1. por:
demétrio magnoli
Você sabe o que é MAV? Inventada no 4º Congresso do PT, em 2011, a sigla
significa Militância em Ambientes Virtuais. São núcleos de militantes treinados
para operar na internet, em publicações e redes sociais, segundo orientações
partidárias. A ordem é fabricar correntes volumosas de opinião articuladas em
torno dos assuntos do momento. Um centro político define pautas, escolhe alvos e
escreve uma coleção de frases básicas. Os militantes as difundem, com variações
pequenas, multiplicando suas vozes pela produção em massa de pseudônimos. No
fim do arco-íris, um Pensador Coletivo fala a mesma coisa em todos os lugares,
fazendo-se passar por multidões de indivíduos anônimos. Você pode não saber o
que é MAV, mas ele conversa com você todos os dias.
O Pensador Coletivo se preocupa imensamente com a crítica ao governo. Os
sistemas políticos pluralistas estão sustentados pelo elogio da dissonância: a
crítica é benéfica para o governo porque descortina problemas que não seriam
enxergados num regime monolítico. O Pensador Coletivo não concorda com esse
princípio democrático: seu imperativo é rebater a crítica imediatamente, evitando
que o vírus da dúvida se espalhe pelo tecido social. Uma tática preferencial é
acusar o crítico de estar a serviço de interesses de malévolos terceiros: um partido
adversário, "a mídia", "a burguesia", os EUA ou tudo isso junto. É que, por sua
própria natureza, o Pensador Coletivo não crê na hipótese de existência da opinião
individual.
O Pensador Coletivo abomina argumentos específicos. Seu centro político não tem
tempo para refletir sobre textos críticos e formular réplicas substanciais. Os
militantes difusores não têm a sofisticação intelectual indispensável para
refrasear sentenças complexas. Você está diante do Pensador Coletivo quando se
depara com fórmulas genéricas exibidas como refutações de argumentos
específicos. O uso dos termos "elitista", "preconceituoso" e "privatizante", assim
como suas variantes, é um forte indício de que seu interlocutor não é um
indivíduo, mas o Pensador Coletivo.
O Pensador Coletivo interpreta o debate público como uma guerra. "A guerra de
guerrilha na internet é a informação e a contrainformação", explica o deputado
André Vargas, um chefe do MAV. No seu mundo ideal, os dissidentes seriam
enxotados da praça pública. Como, no mundo real, eles circulam por aí, a
alternativa é pregar-lhes o rótulo de "inimigos do povo". Você provavelmente
conversa com o Pensador Coletivo quando, no lugar de uma resposta
argumentada, encontra qualificativos desairosos dirigidos contra o autor de uma
crítica cujo conteúdo é ignorado. "Direitista", "reacionário" e "racista" são as
ofensas do manual, mas existem outras. Um expediente comum é adicionar ao
impropério a acusação de que o crítico "dissemina o ódio".
O Pensador Coletivo é uma máquina política regida pela lógica da eficiência, não
pela ética do intercâmbio de ideias. Por isso, ele nunca se deixa intimidar pela
exigência de consistência argumentativa. Suzana Singer seguiu a cartilha do
2. Pensador Coletivo ao rotular o colunista Reinaldo Azevedo como um "rottweiler
feroz" para, na sequência, solicitar candidamente um "bom nível de conversa".
Nesse passo, trocou a função de ombudsman da Folha pela de Censora de Opinião.
Contudo, ela não pertence ao MAV. Os procedimentos do Pensador Coletivo estão
disponíveis nas latas de lixo de nossa vida pública: mimetizá-los é, apenas, uma
questão de gosto.
Existem similares ao MAV em outros partidos? O conceito do Pensador Coletivo
ajusta-se melhor às correntes políticas que se acreditam possuidoras da chave da
porta do Futuro. Mas, na era da internet, e na hora de uma campanha eleitoral, o
invento será copiado. Pense nisso pelo lado bom: identificar robôs de opinião é um
joguinho que tem a sua graça.