O artigo discute a importância de políticos manterem lealdade aos seus próprios princípios ao invés de se moldarem às expectativas dos eleitores. Defende que Marina Silva enxerga as pessoas além de meros eleitores e busca uma relação leal sem abandonar seus valores. Também menciona manifestações populares contra a corrupção e desigualdades em diversos países.
Coluna do senador Aécio Neves na Folha - Estados e municípios
Escolhas e princípios na política
1. Escolhas
Coluna do senador Aécio Neves na Folha de São Paulo
Há alguns dias, Marina Silva nos ofereceu texto que estimula a reflexão sobre a dinâmica
imprevisível da política do nosso tempo, cheia de transformações e novas escolhas por parte
dos cidadãos.
Está clara a busca coletiva por uma nova ordem que permita a superação de modelos que
sobreviveram até aqui, entre eles os de políticos que se moldam, por conveniência, ao gosto
do eleitorado, ou, mais pretensiosos, que tentam moldar o eleitorado à sua feição.
Para além da seara dos oportunistas e dos autocratas, há os que, como a ex-senadora acreana,
enxergam pessoas onde outros só veem eleitores e buscam manter com elas relação leal, sem
perder de vista seus próprios princípios.
O grande desafio da vida pública é este: não se deixar transformar num personagem
condenado a seduzir a plateia. Não se deixar transformar numa caricatura de si mesmo.
Quando insisto em não me tornar prisioneiro das expectativas alheias, o faço por convicção.
Acredito que não há nada mais valioso que um homem público possa oferecer que a
transparente lealdade aos seus próprios princípios.
Às vezes, leio: “O Aécio devia fazer isso ou aquilo…”. Ouço, reflito. Respeito toda opinião e
aceito muitas das sugestões que recebo. Mas é com as minhas convicções que sigo em frente.
A representação política é uma vitrine. É compreensível que cada um transfira sua esperança
para a figura de seu representante, assim como acabe se frustrando quando a mesma não se
concretiza.
O desencanto tem semeado, aqui e ali, manifestações espontâneas, que vão das passeatas
contra a corrupção até os levantes da Primavera Árabe, passando pelos “indignados” na
Espanha e por eventos como o “Ocupe Wall Street” em Nova York.
Dizem que são manifestações sem bandeira. Penso diferente. As bandeiras são muitas e
revelam as múltiplas faces do inconformismo. Como se uma bandeira tocasse a outra, uma
inesperada energia começa a pulsar. Novos aprendizados nos esperam. Antigas lições de
tolerância talvez possam ser melhor repartidas.
Sempre vi com reservas os que, na política, temem o diálogo, confundindo firmeza com
agressividade. E os que se acreditam donos do tempo e das circunstâncias, quando sabemos
que somos todos reféns deles. Marina terminou o seu artigo citando Fernando Pessoa. Revisito
o mesmo autor, em dois trechos de um poema que fala de escolhas e princípios.
“Claro no pensar, e claro no sentir/ É claro no querer/ Indiferente ao que há em conseguir/
que seja só obter/ Dúplice dono, sem me dividir/ De dever e de ser … Assim vivi, assim morri a
vida/ Calmo sob mudos céus/ Fiel à palavra dada e à ideia tida. / Tudo mais é com Deus”.