tóxi-
co-metabólicas e as infecções geralmente se manifestam difusamente.
Ao relatar a doença atual o paciente pode omitir dados diretamente rela-
cionados à mesma. Por causa disso, pode ser importante auxiliá-lo, lembran-
do-lhe especialmente aqueles ligados às disfunções nervosas.
A seguir analisaremos os sintomas e os sinais mais freqüentemente relata-
dos por pacientes de doenças neurológicas:
¡ Dor.
¡ Crises epilépticas.
¡ Distúrbios do movimento.
¡ Parestesias.
¡ Vertigem.
¡ Distúrbios visuais.
¡ Distúrbios auditivos.
¡ Distúrbios de outros nervos cranianos.
¡ Alterações da linguagem.
¡ Alterações da consciência.
¡ Sintomas e sinais viscerais.
¡ Perturbação mental.
13Capítulo 2 ¿ ANAMNESE
■ Dor
É a sensação desagradável e a respectiva conotação emocional resultante de
lesão real, potencial ou virtual ao corpo do indivíduo. Deve ser caracterizada
conforme os itens antes indicados para qualquer sinal ou sintoma, sendo
importante a irradiação entre as peculiaridades a serem apontadas. Outra é a
adjetivação que o paciente lhe pode conferir. De fato, diferentes pacientes des-
crevem de forma semelhante a dor de mesma origem. Por outro lado, cada in-
divíduo apresenta tolerância, colorido e conotação emocional diferentes à
mesma dor, influindo aí o respectivo passado educacional e cultural. Outra
peculiaridade da dor é poder apresentar-se como dor referida, ou seja, de estar
sendo percebida fora do lugar onde é produzida.
Sendo a primeira entre as manifestações cardeais de doença, a dor é o
sintoma por excelência e, como tal, inteiramente subjetivo. Como já mencio-
nado, mesmo considerando sua subjetividade, o examinador deve procurar
quantificá-la. Com o advento de clínicas especializadas no tratamento da dor,
as classificações adjetivas vêm sido substituídas por escalas analógicas desti-
nadas a acompanhar numericamente o efeito do tratamento. Consiste em
uma linha de 10 cm, dividida em milímetros, sendo que no lado esquerdo
está escrito: “Não sinto dor alguma” e, no lado direito, “Minha dor não pode
ser pior”.
Não sinto
dor alguma 10
Minha dor
não pode ser pior
A escala é apresentada ao paciente para que marque o ponto correspon-
dente a sua dor, no momento da pergunta. A distância da marca, em milíme-
tros a partir do lado esquerdo, é denominada escore de dor. As medidas
podem ser repetidas várias vezes ao dia ou em períodos maiores, ao longo do
tratamento.
Na literatura médica clássica, as dores mais intensas recebem adjetivos
mais ou menos exclusivos das respectivas causas como, por exemplo, dor
terebrante da tabes dorsalis, dor fulgurante da nevralgia trigêmea, dor lanci-
nante do herpes zoster. A adjetivação mais freqüentemente realizada pelo
paciente consiste em: surda, profunda, em queimação, em cólica, em ponta-
da, pulsátil, latejante, urente, ardente e urticante, cujos significados são os
mesmos da linguagem vulgar. Em relatos clínicos, no entanto, empregam-se:
hipoestesia (redução da sensibilidade), anestesia (perda da sensibilidade),
hiperestesia (aumento da sensibilidade), alodinia (sensação patológica de dor
frente a estímulo previamente não doloroso), disestesia (alteração da qualida-
de da sensação).
A seguir apresentamos a definição dos principais quadros dolorosos em
neurologia.
14 ANAMNESE
Dor por neuropatia periférica
Dor constante ou intermitente, em queimação, de localização distal, em virtu-
de de acometimentos focais ou difusos dos nervos periféricos.
Dor do coto do membro amputado
Dor na extremidade da porção amputada de um membro. É geralmente em
pontada e agravada por pressão sobre o local. A dor pode ser provocada, ao se
percutir o neuroma produzido pela seção nervosa.
Dor fantasma
Dor referida a um segmento amputado, que não mais existe.
Causalgia
Dor em queimação, usualmente na mão ou no pé, determinada por lesão par-
cial de um nervo, mais comumente o mediano, o ciático, o tibial ou o ulnar.
Associa-se à hipersensibilidade cutânea e à hiperatividade simpática (hipoter-
mia, rubor e sudorese) na área parcialmente desnervada.
Distrofia simpática reflexa
Dor contínua, em queimação, após trauma em extremidade, associada à hipe-
ratividade simpática.
Neuralgia do trigêmeo
Dor em pontada, repentina, breve, intensa e recorrente na área inervada por
um ou mais ramos do trigêmeo.
Neuralgia geniculada
Dor lancinante localizada profundamente na orelha externa, produzida por
herpes zoster.
Neuralgia do glossofaríngeo
Dor em pontada, rápida e intensa na área inervada pelo glossofaríngeo (tonsi-
la e orelha).
Dor facial atípica
Dor na face que não pode ser atribuída a alterações de estruturas cranianas,
como na disfunção da articulação temporomandibular, sendo comumente de
caráter constante, profundo e inespecífico, e associada a transtornos psiquiá-
tricos, como transtornos ansiosos, depressivos e somatoformes.
15Capítulo 2 ¿ ANAMNESE
Neuralgia occipital
Dor profunda, contínua ou em surtos, na área de inervação de C2 (região occi-
pital).
Cefaléia tensional
Dor de cabeça geralmente de leve a moderada intensidade, holocraniana ou
em “faixa”, tipo constritiva ou em “aperto”, de duração variável, mas pode
assumir caráter persistente.
Enxaqueca ou migrânea
Cefaléia de forte intensidade, unilateral, pulsátil, acompanhada de náusea,
vômitos, fotofobia ou fonofobia, podendo ser precedida de aura (fenômeno
neurológico transitório, comumente sob a forma de alteração de campo visu-
al, cintilações, espectro de fortificação).
Cefaléia pós-traumática
Cefaléia difusa, contínua, acompanhada de alterações psíquicas (irritabilida-
de, dificuldade de concentração e depressão), após trauma craniano.
Cefaléia pós-punção raquidiana
Cefaléia que ocorre após punção lombar propedêutica ou em procedimentos
anestésico-cirúrgicos, sendo comumente holocraniana, de forte intensidade,
exacerbada pela posição ereta e aliviada pela postura em decúbito.
Dor central
Dor difusa e unilateral, geralmente em queimação, com hipoestesia, diseste-
sia e outras alterações neurológicas, por exemplo, motoras, na mesma área.
As mais freqüentes são a dor talâmica e a dor disestésica dos membros inferio-
res em pacientes paraplégicos.
Síndrome de disfunção da articulação temporomandibular
Dor crônica na respectiva região associada à dor que se irradia ocasionalmen-
te para a orelha e pescoço, sendo agravadas pela mastigação.
Cervicobraquialgia
Dor na região cervical irradiando-se para o membro superior, que se agrava
com a tosse e com a movimentação do pescoço. Os dermátomos mais acome-
tidos são os das raízes C6 e C7. Podem ser resultantes de hérnia do disco
intervertebral.
16 ANAMNESE
Síndrome do túnel do carpo
Dor e parestesias (formigamento ou ardência), geralmente noturnas, na área
da mão inervada pelo nervo mediano. É causada pela compressão deste nervo
no túnel carpal.
Meralgia parestésica
Hipoestesia e dor disestésica na porção superior da face ântero-lateral da
coxa, produzida pela compressão do nervo cutâneo femoral lateral.
Neuralgia plantar interdigital (neuroma de Morton)
Dor em queimação, com hiperestesia e parestesias, no terceiro e quarto podo-
dáctilos. Agrava-se à deambulação e ao uso de sapatos apertados. Ocorre
quando o nervo interdigital é comprimido pelas cabeças metatársicas ou pelo
ligamento társico transverso.
Dor lombociática
Dor na região lombar, com irradiação para o membro inferior homolateral,
resultante comumente de lesão das raízes lombares e sacrais.
■ Crise epiléptica
A crise epiléptica pode ser definida como a manifestação clínica resultante da
atividade elétrica cerebral patológica sincronizada. No passado, as crises epi-
lépticas eram também denominadas “convulsões”. Entretanto, o termo “con-
vulsão” vem sendo abandonado, pois, além de designar apenas parte das cri-
ses marcadas por atividade motora involuntária, é empregado de forma
equivocada pelo leigo para eventos não-epilépticos.
As crises generalizadas envolvem desde o início ambos os hemisférios
cerebrais, sendo classificadas em tônico-clônicas (“grande mal”), clônicas,
tônicas, ausências (“pequeno mal”), mioclônicas, atônicas e reflexas. A crise
tônico-clônica generalizada (CTCG) é a forma mais conhecida em virtude da
dramaticidade de sua apresentação, que se caracteriza por perda súbita da
consciência com contração tônica, seguida de contração clônica dos mem-
bros, apnéia, salivação e liberação esfincteriana.
As crises parciais podem evoluir com generalização secundária, princi-
palmente sob a forma de CTCG. Isso significa que a ocorrência de CTCG
não garante que a epilepsia do paciente seja primariamente generalizada,
sendo necessária investigação de sinais ou sintomas premonitórios sugestivos
de aura ou crise parcial.
Para o diagnóstico preciso das crises, a anamnese adquire especial im-
portância. As informações fornecidas por familiares ou acompanhantes são
indispensáveis, quando o médico não presencia o episódio epiléptico. A
17Capítulo 2 ¿ ANAMNESE
anamnese, então, deve ser criteriosa, sendo útil um esquema abrangente e
prático, como o seguinte:
¡ Pródromos.
¡ Fatores precipitantes.
¡ Aura.
¡ Componentes da crise.
¡ Duração.
¡ Fenômenos pós-ictais.
¡ Freqüência.
¡ Medicamentos.
Pródromos
Não ocorrem em todos os pacientes. Antecedem em dias ou horas a crise. O
indivíduo muda seu comportamento, apresentando-se em geral angustiado.
No caso de crianças, procuram as mães, com reações de medo, indisposição,
cefaléia ou outra queixa.
Fatores precipitantes
As crises podem ser espontâneas ou precipitadas por fatores sensoriais, emo-
cionais, tóxicos, metabólicos ou ainda por supressão ou troca de medicação. A
precipitação sensorial ocorre na chamada epilepsia reflexa, mais comumente
ao estímulo luminoso intermitente.
Aura
Trata-se daquele sintoma e/ou sinal percebido pelo paciente como anuncia-
dor da crise. Trata-se de elemento diagnóstico valioso quando ocorre, pois
ajuda a indicar a provável área de origem cerebral da manifestação, corres-
pondendo a uma crise parcial. A aura tem, portanto, valor localizatório. Po-
de-se traduzir sob a forma de alucinações auditivas, visuais, olfativas ou gusta-
tivas, ou em afasias, parestesias e fenômenos motores em determinada parte
do corpo.
Componentes da crise
A descrição da evolução da crise, desde o início até o término, deverá ser ano-
tada com precisão. Nas epilepsias parciais motoras, por exemplo, é importan-
te registrar em qual membro se iniciam os movimentos involuntários e como
se dá a propagação destes para outras partes do corpo (crises jacksonianas),
como se dá a seqüência das contrações tônicas e/ou clônicas, se há a presença
ou não de incontinência urinária ou fecal, a presença ou não de modificação
da consciência.
18 ANAMNESE
Duração
A duração de cada crise deverá ser anotada, pois crises generalizadas ou parci-
ais de longa duração podem evoluir para status epilepticus ou produzir paralisi-
as prolongadas nos membros acometidos (paralisia de Todd).
Fenômenos pós-ictais
São manifestações diversas que ocorrem após a crise, incluindo alterações do
nível de consciência (confusão pós-ictal), cefaléia, vômitos, dores generaliza-
das e paralisias.
Freqüência
Deverá ser anotada a freqüência das crises, com os intervalos máximo e míni-
mo e a data da primeira e a da última. As crises podem ser isoladas, como as
crises febris na infância, e podem ser repetidas aleatória ou ciclicamente, nes-
te caso, relacionadas aos ciclos menstrual, da vigília e do sono e à gravidez. As
crises podem ainda ser subentrantes ou muito prolongadas, quando se deno-
minam status epilepticus.
Medicamentos
Os medicamentos administrados, como fenobarbital, carbamazepina, fenitoí-
na, ácido valpróico, e as respectivas doses devem ser minuciosamente anota-
dos. Muitas crises decorrem da brusca interrupção do anticonvulsivante ou de
doses inadequadas ou ainda da troca inadequada de medicação.
■ Distúrbios do movimento
Incluem, em sentido estrito, as alterações involuntárias do movimento, por-
tanto, ocorrem comumente na ausência de fraqueza muscular. São as manifes-
tações hipocinéticas, como a síndrome parkinsoniana, as hipercinéticas, co-
mo coréia, distonia e estereotipias.
■ Parestesias
São sensações desagradáveis descritas como formigamento, picadas, dor-
mência e ardência. Indicam geralmente a lesão de nervos sensitivos periféri-
cos ou de raízes posteriores. As parestesias também devem ser caracterizadas
conforme já indicado.
■ Vertigem
É a perda da percepção cinestésica (do movimento) da relação entre o indiví-
duo e o espaço circundante. Pode manifestar-se como sensação subjetiva vaga
ou como sensação clara, mas ilusória de deslocamento do ambiente. O paciente
se queixa de insegurança quanto a seu equilíbrio corporal, chegando à queda,
19Capítulo 2 ¿ ANAMNESE
ou apenas sentindo o deslocamento linear ou rotatório dos objetos de referên-
cia. É importante a distinção que se faz entre vertigem objetiva e subjetiva. A
objetiva refere-se à rotação do próprio corpo. A subjetiva refere-se ao desloca-
mentode objetos doambiente. As vertigens geralmente traduzem disfunçãodo
sistema vestibular, mas podem também significar aura migranosa.
■ Distúrbios visuais
Várias síndromes neurológicas podem incluir queixas de diminuição da acui-
dade visual, alterações do campo visual (escotomas fixos, hemianopsias, qua-
drantopsias), diplopia e alucinações visuais. A diminuição da acuidade visual
poderá ser uni ou bilateral, de instalação súbita ou progressiva, ocorrendo,
por exemplo, nas neurites ópticas, atrofias ópticas primárias e edema de papi-
la. A amaurose unilateral súbita (amaurose fugaz) pode indicar embolia da ar-
téria central da retina, insuficiência arterial carotídea homolateral ou enxa-
queca. As alterações do campo visual indicam lesão da via óptica no trajeto da
retina ao córtex occipital. Já a diplopia, que é resultante da alteração da movi-
mentação ocular extrínseca, pode levar o paciente a fechar um dos olhos para
eliminar a imagem dupla. As alucinações visuais podem manifestar-se como
aura epiléptica, indicando o foco occipital.
■ Distúrbios auditivos
Manifestam-se por zumbidos, diminuição da acuidade auditiva e alucinações
auditivas.
■ Distúrbios de outros nervos cranianos
Incluem: distúrbios do olfato e do paladar, sialorréia, lacrimejamento; parali-
sia da face; disartria; disfagia e regurgitação.
■ Alterações da linguagem
Incluem as afasias, ou seja, distúrbios da compreensão e da expressão da lin-
guagem falada e escrita.
■ Alterações da consciência
Para cada paciente em estado de coma, que é a perda completa da consciên-
cia, é fundamental determinar seu modo de instalação. Esta perda pode ter
sido súbita (acidente vascular cerebral, epilepsia), relativamente rápida (into-
xicação exógena) ou gradual (lesões expansivas intracranianas, distúrbios
metabólicos). Outro ponto relevante é determinar o grau de comprometi-
mento da consciência, o que pode ser efetuado pela Escala de Coma de Glas-
gow (ver Capítulo 8: Exame Neurológico do Paciente em Coma).
20 ANAMNESE
■ Sintomas e sinais autonômicos
Resultam de lesão ou disfunção do sistema nervoso autônomo e consistem
em alterações da deglutição, das peristalses esofágica, gástrica e intestinal, da
defecação, da micção, da potência sexual, da sudorese e distúrbios vasomoto-
res.
■ Alteração do estado mental
As manifestações de alteração mental envolvem as seguintes funções cere-
brais.
Consciência
É a capacidade de responder a estímulos externos mediados pelo cérebro, isto
é, a manifestação de contato psíquico com o ambiente. A resposta a tais estí-
mulos pode diminuir em vários níveis até a plena inconsciência, que caracteri-
za o coma.
Orientação
É a capacidade de estar orientado quanto à própria pessoa e quanto ao tempo
e ao espaço. A desorientação é síndrome freqüente em quadros psicorgânicos
(sendo denominada confusão mental ou delirium), mas pode ocorrer em
pacientes psicóticos.
Atenção
É a capacidade psíquica para notar, focalizar, selecionar e realçar objetos e
movimentos, entre vários percebidos. A diminuição da atenção espontânea
ou hipovigilância caracteriza-se pela menor capacidade de estar atento ao
mundo circundante.
Memória
É a capacidade para acumular e reter informações percebidas. A hipomnésia
ou amnésia de fixação, relacionada a fatos recentes, é a diminuição da capaci-
dade ou a plena incapacidade para reter informações novas. A amnésia de
evocação, relacionada a fatos remotos, é a diminuição da capacidade ou a ple-
na incapacidade para evocar recordações.
Senso-percepção
Os estímulos que atingem a consciência geram a sensação, e esta, elaborada
intelectualmente, inclusive com a participação da memória, determina a per-
cepção.
21Capítulo 2 ¿ ANAMNESE
O processo da percepção pode ser esquematizado da seguinte forma.
As alterações do senso-percepção são as ilusões e as alucinações. As ilu-
sões são deturpações perceptivas de objetos reais. As alucinações são percep-
ções de objetos não existentes. No delirium tremens, ocorrem alucinações visu-
ais de animais (zoopsias). Nas auras epilépticas são freqüentes alucinações
olfativas e gustativas desagradáveis. Outro tipo de alucinação é a hemiasso-
matognosia, caracterizada pela não percepção, por parte do paciente, da
metade corporal contralateral ao lobo parietal do hemisfério não dominante
(usualmente hemisfério direito) lesionado. Outra alucinação corporal é a co-
nhecida como membro fantasma, quando o paciente continua percebendo o
membro amputado. O uso crescente de substâncias e medicamentos alucinó-
genos, bem como seu significado antropológico na história da medicina reve-
lam a importância desta função mental.
Pensamento
Inclui a atividade psíquica completa, desde a percepção até a linguagem, ou
seja, a formulação de idéias ou ideação. Entre as várias alterações do pensa-
mento, sobressaem-se as idéias delirantes, que são caracterizadas por inter-
pretações novas e anômalas da realidade.
Inteligência
É a capacidade para adaptar-se a novas situações vivenciais, ou seja, para resol-
ver problemas em geral. A diminuição da inteligência, abaixo das variações
consideradas normais, denomina-se oligofrenia. Várias doenças impedem o
desenvolvimento intelectual no tempo certo, causando retardo mental. As psi-
coses também tendem a comprometer quantitativa e qualitativamente a inteli-
gência. A demência ocorre quando há a diminuição de um grau de inteligên-
cia já alcançado, ao lado da diminuição semelhante da memória e de outras
funções psíquicas, em conseqüência de lesão cerebral difusa.
22 ANAMNESE
Elaboração Intelectual MemóriaSensação
Percepção
Consciência
Impulso Nervoso
Estímulo
ANTECEDENTES PESSOAIS
Os antecedentes pessoais referem-se a informações sobre a saúde do paciente
antes da doença atual. Anotam-se os antecedentes fisiológicos e patológicos
desde o período pré-natal até o momento atual. Interroga-se inicialmente
sobre as condições da gestação, procurando identificar possíveis traumas,
infecções, intoxicações e outras condições que possam ter acometido a mãe
do paciente. As infecções viróticas maternas, especialmente a rubéola adqui-
rida nos três primeiros meses de gestação, são causas importantes de malfor-
mações fetais ou retardo mental. A toxoplasmose materna é causa freqüente
de calcificações cerebrais, epilepsias e retardo mental. A incompatibilidade
materno-fetal pelo fator Rh pode determinar a eritroblastose fetal com
complicações neurológicas.
O tempo de gestação (parto prematuro ou a termo), a duração e a nature-
za do parto e as condições da criança ao nascer devem ser anotados. Quanto
ao parto, deve-se interrogar se foi a termo, rápido e eutócico, se foi aplicado
fórceps ou realizada cesariana. Investigam-se possíveis traumas, icterícia, cia-
nose, insuficiência respiratória, lesão circular de cordão, cefaloematoma e
convulsões. O parto prolongado, o uso inadequado de fórceps e qualquer
outro fator que determine sofrimento fetal ou hipoxia neonatal podem resul-
tar em deficiência mental, epilepsia ou outras conseqüências neurológicas,
como a paralisia cerebral. O termo paralisia cerebral, apesar de inadequado,
é de uso consagrado para a síndrome composta de paralisias espásticas, inco-
ordenação muscular e movimentos corporais anormais, sem necessariamen-
te estar associado a alterações do nível de inteligência. Não se pode omitir da
anamnese o desenvolvimento psicomotor.
A seguir, apresentamos o resumo da evolução, por grupo de funções, das
atividades voluntárias e reflexas primitivas do lactente normal.
■ Linguagem
Lalação
Início no segundo mês e desaparecimento ao fim do décimo primeiro mês.
Primeiras palavras
Início no oitavo mês.
■ Postura e equilíbrio
Sustentação incompleta da cabeça
Início no segundo mês e término no quarto mês.
23Capítulo 2 ¿ ANAMNESE
Sustentação completa da cabeça
Atingida no quinto mês.
Sentar com apoio
Início no quinto mês.
Sentar sem apoio
Início no sexto mês, com estabilização no nono mês.
Em pé com apoio
Início no quinto mês, com estabilização no décimo mês.
Em pé sem apoio
Início no décimo primeiro mês.
■ Locomoção
Engatinhar
Início no oitavo mês.
Marcha voluntária com apoio
Início no quinto mês.
Marcha voluntária sem apoio
Início no décimo primeiro mês.
■ Preensão voluntária
Preensão palmar
Início no quarto mês, com término no décimo primeiro mês.
Preensão em pinça
Início no sétimo mês com estabilização no nono mês.
■ Tônus muscular
Tônus flexor
Hipertonia geral em flexão, ao nascimento, que começa a reduzir-se no quin-
to mês e desaparece no oitavo mês.
24 ANAMNESE
Hipotonia fisiológica ou tônus normal para a idade
Inicia-se no quinto mês com estabilização do tônus normal para a idade no
sétimo mês.
■ Atividades reflexas primitivas
Sucção reflexa
Presente desde o nascimento, desaparecendo no oitavo mês.
Preensão reflexa dos dedos
Presente desde o nascimento, com desaparecimento no oitavo mês.
Preensão reflexa dos pododáctilos
Presente desde o nascimento com desaparecimento no décimo segundo mês.
Reflexo de Monro
Presente desde o nascimento com desaparecimento no sexto mês.
Marcha reflexa
Presente desde o nascimento com desaparecimento no quarto mês.
Reflexo cutaneoplantar em extensão (sinal de Babinski)
Presente desde o nascimento; inconstante a partir do sexto mês; inicia-se a res-
posta em flexão no nono mês; predomina o reflexo cutaneoplantar em fle-
xão no décimo segundo mês.
■ Movimentos oculares
Prova dos olhos de boneca
Presente ao nascimento, com desaparecimento no terceiro mês.
Acompanhar estímulo luminoso em várias direções
Inicia-se no primeiro mês e está presente em 100% das crianças a partir do
quinto mês.
Após os antecedentes fisiológicos, pesquisam-se os antecedentes mórbi-
dos pessoais. Procuramos identificar, de preferência, doenças que compro-
metam o sistema nervoso, como meningites, encefalites, tuberculose, sífilis,
doença de Chagas, diabetes mellitus, cisticercose, esquistossomose, hiperten-
são arterial, traumas cranioencefálico e raquimedular, alcoolismo e intoxica-
ções exógenas. As viroses da infância, especialmente o sarampo, a caxumba e
a varicela, inclusive as respectivas vacinas, podem determinar encefalites
25Capítulo 2 ¿ ANAMNESE
com seqüelas importantes. As tonsilites repetidas por estreptococos podem
ocasionar a coréia reumática. A sífilis pode comprometer o sistema nervoso
central sob as formas meningovascular (meningite, meningoencefalite,
meningoencefalomielite) e parenquimatosa (tabes dorsalis e paralisia geral
progressiva). O comprometimento ocorre na fase terciária da sífilis, geral-
mente vários anos após a primoinfecção. A doença de Chagas, na forma agu-
da, pode causar meningoencefalite e, na forma crônica, além de alterações
do sistema nervoso autônomo do esôfago, cólon e coração, pode estar associ-
ada a acidentes vasculares encefálicos. Crises epilépticas que surgem na ida-
de adulta exigem a investigação de causas secundárias, incluindo a neurocis-
ticercose. Em área endêmica de esquistossomose, pode ocorrer a lesão
medular desta infecção. Animais peçonhentos também causam síndromes
neurológicas. O abuso do álcool atinge o sistema nervoso, podendo causar:
degeneração crônica das células do cerebelo, com incoordenação motora
(ataxia) e distúrbios da marcha; polineuropatias periféricas em virtude da
hipovitaminose B associada; delirium tremens; e outras alterações neurológi-
cas e psiquiátricas, diretas ou indiretas, como quedas e acidentes automobi-
lísticos. Entre as intoxicações medicamentosas são de importância neurológi-
ca as provocadas por anticonvulsivantes e neurolépticos. Os anticoncepcio-
nais podem ser responsáveis por cefaléias crônicas e tromboses cerebrais.
Entre outras substâncias exógenas, as dependências químicas (cocaína, crack,
ecstasy, MDMA) são de crescente relevância pela disseminação e pelo poten-
cial devastador individual e social, assim como as intoxicações com venenos
domésticos, agroveterinários e industriais, dos quais vários são neurotóxicos,
pela freqüência de eventos.
O trauma cranioencefálico exige atenção cuidadosa na anamnese neuro-
lógica. Traumatismos aparentemente insignificantes, especialmente em ido-
sos e alcoólatras, podem romper as veias da ponte do espaço subdural, com
formação de hematoma subdural crônico, o qual vai manifestar-se entre um
e três meses após o acidente. A lesão cranioencefálica, especialmente aquela
com perda da consciência, pode determinar crises epilépticas pós-traumáti-
cas. Síndromes medulares e/ou radiculares podem ser explicadas por trau-
mas raquimedulares revelados pela anamnese
ANTECEDENTES FAMILIARES
Os antecedentes familiares (ou história familiar) permitem identificar doen-
ças adquiridas por via genética, por via congênita (por exemplo, toxoplasmo-
se, infecção pelo HIV) ou pela convivência em um mesmo ambiente só-
cio-econômico-cultural, portanto, com suscetibilidade a fatores de risco seme-
lhantes.
26 ANAMNESE
Nos últimos anos, houve um enorme avanço na descrição e no entendi-
mento de várias doenças genéticas em neurologia. Assim, doenças considera-
das homogêneas, do ponto de vista genético, foram subclassificadas confor-
me a identificação de distintos padrões de herança. Por exemplo, na ataxia
de Friedreich, embora o padrão de transmissão da doença mais comum seja
o autossômico recessivo, reconhecem-se casos autossômicos dominantes. Na
doença de Charcot-Marie-Tooth (ou neuropatia hereditária sensorimotora),
foram descritos três padrões de herança: autossômico dominante, autossômi-
co recessivo e ligado ao cromossoma X. Como exemplos de doenças com
transmissão genética autossômica dominante, destacamos a doença de Hun-
tington (caracterizada pela presença de coréia e demência), a distrofia miotô-
nica de Steynert e a miotonia congênita de Thomsen. As doenças de Werd-
nig-Hoffmann (atrofia muscular espinhal infantil) e de Kugelberg-Welander
(amiotrofia muscular espinhal juvenil) são exemplos de doenças autossômi-
cas recessivas.
27Capítulo 2 ¿ ANAMNESE
Capítulo 3
Motricidade do Tronco e
Membros
Classicamente, a motricidade era dividida em reflexa, automática e volun-
tária, sendo o sistema piramidal responsável pela motricidade voluntária,
o extrapiramidal pela automática, enquanto a motricidade reflexa seria inte-
grada pelo sistema nervoso segmentar. Essa divisão, entretanto, é muito
esquemática, pois sabemos que qualquer movimento é fenômeno complexo
que coloca em jogo vários músculos, sendo integrado em vários níveis, e cujo
desfecho acontece na via motora comum. A dicotomia piramidal-extrapirami-
dal é também bastante discutível dos pontos de vista anatômico e funcional.
Apesar disso, apresenta significativo valor heurístico na prática neurológica.
As alterações da motricidade manifestam-se por dois tipos de sinais:
1. Primários ou diretos, conseqüentes à lesão. São geralmente negativos e
traduzem perda da função: paralisia, arreflexia, hipotonia e acinesia. Em
alguns casos podem ocorrer sinais positivos, como nas crises epilépticas
parciais Bravais-Jacksonianas, produzidas por irritação do córtex motor.
2. Secundários ou indiretos, geralmente positivos. São conseqüentes à
liberação de centros motores associados (doutrina da subordinação dos
centros nervosos de Hughlings Jackson). Os principais exemplos são:
hiper-reflexia, espasticidade e hipercinesias.
O exame da função motora compreende:
¡ A motricidade voluntária.
¡ A motricidade automática.
¡ O tônus e reflexos musculares.
¡ A coordenação motora.
¡ O equilíbrio.
29
MOTRICIDADE VOLUNTÁRIA
■ Conceito
É a motricidade proposicional. Classicamente esta motricidade, conduzida
pela via piramidal, diferencia-se da motricidade automática, conduzida pelas
vias extrapiramidais. É também considerada como motricidade mais elabora-
da, responsável pelas possibilidades gestuais, sofisticadas, dos mamíferos su-
periores, enquanto a motricidade automática seria primitiva, de base ou glo-
bal, própria dos vertebrados não-mamíferos.
■ Exame
Movimentos espontâneos ou ativos
Solicita-se ao paciente que realize os movimentos próprios dos diferentes seg-
mentos do corpo.
Força muscular segmentar
Solicita-se ao paciente que execute determinado movimento contra a resistên-
cia oferecida pelo examinador. Deverão ser testados os diversos grupos
musculares.
O Quadro 3-1 mostra a inervação, as raízes e as funções dos músculos
mais freqüentemente testados. Nas Figuras 3-1 a 3-32 está esquematizado o
teste dos principais músculos.
No caso de déficit motor, procuramos quantificá-lo usando a seguinte
escala do Medical Research Council:
5 — força muscular normal.
4 — movimento com capacidade de vencer uma resistência.
3 — movimento capaz de vencer a força da gravidade.
2 — movimento possível após eliminação da ação da gravidade.
1 — fraca contração muscular sem deslocamento de segmento.
0 — ausência de contração muscular.
Manobras de sensibilização ou para testar déficits
¡ Manobra dos braços estendidos: os membros superiores são colocados em
posição horizontal (“posição de juramento”). Em caso de déficit motor, o
membro apresenta oscilações e tende a abduzir e cair progressivamente
(Fig. 3-33).
¡ Manobra de Mingazzini: paciente em decúbito dorsal, com as pernas fletidas
em ângulo reto sobre as coxas e estas sobre a bacia (Fig. 3-34A). Em caso de
déficit, ocorre queda progressiva da perna (déficit do quadríceps), da coxa
(déficit do psoas) ou de ambos os segmentos.
30 MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS
31Capítulo 3 ¿ MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS
Quadro 3-1.
Função Músculos Raízes
1. Nervo axilar
Elevação lateral (abdução) do braço Deltóide C5-C6
2. Nervo musculocutâneo
Flexão e supinação do antebraço Bíceps braquial C5-C6
Flexão do antebraço Braquial C5-C6
3. Nervo mediano
Flexão e desvio radial da mão Flexor radial do carpo C6-C7
Pronação do antebraço Pronador redondo C6-C7
Flexão do punho Longo palmar C7-T1
Flexão das segundas falanges dos dedos Flexor superficial dos dedos C7-T1
Flexão da falange terminal do polegar Flexor longo do polegar C7-C8
Flexão das falanges terminais Flexor profundo dos dedos II e III C7-T1
Abdução do polegar Abdutor curto do polegar C8-T1
Flexão da 1ª falange do polegar Flexor curto do polegar C8-T1
Oposição do polegar Oponente do polegar C8-T1
Flexão das 1as falanges e extensão das outras
articulações
Lombricais C8-T1
4. Nervo ulnar
Flexão e desvio ulnar da mão Flexor ulnar do carpo C7-T1
Flexão das falanges distais Flexor profundo dos dedos III e
IV
C7-T1
Adução do polegar Adutor do polegar C8-T1
Abdução do polegar Abdutor do polegar C8-T1
Abdução do dedo mínimo Abdutor do dedo mínimo C8-T1
Oposição do dedo mínimo Oponente do dedo mínimo C8-T1
Flexão do dedo mínimo Flexor do dedo mínimo C8-T1
Flexão das últimas falanges Interósseos palmares e dorsais C8-T1
Adução e abdução dos dedos Lombricóides III e IV C8-T1
5. Nervo radial
Extensão do antebraço Tríceps braquial C6-C8
Flexão do antebraço Braquiorradial C5-C6
Extensão e abdução radial da mão Extensor radial do carpo C6-C8
Extensão das 1as falanges dos dedos Extensor dos dedos C6-C8
Extensão da 1ª falange do dedo mínimo Extensor do dedo mínimo C7-C8
Extensão e desvio ulnar da mão Extensor ulnar do carpo C7-C8
Supinação do antebraço Supinador C5-C6
Abdução do polegar Abdutor longo do polegar C7-C8
Extensão da 1ª falange do polegar Extensor curto do polegar C7-C8
Extensão da última falange do polegar Extensor longo do polegar C7-C8
Extensão do indicador Extensor do indicador C7-C8
6. Nervos intercostais
Flexão do tronco Reto do abdome T6-T12
Oblíquo do abdome T7-T12
¡ Manobra de Barré: em decúbito ventral, com as pernas fletidas em ângulo
reto sobre as coxas (Fig. 3-34B). Em caso de déficit, a perna cai progressiva-
mente (déficit dos músculos flexores da perna sobre a coxa).
¡ Manobra do pé: em decúbito dorsal e membros inferiores em extensão, com
os pés em posição vertical. Em caso de déficit dos músculos rotatórios
internos dos membros inferiores, os pés desviam-se para fora, É manobra
importante no paciente em coma, quando o déficit indica hemiplegia.
■ Anatomofisiologia
Sabe-se que os núcleos da base desempenham papel fundamental na fase de
planejamento e iniciação dos movimentos, quando o pensamento ou a inten-
ção se transforma em ação motora concreta. Os núcleos da base compreen-
dem o globo pálido e o estriado, este constituído pelos núcleos caudado e
putame.
O estriado recebe numerosas aferências corticais, especialmente do cór-
tex pré-frontal, constituindo os circuitos fronto-estriatais. Constitui a instân-
32 MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS
Quadro 3-1. (Continua)
Função Músculos Raízes
7. Nervo femoral
Flexão da coxa Iliopsoas L1-L3
Extensão da perna Quadríceps L2-L4
8. Nervo obturador
Adução da coxa Adutores L2-L4
9. Nervo glúteo superior
Abdução e rotação interna da coxa Glúteos médio e mínimo L4-S1
10. Nervo glúteo inferior
Extensão da coxa Grande glúteo L4-S2
11. Nervo ciático
Flexão da perna Bíceps femoral L4-S2
Semitendinoso L4-S1
Semimembranoso L4-S1
12. Nervo fibular
Flexão dorsal e supinação do pé Tibial anterior L4-L5
Extensão do pé e dos pododáctilos Extensor dos pododáctilos L4-S1
Extensão hálux Extensão do hálux L4-S1
Pronação do pé Fibulares longo e curto L5-S1
13. Nervo tibial
Flexão plantar do pé Tibial posterior L5-S1
Gastrocnêmio e Sóleo S1-S2
Flexão dos pododáctilos Flexor dos pododáctilos L5-S2
Flexão hálux Flexor do hálux L5-S2
Abdução e adução dos pododáctilos Músculos plantares S1-S3
33Capítulo 3 ¿ MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS
Fig. 3-1. Deltóide (C5-6; nervo axilar). Abdução do braço (elevação lateral)
contra a resistência.
Fig. 3-2. Bíceps (C5-6; nervo musculocutâneo). Flexão e supinação do
antebraço.
34 MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS
Fig. 3-3. Tríceps (C7; nervo radial). Extensão do antebraço contra a resistência.
Fig. 3-4. Braquiorradial (C5-6; nervo radial). O antebraço é fletido contra a
resistência enquanto está em posição neutra entre pronação e supinação.
35Capítulo 3 ¿ MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS
Fig. 3-5. (A) Extensor ulnar do carpo. (B) Extensor radial do carpo (C6-8; nervo
radial). O punho é estendido contra a resistência.
Fig. 3-6. Extensor comum dos dedos (C7-8; nervo radial). Os dedos são estendidos nas
articulações metacarpofalangianas contra a resistência.
Fig. 3-7. Extensor longo do polegar (C7-8; nervo radial). Extensão da última
falange do polegar contra a resistência.
Fig. 3-8. Extensor curto do polegar (C7-8; nervo radial). Extensão da primeira
falange do polegar.
37Capítulo 3 ¿ MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS
Fig. 3-9. Extensor próprio do indicador (C7-8; nervo radial). O dedo indicador é
estendido contra a resistência.
Fig. 3-10. Movimentos de supinação e de pronação do cotovelo. (A) Supinador
(C5-6; nervo radial). A mão é supinada contra a resistência com os braços
estendidos ao longo do corpo. (B) Pronador redondo (C6-7; nervo mediano). O
braço estendido é pronado contra a resistência.
Bíceps
Supinador
Pronador
redondo
BA
38 MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS
Fig. 3-11. (A) Abdutor curto do polegar (C8-T1; nervo mediano) e (B) abdutor
longo do polegar (C7-8; nervo radial). O polegar é abduzido contra a resistência
em um plano perpendicular à palma da mão.
Fig. 3-12. (A) Flexor radial do carpo (C6-7; nervo mediano): flexão e desvio
radial da mão; (B) flexor ulnar do carpo (C7-T1; nervo ulnar): flexão e desvio
ulnar da mão.
39Capítulo 3 ¿ MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS
Fig. 3-13. (A) Flexor superficial dos dedos (C7-T1; nervo mediano) e (B) flexor
profundo dos dedos (C8-T1; nervo ulnar). Os dedos são fletidos contra a
resistência.
A B
Fig. 3-14. Flexor curto do polegar (C8-T1; nervo mediano). A falange proximal
do polegar é fletida contra a resistência.
40 MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS
Fig. 3-15. Flexor longo do polegar (C8-T1; nervo mediano). A falange distal do
polegar é fletida contra a resistência.
41Capítulo 3 ¿ MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS
Fig. 3-16. Oponente do polegar (C8-T1; nervo mediano). O polegar é cruzado
sobre a palma da mão, contra a resistência, para tocar a ponta do quinto dedo.
Fig. 3-17. Flexor do dedo mínimo (C8-T1; nervo ulnar). A falange proximal do
quinto dedo é fletida contra a resistência.
42 MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS
Fig. 3-18. Oponente do dedo mínimo (C8-T1; nervo ulnar). O quinto dedo é
movido cruzando a palma da mão até a base do polegar.
Fig. 3-19. Adutor do polegar (C8-T1; nervo ulnar). O polegar é movimentado
contra a resistência em direção perpendicular à palma da mão.
Fig. 3-20. Interósseos palmares (C8-T1; nervo ulnar). Adução dos dedos.
Fig. 3-21. Interósseos dorsais e abdutor do dedo mínimo (C8-T1; nervo ulnar).
Abdução dos dedos.
44 MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS
Fig. 3-22. Iliopsoas (L1-3; nervo femoral). Estando o paciente em decúbito dorsal
e com o joelho fletido, a coxa é flexionada contra a resistência.
Fig. 3-23. Quadríceps (L2-4; nervo femoral). A perna é estendida contra a
resistência.
45Capítulo 3 ¿ MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS
Fig. 3-24. Adutores (L2-4; nervo obturador). Os membros inferiores são aduzidos
contra a resistência.
Fig. 3-25. Glúteo médio (L4-S1; nervo glúteo superior). Abdução do membro
inferior contra resistência.
46 MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS
Fig. 3-26. Grande glúteo (L5-S2; nervo glúteo inferior). Extensão da coxa contra
a resistência.
47Capítulo 3 ¿ MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS
Fig. 3-27. (A) Bíceps femoral, (B) semitendinoso e (C) semimembranoso (L5-S2;
nervo ciático). Flexão da perna contra a resistência.
A B C
Fig. 3-28. (A) Gastrocnêmico e sóleo (S1-2; nervo tibial). Tibial posterior (L5-S1;
nervo tibial). Flexão plantar do pé; (B) flexor longo dos pododáctilos (S1-2 nervo
tibial). Flexão da ponta dos pododáctilos; (C) flexor longo do hálux (L5-S2; nervo
tibial). Flexão do hálux.
M. gastrocnêmio
M. flexor longo
dos pododáctilos
M. flexor longo do hálux
M. tibial posterior
A
B
C
48 MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS
Fig. 3-29. Tibial anterior (L4-5; nervo fibular). Dorsiflexão e inversão do pé
(supinação).
Fig. 3-30. Tibial anterior, extensor longo dos pododáctilos e extensor longo do
hálux (L4-5; nervo fibular): (A) flexão dorsal do pé e dos pododáctilos; (B) flexão
dorsal (extensão) do hálux.
Tibial anterior
Extensor longo do
1º pododáctilo
A
B
Fig. 3-31. (A) Fibular longo; (B) fibular curto (L5-S1; nervo fibular). O pé é
evertido contra a resistência.
50 MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS
Fig. 3-32. Reto abdominal e oblíquo (T6-12; nervos intercostais). Flexão do
tronco.
Oblíquo
Reto abdominal
Fig. 3-33. Manobra dos braços estendidos.
cia de integração dos esquemas dos gestos ou movimentos corporais, modu-
lando as influências inibidoras e facilitadoras do córtex. A partir dos esque-
mas integrados pelo estriado, o globo pálido envia para o córtex pré-motor e
motor, passando pelo tálamo (núcleo ventrolateral anterior), padrões de
impulsos nervosos que são integrados como movimento voluntário (Fig.
3-35).
51Capítulo 3 ¿ MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS
Fig. 3-34. Manobras de Mingazzini (A) e de Barré (B).
A B
Fig. 3-35. Esquema geral da motricidade voluntária.
Córtex pré-motor
Corpo estriado
Tálamo
Feixe
piramidal
Córtex motor
Sulco central
A via da motricidade voluntária compreende dois tipos de neurônios,
um central ou neurônio motor superior que liga o córtex aos núcleos dos
nervos cranianos ou espinais, onde se situa o neurônio periférico ou neurô-
nio motor inferior, que inerva os músculos estriados esqueléticos. O segmen-
to central da via motora voluntária é constituído pelos neurônios motores su-
periores agrupados, constituindo uma via compacta e cruzada. Portanto, o
déficit de tipo central é global, cruzado, se a via for atingida acima do cruza-
mento, e homolateral, se atingida abaixo. O segmento periférico é consti-
tuído pelos neurônios motores inferiores, tendo sua origem ao longo do cor-
no anterior da medula e distribuído pelas raízes, plexos e troncos nervosos
periféricos. O déficit de tipo periférico é, portanto, parcial, localizado em
certos músculos (Fig. 3-36). Os axônios do neurônio motor periférico saem
da medula através da raiz anterior (motora) e dirigem-se, sem interrupção,
até o músculo estriado, onde fazem sinapse com a membrana da fibra mus-
cular. Denomina-se unidade motora ao conjunto formado pelo motoneurô-
nio periférico e as fibras musculares por ele inervadas. Charles Sherrington
definiu o neurônio motor inferior como a via final comum dos impulsos que
alcançam o músculo estriado. Isso porque os distintos impulsos motores ori-
ginados nas formações supra-segmentares e nas formações nucleares do
tronco encefálico são transmitidos ao músculo estriado através do neurônio
motor periférico.
O segmento central da via motora voluntária (feixe corticospinal ou pira-
midal) apresenta o seguinte trajeto descendente:
¡ Origem: no córtex, predominantemente no giro pré-central (área motora 4).
Admitia-se anteriormente que a área motora era restrita à área 4. Sabe-se
hoje, no entanto, que outras áreas participam da formação do trato pirami-
dal, principalmente a área 6 do lobo frontal e as áreas 3, 2 e 1 do lobo parie-
tal. O córtex cerebral é formado por seis camadas celulares. O trato pirami-
dal origina-se da quinta camada celular. Wilder Penfield, por meio de esti-
mulação em pacientes cujo córtex fora exposto para cirurgia de epilepsia,
identificou os vários pontos motores de origem do trato piramidal, traçan-
do o mapa da área motora, denominado homúnculo de Penfield. Este
retrata a figura humana proporcional à sua representação cortical. As áreas
do corpo capazes de executarem movimentos mais finos possuem maior
representação cortical. A estimulação elétrica do córtex cerebral determi-
na movimentos contralaterais nos membros e na porção inferior da hemi-
face; enquanto os músculos do tronco, da mastigação, da porção superior
da face, da faringe e da laringe respondem bilateralmente. Portanto, os
motoneurônios que inervam os membros e a porção inferior da hemiface
recebem apenas fibras do córtex cerebral contralateral; enquanto os moto-
neurônios inferiores que inervam os músculos do tronco, da mastigação,
52 MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS
53Capítulo 3 ¿ MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS
Fig. 3-36. Via motora voluntária do tronco e membros.
Mesencéfalo
Trato
corticospinal
Ponte
Bulbo
Bulbo
(decussação piramidal)
Medula cervical
Medula lombar
Trato
lateral
corticospinal
Membro superior
Membro inferior
Raiz
da faringe e do terço superior da face recebem fibras do córtex cerebral
contralateral e homolateral.
O déficit de tipo cortical é a hemiplegia cruzada incompleta e não pro-
porcional, ou seja, um dos membros (superior ou inferior) é mais acometido
que o outro.
O córtex motor primário ocupa área extensa situada em grande parte da
convexidade do hemisfério cerebral e também em sua porção medial. Por-
tanto, é difícil para uma só lesão comprometer todo o córtex motor. Geral-
mente ocorre o comprometimento de apenas parte da área motora. Assim,
pode ocorrer o comprometimento da face lateral do hemisfério, determinan-
do paralisia do membro superior e da porção inferior da hemiface (hemiple-
gia braquiofacial). No comprometimento isolado da face medial da área
motora ocorrerá paralisia do membro inferior contralateral (monoplegia
crural). A lesão da área motora pode estar acompanhada de lesões em áreas
vizinhas. Assim, a concomitância de alteração de função cortical superior,
como, por exemplo, afasia, traduz lesão cortical. A presença de crises epiléti-
cas focais também indica lesão cortical.
É interessante comentar que a lesão experimental, em macacos, da área 4
determina dificuldade na realização de movimentos finos. Não ocorre espas-
ticidade, podendo inclusive ser observada leve hipotonia, mas há o sinal de
Babinski. A lesão da área 4s (área supressiva), localizada à frente da área 4,
determina espasticidade. As fibras originadas dos corpos celulares situados
na quinta camada do córtex motor tomam trajeto descendente, penetrando
na substância branca subcortical (centro oval).
¡ Centro oval: uma lesão aí determina hemiplegia cruzada, incompleta e não
proporcional, portanto, de tipo cortical.
¡ Cápsula interna: após atravessarem a substância branca subcortical (centro
oval), as fibras do trato piramidal atingem a cápsula interna, conjunto de
fibras situadas entre o tálamo e o núcleo lentiforme (estrutura anatômica
formada pelos núcleos putame e globo pálido). Na cápsula interna, as
fibras corticospinais estão próximas de outras fibras originadas no córtex
motor (fibras corticorrubrais, corticorreticulares e corticopontinas).
Assim, a hemiplegia resultante de lesão vascular junto à cápsula interna está
associada à lesão de várias vias e não somente do trato piramidal. Nessa
região, as fibras corticofugais encontram-se condensadas em pequena área
e são, portanto, bastante vulneráveis. O déficit tipo capsular é representado
por hemiplegia cruzada, completa (face, membros superior e inferior) e
proporcional (déficit motor similar nos membros superior e inferior).
Pode ocorrer também déficit sensitivo (lesão das radiações talâmicas so-
mestésicas) e hemianopsia (lesão da radiação óptica).
¡ No tronco cerebral, o feixe corticospinal ocupa a parte média do pedúncu-
lo cerebral, a parte ventral da ponte e, finalmente, a porção ventral do bul-
54 MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS
bo (pirâmide bulbar). No bulbo, algumas fibras do feixe corticospinal diri-
gem-se ao funículo anterior homolateral da medula (feixe piramidal direto
ou corticospinal ventral), e a grande maioria cruza a decussação das pirâmi-
des, indo localizar-se no lado oposto para formar o feixe piramidal cruzado
ou corticospinal lateral. Este vai localizar-se no funículo lateral da medula,
sendo o mais importante do ponto de vista semiológico.
As relações dos nervos cranianos com o trato piramidal revestem-se de
grande importância para o diagnóstico topográfico das lesões do tronco ence-
fálico. No mesencéfalo, situa-se o núcleo do nervo oculomotor, e as fibras desse
nervo atravessam a base do pedúnculo cerebral antes de emergirem junto à fos-
sa interpeduncular. Na ponte, as fibras originadas dos núcleos dos nervos
abducente e facial atravessam o trato corticospinal na base da ponte, antes de
emergirem junto ao sulco bulbopontino. No bulbo, as fibras originadas do
núcleo do nervo hipoglosso passam próximas ao trato piramidal para, em
seguida, emergirem como nervo hipoglosso entre a pirâmide bulbar e a oliva.
Nas pirâmides, as fibras corticospinais separam-se das demais fibras corticofu-
gais, sendo, portanto, a única localização em que as fibras piramidais estão iso-
ladas. Assim, as pirâmides bulbares constituem oúnicolocalcuja lesãodetermi-
naria a verdadeira síndrome piramidal. Na prática, a síndrome piramidal pura
é muito rara, e a denominação revela-se inadequada, mantendo-se por força da
tradição. A lesão da via motora junto ao tronco cerebral geralmente determina
hemiglegia alterna, isto é, hemiplegia contralateral à lesão, acompanhada de
sintomas e sinais homolaterais do acometimento de um ou mais nervos crania-
nos. A lesão mesencefálica determina hemiplegia contralateral completa e pro-
porcional. Freqüentemente ocorre também lesão das fibras intraparenquima-
tosas originadas do núcleo do nervo oculomotor. Essas lesões determinam a
síndrome de Weber, caracterizada por hemiplegia contralateral, ptose palpe-
bral, desvio lateral do globo ocular e midríase homolaterais. A lesão pontina
determina hemiplegia proporcional contralateral. Esta hemiplegia é completa
quando a lesão se localiza acima do núcleo do nervo facial (acometendo, por-
tanto, a via corticonuclear) e incompleta quando a lesão se situa abaixo. Fre-
qüentemente ocorre comprometimento associado das fibras intraparenquima-
tosas originadas nos núcleos dos nervos abducente e facial. O quadro clínico
manifesta-se por hemiplegia contralateral à lesão, desvio medial do globo ocu-
lar e paralisia facial periférica homolateral (síndrome de Millard-Gubler). A
lesão bulbar acima da decussação das pirâmides determina hemiplegia propor-
cional contralateral e incompleta (a face não é acometida). É freqüente a lesão
das fibras intraparenquimatosas do nervo hipoglosso, determinando paresia
da hemilíngua, homolateral à lesão.
¡ Na medula, o feixe piramidal lateral apresenta-se como via agrupada e
compacta na metade posterior do funículo lateral. O déficit tipo medular
55Capítulo 3 ¿ MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS
unilateral é a paralisia homolateral, global e proporcional abaixo da lesão.
O déficit tipo medular bilateral é a paralisia bilateral global e proporcional,
abaixo da lesão (Fig. 3-37). A lesão centromedular, na medula cervical,
pode acometer parcialmente o trato piramidal, determinando tetraplegia
56 MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS
Fig. 3-37. Esquema da via motora, mostrando lesões em diferentes níveis: 1.
Córtex cerebral: hemiparesia desproporcional contralateral. 2. Cápsula interna:
hemiplegia proporcional contralateral. 3. Tronco cerebral: paralisia alterna com
hemiplegia contralateral e paralisia homolateral de um ou mais nervos
cranianos. 4. Lesão transversa da medula: tetraplegia ou paraplegia. 5. Lesão da
hemimedula: hemiplegia ou monoplegia homolateral.
Membro superior
Membro inferior
III - IV (mesencéfalo)
Face
1
2
V - VI - VII (ponte)
IX - X - XI - XII (bulbo)
3
Decussação das pirâmides
4
5
Motoneurônio
Feixe piramidal
incompleta, não proporcional, com comprometimento mais intenso dos
membros superiores. Este quadro ocorre mais freqüentemente nos trau-
mas raquimedulares (síndrome de Schneider). No trato piramidal, na
medula cervical, ocorre característica estratificação das fibras mediais,
destinadas aos membros superiores, e das fibras laterais, destinadas aos
membros inferiores. Assim, a lesão centromedular cervical pode acometer
preferencialmente as fibras mediais do trato piramidal, determinando
diplegia braquial.
¡ Término: no ápice dos cornos ventrais da medula (início da via final comum
de Sherrington).
O segmento periférico da via motora voluntária (motoneurônio periféri-
co ou inferior) apresenta o seguinte trajeto:
¡ Origem: nos cornos ventrais da medula.
¡ As raízes ventrais estendem-se conforme os miótomos embrionários, por-
tanto, com distribuição topográfica e não funcional. O déficit radicular ou
segmentar é homolateral, localizado em determinados músculos perten-
centes ao mesmo miótomo. Em razão de os músculos apresentarem inerva-
ção plurirradicular, o déficit radicular é sempre incompleto.
¡ As principais raízes inervam os seguintes grupos musculares dos mem-
bros, enumeradas esquematicamente:
C5 — músculos dos ombros.
C6 — músculos da região anterior do braço.
C7 — músculos das regiões posteriores do braço e antebraço.
C8 — músculos da região anterior do antebraço e lateral da mão.
T1 — músculos da região medial da mão e os interósseos.
L3 — músculos da região anterior da coxa.
L5 — músculos da região ântero-lateral da perna.
S1 — músculos da região posterior da perna.
¡ Os plexos reagrupam os motoneurônios das raízes ventrais em troncos
nervosos periféricos, diferenciados funcionalmente. Assim, o déficit tron-
cular atinge músculos que têm a mesma função, sendo, portanto, de distri-
buição funcional e não topográfica. Cada músculo recebe sua inervação de
um só tronco e, portanto, o déficit troncular é sempre completo.
¡ Os nervos, de forma esquemática, respondem pelas seguintes funções:
· Axilar: abdução do braço.
· Musculocutâneo: flexão do antebraço.
· Mediano: flexão do punho e dos dedos, pronação e pinça polidigital.
· Ulnar: movimentos dos dedos (preensão e movimentos laterais dos
dedos).
57Capítulo 3 ¿ MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS
· Radial: extensão do antebraço, da mão e dos dedos, supinação e abdu-
ção do polegar.
· Obturador: adução da coxa.
· Femoral: extensão da perna.
· Ciático: flexão da perna.
· Tibial: flexão plantar do pé e dos pododáctilos.
· Fibular: flexão dorsal do pé e dos pododáctilos (extensão).
MOTRICIDADE AUTOMÁTICA
■ Conceito
A motricidade automática não resulta diretamente da vontade. É primitiva,
básica, global e representa a motricidade dos vertebrados não-mamíferos. Nos
vertebrados superiores comporta-se como motricidade involuntária: o balan-
ço dos braços durante a marcha, a expressão facial, o piscar, entre outros.
■ Exploração
Movimentos automáticos normais
¡ Mímica.
¡ Adaptações posturais: balanço dos braços durante a marcha.
¡ Gesticulação expressiva.
Pesquisa de movimentos anormais
¡ Acinesia e bradicinesia: traduzem, respectivamente, a perda e a redução da
motricidade automática ou involuntária. Manifestam-se, por exemplo, por
redução da mímica, marcha em pequenos passos e abolição dos movimen-
tos espontâneos. São encontradas tipicamente na síndrome parkinsoniana.
¡ Movimentos coréicos (ou coréia): são movimentos involuntários arrítmicos,
breves, abruptos, que fluem de uma parte a outra do corpo de forma não
ordenada. Movimentos atetóticos (ou atetose) e movimentos balísticos
constituem formas de coréia. Os movimentos atetóticos são movimentos
lentos, por vezes, ondulatórios, que ocorrem nas porções distais dos mem-
bros. Balismos são movimentos amplos, bruscos, rápidos, predominando
na raiz dos membros.
¡ Distonia: movimento involuntário marcado pela contração sustentada e
padronizada de um ou vários grupamentos musculares, determinando tor-
ção ou posturas anormais.
58 MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS
¡ Tremor de repouso: os tremores são caracterizados por oscilações rítmicas de
parte do corpo, conseqüentes à contração alternada de grupos musculares
opostos, ou seja, agonistas e antagonistas. O tremor de repouso é típico da
síndrome parkinsoniana, apresentando ritmo lento e regular (4 a 8 oscila-
ções por segundo) no repouso, diminuindo ou desaparecendo durante o
movimento voluntário.
¡ Tremor cinético ou de ação: tremor que se manifesta quando o movimento é
realizado à velocidade média. Pode manifestar-se em síndromes cerebela-
res.
■ Anatomofisiologia
É clássico atribuir a integração dos movimentos voluntários ao sistema pirami-
dal e a dos movimentos automáticos ao sistema extrapiramidal. A lesão desses
sistemas determinaria, respectivamente, as síndromes piramidal (marcada
por fraqueza muscular e espasticidade) e extrapiramidal (distúrbios do movi-
mento ou movimentos involuntários). No entanto, os conceitos clássicos de
trato e síndrome piramidal e de trato e síndrome extrapiramidal devem ser
revistos como comentado previamente.
O trato piramidal foi o primeiro conjunto de fibras reconhecido como
específico do encéfalo, ainda no século XIX. Por definição, engloba todas as
fibras que passam pela pirâmide bulbar. Embora o trato piramidal seja bem
definido anatomicamente, isso não justifica o uso do termo “síndrome pira-
midal”. As lesões que determinam essa síndrome raramente são lesões puras
do trato piramidal, mas de várias vias corticofugais, ou seja, de vias que
deixam o córtex.
O termo extrapiramidal também é de origem anatômica e inclui todas as
vias não piramidais. Foi introduzido por Wilson, em 1912, que conceituou o
sistema extrapiramidal como o conjunto das estruturas encefálicas que atu-
am sobre os neurônios motores medulares, com exceção do trato piramidal.
Como existem múltiplas áreas encefálicas e vias descendentes que influenci-
am o sistema motor, é muito difícil delimitar com precisão as estruturas do
sistema extrapiramidal. Ele seria formado pelos núcleos da base, núcleos do
tronco encefálico e as projeções destes núcleos para os motoneurônios
medulares. Posteriormente, áreas do córtex cerebral, principalmente a área 6
do lobo frontal (área motora suplementar e área pré-motora), também foram
incluídas no sistema extrapiramidal. Portanto, é artificial a distinção entre a
função do trato piramidal e a de outros tratos descendentes. Suas estruturas
estão em estreita relação na gênese e no controle do movimento.
No controle do movimento é também fundamental a participação do
cerebelo. A atividade motora é integrada junto ao córtex motor primário
pelos núcleos da base, pelo cerebelo e pelo tálamo (que se interpõe entre os
núcleos da base, o cerebelo e o córtex motor). Os impulsos nervosos, antes de
59Capítulo 3 ¿ MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS
deixarem o córtex motor em direção à medula, recebem impulsos modulado-
res dos núcleos da base e do cerebelo, através do tálamo (Fig. 3-38). Esse
conjunto está representado no esquema abaixo:
Entre as estruturas que, em princípio, constituem o sistema extrapirami-
dal, destacam-se os núcleos da base. Isso porque alterações desses núcleos
determinam distúrbios do movimento de especial importância clínica, como a
doença de Parkinson e a doença de Huntington. São designados como núcle-
os da base o núcleo caudado e o núcleo lenticular. Esses dois núcleos formam
o corpo estriado. O nome do corpo estriado vem de seu aspecto anatômico:
uma massa cinzenta atravessada por fibras brancas oriundas da cápsula inter-
60 MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS
Fig. 3-38. Esquema das vias da motricidade.
Área extrapiramidal
Núcleos
da base
Via extrapiramidal cortico
cerebelar (coordenação)
Via extrapiramidal
estrio-retículo-
espinal (tono e
movimentos
automáticos)
F. corticospinal
Neocerebelo
Motoneurônio
Área 4
Córtex
Córtex motor
Vias corticofugais
Tálamo
Neurônio motor periférico
Núcleos da base
Cerebelo
na. O núcleo lenticular é subdividido em porção lateral, o putame, e outra me-
dial, o globo pálido. Anatômica, ontogenética e filogeneticamente, há semel-
hança entre o núcleo caudado e o putame, sendo denominados em conjunto
neostriado ou striatum. O globo pálido, por sua vez, constitui o paleoestriado.
O núcleo subtalâmico ou núcleo de Luys e a substância negra também
podem ser considerados núcleos da base. O núcleo subtalâmico localiza-se
sob o tálamo. A substância negra situa-se no mesencéfalo, entre a base e o
tegmento do pedúnculo cerebral. Os núcleos da base, o núcleo subtalâmico e
a substância negra apresentam complexas conexões entre si e com áreas cor-
ticais, constituindo os circuitos fronto-estriado-pálido-tálamo-corticais, ou
simplesmente fronto-estriatais.
Esses circuitos iniciam-se em áreas corticais, projetam-se primeiramente
para o estriado e, em seguida, para o globo pálido. Antes de as informações
retornarem ao córtex, o globo pálido emite fibras que se conectam com o tála-
mo como no esquema abaixo.
As fibras provenientes do córtex cerebral são glutamatérgicas, portanto,
excitatórias e fazem sinapse com o neurônio do estriado, denominado célula
espinhosa média, que constitui cerca de 90% da população neuronal deste
núcleo. Sobre este neurônio, convergem fibras colinérgicas e gabaérgicas pro-
venientes de interneurônios estriatais e também fibras dopaminérgicas origi-
nadas na parte compacta da substância negra (SNc). Tendo em perspectiva a
série de fibras que convergem para a célula espinhosa média, pode-se inferir
que esse neurônio constitui um importante sítio de processamento de infor-
mações. No estriado, o circuito pode assumir uma via direta, conectando o
estriado ao segmento interno do globo pálido e à parte reticulada da substân-
cia negra (GPi/SNr), ou um via indireta, ligando o estriado ao segmento exter-
no do globo pálido (GPe), em seguida para o núcleo subtalâmico (NST) e final-
mente para o GPi/SNr. Ressalta-se que os neurônios estriatais que participam
da via direta são estimulados pelas fibras dopaminérgicas provenientes da SNc
por possuírem receptores do tipo D1, enquanto os envolvidos com a via indire-
ta, que expressam receptores D2, são inibidos. As duas vias modulam a ativida-
de talâmica. Enquanto a via direta estimula o tálamo, a via indireta inibe. Co-
mo há predomínio da atividade na via indireta, o funcionamento simultâneo
das duas vias determina “ilhas” de excitação no meio de áreas maiores de inibi-
61Capítulo 3 ¿ MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS
Córtex pré-frontal
Estriado
GPi/SNr
Tálamo
GPe
Núcleo subtalâmico
+
+
+
-
-
-
-
ção da atividade talâmica e, por conseguinte, do córtex cerebral. Esse funcio-
namento diferencial e simultâneo das vias direta e indireta permite a focaliza-
ção da atividade neuronal cortical.
Classicamente, a função dos núcleos da base estava associada à iniciação
e à finalização dos movimentos. Atualmente, no entanto, postula-se que o cir-
cuito fronto-estriatal motor participe da execução automática de seqüências
motoras, além de facilitar movimentos desejados ou inibir movimentos inde-
sejados conforme a ativação, respectiva, das vias direta e indireta. A atividade
inibitória preponderante dos núcleos da base sobre o tálamo resultaria na ini-
bição de movimentos indesejados, enquanto a atividade facilitadora focaliza-
da possibilitaria a execução do movimento pretendido. Assim, os núcleos da
base não seriam responsáveis pela geração ou iniciação dos movimentos, que
seriam funções do córtex cerebral e cerebelo, mas pela facilitação dos mes-
mos por supressão de movimentos conflitantes. Esse modelo é respaldado
pela fisiopatologia de transtornos do movimento, tanto hipercinéticos, como
hipocinéticos. Os circuitos dos núcleos da base também modulam a ativida-
de das vias corticofugais no sentido de estabelecer o equilíbrio entre as vias
facilitadoras e as inibidoras do tônus muscular.
A doença de Parkinson é a mais conhecida das doenças extrapirami-
dais, caracterizando-se por bradicinesia, rigidez, instabilidade postural e
tremor de repouso. A doença de Parkinson decorre da perda neuronal na
substância negra compacta, o que determina menor disponibilidade de
dopamina na via nigroestriatal. Isso resulta em menor atividade da via
direta (facilitadora) e maior atividade da via indireta (inibitória), com ini-
bição dos movimentos automáticos primários (bradicinesia) e a liberação
do tônus muscular (hipertonia) e, conseqüentemente, em uma síndrome
hipocinética-hipertônica.
Os movimentos coréicos são observados na coréia de Sydenhan e na
doença de Huntington. Na coréia de Sydenhan, além dos movimentos invo-
luntários hipercinéticos, há grau variável de hipotonia, constituindo uma sín-
drome hipercinética-hipotônica. Enquanto na doença de Parkinson ocorre
hiperatividade da via indireta e hipoatividade na via direta, na coréia de
Sydenhan parece ocorrer justamente o contrário.
No Quadro 3-2 são sintetizadas as funções e as síndromes dos sistemas
paleostriado e neoestriado.
62 MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS
Quadro 3-2.
Sistema Função Déficit Síndrome
Paleoestriado (globo
pálido e substância
negra)
Inibição do tônus muscular e
integração dos movimentos
automáticos
Hipertonia e
hipocinesia
Hipertônica-hipocinéti
ca (parkinsoniana)
Neoestriado (putame e
caudado)
Facilitação do tônus e
moderação dos movimentos
Hipotonia e
hipercinesia
Hipotônica-hipercinéti
ca (coréia)
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Introdução à semiologia médica e diagnóstico clínico

  • 1.
  • 2. Capítulo 1 Introdução “The nervous system is almost entirely inaccessible to direct observation. As a rule, the state of the nervous system can be ascertained only by the manner in which its work is done, and morbid states reveal their presence by the derangement of function which they cause.” Sir William Gowers (1886) Oobjetivo da observação clínica é o diagnóstico do estado de saúde do in- divíduo. A palavra diagnóstico (do grego diagnostikós, discernimento) significa o conhecimento do estado de saúde por meio de manifestações sub- jetivas (sintomas) e objetivas (sinais). O conhecimento é o ato pelo qual a pessoa apreende determinado obje- to, produzindo-se a respectiva representação mental. Há duas maneiras de se conhecer um objeto. Uma é mediante os sentidos, isto é, quando a informa- ção é captada pelos órgãos sensoriais; a outra se dá com a participação ativa e adicional do pensamento, ou seja, o conhecimento se completa no plano inte- lectual. A utilização de ambas as formas satisfaz as necessidades da vida coti- diana. Com o desenvolvimento social, verificou-se que o conhecimento pode ser estendido a partir dessas formas (conhecimento vulgar ou empírico), chegando a formas próprias para o domínio da natureza (conhecimento científico), até alcançar formas que buscam apreender a essência das coisas (conhecimento filosófico). Na medicina ocidental atual, o diagnóstico médico procura fundamen- tar-se essencialmente no conhecimento científico. Este tipo de conhecimento resulta da investigação sistemática dos fenômenos naturais com o objetivo de estabelecer não só a constância de sua ocorrência, mas também a constância de suas eventuais relações, culminando com sua reprodução experimental. Nesse esforço, a avaliação dos fenômenos, a constância dos mesmos e de sua eventual inter-relação se estendem do plano qualitativo ao quantitativo, cul- minando com a sua expressão matemática. 1
  • 3. A medicina científica iniciou-se pela aceitação do corpo de doutrinas médicas atribuídas a Hipócrates, segundo as quais as doenças decorrem de causas naturais em vez de sobrenaturais. Daí o diagnóstico passou a se basear na observação de sistemática de sintomas e sinais produzidos caracteristica- mente pelas doenças, buscando-se as manifestações constantes e encontrá- veis nos diversos pacientes com a mesma doença. Ao longo dos séculos, veri- ficou-se que o conjunto de queixas espontâneas e de sinais manifestos era passível, inclusive por influência de outras ciências, de estender-se para além de seu repertório tradicional. Na metade do século XVIII, Morgagni, entre outros, comprovou que a doença poderia ser identificada nos órgãos e que os sintomas e sinais eram determinados pela alteração anatômica observada, ou seja, a doença observada na necropsia corresponderia, no indivíduo vivo, a sinais clínicos (correlação anatomoclínica). Partiu-se daí para a busca de métodos que colocassem órgãos inacessíveis em contato com os sentidos do médico. Auenbrugger (1761) e Laennec (1819), que introduziram, respectivamente, a percussão do tórax e o estetoscó- pio, inauguraram uma nova era na clínica, possibilitando a identificação de si- nais físicos até então com difícil acesso ou não facilmente observados. Assim, a simples observação hipocrática dos sinais e sintomas, em geral espontâneos, passou a ser complementada com a busca sistemática dos sinais. Na segunda metade do século XIX, Claude Bernard sistematiza os méto- dos experimentais da medicina, tornando possível o acesso por meio de dados laboratoriais às disfunções provocadas pelas várias alterações orgâni- cas. Assim, a investigação clínica dos sintomas e sinais observados no corpo (exame clínico) é complementada pela pesquisa de sinais obtidos em exames laboratoriais (exames complementares). A consolidação da medicina experi- mental, como ciência, se deu graças aos resultados obtidos, entre outros, por Pasteur, Koch, Virchow e Cajal. O acúmulo de tais conquistas e suas decor- rências no final do século XIX estimulou, então, a idéia de que a atitude cien- tífica e a familiaridade com os métodos da medicina experimental devam constituir a base da formação do médico. Especulações futuristas sugerem o advento para breve do diagnóstico direto (e não mais complementar) por aparelhagem cada vez mais simplifica- da, com alto índice de miniaturização, de portabilidade e até de descartabili- dade, o que eliminaria o dispêndio de tempo com prolongadas anamneses e minuciosos exames físicos. Infelizmente, a obsolescência antecipada dos recursos semiológicos clássicos tem prejudicado principalmente os pacien- tes, além de denegrir o exercício clínico e, em conseqüência, a imagem pro- fissional do médico. Assim, razões éticas e científicas sustentam a manuten- ção da hierarquia metodológica de anamnese, exame físico e exames comple- mentares na prática médica atual. Quatro outros argumentos reforçam essas razões. O primeiro é a crescente e salutar retroalimentação que se estabelece 2 INTRODUÇÃO
  • 4. entre a sensibilidade para detectar sintomas e sinais, de um lado, e, de outro, a capacidade para o raciocínio fisiopatológico, este condicionado pela cultu- ra nosológica do examinador. O segundo é a possibilidade de manter a ne- cessária capacidade diagnóstica do examinador na eventualidade de se encontrar desarmado de qualquer recurso tecnológico. O terceiro é o reco- nhecido papel da anamnese e do exame físico em estabelecer e em enrique- cer a relação médico-paciente. O quarto é a própria sobrevivência do médico como profissional em seu perfil clássico, pois as mesmas especulações prevê- em a extinção de tal perfil ou da própria profissão caso venhamos a prescin- dir de tais exames. Esta última possibilidade parece improvável, pois a pró- pria história da medicina indica o caráter cumulativo e não substitutivo dos sucessivos modos de exercício profissional. Resta saber que tipo de convivên- cia haverá entre o perfil robótico do profissional emergente e o perfil huma- no do profissional clássico. A observação clínica permite que a doença seja diagnosticada por meio de suas manifestações fundamentais que são os sintomas e os sinais. À pri- meira vista, as manifestações subjetivas seriam os sintomas, e as objetivas se- riam os sinais. Ao longo do tempo, entretanto, consagrou-se a separação imprecisa de tais termos, denotada pela distinção adicional entre sintomato- logia subjetiva e objetiva. Por outro lado, semiologicamente o sintoma é um sinal. Assim, para simplificar, é melhor definir sintoma como sinal subjetivo ou objetivo que comparece como queixa do paciente. E sinal clínico propria- mente dito é a manifestação objetiva detectada pelo médico ou apontada, sob indagação, pelo próprio paciente ou por terceiros. O paciente pode queixar-se manifestações subjetivas como dor, mal-estar, formigamento e pode, ainda, queixar-se manifestações objetivas interpretadas pelo médico como exoftalmia, edema, hematúria. Um acompanhante pode descrever para o médico os sinais da crise epiléptica do paciente, a qual pode também ser presenciada pelo próprio médico, que verificará com plena objeti- vidade a seqüência característica dos mesmos sinais clínicos. O exemplo da cri- se epiléptica é ilustrativo porque nela podem manifestar-se alterações psíqui- cas que não podem ser observadas pelo médico, exceto se relatada como quei- xa espontânea ou como resposta durante o interrogatório. A crise epiléptica, aliás, era considerada na semiologia clássica como o único quadro clínico impossível de ser simulado até que um ator o conseguiu com êxito. Síndrome é um conjunto característico de sintomas e/ou sinais com denominação específica. A crise epiléptica, citada no exemplo anterior, designa uma síndrome. Como os sinais e os sintomas compõem a síndrome, esta pode compor várias doenças. Ainda no exemplo citado, a síndrome da crise epiléptica pode aparecer em mais de uma doença, por exemplo, a neu- rocisticercose e o trauma do encéfalo. Curioso é o caso da AIDS (acrônimo em inglês do termo Acquired Immunodeficiency Syndrome) ou SIDA (correspon- 3Capítulo 1 ¿ INTRODUÇÃO
  • 5. dente do acrônimo em português, “Síndrome de Imunodeficiência Adquiri- da”). Geralmente a sigla tem sido usada como se tratasse de doença e não de síndrome. Para o uso semiologicamente correto, a doença seria designada como virose causadora de imunodeficiência, virose imunossupressora ou então imunodeficiência adquirida por vírus, já que a AIDS ou SIDA, sendo síndrome, pode ser causada não apenas por uma espécie ou família de vírus, mas também por qualquer fator etiológico adquirido. Esquematicamente, o sintoma corresponde ao alarme do organismo para fugir da lesão ou para evitar agravá-la, o sinal corresponde à lesão e, como tal, esboço do diagnóstico anatômico, a síndrome corresponde ao diagnóstico funcio- nal (quadro fisiopatológico), e a doença corresponde ao diagnóstico etiológico (quando se espera do examinador apontar uma única causa capaz de explicar todas as manifestações clínicas observadas). A ilustração mais conhecida de tal esquema é a inflamação, em que o sintoma dor se acompanha dos sinais tu- mor, rubor e calor, tudo levando à perda (parcial ou total, reversível ou não) da função de que é capaz a estrutura anatômica acometida. Então se conclui que a inflamação é uma síndrome. Se tal síndrome acomete, por exemplo, uma articulação, há várias doenças que podem causá-la, por exemplo, o trauma, uma bactéria ou a doença reumática. Convém aqui lembrar que não é corre- to chamar neste caso o trauma, a bactéria ou a causa mal conhecida de etiolo- gias, pois a palavra etiologia não tem esta significação substantivada, assim como não se deve chamar um quadro patológico de patologia. O vigor e a eficácia dos conceitos de sintoma, sinal, síndrome e doença estão relacionados ao caráter racional e lógico da cultura ocidental e de sua expressão científica. Desde a medicina grega, o conhecimento e a vitória sobre as doenças vêm-se ampliando exatamente porque a medicina assumiu uma linguagem que permite ao médico, de certa maneira, dialogar com o organismo doente. Nesse caso, os sintomas e os sinais seriam as letras, as sín- dromes seriam as palavras e as doenças seriam as sentenças. Os sintomas e os sinais mais valorizados na semiologia clássica são os essenciais e os patognomônicos. Essenciais são aqueles cuja ausência põe em dúvida o diagnóstico de uma síndrome ou de uma doença. Patognomônico (do grego pathos, doença, gnomon, indicador) é aquele que, por si só, respon- de pelo diagnóstico de uma síndrome ou de uma doença. A doutrina semiológica clássica aconselha o médico a esboçar o diagnós- tico puramente clínico, ou seja, por meio apenas da anamnese e do exame físico, e, ao fazê-lo deve procurar expressá-lo em termos anatômico, funcio- nal e etiológico. Essa orientação não significa o interesse de colocar à prova a habilidade diagnóstica do profissional, mas de habituá-lo aos caminhos do raciocínio clínico, que, com o tempo, acaba consolidando sua competência pessoal intransferível. Quando isso não acontece, o médico – na contramão desse hábito salutar – vai-se tornando cada vez mais dependente de exames 4 INTRODUÇÃO
  • 6. complementares, freqüentemente solicitados em bloco, na expectativa de que um deles atinja o alvo diagnóstico. Os exames, de fato, complementares são solicitados com claro fundamento no exame clínico e têm caráter com- probatório, ou então, são quantificadores de lesão ou de disfunção, ou ainda, em casos especiais, são indispensáveis e inadiáveis para excluir determinada alternativa diagnóstica. A realização de diferentes exames laboratoriais em bloco, cada vez mais passíveis de serem feitos com uma única coleta de material orgânico, estaria justificada em casos de exame médico periódico preventivo de saúde ou para levantamento nosológico. Para exemplificar a aplicação dos conceitos apresentados, tomemos o caso de uma criança com cefaléia, vômitos, estase papilar e ataxia axial. São sintomas e sinais que, tomados isoladamente, podem ter múltiplos significa- dos, mas, em conjunto, apontam determinado diagnóstico. De fato, a associa- ção de cefaléia, vômitos e estase papilar indica hipertensão intracraniana, enquanto a ataxia de tronco denuncia lesão do verme cerebelar. É possível, portanto, diagnosticar a lesão cerebelar mediana ou vermiana e, sua conse- qüência, a síndrome de hipertensão intracraniana. A lesão identificada pode explicar todos os sintomas e os sinais observados. Ela produz a ataxia de tron- co ao comprometer as vias cerebelo-vestibulares, responsáveis pelo equilí- brio, e leva à hipertensão intracraniana (cefaléia, vômitos e estase papilar) ao bloquear o trânsito do liquor junto ao quarto ventrículo. Ora, a nosologia nos ensina que o meduloblastoma é tumor freqüente na criança e localiza-se pre- ferencialmente no verme cerebelar, podendo obstruir o quarto ventrículo. Chegamos, assim, ao diagnóstico nosológico, ou seja, o conjunto de sinto- mas, sinais e síndrome que compõe o diagnóstico da doença, o meduloblas- toma. Este diagnóstico clínico pode ser confirmado por exames complemen- tares. O meduloblastoma apresenta-se na tomografia computadorizada como imagem indicativa de massa localizada no quarto ventrículo, com for- ma regular, sem densidade máxima e com retenção homogênea do contras- te. Após a cirurgia, apresenta-se como tumor rosa-acinzentado, moderada- mente vascular e de consistência mole, exibindo microscopicamente células pequenas e redondas. Todas essas evidências complementares são confirma- tórias daquele diagnóstico anatômico resultante da observação clínica, assim como as eventuais medidas da pressão liquórica e da estase papilar poderiam ser confirmatórias do diagnóstico funcional correspondente à síndrome hipertensiva intracraniana, também diagnosticada clinicamente. O exemplo citado mostra que o médico comum não é obrigado a ser um cientista, mas que deve guardar, no exercício quotidiano de sua profissão, plena fidelidade à atitude científica. Esta, em contrapartida, o impedirá de se perder em procedimentos aleatórios e restringirá sua conduta diagnóstica e terapêutica aos claros limites estabelecidos pela ciência médica de cada época. 5Capítulo 1 ¿ INTRODUÇÃO
  • 7. Desde o começo da observação, quando cumprimenta o paciente, anota a identificação e toma conhecimento da queixa principal, o médico já deve colocar seu raciocínio clínico em ação. Este deve estar em pleno curso quan- do se caracterizam os sintomas e os sinais ao longo da anamnese e do exame físico. Deve haver o cuidado para que hipóteses diagnósticas precipitadas ou assumidas como diagnóstico final não desviem o raciocínio clínico de sua objetividade essencial. Esta deve sempre estar associada à capacidade para reformular o raciocínio feito, seja diante da repetição paciente da observa- ção, seja diante de resultados de exames complementares, seja ainda diante da evolução clínica posterior. Comparado aos demais sistemas orgânicos, o sistema nervoso apresenta o privilégio de permitir excepcionais objetividade e precisão na correlação anatomoclínica. Já a correlação fisiológico-clínica das atividades cerebrais encontrava-se, até recentemente, no pólo oposto do qual deverá sair rapida- mente com os recentes progressos verificados nas neurociências. Assim, por ora, continua necessária, na observação clínica usual, a separação da semiolo- gia neurológica da semiologia psiquiátrica, embora ambas tratem do mesmo sistema nervoso. A separação deve ser apenas metodológica, ditada inclusive por razões éticas, impondo-se, por isso mesmo, em vez da competição, o trabalho em equipe de neurologistas e psiquiatras. Os sintomas e os sinais estritamente neurológicos devem ser interpreta- dos como indicadores de lesão com precisa localização anatômica. Assim, o sólido conhecimento da organização anatomofuncional geral do sistema ner- voso é indispensável ao domínio da semiologia neurológica básica. A seqüên- cia do raciocínio neurológico está resumida no esquema seguinte. 6 INTRODUÇÃO Observação clínica (anamnese, exame físico) Conhecimentos das manifestações das doenças (patologia) Análise dos fatos (sintomas e sinais) Raciocínio indutivo Dedução das conseqüências Síntese Hipótese diagnóstica (sindrômica, anatômica, etiológica) Avaliação da hipótese diagnóstica (exames complementares, evolução) Conclusão diagnóstica
  • 8. Nunca será demasiado enfatizar que a complementação diagnóstica, a partir da localização da lesão, depende do repertório nosológico disponível na cultura clínica do profissional e, igualmente, de sólida formação médica, pois a observação clínica que inclua os demais sistemas orgânicos poderá ser decisiva nos passos finais até o diagnóstico etiológico. Assim, o diagnóstico de determinado acometimento neurológico envol- ve três passos distintos. O primeiro é determinar o local da lesão no sistema nervoso (diagnóstico anatômico), o segundo é identificar a disfunção fisio- patológica (diagnóstico sindrômico) e o terceiro, a investigação etiológica. É aconselhável localizar a lesão segundo a disposição longitudinal do sistema nervoso, ao longo do neuroeixo, desde as estruturas periféricas até as cen- trais: receptoras (sensoriais) ou efetoras (músculos), nervo periférico, raiz nervosa, medula, tronco encefálico, cerebelo e cérebro. A seguir, faz-se a localização horizontal, isto é, na seção transversa do neuroeixo: se a lesão esti- ver localizada à direita ou à esquerda, é dorsal ou ventral, central ou periféri- ca nesse plano. Os locais de lesão do sistema nervoso são geralmente isola- dos, por isso devemos tentar explicar os achados do exame neurológico com base em um único local acometido. Somente quando tal explicação não se revelar plausível, admitir-se-á o comprometimento múltiplo. Determinado o local da lesão, é necessário ter em mente que certas doen- ças têm preferência topográfica. É importante ressaltar o repertório nosoló- gico do sistema nervoso: ¡ Defeitos congênitos. ¡ Doenças neoplásicas. ¡ Doenças vasculares. ¡ Infecções seletivas ou generalizadas. ¡ Doenças inflamatórias difusas. 7Capítulo 1 ¿ INTRODUÇÃO História Exame Físico Sintoma A Sinal ASintoma B Sinal B Sistema Funcional A Sistema Funcional B Diagnóstico Diferencial Diagnóstico Anatômico Patologia A Patologia B Patologia C Possibilidade A Possibilidade B Diagnóstico Neurológico História e Exame Exames Complementares
  • 9. ¡ Doenças metabólicas e intoxicações. ¡ Doenças desmielinizantes. ¡ Doenças degenerativas, além das vasculares. ¡ Trauma. Como já assinalado, o sistema nervoso dispõe de organização morfofisio- lógica diferente do conjunto dos demais sistemas, a qual não só lhe empresta objetividade na linguagem diagnóstica, como lhe confere certa unicidade na resposta à lesão. Isso significa que os sintomas e os sinais resultam mais da localização da lesão do que da natureza da mesma. Exemplificando, tanto um infarto, como um tumor no córtex motor primário produzem ambos, basica- mente, o mesmo déficit neurológico, ou seja, a mesma hemiplegia. Dentro da peculiaridade de sua morfofisiologia, é fundamental conhecer os três efeitos distintos causados por qualquer lesão no funcionamento neu- ral: 1; perda, déficit, abolição ou destruição (total ou parcial, transitória ou permanente) de determinada capacidade funcional; 2; exacerbação, libera- ção ou desinibição de função normalmente controlada, refreada ou inibida; e 3; irritação ou excitação, causando efeito inexistente. Exemplos de déficit ou perda funcional são a paralisia, a hipoestesia, a anestesia, a arreflexia, a hemi- anopsia, a cegueira, a surdez, o declínio da inteligência ou da memória. Exemplos de liberação ou exacerbação: hipertonia, hiper-reflexia, movimen- tos anormais, dor, disestesia. Exemplos de efeito irritativo: dor por irritação de nervo periférico, crise epiléptica. As manifestações por perda funcional são também chamadas de negativas, e as demais, positivas. Na interpretação dos sintomas e sinais é importante considerar a idade do paciente. O amadurecimento neural está relacionado à mielinização das vias nervosas, sem a qual as funções integradas e o comportamento da pes- soa em crescimento ficam comprometidos (maturidade funcional). A hierar- quia dos níveis funcionais, segundo a teoria proposta inicialmente por Jack- son, postula que o amadurecimento se dá do menos para o mais organizado, do mais elementar para o mais complexo e do mais automático para o mais voluntário. Durante o processo, a etapa mais recente inibe a precedente. Quando há lesão, esta tende a neutralizar o efeito inibidor do desenvolvi- mento mais recente, exacerbando regressivamente o mais antigo. Na ontogênese da motricidade humana, evoluímos a partir de funções elementares e reflexas para complexas e voluntárias. Assim, as atividades automáticas observadas ao nascimento, como sugar, nadar e andar, são inibi- das durante o primeiro ano de vida, ressurgindo, posteriormente, como ati- vidades menos reflexas e mais voluntárias. Exemplo da dissolução jacksonia- na, com regressão a etapas já superadas, é o ressurgimento do reflexo cuta- neoplantar em extensão (sinal de Babinski) na lesão da via piramidal, outro é 8 INTRODUÇÃO
  • 10. o reaparecimento da sucção e da preensão reflexas nas lesões dos lobos frontais. Diante dos fatos expostos, é fundamental interpretar os dados da obser- vação sempre considerando a etapa evolutiva própria da idade do paciente. O exame nunca deve ser procedimento mecânico, pois nele se observam res- postas a estímulos diversos, desde o simples reflexo miotático até perguntas e comandos complexos. Entre o estímulo e a resposta ocorrem interações em diferentes níveis do sistema nervoso, que incluem desde a recepção e a inter- pretação do estímulo até a formulação da resposta. A lesão nervosa pode atingir um ou mais desses níveis, de tal modo que a característica da resposta vai refletir a estrutura lesada. A avaliação neurológica, portanto, fundamen- ta-se em evidências interpretáveis, como desvio de determinado padrão admitido como normal. É necessário, pois, que o examinador esteja familia- rizado não só com esse padrão, mas também com as eventuais evidências de seu desvio e ainda com os meios para produzi-las. Se o quadro clínico for a exteriorização das reações do sistema nervoso, devemos, para bem obser- vá-lo, apelar ao mesmo princípio geral de estímulo e resposta, ou seja, que recorramos a estímulos capazes de deflagrar respostas indicadoras do esta- do funcional do sistema nervoso. Pelo conhecimento das respostas normais e das alterações produzidas em circunstâncias anormais, podemos avaliar as diferentes funções e, conseqüentemente, a integridade ou não das respecti- vas conexões nervosas. Como já foi salientado, a exeqüibilidade in vivo da correlação clínico-ana- tômica é peculiar ao exame neurológico. Vem sendo sedimentada há mais de um século e, em vez de superada pela mais recente tecnologia diagnóstica, vem sendo exigida e reforçada por esta. Assim, o exame clínico continua a obrigar os neurologistas a estarem quotidianamente atualizados com a anato- mia funcional do sistema nervoso. De fato, excetuando-se a extremidade periférica do nervo óptico visível ao oftalmoscópio e os troncos de alguns nervos periféricos acessíveis à palpação, as estruturas do sistema nervoso são inacessíveis à observação direta em virtude de estarem protegidas pelo estojo crânio-vertebral. Assim, os recursos clínicos indiretos utilizados no exame neurológico para se chegar a precisar alterações anatômicas internas dão a este capítulo da semiologia médica elegância incomparável exatamente por alcançar estruturas inatingíveis, mas com notável objetividade. De fato, o exame neurológico avalia as funções das estruturas e não as estruturas. Ele explora, por exemplo, a função motora voluntária e não a via motora voluntá- ria, investiga as funções neurais da extremidade cefálica e não os nervos cranianos. Em suma, na sistematização do exame, percorremos cada função referen- te a cada estrutura, com o objetivo de evidenciar para cada uma sua integri- dade ou sua eventual alteração. 9Capítulo 1 ¿ INTRODUÇÃO
  • 11. São as seguintes as funções neurológicas investigadas na observação clínica: ¡ Motoras. ¡ Sensitivas. ¡ Sensoriais. ¡ Superiores. O exame neurológico clássico enfoca isoladamente os nervos cranianos, mas, do ponto de vista funcional, seria mais lógico fazê-lo com as funções neu- rais próprias da extremidade cefálica. Assim, o exame neurológico deve ser feito segundo a seguinte sistemática: ¡ Motricidade do tronco e dos membros. ¡ Sensibilidade do tronco e dos membros. ¡ Funções da extremidade cefálica. ¡ Funções superiores. Quando o paciente manifestar sinal de coma, torna-se indispensável bem caracterizar este diagnóstico antes de avaliar seletivamente as demais funções. Daí ser necessário que o exame do coma em si preceda os demais aspectos do exame neurológico. Tal é o plano geral da exploração das funções neurológicas. Passemos, então, à análise pormenorizada de cada uma, de acordo com a seguinte seqüência. ¡ Conceito de função. ¡ Exploração da função, com definição da resposta normal. ¡ Anatomia funcional dos centros e vias, aplicada ao raciocínio clínico e con- seqüentemente ao diagnóstico topográfico. Essas são as bases da semiologia do sistema nervoso e de sua compreen- são fisiopatológica. 10 INTRODUÇÃO
  • 12. Capítulo 2 Anamnese Da mesma forma que para as demais especialidades, a anamnese é de fun- damental importância em neurologia. Assim, a reconhecida relevância do exame físico neurológico não deve de modo algum diminuir o valor da anamnese. O diagnóstico resulta da consistência entre a anamnese, o exame físico e os exames complementares. Em muitos exemplos, a anamnese bem-feita possi- bilita a formulação do diagnóstico provável, antes mesmo do início do exame físico. Quando associada a um exame físico preciso, permitirá, na maioria dos casos, o diagnóstico correto. A anamnese nunca deverá ser procedimento burocrático, mas processo ativo durante o qual as hipóteses sobre lesões e disfunções são formuladas e reformuladas de mente aberta. Na coleta de informações não há pormenor de maior ou menor relevância. Nas três dimensões do espaço diagnóstico – o paciente, a doença e as circunstâncias epidemiológicas – cada indício deve concorrer e ser aproveitado para o raciocínio clínico. Neste aproveitamento tornam-se decisivos os conhecimentos prévios de anatomia e de fisiopato- logia, tanto quanto a cultura clínica do examinador. Na anamnese, o paciente (ou seu acompanhante) é interrogado sobre a história da moléstia atual, antecedentes pessoais e antecedentes familiares. HISTÓRIA DA MOLÉSTIA ATUAL Não apenas a queixa principal, mas cada uma das que o próprio paciente con- sidera relacionadas à sua moléstia atual devem ser pormenorizadas conforme suas características: localização, duração, intensidade, freqüência, tipo, fato- res que desencadeiam, agravam ou atenuam e manifestações associadas. 11
  • 13. ■ Localização É o local do corpo onde o paciente define ou julga localizar-se algo de anor- mal. Se possível, solicitar que ele aponte com o dedo esse local. ■ Duração É o tempo decorrido a partir da data ou época aproximada do surgimento do sintoma ou sinal. ■ Intensidade Os sintomas ou os sinais podem em geral ser quantificados em graus, por exemplo: forte, médio ou fraco. Ressalta-se que existem escalas próprias para a quantificação de determinados sinais e sintomas, como escalas analógicas de dor, escala de força muscular. Para maior clareza, devem indicar-se entre parênteses os limites da escala empregada. Por exemplo: fraqueza muscular grau 4 (escala de 0 a 5 do Medical Research Council). ■ Freqüência Anotar se o sintoma ou o sinal apresenta tendência à diminuição ou ao desa- parecimento espontâneo e se os intervalos respectivos são regulares ou não, prolongados ou não. A febre, especialmente a causada pela malária, é o exem- plo tradicional de manifestação a intervalos. Os adjetivos clássicos de freqüên- cia são: intermitente, a manifestação desaparece e reaparece periodicamente ao longo da mesma doença; remitente, diminui sem desaparecer, recorrente (ou recidivante) desaparece e reaparece como se fosse nova doença. Por causa do uso impreciso, tais termos classificatórios devem ser substituídos por descri- ção específica da freqüência do sintoma ou do sinal, se possível quantificada. ■ Tipo ou peculiaridade Deixar que o paciente descreva o tipo, o aspecto peculiar ou a qualidade que atribui à manifestação em pauta. ■ Fatores desencadeantes, agravantes ou atenuantes Quais são os fatores que o paciente aponta espontaneamente como capazes de provocar, agravar ou melhorar a manifestação clínica descrita. Caso não aponte, pode-se mencionar diretamente um ou mais fatores específicos, no caso de o clínico necessitar saber se, de fato, estão ausentes. Incluem-se aqui as medicações ou recursos físicos e dietéticos eventualmente utilizados. ■ Manifestações associadas Quais são outras manifestações subjetivas ou objetivas que acompanham sem- pre ou ocasionalmente o sintoma ou o sinal que está sendo caracterizado. 12 ANAMNESE
  • 14. Em neurologia, tem grande valor caracterizar o tempo de aparecimento de sintomas e sinais. Os eventos vasculares cerebrais iniciam-se tipicamente de forma aguda. É interessante comentar que os sinais decorrentes de embo- lias e hemorragias instalam-se em segundos ou minutos, e que, nas trombo- ses cerebrais, podem evoluir em algumas horas, assumindo caráter progres- sivo. Nos acidentes isquêmicos transitórios (AIT) ocorrem manifestações sensitivo-motoras fugazes em horas, que podem prenunciar déficits definiti- vos. O início agudo pode ocorrer também em processos traumáticos, inflamatórios e/ou infecciosos, como na meningite e na encefalite viral. Outras doenças iniciam-se de modo lento e gradual, como as tóxico-me- tabólicas, as degenerativas e as expansivas ou tumorais. Nestas, entretanto, a evolução pode assumir caráter súbito por hemorragia interna da lesão. Entre todas, as doenças degenerativas apresentam a evolução mais lenta. É também conveniente determinar o caráter evolutivo do quadro clínico, se progressivo ou regressivo. No progressivo importa determinar se a pro- gressão é uniforme ou se ocorre com estabilizações variáveis seguidas por progressão subseqüente. As doenças degenerativas e neoplásicas têm evolu- ção gradual e progressiva. A evolução fulminante pode ser observada em infecções e em síndromes tóxico-metabólicas. A evolução recidivante, com graus variáveis de resolução, pode ser observada em síndromes trombo-oclu- sivas dos grandes vasos encefálicos (carótidas e basilar). Na esclerose múlti- pla é típica a evolução remitente e recidivante. As neoplasias e os acometi- mentos vasculares exibem quadros focais, ao passo que as síndromes tóxi- co-metabólicas e as infecções geralmente se manifestam difusamente. Ao relatar a doença atual o paciente pode omitir dados diretamente rela- cionados à mesma. Por causa disso, pode ser importante auxiliá-lo, lembran- do-lhe especialmente aqueles ligados às disfunções nervosas. A seguir analisaremos os sintomas e os sinais mais freqüentemente relata- dos por pacientes de doenças neurológicas: ¡ Dor. ¡ Crises epilépticas. ¡ Distúrbios do movimento. ¡ Parestesias. ¡ Vertigem. ¡ Distúrbios visuais. ¡ Distúrbios auditivos. ¡ Distúrbios de outros nervos cranianos. ¡ Alterações da linguagem. ¡ Alterações da consciência. ¡ Sintomas e sinais viscerais. ¡ Perturbação mental. 13Capítulo 2 ¿ ANAMNESE
  • 15. ■ Dor É a sensação desagradável e a respectiva conotação emocional resultante de lesão real, potencial ou virtual ao corpo do indivíduo. Deve ser caracterizada conforme os itens antes indicados para qualquer sinal ou sintoma, sendo importante a irradiação entre as peculiaridades a serem apontadas. Outra é a adjetivação que o paciente lhe pode conferir. De fato, diferentes pacientes des- crevem de forma semelhante a dor de mesma origem. Por outro lado, cada in- divíduo apresenta tolerância, colorido e conotação emocional diferentes à mesma dor, influindo aí o respectivo passado educacional e cultural. Outra peculiaridade da dor é poder apresentar-se como dor referida, ou seja, de estar sendo percebida fora do lugar onde é produzida. Sendo a primeira entre as manifestações cardeais de doença, a dor é o sintoma por excelência e, como tal, inteiramente subjetivo. Como já mencio- nado, mesmo considerando sua subjetividade, o examinador deve procurar quantificá-la. Com o advento de clínicas especializadas no tratamento da dor, as classificações adjetivas vêm sido substituídas por escalas analógicas desti- nadas a acompanhar numericamente o efeito do tratamento. Consiste em uma linha de 10 cm, dividida em milímetros, sendo que no lado esquerdo está escrito: “Não sinto dor alguma” e, no lado direito, “Minha dor não pode ser pior”. Não sinto dor alguma 10 Minha dor não pode ser pior A escala é apresentada ao paciente para que marque o ponto correspon- dente a sua dor, no momento da pergunta. A distância da marca, em milíme- tros a partir do lado esquerdo, é denominada escore de dor. As medidas podem ser repetidas várias vezes ao dia ou em períodos maiores, ao longo do tratamento. Na literatura médica clássica, as dores mais intensas recebem adjetivos mais ou menos exclusivos das respectivas causas como, por exemplo, dor terebrante da tabes dorsalis, dor fulgurante da nevralgia trigêmea, dor lanci- nante do herpes zoster. A adjetivação mais freqüentemente realizada pelo paciente consiste em: surda, profunda, em queimação, em cólica, em ponta- da, pulsátil, latejante, urente, ardente e urticante, cujos significados são os mesmos da linguagem vulgar. Em relatos clínicos, no entanto, empregam-se: hipoestesia (redução da sensibilidade), anestesia (perda da sensibilidade), hiperestesia (aumento da sensibilidade), alodinia (sensação patológica de dor frente a estímulo previamente não doloroso), disestesia (alteração da qualida- de da sensação). A seguir apresentamos a definição dos principais quadros dolorosos em neurologia. 14 ANAMNESE
  • 16. Dor por neuropatia periférica Dor constante ou intermitente, em queimação, de localização distal, em virtu- de de acometimentos focais ou difusos dos nervos periféricos. Dor do coto do membro amputado Dor na extremidade da porção amputada de um membro. É geralmente em pontada e agravada por pressão sobre o local. A dor pode ser provocada, ao se percutir o neuroma produzido pela seção nervosa. Dor fantasma Dor referida a um segmento amputado, que não mais existe. Causalgia Dor em queimação, usualmente na mão ou no pé, determinada por lesão par- cial de um nervo, mais comumente o mediano, o ciático, o tibial ou o ulnar. Associa-se à hipersensibilidade cutânea e à hiperatividade simpática (hipoter- mia, rubor e sudorese) na área parcialmente desnervada. Distrofia simpática reflexa Dor contínua, em queimação, após trauma em extremidade, associada à hipe- ratividade simpática. Neuralgia do trigêmeo Dor em pontada, repentina, breve, intensa e recorrente na área inervada por um ou mais ramos do trigêmeo. Neuralgia geniculada Dor lancinante localizada profundamente na orelha externa, produzida por herpes zoster. Neuralgia do glossofaríngeo Dor em pontada, rápida e intensa na área inervada pelo glossofaríngeo (tonsi- la e orelha). Dor facial atípica Dor na face que não pode ser atribuída a alterações de estruturas cranianas, como na disfunção da articulação temporomandibular, sendo comumente de caráter constante, profundo e inespecífico, e associada a transtornos psiquiá- tricos, como transtornos ansiosos, depressivos e somatoformes. 15Capítulo 2 ¿ ANAMNESE
  • 17. Neuralgia occipital Dor profunda, contínua ou em surtos, na área de inervação de C2 (região occi- pital). Cefaléia tensional Dor de cabeça geralmente de leve a moderada intensidade, holocraniana ou em “faixa”, tipo constritiva ou em “aperto”, de duração variável, mas pode assumir caráter persistente. Enxaqueca ou migrânea Cefaléia de forte intensidade, unilateral, pulsátil, acompanhada de náusea, vômitos, fotofobia ou fonofobia, podendo ser precedida de aura (fenômeno neurológico transitório, comumente sob a forma de alteração de campo visu- al, cintilações, espectro de fortificação). Cefaléia pós-traumática Cefaléia difusa, contínua, acompanhada de alterações psíquicas (irritabilida- de, dificuldade de concentração e depressão), após trauma craniano. Cefaléia pós-punção raquidiana Cefaléia que ocorre após punção lombar propedêutica ou em procedimentos anestésico-cirúrgicos, sendo comumente holocraniana, de forte intensidade, exacerbada pela posição ereta e aliviada pela postura em decúbito. Dor central Dor difusa e unilateral, geralmente em queimação, com hipoestesia, diseste- sia e outras alterações neurológicas, por exemplo, motoras, na mesma área. As mais freqüentes são a dor talâmica e a dor disestésica dos membros inferio- res em pacientes paraplégicos. Síndrome de disfunção da articulação temporomandibular Dor crônica na respectiva região associada à dor que se irradia ocasionalmen- te para a orelha e pescoço, sendo agravadas pela mastigação. Cervicobraquialgia Dor na região cervical irradiando-se para o membro superior, que se agrava com a tosse e com a movimentação do pescoço. Os dermátomos mais acome- tidos são os das raízes C6 e C7. Podem ser resultantes de hérnia do disco intervertebral. 16 ANAMNESE
  • 18. Síndrome do túnel do carpo Dor e parestesias (formigamento ou ardência), geralmente noturnas, na área da mão inervada pelo nervo mediano. É causada pela compressão deste nervo no túnel carpal. Meralgia parestésica Hipoestesia e dor disestésica na porção superior da face ântero-lateral da coxa, produzida pela compressão do nervo cutâneo femoral lateral. Neuralgia plantar interdigital (neuroma de Morton) Dor em queimação, com hiperestesia e parestesias, no terceiro e quarto podo- dáctilos. Agrava-se à deambulação e ao uso de sapatos apertados. Ocorre quando o nervo interdigital é comprimido pelas cabeças metatársicas ou pelo ligamento társico transverso. Dor lombociática Dor na região lombar, com irradiação para o membro inferior homolateral, resultante comumente de lesão das raízes lombares e sacrais. ■ Crise epiléptica A crise epiléptica pode ser definida como a manifestação clínica resultante da atividade elétrica cerebral patológica sincronizada. No passado, as crises epi- lépticas eram também denominadas “convulsões”. Entretanto, o termo “con- vulsão” vem sendo abandonado, pois, além de designar apenas parte das cri- ses marcadas por atividade motora involuntária, é empregado de forma equivocada pelo leigo para eventos não-epilépticos. As crises generalizadas envolvem desde o início ambos os hemisférios cerebrais, sendo classificadas em tônico-clônicas (“grande mal”), clônicas, tônicas, ausências (“pequeno mal”), mioclônicas, atônicas e reflexas. A crise tônico-clônica generalizada (CTCG) é a forma mais conhecida em virtude da dramaticidade de sua apresentação, que se caracteriza por perda súbita da consciência com contração tônica, seguida de contração clônica dos mem- bros, apnéia, salivação e liberação esfincteriana. As crises parciais podem evoluir com generalização secundária, princi- palmente sob a forma de CTCG. Isso significa que a ocorrência de CTCG não garante que a epilepsia do paciente seja primariamente generalizada, sendo necessária investigação de sinais ou sintomas premonitórios sugestivos de aura ou crise parcial. Para o diagnóstico preciso das crises, a anamnese adquire especial im- portância. As informações fornecidas por familiares ou acompanhantes são indispensáveis, quando o médico não presencia o episódio epiléptico. A 17Capítulo 2 ¿ ANAMNESE
  • 19. anamnese, então, deve ser criteriosa, sendo útil um esquema abrangente e prático, como o seguinte: ¡ Pródromos. ¡ Fatores precipitantes. ¡ Aura. ¡ Componentes da crise. ¡ Duração. ¡ Fenômenos pós-ictais. ¡ Freqüência. ¡ Medicamentos. Pródromos Não ocorrem em todos os pacientes. Antecedem em dias ou horas a crise. O indivíduo muda seu comportamento, apresentando-se em geral angustiado. No caso de crianças, procuram as mães, com reações de medo, indisposição, cefaléia ou outra queixa. Fatores precipitantes As crises podem ser espontâneas ou precipitadas por fatores sensoriais, emo- cionais, tóxicos, metabólicos ou ainda por supressão ou troca de medicação. A precipitação sensorial ocorre na chamada epilepsia reflexa, mais comumente ao estímulo luminoso intermitente. Aura Trata-se daquele sintoma e/ou sinal percebido pelo paciente como anuncia- dor da crise. Trata-se de elemento diagnóstico valioso quando ocorre, pois ajuda a indicar a provável área de origem cerebral da manifestação, corres- pondendo a uma crise parcial. A aura tem, portanto, valor localizatório. Po- de-se traduzir sob a forma de alucinações auditivas, visuais, olfativas ou gusta- tivas, ou em afasias, parestesias e fenômenos motores em determinada parte do corpo. Componentes da crise A descrição da evolução da crise, desde o início até o término, deverá ser ano- tada com precisão. Nas epilepsias parciais motoras, por exemplo, é importan- te registrar em qual membro se iniciam os movimentos involuntários e como se dá a propagação destes para outras partes do corpo (crises jacksonianas), como se dá a seqüência das contrações tônicas e/ou clônicas, se há a presença ou não de incontinência urinária ou fecal, a presença ou não de modificação da consciência. 18 ANAMNESE
  • 20. Duração A duração de cada crise deverá ser anotada, pois crises generalizadas ou parci- ais de longa duração podem evoluir para status epilepticus ou produzir paralisi- as prolongadas nos membros acometidos (paralisia de Todd). Fenômenos pós-ictais São manifestações diversas que ocorrem após a crise, incluindo alterações do nível de consciência (confusão pós-ictal), cefaléia, vômitos, dores generaliza- das e paralisias. Freqüência Deverá ser anotada a freqüência das crises, com os intervalos máximo e míni- mo e a data da primeira e a da última. As crises podem ser isoladas, como as crises febris na infância, e podem ser repetidas aleatória ou ciclicamente, nes- te caso, relacionadas aos ciclos menstrual, da vigília e do sono e à gravidez. As crises podem ainda ser subentrantes ou muito prolongadas, quando se deno- minam status epilepticus. Medicamentos Os medicamentos administrados, como fenobarbital, carbamazepina, fenitoí- na, ácido valpróico, e as respectivas doses devem ser minuciosamente anota- dos. Muitas crises decorrem da brusca interrupção do anticonvulsivante ou de doses inadequadas ou ainda da troca inadequada de medicação. ■ Distúrbios do movimento Incluem, em sentido estrito, as alterações involuntárias do movimento, por- tanto, ocorrem comumente na ausência de fraqueza muscular. São as manifes- tações hipocinéticas, como a síndrome parkinsoniana, as hipercinéticas, co- mo coréia, distonia e estereotipias. ■ Parestesias São sensações desagradáveis descritas como formigamento, picadas, dor- mência e ardência. Indicam geralmente a lesão de nervos sensitivos periféri- cos ou de raízes posteriores. As parestesias também devem ser caracterizadas conforme já indicado. ■ Vertigem É a perda da percepção cinestésica (do movimento) da relação entre o indiví- duo e o espaço circundante. Pode manifestar-se como sensação subjetiva vaga ou como sensação clara, mas ilusória de deslocamento do ambiente. O paciente se queixa de insegurança quanto a seu equilíbrio corporal, chegando à queda, 19Capítulo 2 ¿ ANAMNESE
  • 21. ou apenas sentindo o deslocamento linear ou rotatório dos objetos de referên- cia. É importante a distinção que se faz entre vertigem objetiva e subjetiva. A objetiva refere-se à rotação do próprio corpo. A subjetiva refere-se ao desloca- mentode objetos doambiente. As vertigens geralmente traduzem disfunçãodo sistema vestibular, mas podem também significar aura migranosa. ■ Distúrbios visuais Várias síndromes neurológicas podem incluir queixas de diminuição da acui- dade visual, alterações do campo visual (escotomas fixos, hemianopsias, qua- drantopsias), diplopia e alucinações visuais. A diminuição da acuidade visual poderá ser uni ou bilateral, de instalação súbita ou progressiva, ocorrendo, por exemplo, nas neurites ópticas, atrofias ópticas primárias e edema de papi- la. A amaurose unilateral súbita (amaurose fugaz) pode indicar embolia da ar- téria central da retina, insuficiência arterial carotídea homolateral ou enxa- queca. As alterações do campo visual indicam lesão da via óptica no trajeto da retina ao córtex occipital. Já a diplopia, que é resultante da alteração da movi- mentação ocular extrínseca, pode levar o paciente a fechar um dos olhos para eliminar a imagem dupla. As alucinações visuais podem manifestar-se como aura epiléptica, indicando o foco occipital. ■ Distúrbios auditivos Manifestam-se por zumbidos, diminuição da acuidade auditiva e alucinações auditivas. ■ Distúrbios de outros nervos cranianos Incluem: distúrbios do olfato e do paladar, sialorréia, lacrimejamento; parali- sia da face; disartria; disfagia e regurgitação. ■ Alterações da linguagem Incluem as afasias, ou seja, distúrbios da compreensão e da expressão da lin- guagem falada e escrita. ■ Alterações da consciência Para cada paciente em estado de coma, que é a perda completa da consciên- cia, é fundamental determinar seu modo de instalação. Esta perda pode ter sido súbita (acidente vascular cerebral, epilepsia), relativamente rápida (into- xicação exógena) ou gradual (lesões expansivas intracranianas, distúrbios metabólicos). Outro ponto relevante é determinar o grau de comprometi- mento da consciência, o que pode ser efetuado pela Escala de Coma de Glas- gow (ver Capítulo 8: Exame Neurológico do Paciente em Coma). 20 ANAMNESE
  • 22. ■ Sintomas e sinais autonômicos Resultam de lesão ou disfunção do sistema nervoso autônomo e consistem em alterações da deglutição, das peristalses esofágica, gástrica e intestinal, da defecação, da micção, da potência sexual, da sudorese e distúrbios vasomoto- res. ■ Alteração do estado mental As manifestações de alteração mental envolvem as seguintes funções cere- brais. Consciência É a capacidade de responder a estímulos externos mediados pelo cérebro, isto é, a manifestação de contato psíquico com o ambiente. A resposta a tais estí- mulos pode diminuir em vários níveis até a plena inconsciência, que caracteri- za o coma. Orientação É a capacidade de estar orientado quanto à própria pessoa e quanto ao tempo e ao espaço. A desorientação é síndrome freqüente em quadros psicorgânicos (sendo denominada confusão mental ou delirium), mas pode ocorrer em pacientes psicóticos. Atenção É a capacidade psíquica para notar, focalizar, selecionar e realçar objetos e movimentos, entre vários percebidos. A diminuição da atenção espontânea ou hipovigilância caracteriza-se pela menor capacidade de estar atento ao mundo circundante. Memória É a capacidade para acumular e reter informações percebidas. A hipomnésia ou amnésia de fixação, relacionada a fatos recentes, é a diminuição da capaci- dade ou a plena incapacidade para reter informações novas. A amnésia de evocação, relacionada a fatos remotos, é a diminuição da capacidade ou a ple- na incapacidade para evocar recordações. Senso-percepção Os estímulos que atingem a consciência geram a sensação, e esta, elaborada intelectualmente, inclusive com a participação da memória, determina a per- cepção. 21Capítulo 2 ¿ ANAMNESE
  • 23. O processo da percepção pode ser esquematizado da seguinte forma. As alterações do senso-percepção são as ilusões e as alucinações. As ilu- sões são deturpações perceptivas de objetos reais. As alucinações são percep- ções de objetos não existentes. No delirium tremens, ocorrem alucinações visu- ais de animais (zoopsias). Nas auras epilépticas são freqüentes alucinações olfativas e gustativas desagradáveis. Outro tipo de alucinação é a hemiasso- matognosia, caracterizada pela não percepção, por parte do paciente, da metade corporal contralateral ao lobo parietal do hemisfério não dominante (usualmente hemisfério direito) lesionado. Outra alucinação corporal é a co- nhecida como membro fantasma, quando o paciente continua percebendo o membro amputado. O uso crescente de substâncias e medicamentos alucinó- genos, bem como seu significado antropológico na história da medicina reve- lam a importância desta função mental. Pensamento Inclui a atividade psíquica completa, desde a percepção até a linguagem, ou seja, a formulação de idéias ou ideação. Entre as várias alterações do pensa- mento, sobressaem-se as idéias delirantes, que são caracterizadas por inter- pretações novas e anômalas da realidade. Inteligência É a capacidade para adaptar-se a novas situações vivenciais, ou seja, para resol- ver problemas em geral. A diminuição da inteligência, abaixo das variações consideradas normais, denomina-se oligofrenia. Várias doenças impedem o desenvolvimento intelectual no tempo certo, causando retardo mental. As psi- coses também tendem a comprometer quantitativa e qualitativamente a inteli- gência. A demência ocorre quando há a diminuição de um grau de inteligên- cia já alcançado, ao lado da diminuição semelhante da memória e de outras funções psíquicas, em conseqüência de lesão cerebral difusa. 22 ANAMNESE Elaboração Intelectual MemóriaSensação Percepção Consciência Impulso Nervoso Estímulo
  • 24. ANTECEDENTES PESSOAIS Os antecedentes pessoais referem-se a informações sobre a saúde do paciente antes da doença atual. Anotam-se os antecedentes fisiológicos e patológicos desde o período pré-natal até o momento atual. Interroga-se inicialmente sobre as condições da gestação, procurando identificar possíveis traumas, infecções, intoxicações e outras condições que possam ter acometido a mãe do paciente. As infecções viróticas maternas, especialmente a rubéola adqui- rida nos três primeiros meses de gestação, são causas importantes de malfor- mações fetais ou retardo mental. A toxoplasmose materna é causa freqüente de calcificações cerebrais, epilepsias e retardo mental. A incompatibilidade materno-fetal pelo fator Rh pode determinar a eritroblastose fetal com complicações neurológicas. O tempo de gestação (parto prematuro ou a termo), a duração e a nature- za do parto e as condições da criança ao nascer devem ser anotados. Quanto ao parto, deve-se interrogar se foi a termo, rápido e eutócico, se foi aplicado fórceps ou realizada cesariana. Investigam-se possíveis traumas, icterícia, cia- nose, insuficiência respiratória, lesão circular de cordão, cefaloematoma e convulsões. O parto prolongado, o uso inadequado de fórceps e qualquer outro fator que determine sofrimento fetal ou hipoxia neonatal podem resul- tar em deficiência mental, epilepsia ou outras conseqüências neurológicas, como a paralisia cerebral. O termo paralisia cerebral, apesar de inadequado, é de uso consagrado para a síndrome composta de paralisias espásticas, inco- ordenação muscular e movimentos corporais anormais, sem necessariamen- te estar associado a alterações do nível de inteligência. Não se pode omitir da anamnese o desenvolvimento psicomotor. A seguir, apresentamos o resumo da evolução, por grupo de funções, das atividades voluntárias e reflexas primitivas do lactente normal. ■ Linguagem Lalação Início no segundo mês e desaparecimento ao fim do décimo primeiro mês. Primeiras palavras Início no oitavo mês. ■ Postura e equilíbrio Sustentação incompleta da cabeça Início no segundo mês e término no quarto mês. 23Capítulo 2 ¿ ANAMNESE
  • 25. Sustentação completa da cabeça Atingida no quinto mês. Sentar com apoio Início no quinto mês. Sentar sem apoio Início no sexto mês, com estabilização no nono mês. Em pé com apoio Início no quinto mês, com estabilização no décimo mês. Em pé sem apoio Início no décimo primeiro mês. ■ Locomoção Engatinhar Início no oitavo mês. Marcha voluntária com apoio Início no quinto mês. Marcha voluntária sem apoio Início no décimo primeiro mês. ■ Preensão voluntária Preensão palmar Início no quarto mês, com término no décimo primeiro mês. Preensão em pinça Início no sétimo mês com estabilização no nono mês. ■ Tônus muscular Tônus flexor Hipertonia geral em flexão, ao nascimento, que começa a reduzir-se no quin- to mês e desaparece no oitavo mês. 24 ANAMNESE
  • 26. Hipotonia fisiológica ou tônus normal para a idade Inicia-se no quinto mês com estabilização do tônus normal para a idade no sétimo mês. ■ Atividades reflexas primitivas Sucção reflexa Presente desde o nascimento, desaparecendo no oitavo mês. Preensão reflexa dos dedos Presente desde o nascimento, com desaparecimento no oitavo mês. Preensão reflexa dos pododáctilos Presente desde o nascimento com desaparecimento no décimo segundo mês. Reflexo de Monro Presente desde o nascimento com desaparecimento no sexto mês. Marcha reflexa Presente desde o nascimento com desaparecimento no quarto mês. Reflexo cutaneoplantar em extensão (sinal de Babinski) Presente desde o nascimento; inconstante a partir do sexto mês; inicia-se a res- posta em flexão no nono mês; predomina o reflexo cutaneoplantar em fle- xão no décimo segundo mês. ■ Movimentos oculares Prova dos olhos de boneca Presente ao nascimento, com desaparecimento no terceiro mês. Acompanhar estímulo luminoso em várias direções Inicia-se no primeiro mês e está presente em 100% das crianças a partir do quinto mês. Após os antecedentes fisiológicos, pesquisam-se os antecedentes mórbi- dos pessoais. Procuramos identificar, de preferência, doenças que compro- metam o sistema nervoso, como meningites, encefalites, tuberculose, sífilis, doença de Chagas, diabetes mellitus, cisticercose, esquistossomose, hiperten- são arterial, traumas cranioencefálico e raquimedular, alcoolismo e intoxica- ções exógenas. As viroses da infância, especialmente o sarampo, a caxumba e a varicela, inclusive as respectivas vacinas, podem determinar encefalites 25Capítulo 2 ¿ ANAMNESE
  • 27. com seqüelas importantes. As tonsilites repetidas por estreptococos podem ocasionar a coréia reumática. A sífilis pode comprometer o sistema nervoso central sob as formas meningovascular (meningite, meningoencefalite, meningoencefalomielite) e parenquimatosa (tabes dorsalis e paralisia geral progressiva). O comprometimento ocorre na fase terciária da sífilis, geral- mente vários anos após a primoinfecção. A doença de Chagas, na forma agu- da, pode causar meningoencefalite e, na forma crônica, além de alterações do sistema nervoso autônomo do esôfago, cólon e coração, pode estar associ- ada a acidentes vasculares encefálicos. Crises epilépticas que surgem na ida- de adulta exigem a investigação de causas secundárias, incluindo a neurocis- ticercose. Em área endêmica de esquistossomose, pode ocorrer a lesão medular desta infecção. Animais peçonhentos também causam síndromes neurológicas. O abuso do álcool atinge o sistema nervoso, podendo causar: degeneração crônica das células do cerebelo, com incoordenação motora (ataxia) e distúrbios da marcha; polineuropatias periféricas em virtude da hipovitaminose B associada; delirium tremens; e outras alterações neurológi- cas e psiquiátricas, diretas ou indiretas, como quedas e acidentes automobi- lísticos. Entre as intoxicações medicamentosas são de importância neurológi- ca as provocadas por anticonvulsivantes e neurolépticos. Os anticoncepcio- nais podem ser responsáveis por cefaléias crônicas e tromboses cerebrais. Entre outras substâncias exógenas, as dependências químicas (cocaína, crack, ecstasy, MDMA) são de crescente relevância pela disseminação e pelo poten- cial devastador individual e social, assim como as intoxicações com venenos domésticos, agroveterinários e industriais, dos quais vários são neurotóxicos, pela freqüência de eventos. O trauma cranioencefálico exige atenção cuidadosa na anamnese neuro- lógica. Traumatismos aparentemente insignificantes, especialmente em ido- sos e alcoólatras, podem romper as veias da ponte do espaço subdural, com formação de hematoma subdural crônico, o qual vai manifestar-se entre um e três meses após o acidente. A lesão cranioencefálica, especialmente aquela com perda da consciência, pode determinar crises epilépticas pós-traumáti- cas. Síndromes medulares e/ou radiculares podem ser explicadas por trau- mas raquimedulares revelados pela anamnese ANTECEDENTES FAMILIARES Os antecedentes familiares (ou história familiar) permitem identificar doen- ças adquiridas por via genética, por via congênita (por exemplo, toxoplasmo- se, infecção pelo HIV) ou pela convivência em um mesmo ambiente só- cio-econômico-cultural, portanto, com suscetibilidade a fatores de risco seme- lhantes. 26 ANAMNESE
  • 28. Nos últimos anos, houve um enorme avanço na descrição e no entendi- mento de várias doenças genéticas em neurologia. Assim, doenças considera- das homogêneas, do ponto de vista genético, foram subclassificadas confor- me a identificação de distintos padrões de herança. Por exemplo, na ataxia de Friedreich, embora o padrão de transmissão da doença mais comum seja o autossômico recessivo, reconhecem-se casos autossômicos dominantes. Na doença de Charcot-Marie-Tooth (ou neuropatia hereditária sensorimotora), foram descritos três padrões de herança: autossômico dominante, autossômi- co recessivo e ligado ao cromossoma X. Como exemplos de doenças com transmissão genética autossômica dominante, destacamos a doença de Hun- tington (caracterizada pela presença de coréia e demência), a distrofia miotô- nica de Steynert e a miotonia congênita de Thomsen. As doenças de Werd- nig-Hoffmann (atrofia muscular espinhal infantil) e de Kugelberg-Welander (amiotrofia muscular espinhal juvenil) são exemplos de doenças autossômi- cas recessivas. 27Capítulo 2 ¿ ANAMNESE
  • 29.
  • 30. Capítulo 3 Motricidade do Tronco e Membros Classicamente, a motricidade era dividida em reflexa, automática e volun- tária, sendo o sistema piramidal responsável pela motricidade voluntária, o extrapiramidal pela automática, enquanto a motricidade reflexa seria inte- grada pelo sistema nervoso segmentar. Essa divisão, entretanto, é muito esquemática, pois sabemos que qualquer movimento é fenômeno complexo que coloca em jogo vários músculos, sendo integrado em vários níveis, e cujo desfecho acontece na via motora comum. A dicotomia piramidal-extrapirami- dal é também bastante discutível dos pontos de vista anatômico e funcional. Apesar disso, apresenta significativo valor heurístico na prática neurológica. As alterações da motricidade manifestam-se por dois tipos de sinais: 1. Primários ou diretos, conseqüentes à lesão. São geralmente negativos e traduzem perda da função: paralisia, arreflexia, hipotonia e acinesia. Em alguns casos podem ocorrer sinais positivos, como nas crises epilépticas parciais Bravais-Jacksonianas, produzidas por irritação do córtex motor. 2. Secundários ou indiretos, geralmente positivos. São conseqüentes à liberação de centros motores associados (doutrina da subordinação dos centros nervosos de Hughlings Jackson). Os principais exemplos são: hiper-reflexia, espasticidade e hipercinesias. O exame da função motora compreende: ¡ A motricidade voluntária. ¡ A motricidade automática. ¡ O tônus e reflexos musculares. ¡ A coordenação motora. ¡ O equilíbrio. 29
  • 31. MOTRICIDADE VOLUNTÁRIA ■ Conceito É a motricidade proposicional. Classicamente esta motricidade, conduzida pela via piramidal, diferencia-se da motricidade automática, conduzida pelas vias extrapiramidais. É também considerada como motricidade mais elabora- da, responsável pelas possibilidades gestuais, sofisticadas, dos mamíferos su- periores, enquanto a motricidade automática seria primitiva, de base ou glo- bal, própria dos vertebrados não-mamíferos. ■ Exame Movimentos espontâneos ou ativos Solicita-se ao paciente que realize os movimentos próprios dos diferentes seg- mentos do corpo. Força muscular segmentar Solicita-se ao paciente que execute determinado movimento contra a resistên- cia oferecida pelo examinador. Deverão ser testados os diversos grupos musculares. O Quadro 3-1 mostra a inervação, as raízes e as funções dos músculos mais freqüentemente testados. Nas Figuras 3-1 a 3-32 está esquematizado o teste dos principais músculos. No caso de déficit motor, procuramos quantificá-lo usando a seguinte escala do Medical Research Council: 5 — força muscular normal. 4 — movimento com capacidade de vencer uma resistência. 3 — movimento capaz de vencer a força da gravidade. 2 — movimento possível após eliminação da ação da gravidade. 1 — fraca contração muscular sem deslocamento de segmento. 0 — ausência de contração muscular. Manobras de sensibilização ou para testar déficits ¡ Manobra dos braços estendidos: os membros superiores são colocados em posição horizontal (“posição de juramento”). Em caso de déficit motor, o membro apresenta oscilações e tende a abduzir e cair progressivamente (Fig. 3-33). ¡ Manobra de Mingazzini: paciente em decúbito dorsal, com as pernas fletidas em ângulo reto sobre as coxas e estas sobre a bacia (Fig. 3-34A). Em caso de déficit, ocorre queda progressiva da perna (déficit do quadríceps), da coxa (déficit do psoas) ou de ambos os segmentos. 30 MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS
  • 32. 31Capítulo 3 ¿ MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS Quadro 3-1. Função Músculos Raízes 1. Nervo axilar Elevação lateral (abdução) do braço Deltóide C5-C6 2. Nervo musculocutâneo Flexão e supinação do antebraço Bíceps braquial C5-C6 Flexão do antebraço Braquial C5-C6 3. Nervo mediano Flexão e desvio radial da mão Flexor radial do carpo C6-C7 Pronação do antebraço Pronador redondo C6-C7 Flexão do punho Longo palmar C7-T1 Flexão das segundas falanges dos dedos Flexor superficial dos dedos C7-T1 Flexão da falange terminal do polegar Flexor longo do polegar C7-C8 Flexão das falanges terminais Flexor profundo dos dedos II e III C7-T1 Abdução do polegar Abdutor curto do polegar C8-T1 Flexão da 1ª falange do polegar Flexor curto do polegar C8-T1 Oposição do polegar Oponente do polegar C8-T1 Flexão das 1as falanges e extensão das outras articulações Lombricais C8-T1 4. Nervo ulnar Flexão e desvio ulnar da mão Flexor ulnar do carpo C7-T1 Flexão das falanges distais Flexor profundo dos dedos III e IV C7-T1 Adução do polegar Adutor do polegar C8-T1 Abdução do polegar Abdutor do polegar C8-T1 Abdução do dedo mínimo Abdutor do dedo mínimo C8-T1 Oposição do dedo mínimo Oponente do dedo mínimo C8-T1 Flexão do dedo mínimo Flexor do dedo mínimo C8-T1 Flexão das últimas falanges Interósseos palmares e dorsais C8-T1 Adução e abdução dos dedos Lombricóides III e IV C8-T1 5. Nervo radial Extensão do antebraço Tríceps braquial C6-C8 Flexão do antebraço Braquiorradial C5-C6 Extensão e abdução radial da mão Extensor radial do carpo C6-C8 Extensão das 1as falanges dos dedos Extensor dos dedos C6-C8 Extensão da 1ª falange do dedo mínimo Extensor do dedo mínimo C7-C8 Extensão e desvio ulnar da mão Extensor ulnar do carpo C7-C8 Supinação do antebraço Supinador C5-C6 Abdução do polegar Abdutor longo do polegar C7-C8 Extensão da 1ª falange do polegar Extensor curto do polegar C7-C8 Extensão da última falange do polegar Extensor longo do polegar C7-C8 Extensão do indicador Extensor do indicador C7-C8 6. Nervos intercostais Flexão do tronco Reto do abdome T6-T12 Oblíquo do abdome T7-T12
  • 33. ¡ Manobra de Barré: em decúbito ventral, com as pernas fletidas em ângulo reto sobre as coxas (Fig. 3-34B). Em caso de déficit, a perna cai progressiva- mente (déficit dos músculos flexores da perna sobre a coxa). ¡ Manobra do pé: em decúbito dorsal e membros inferiores em extensão, com os pés em posição vertical. Em caso de déficit dos músculos rotatórios internos dos membros inferiores, os pés desviam-se para fora, É manobra importante no paciente em coma, quando o déficit indica hemiplegia. ■ Anatomofisiologia Sabe-se que os núcleos da base desempenham papel fundamental na fase de planejamento e iniciação dos movimentos, quando o pensamento ou a inten- ção se transforma em ação motora concreta. Os núcleos da base compreen- dem o globo pálido e o estriado, este constituído pelos núcleos caudado e putame. O estriado recebe numerosas aferências corticais, especialmente do cór- tex pré-frontal, constituindo os circuitos fronto-estriatais. Constitui a instân- 32 MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS Quadro 3-1. (Continua) Função Músculos Raízes 7. Nervo femoral Flexão da coxa Iliopsoas L1-L3 Extensão da perna Quadríceps L2-L4 8. Nervo obturador Adução da coxa Adutores L2-L4 9. Nervo glúteo superior Abdução e rotação interna da coxa Glúteos médio e mínimo L4-S1 10. Nervo glúteo inferior Extensão da coxa Grande glúteo L4-S2 11. Nervo ciático Flexão da perna Bíceps femoral L4-S2 Semitendinoso L4-S1 Semimembranoso L4-S1 12. Nervo fibular Flexão dorsal e supinação do pé Tibial anterior L4-L5 Extensão do pé e dos pododáctilos Extensor dos pododáctilos L4-S1 Extensão hálux Extensão do hálux L4-S1 Pronação do pé Fibulares longo e curto L5-S1 13. Nervo tibial Flexão plantar do pé Tibial posterior L5-S1 Gastrocnêmio e Sóleo S1-S2 Flexão dos pododáctilos Flexor dos pododáctilos L5-S2 Flexão hálux Flexor do hálux L5-S2 Abdução e adução dos pododáctilos Músculos plantares S1-S3
  • 34. 33Capítulo 3 ¿ MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS Fig. 3-1. Deltóide (C5-6; nervo axilar). Abdução do braço (elevação lateral) contra a resistência. Fig. 3-2. Bíceps (C5-6; nervo musculocutâneo). Flexão e supinação do antebraço.
  • 35. 34 MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS Fig. 3-3. Tríceps (C7; nervo radial). Extensão do antebraço contra a resistência. Fig. 3-4. Braquiorradial (C5-6; nervo radial). O antebraço é fletido contra a resistência enquanto está em posição neutra entre pronação e supinação.
  • 36. 35Capítulo 3 ¿ MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS Fig. 3-5. (A) Extensor ulnar do carpo. (B) Extensor radial do carpo (C6-8; nervo radial). O punho é estendido contra a resistência. Fig. 3-6. Extensor comum dos dedos (C7-8; nervo radial). Os dedos são estendidos nas articulações metacarpofalangianas contra a resistência.
  • 37. Fig. 3-7. Extensor longo do polegar (C7-8; nervo radial). Extensão da última falange do polegar contra a resistência. Fig. 3-8. Extensor curto do polegar (C7-8; nervo radial). Extensão da primeira falange do polegar.
  • 38. 37Capítulo 3 ¿ MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS Fig. 3-9. Extensor próprio do indicador (C7-8; nervo radial). O dedo indicador é estendido contra a resistência. Fig. 3-10. Movimentos de supinação e de pronação do cotovelo. (A) Supinador (C5-6; nervo radial). A mão é supinada contra a resistência com os braços estendidos ao longo do corpo. (B) Pronador redondo (C6-7; nervo mediano). O braço estendido é pronado contra a resistência. Bíceps Supinador Pronador redondo BA
  • 39. 38 MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS Fig. 3-11. (A) Abdutor curto do polegar (C8-T1; nervo mediano) e (B) abdutor longo do polegar (C7-8; nervo radial). O polegar é abduzido contra a resistência em um plano perpendicular à palma da mão. Fig. 3-12. (A) Flexor radial do carpo (C6-7; nervo mediano): flexão e desvio radial da mão; (B) flexor ulnar do carpo (C7-T1; nervo ulnar): flexão e desvio ulnar da mão.
  • 40. 39Capítulo 3 ¿ MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS Fig. 3-13. (A) Flexor superficial dos dedos (C7-T1; nervo mediano) e (B) flexor profundo dos dedos (C8-T1; nervo ulnar). Os dedos são fletidos contra a resistência. A B Fig. 3-14. Flexor curto do polegar (C8-T1; nervo mediano). A falange proximal do polegar é fletida contra a resistência.
  • 41. 40 MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS Fig. 3-15. Flexor longo do polegar (C8-T1; nervo mediano). A falange distal do polegar é fletida contra a resistência.
  • 42. 41Capítulo 3 ¿ MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS Fig. 3-16. Oponente do polegar (C8-T1; nervo mediano). O polegar é cruzado sobre a palma da mão, contra a resistência, para tocar a ponta do quinto dedo. Fig. 3-17. Flexor do dedo mínimo (C8-T1; nervo ulnar). A falange proximal do quinto dedo é fletida contra a resistência.
  • 43. 42 MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS Fig. 3-18. Oponente do dedo mínimo (C8-T1; nervo ulnar). O quinto dedo é movido cruzando a palma da mão até a base do polegar. Fig. 3-19. Adutor do polegar (C8-T1; nervo ulnar). O polegar é movimentado contra a resistência em direção perpendicular à palma da mão.
  • 44. Fig. 3-20. Interósseos palmares (C8-T1; nervo ulnar). Adução dos dedos. Fig. 3-21. Interósseos dorsais e abdutor do dedo mínimo (C8-T1; nervo ulnar). Abdução dos dedos.
  • 45. 44 MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS Fig. 3-22. Iliopsoas (L1-3; nervo femoral). Estando o paciente em decúbito dorsal e com o joelho fletido, a coxa é flexionada contra a resistência. Fig. 3-23. Quadríceps (L2-4; nervo femoral). A perna é estendida contra a resistência.
  • 46. 45Capítulo 3 ¿ MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS Fig. 3-24. Adutores (L2-4; nervo obturador). Os membros inferiores são aduzidos contra a resistência. Fig. 3-25. Glúteo médio (L4-S1; nervo glúteo superior). Abdução do membro inferior contra resistência.
  • 47. 46 MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS Fig. 3-26. Grande glúteo (L5-S2; nervo glúteo inferior). Extensão da coxa contra a resistência.
  • 48. 47Capítulo 3 ¿ MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS Fig. 3-27. (A) Bíceps femoral, (B) semitendinoso e (C) semimembranoso (L5-S2; nervo ciático). Flexão da perna contra a resistência. A B C Fig. 3-28. (A) Gastrocnêmico e sóleo (S1-2; nervo tibial). Tibial posterior (L5-S1; nervo tibial). Flexão plantar do pé; (B) flexor longo dos pododáctilos (S1-2 nervo tibial). Flexão da ponta dos pododáctilos; (C) flexor longo do hálux (L5-S2; nervo tibial). Flexão do hálux. M. gastrocnêmio M. flexor longo dos pododáctilos M. flexor longo do hálux M. tibial posterior A B C
  • 49. 48 MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS Fig. 3-29. Tibial anterior (L4-5; nervo fibular). Dorsiflexão e inversão do pé (supinação).
  • 50. Fig. 3-30. Tibial anterior, extensor longo dos pododáctilos e extensor longo do hálux (L4-5; nervo fibular): (A) flexão dorsal do pé e dos pododáctilos; (B) flexão dorsal (extensão) do hálux. Tibial anterior Extensor longo do 1º pododáctilo A B Fig. 3-31. (A) Fibular longo; (B) fibular curto (L5-S1; nervo fibular). O pé é evertido contra a resistência.
  • 51. 50 MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS Fig. 3-32. Reto abdominal e oblíquo (T6-12; nervos intercostais). Flexão do tronco. Oblíquo Reto abdominal Fig. 3-33. Manobra dos braços estendidos.
  • 52. cia de integração dos esquemas dos gestos ou movimentos corporais, modu- lando as influências inibidoras e facilitadoras do córtex. A partir dos esque- mas integrados pelo estriado, o globo pálido envia para o córtex pré-motor e motor, passando pelo tálamo (núcleo ventrolateral anterior), padrões de impulsos nervosos que são integrados como movimento voluntário (Fig. 3-35). 51Capítulo 3 ¿ MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS Fig. 3-34. Manobras de Mingazzini (A) e de Barré (B). A B Fig. 3-35. Esquema geral da motricidade voluntária. Córtex pré-motor Corpo estriado Tálamo Feixe piramidal Córtex motor Sulco central
  • 53. A via da motricidade voluntária compreende dois tipos de neurônios, um central ou neurônio motor superior que liga o córtex aos núcleos dos nervos cranianos ou espinais, onde se situa o neurônio periférico ou neurô- nio motor inferior, que inerva os músculos estriados esqueléticos. O segmen- to central da via motora voluntária é constituído pelos neurônios motores su- periores agrupados, constituindo uma via compacta e cruzada. Portanto, o déficit de tipo central é global, cruzado, se a via for atingida acima do cruza- mento, e homolateral, se atingida abaixo. O segmento periférico é consti- tuído pelos neurônios motores inferiores, tendo sua origem ao longo do cor- no anterior da medula e distribuído pelas raízes, plexos e troncos nervosos periféricos. O déficit de tipo periférico é, portanto, parcial, localizado em certos músculos (Fig. 3-36). Os axônios do neurônio motor periférico saem da medula através da raiz anterior (motora) e dirigem-se, sem interrupção, até o músculo estriado, onde fazem sinapse com a membrana da fibra mus- cular. Denomina-se unidade motora ao conjunto formado pelo motoneurô- nio periférico e as fibras musculares por ele inervadas. Charles Sherrington definiu o neurônio motor inferior como a via final comum dos impulsos que alcançam o músculo estriado. Isso porque os distintos impulsos motores ori- ginados nas formações supra-segmentares e nas formações nucleares do tronco encefálico são transmitidos ao músculo estriado através do neurônio motor periférico. O segmento central da via motora voluntária (feixe corticospinal ou pira- midal) apresenta o seguinte trajeto descendente: ¡ Origem: no córtex, predominantemente no giro pré-central (área motora 4). Admitia-se anteriormente que a área motora era restrita à área 4. Sabe-se hoje, no entanto, que outras áreas participam da formação do trato pirami- dal, principalmente a área 6 do lobo frontal e as áreas 3, 2 e 1 do lobo parie- tal. O córtex cerebral é formado por seis camadas celulares. O trato pirami- dal origina-se da quinta camada celular. Wilder Penfield, por meio de esti- mulação em pacientes cujo córtex fora exposto para cirurgia de epilepsia, identificou os vários pontos motores de origem do trato piramidal, traçan- do o mapa da área motora, denominado homúnculo de Penfield. Este retrata a figura humana proporcional à sua representação cortical. As áreas do corpo capazes de executarem movimentos mais finos possuem maior representação cortical. A estimulação elétrica do córtex cerebral determi- na movimentos contralaterais nos membros e na porção inferior da hemi- face; enquanto os músculos do tronco, da mastigação, da porção superior da face, da faringe e da laringe respondem bilateralmente. Portanto, os motoneurônios que inervam os membros e a porção inferior da hemiface recebem apenas fibras do córtex cerebral contralateral; enquanto os moto- neurônios inferiores que inervam os músculos do tronco, da mastigação, 52 MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS
  • 54. 53Capítulo 3 ¿ MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS Fig. 3-36. Via motora voluntária do tronco e membros. Mesencéfalo Trato corticospinal Ponte Bulbo Bulbo (decussação piramidal) Medula cervical Medula lombar Trato lateral corticospinal Membro superior Membro inferior Raiz
  • 55. da faringe e do terço superior da face recebem fibras do córtex cerebral contralateral e homolateral. O déficit de tipo cortical é a hemiplegia cruzada incompleta e não pro- porcional, ou seja, um dos membros (superior ou inferior) é mais acometido que o outro. O córtex motor primário ocupa área extensa situada em grande parte da convexidade do hemisfério cerebral e também em sua porção medial. Por- tanto, é difícil para uma só lesão comprometer todo o córtex motor. Geral- mente ocorre o comprometimento de apenas parte da área motora. Assim, pode ocorrer o comprometimento da face lateral do hemisfério, determinan- do paralisia do membro superior e da porção inferior da hemiface (hemiple- gia braquiofacial). No comprometimento isolado da face medial da área motora ocorrerá paralisia do membro inferior contralateral (monoplegia crural). A lesão da área motora pode estar acompanhada de lesões em áreas vizinhas. Assim, a concomitância de alteração de função cortical superior, como, por exemplo, afasia, traduz lesão cortical. A presença de crises epiléti- cas focais também indica lesão cortical. É interessante comentar que a lesão experimental, em macacos, da área 4 determina dificuldade na realização de movimentos finos. Não ocorre espas- ticidade, podendo inclusive ser observada leve hipotonia, mas há o sinal de Babinski. A lesão da área 4s (área supressiva), localizada à frente da área 4, determina espasticidade. As fibras originadas dos corpos celulares situados na quinta camada do córtex motor tomam trajeto descendente, penetrando na substância branca subcortical (centro oval). ¡ Centro oval: uma lesão aí determina hemiplegia cruzada, incompleta e não proporcional, portanto, de tipo cortical. ¡ Cápsula interna: após atravessarem a substância branca subcortical (centro oval), as fibras do trato piramidal atingem a cápsula interna, conjunto de fibras situadas entre o tálamo e o núcleo lentiforme (estrutura anatômica formada pelos núcleos putame e globo pálido). Na cápsula interna, as fibras corticospinais estão próximas de outras fibras originadas no córtex motor (fibras corticorrubrais, corticorreticulares e corticopontinas). Assim, a hemiplegia resultante de lesão vascular junto à cápsula interna está associada à lesão de várias vias e não somente do trato piramidal. Nessa região, as fibras corticofugais encontram-se condensadas em pequena área e são, portanto, bastante vulneráveis. O déficit tipo capsular é representado por hemiplegia cruzada, completa (face, membros superior e inferior) e proporcional (déficit motor similar nos membros superior e inferior). Pode ocorrer também déficit sensitivo (lesão das radiações talâmicas so- mestésicas) e hemianopsia (lesão da radiação óptica). ¡ No tronco cerebral, o feixe corticospinal ocupa a parte média do pedúncu- lo cerebral, a parte ventral da ponte e, finalmente, a porção ventral do bul- 54 MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS
  • 56. bo (pirâmide bulbar). No bulbo, algumas fibras do feixe corticospinal diri- gem-se ao funículo anterior homolateral da medula (feixe piramidal direto ou corticospinal ventral), e a grande maioria cruza a decussação das pirâmi- des, indo localizar-se no lado oposto para formar o feixe piramidal cruzado ou corticospinal lateral. Este vai localizar-se no funículo lateral da medula, sendo o mais importante do ponto de vista semiológico. As relações dos nervos cranianos com o trato piramidal revestem-se de grande importância para o diagnóstico topográfico das lesões do tronco ence- fálico. No mesencéfalo, situa-se o núcleo do nervo oculomotor, e as fibras desse nervo atravessam a base do pedúnculo cerebral antes de emergirem junto à fos- sa interpeduncular. Na ponte, as fibras originadas dos núcleos dos nervos abducente e facial atravessam o trato corticospinal na base da ponte, antes de emergirem junto ao sulco bulbopontino. No bulbo, as fibras originadas do núcleo do nervo hipoglosso passam próximas ao trato piramidal para, em seguida, emergirem como nervo hipoglosso entre a pirâmide bulbar e a oliva. Nas pirâmides, as fibras corticospinais separam-se das demais fibras corticofu- gais, sendo, portanto, a única localização em que as fibras piramidais estão iso- ladas. Assim, as pirâmides bulbares constituem oúnicolocalcuja lesãodetermi- naria a verdadeira síndrome piramidal. Na prática, a síndrome piramidal pura é muito rara, e a denominação revela-se inadequada, mantendo-se por força da tradição. A lesão da via motora junto ao tronco cerebral geralmente determina hemiglegia alterna, isto é, hemiplegia contralateral à lesão, acompanhada de sintomas e sinais homolaterais do acometimento de um ou mais nervos crania- nos. A lesão mesencefálica determina hemiplegia contralateral completa e pro- porcional. Freqüentemente ocorre também lesão das fibras intraparenquima- tosas originadas do núcleo do nervo oculomotor. Essas lesões determinam a síndrome de Weber, caracterizada por hemiplegia contralateral, ptose palpe- bral, desvio lateral do globo ocular e midríase homolaterais. A lesão pontina determina hemiplegia proporcional contralateral. Esta hemiplegia é completa quando a lesão se localiza acima do núcleo do nervo facial (acometendo, por- tanto, a via corticonuclear) e incompleta quando a lesão se situa abaixo. Fre- qüentemente ocorre comprometimento associado das fibras intraparenquima- tosas originadas nos núcleos dos nervos abducente e facial. O quadro clínico manifesta-se por hemiplegia contralateral à lesão, desvio medial do globo ocu- lar e paralisia facial periférica homolateral (síndrome de Millard-Gubler). A lesão bulbar acima da decussação das pirâmides determina hemiplegia propor- cional contralateral e incompleta (a face não é acometida). É freqüente a lesão das fibras intraparenquimatosas do nervo hipoglosso, determinando paresia da hemilíngua, homolateral à lesão. ¡ Na medula, o feixe piramidal lateral apresenta-se como via agrupada e compacta na metade posterior do funículo lateral. O déficit tipo medular 55Capítulo 3 ¿ MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS
  • 57. unilateral é a paralisia homolateral, global e proporcional abaixo da lesão. O déficit tipo medular bilateral é a paralisia bilateral global e proporcional, abaixo da lesão (Fig. 3-37). A lesão centromedular, na medula cervical, pode acometer parcialmente o trato piramidal, determinando tetraplegia 56 MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS Fig. 3-37. Esquema da via motora, mostrando lesões em diferentes níveis: 1. Córtex cerebral: hemiparesia desproporcional contralateral. 2. Cápsula interna: hemiplegia proporcional contralateral. 3. Tronco cerebral: paralisia alterna com hemiplegia contralateral e paralisia homolateral de um ou mais nervos cranianos. 4. Lesão transversa da medula: tetraplegia ou paraplegia. 5. Lesão da hemimedula: hemiplegia ou monoplegia homolateral. Membro superior Membro inferior III - IV (mesencéfalo) Face 1 2 V - VI - VII (ponte) IX - X - XI - XII (bulbo) 3 Decussação das pirâmides 4 5 Motoneurônio Feixe piramidal
  • 58. incompleta, não proporcional, com comprometimento mais intenso dos membros superiores. Este quadro ocorre mais freqüentemente nos trau- mas raquimedulares (síndrome de Schneider). No trato piramidal, na medula cervical, ocorre característica estratificação das fibras mediais, destinadas aos membros superiores, e das fibras laterais, destinadas aos membros inferiores. Assim, a lesão centromedular cervical pode acometer preferencialmente as fibras mediais do trato piramidal, determinando diplegia braquial. ¡ Término: no ápice dos cornos ventrais da medula (início da via final comum de Sherrington). O segmento periférico da via motora voluntária (motoneurônio periféri- co ou inferior) apresenta o seguinte trajeto: ¡ Origem: nos cornos ventrais da medula. ¡ As raízes ventrais estendem-se conforme os miótomos embrionários, por- tanto, com distribuição topográfica e não funcional. O déficit radicular ou segmentar é homolateral, localizado em determinados músculos perten- centes ao mesmo miótomo. Em razão de os músculos apresentarem inerva- ção plurirradicular, o déficit radicular é sempre incompleto. ¡ As principais raízes inervam os seguintes grupos musculares dos mem- bros, enumeradas esquematicamente: C5 — músculos dos ombros. C6 — músculos da região anterior do braço. C7 — músculos das regiões posteriores do braço e antebraço. C8 — músculos da região anterior do antebraço e lateral da mão. T1 — músculos da região medial da mão e os interósseos. L3 — músculos da região anterior da coxa. L5 — músculos da região ântero-lateral da perna. S1 — músculos da região posterior da perna. ¡ Os plexos reagrupam os motoneurônios das raízes ventrais em troncos nervosos periféricos, diferenciados funcionalmente. Assim, o déficit tron- cular atinge músculos que têm a mesma função, sendo, portanto, de distri- buição funcional e não topográfica. Cada músculo recebe sua inervação de um só tronco e, portanto, o déficit troncular é sempre completo. ¡ Os nervos, de forma esquemática, respondem pelas seguintes funções: · Axilar: abdução do braço. · Musculocutâneo: flexão do antebraço. · Mediano: flexão do punho e dos dedos, pronação e pinça polidigital. · Ulnar: movimentos dos dedos (preensão e movimentos laterais dos dedos). 57Capítulo 3 ¿ MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS
  • 59. · Radial: extensão do antebraço, da mão e dos dedos, supinação e abdu- ção do polegar. · Obturador: adução da coxa. · Femoral: extensão da perna. · Ciático: flexão da perna. · Tibial: flexão plantar do pé e dos pododáctilos. · Fibular: flexão dorsal do pé e dos pododáctilos (extensão). MOTRICIDADE AUTOMÁTICA ■ Conceito A motricidade automática não resulta diretamente da vontade. É primitiva, básica, global e representa a motricidade dos vertebrados não-mamíferos. Nos vertebrados superiores comporta-se como motricidade involuntária: o balan- ço dos braços durante a marcha, a expressão facial, o piscar, entre outros. ■ Exploração Movimentos automáticos normais ¡ Mímica. ¡ Adaptações posturais: balanço dos braços durante a marcha. ¡ Gesticulação expressiva. Pesquisa de movimentos anormais ¡ Acinesia e bradicinesia: traduzem, respectivamente, a perda e a redução da motricidade automática ou involuntária. Manifestam-se, por exemplo, por redução da mímica, marcha em pequenos passos e abolição dos movimen- tos espontâneos. São encontradas tipicamente na síndrome parkinsoniana. ¡ Movimentos coréicos (ou coréia): são movimentos involuntários arrítmicos, breves, abruptos, que fluem de uma parte a outra do corpo de forma não ordenada. Movimentos atetóticos (ou atetose) e movimentos balísticos constituem formas de coréia. Os movimentos atetóticos são movimentos lentos, por vezes, ondulatórios, que ocorrem nas porções distais dos mem- bros. Balismos são movimentos amplos, bruscos, rápidos, predominando na raiz dos membros. ¡ Distonia: movimento involuntário marcado pela contração sustentada e padronizada de um ou vários grupamentos musculares, determinando tor- ção ou posturas anormais. 58 MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS
  • 60. ¡ Tremor de repouso: os tremores são caracterizados por oscilações rítmicas de parte do corpo, conseqüentes à contração alternada de grupos musculares opostos, ou seja, agonistas e antagonistas. O tremor de repouso é típico da síndrome parkinsoniana, apresentando ritmo lento e regular (4 a 8 oscila- ções por segundo) no repouso, diminuindo ou desaparecendo durante o movimento voluntário. ¡ Tremor cinético ou de ação: tremor que se manifesta quando o movimento é realizado à velocidade média. Pode manifestar-se em síndromes cerebela- res. ■ Anatomofisiologia É clássico atribuir a integração dos movimentos voluntários ao sistema pirami- dal e a dos movimentos automáticos ao sistema extrapiramidal. A lesão desses sistemas determinaria, respectivamente, as síndromes piramidal (marcada por fraqueza muscular e espasticidade) e extrapiramidal (distúrbios do movi- mento ou movimentos involuntários). No entanto, os conceitos clássicos de trato e síndrome piramidal e de trato e síndrome extrapiramidal devem ser revistos como comentado previamente. O trato piramidal foi o primeiro conjunto de fibras reconhecido como específico do encéfalo, ainda no século XIX. Por definição, engloba todas as fibras que passam pela pirâmide bulbar. Embora o trato piramidal seja bem definido anatomicamente, isso não justifica o uso do termo “síndrome pira- midal”. As lesões que determinam essa síndrome raramente são lesões puras do trato piramidal, mas de várias vias corticofugais, ou seja, de vias que deixam o córtex. O termo extrapiramidal também é de origem anatômica e inclui todas as vias não piramidais. Foi introduzido por Wilson, em 1912, que conceituou o sistema extrapiramidal como o conjunto das estruturas encefálicas que atu- am sobre os neurônios motores medulares, com exceção do trato piramidal. Como existem múltiplas áreas encefálicas e vias descendentes que influenci- am o sistema motor, é muito difícil delimitar com precisão as estruturas do sistema extrapiramidal. Ele seria formado pelos núcleos da base, núcleos do tronco encefálico e as projeções destes núcleos para os motoneurônios medulares. Posteriormente, áreas do córtex cerebral, principalmente a área 6 do lobo frontal (área motora suplementar e área pré-motora), também foram incluídas no sistema extrapiramidal. Portanto, é artificial a distinção entre a função do trato piramidal e a de outros tratos descendentes. Suas estruturas estão em estreita relação na gênese e no controle do movimento. No controle do movimento é também fundamental a participação do cerebelo. A atividade motora é integrada junto ao córtex motor primário pelos núcleos da base, pelo cerebelo e pelo tálamo (que se interpõe entre os núcleos da base, o cerebelo e o córtex motor). Os impulsos nervosos, antes de 59Capítulo 3 ¿ MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS
  • 61. deixarem o córtex motor em direção à medula, recebem impulsos modulado- res dos núcleos da base e do cerebelo, através do tálamo (Fig. 3-38). Esse conjunto está representado no esquema abaixo: Entre as estruturas que, em princípio, constituem o sistema extrapirami- dal, destacam-se os núcleos da base. Isso porque alterações desses núcleos determinam distúrbios do movimento de especial importância clínica, como a doença de Parkinson e a doença de Huntington. São designados como núcle- os da base o núcleo caudado e o núcleo lenticular. Esses dois núcleos formam o corpo estriado. O nome do corpo estriado vem de seu aspecto anatômico: uma massa cinzenta atravessada por fibras brancas oriundas da cápsula inter- 60 MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS Fig. 3-38. Esquema das vias da motricidade. Área extrapiramidal Núcleos da base Via extrapiramidal cortico cerebelar (coordenação) Via extrapiramidal estrio-retículo- espinal (tono e movimentos automáticos) F. corticospinal Neocerebelo Motoneurônio Área 4 Córtex Córtex motor Vias corticofugais Tálamo Neurônio motor periférico Núcleos da base Cerebelo
  • 62. na. O núcleo lenticular é subdividido em porção lateral, o putame, e outra me- dial, o globo pálido. Anatômica, ontogenética e filogeneticamente, há semel- hança entre o núcleo caudado e o putame, sendo denominados em conjunto neostriado ou striatum. O globo pálido, por sua vez, constitui o paleoestriado. O núcleo subtalâmico ou núcleo de Luys e a substância negra também podem ser considerados núcleos da base. O núcleo subtalâmico localiza-se sob o tálamo. A substância negra situa-se no mesencéfalo, entre a base e o tegmento do pedúnculo cerebral. Os núcleos da base, o núcleo subtalâmico e a substância negra apresentam complexas conexões entre si e com áreas cor- ticais, constituindo os circuitos fronto-estriado-pálido-tálamo-corticais, ou simplesmente fronto-estriatais. Esses circuitos iniciam-se em áreas corticais, projetam-se primeiramente para o estriado e, em seguida, para o globo pálido. Antes de as informações retornarem ao córtex, o globo pálido emite fibras que se conectam com o tála- mo como no esquema abaixo. As fibras provenientes do córtex cerebral são glutamatérgicas, portanto, excitatórias e fazem sinapse com o neurônio do estriado, denominado célula espinhosa média, que constitui cerca de 90% da população neuronal deste núcleo. Sobre este neurônio, convergem fibras colinérgicas e gabaérgicas pro- venientes de interneurônios estriatais e também fibras dopaminérgicas origi- nadas na parte compacta da substância negra (SNc). Tendo em perspectiva a série de fibras que convergem para a célula espinhosa média, pode-se inferir que esse neurônio constitui um importante sítio de processamento de infor- mações. No estriado, o circuito pode assumir uma via direta, conectando o estriado ao segmento interno do globo pálido e à parte reticulada da substân- cia negra (GPi/SNr), ou um via indireta, ligando o estriado ao segmento exter- no do globo pálido (GPe), em seguida para o núcleo subtalâmico (NST) e final- mente para o GPi/SNr. Ressalta-se que os neurônios estriatais que participam da via direta são estimulados pelas fibras dopaminérgicas provenientes da SNc por possuírem receptores do tipo D1, enquanto os envolvidos com a via indire- ta, que expressam receptores D2, são inibidos. As duas vias modulam a ativida- de talâmica. Enquanto a via direta estimula o tálamo, a via indireta inibe. Co- mo há predomínio da atividade na via indireta, o funcionamento simultâneo das duas vias determina “ilhas” de excitação no meio de áreas maiores de inibi- 61Capítulo 3 ¿ MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS Córtex pré-frontal Estriado GPi/SNr Tálamo GPe Núcleo subtalâmico + + + - - - -
  • 63. ção da atividade talâmica e, por conseguinte, do córtex cerebral. Esse funcio- namento diferencial e simultâneo das vias direta e indireta permite a focaliza- ção da atividade neuronal cortical. Classicamente, a função dos núcleos da base estava associada à iniciação e à finalização dos movimentos. Atualmente, no entanto, postula-se que o cir- cuito fronto-estriatal motor participe da execução automática de seqüências motoras, além de facilitar movimentos desejados ou inibir movimentos inde- sejados conforme a ativação, respectiva, das vias direta e indireta. A atividade inibitória preponderante dos núcleos da base sobre o tálamo resultaria na ini- bição de movimentos indesejados, enquanto a atividade facilitadora focaliza- da possibilitaria a execução do movimento pretendido. Assim, os núcleos da base não seriam responsáveis pela geração ou iniciação dos movimentos, que seriam funções do córtex cerebral e cerebelo, mas pela facilitação dos mes- mos por supressão de movimentos conflitantes. Esse modelo é respaldado pela fisiopatologia de transtornos do movimento, tanto hipercinéticos, como hipocinéticos. Os circuitos dos núcleos da base também modulam a ativida- de das vias corticofugais no sentido de estabelecer o equilíbrio entre as vias facilitadoras e as inibidoras do tônus muscular. A doença de Parkinson é a mais conhecida das doenças extrapirami- dais, caracterizando-se por bradicinesia, rigidez, instabilidade postural e tremor de repouso. A doença de Parkinson decorre da perda neuronal na substância negra compacta, o que determina menor disponibilidade de dopamina na via nigroestriatal. Isso resulta em menor atividade da via direta (facilitadora) e maior atividade da via indireta (inibitória), com ini- bição dos movimentos automáticos primários (bradicinesia) e a liberação do tônus muscular (hipertonia) e, conseqüentemente, em uma síndrome hipocinética-hipertônica. Os movimentos coréicos são observados na coréia de Sydenhan e na doença de Huntington. Na coréia de Sydenhan, além dos movimentos invo- luntários hipercinéticos, há grau variável de hipotonia, constituindo uma sín- drome hipercinética-hipotônica. Enquanto na doença de Parkinson ocorre hiperatividade da via indireta e hipoatividade na via direta, na coréia de Sydenhan parece ocorrer justamente o contrário. No Quadro 3-2 são sintetizadas as funções e as síndromes dos sistemas paleostriado e neoestriado. 62 MOTRICIDADE DO TRONCO E MEMBROS Quadro 3-2. Sistema Função Déficit Síndrome Paleoestriado (globo pálido e substância negra) Inibição do tônus muscular e integração dos movimentos automáticos Hipertonia e hipocinesia Hipertônica-hipocinéti ca (parkinsoniana) Neoestriado (putame e caudado) Facilitação do tônus e moderação dos movimentos Hipotonia e hipercinesia Hipotônica-hipercinéti ca (coréia)