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INTRODUÇÃO: Esse texto é uma apresentação no Painel “Como desarmar um Movimento:
Substituir o político com o pessoal” na Conferência “Um Momento Revolucionário: Libertação das
Mulheres no final dos anos 1960 e início dos anos 1970”, na Universidade de Boston nos dias 27 a
29 de Março de 2014. No painel, três trabalhos foram apresentados. Um deles foi este, feito pela
feminista Carol Hanisch. Carol é formada em Jornalismo pela Drake University (EUA). Em 1965
iniciou suas primeiras lutas, naquele momento pelos direitos civis da população de Mississipi. Em
1968 interrompeu, com três outras companheiras de luta, a cerimônia do Miss America. Elas
penduraram a bandeira do Movimento de Libertação das Mulheres na frente do mundo inteiro. O
protesto foi, de certa forma, bem sucedido, pois voltou as atenções dos EUA para o movimento. No
mesmo ano, 68, Carol lançou o escrito “O que pode ser aprendido: Uma Crítica ao protesto Miss
America”, avaliando a própria ação e de suas companheiras. Esse escrito dizia que a ideia popular
“faça você mesmo” / “faça sua própria coisa” é perigosa quando aplicada à ação coletiva. Carol já
desenvolvia na sua militância a estratégia dos conhecidos grupos de autoconsciência. Mas os
movimentos que se relacionavam com o feminismo criticavam muito a tática, chegando a chamar
de “terapia”. Carol, então, publicou uma nota defendendo as sessões e argumentando que não, não
eram terapia, e sim uma importante ferramenta de organização das mulheres. Essa nota foi
publicada algum tempo depois com o nome de “O pessoal é político”, ficando famosa em todo o
mundo. Em 1975 Carol foi editora do livro “Revolução Feminista”. Entre 1977 e 1991 fundou e foi do
conselho editorial do periódico “Meeting Ground”. Após esse período, publicou um compilado de
textos que escreveu para o mesmo periódico – o qual deu o nome de “Francamente Feminista”.
Atualmente, Carol Hanisch trabalha como editora e artista gráfica, mas continua na luta pelas
mulheres contando tudoqueaprendeuem tantos anos demilitância.Essaéuma das mais preciosas
contribuições da autora feminista que tem tanto a nos ensinar. 1
Palavras reveladoras:
Despolitizando o Movimento de Libertação das Mulheres
Carol Hanisch
Quandoeu vi pela primeira veza chamada de trabalhos para esta conferência, eusimplesmente
não podia acreditar nos meus olhos. Lá estavam as palavras: “libertação das mulheres”, “final dos
1960s e início dos anos 1970”, “revolucionários”: todas no mesmo título; e ativistas não-acadêmicos
foram mesmo convidados a apresentar propostas. "Que corajoso!", pensei. Nos últimos anos, a maior
parte da Academia, com algumas exceções, parece ter esquecido tudo sobre o Movimento de
Libertação das Mulheres. As suas raízes radicais na década de 1960 estão sendo ignoradas e sendo
chamadas como "um movimento dos anos 70”.
1
Introdução e tradução pelo blog Uma Feminista Dialética, Uma Dialética Feminista
Por um lado, meio que dói ouvir o trabalho da sua vida ser chamado apenas como “um momento
revolucionário”. Mas é a verdade. Embora essa enorme onda que nós criamos esteja, em certa medida,
sendo montada até hoje, ela foi amplamente apagada e jogada fora. No entanto, cada mulher nessa
conferência que é engajada em estudos sobre mulheres ou um campo relacionado – ou pretende ser
– deve seu trabalho àquele “momento revolucionário”.
A parte importante dos anos 60 – aquilo que fez desses anos revolucionários – não foi o “sexo,
drogas e rock’n roll” como tantos reivindicam. O que fez desses anos revolucionários foi o: ESTUDAR,
LUTAR, ORGANIZAR. Em todos os movimentos, incluindo a libertação das mulheres, havia um núcleo
considerável que lutava para mudar as relações de poder, não apenas para mudar nós mesmos ou um
pedaço da cultura ou se divertir.
Que foi apenas um “momento” foi em parte devido aos nossos próprios erros – um grande
tema para outra conferência – e em parte devido ao fato de que aqueles que não querem que tenhamos
sucesso eram mais fortes e mais organizados, e, é claro, imensamente mais financiados do que nós.
Quando nós começamos a nos tornar bem sucedidos o suficiente para que os poderosos nos
vissem como uma ameaça, eles vieram atrás de nós. Não com armas ou sentenças de prisão como em
outros movimentos, mas com palavras bem financiadas e ideias para inundar o sucesso do movimento
das mulheres que acontecia até então.
Nós da parte “estudar, lutar, organizar” dos anos 60 nos esforçamos pela verdade, por olhar
a realidade quadrada na nossa cara e dizer “as coisas como elas são” em uma linguagem clara. As
sessões de autoconsciência foram desenvolvidas como ferramentas de organização para obter a
compreensão da realidade e de nossas vidas através de um procedimento coletivo. E foi para cada
mulher: você não precisa de uma educação universitária ou mesmo um diploma do ensino médio para
participar.
As palavras – os termos que usávamos – faziam parte da luta revolucionária. Muitas vezes,
elas tinham ligação com outras lutas. Olhar para a nossa linguagem revela de onde viemos e quais
nossos objetivos. Sem dúvida, novos termos são necessários as vezes. Mas nós precisamos estar
atentas e perguntar “esse termo é realmente melhor?” “Esse termo nos corta fora da nossa própria
história?” “O que está sendo evitado por não usar o termo antigo?”. Se nós compararmos as
apaixonadas e eletrizantes demandas do final dos anos 60 e começo dos anos 70 com o que acontece
no feminismo hoje, nós vamos ver grandes mudanças na estratégia e nos objetivos. O grito robusto
para as mulheres se unirem e se organizarem contra a supremacia masculina desapareceu.
Matar palavras revolucionárias é uma coisa séria.
O processo de colocar freios no espectro assustador de mulheres enfurecidas se levantando
e fazendo grandes reivindicações por grandes mudanças se reflete no desaparecimento gradual do
nosso próprio nome: Movimento.... de Libertação.... das Mulheres.
LIBERTAÇÃO foi o primeiro a ir embora. Foi uma castração parcial em primeiro lugar quando
nos pegamos abreviando isso para “lib das mulheres” ou “libber das mulheres”. Em seguida veio o
“Movimento de Mulheres”, que soava muito menos ameaçador com a libertação indo embora – e ela
foi. A palavra “libertação” era muito radical para financiamento acadêmico e de fundações e por isso
algumas mulheres se tornaram ferramentas em sua erradicação.
MOVIMENTO foi o segundo a sair. Um movimento, nesse contexto, é uma classe de pessoas em
movimento. O Movimento de Libertação das Mulheres foram massas de mulheres em movimento em
busca de poder coletivo para terminar com a nossa situação de segundo sexo. Havia muitos artigos
escritos por ativistas do Movimento de Libertação de Mulheres falando sobre poder para as mulheres,
até mesmo um livro chamado “poder das mulheres”, da Celestine Ware-Oh – oh, é verdade, ela era
uma mulher negra e nós TODOS sabemos que nenhuma mulher negra se considerava parte do assim
chamado Branco Movimento de Libertação das Mulheres – porque os historiadores das mulheres nos
disseram que sim!
Então o que mais os poderosos – aqueles que querem nos conter – fazem? Primeiro eles nos
dizem que poder é algo impróprio para mulheres procurarem ter. Poder é uma coisa desagradável e
só deve ser procurada por homens. Em seguida, somos orientadas a buscar empoderamento pessoal
– não o poder das mulheres se unindo como uma união para forçar mudanças sociais – mas para
procurar “agência” – mais escolha – para mulheres individuais. Se cada mulher apenas fizer as
escolhas necessárias e se inclinar no caminho certo, seus sonhos se tornarão realidade, não importa
se essas escolhas não são boas o suficiente. Livros e artigos de revistas incitando mulheres ao “auto-
empoderamento” têm substituído aqueles gritos feministas anteriores contra a supremacia
masculina, gritos esses considerados “estridentes”. Depois veioa “Terceira Onda”do feminismocheia
de mais do mesmo – “empoderamento”, “expressar você mesma” e procurando “espaços seguros” –
não com uma mudança do mundo. Feminismo se tornou qualquer coisa que uma mulher diz que é.
Qualquer uma, de Sarah Palin até Lady Gaga poderia se autodenominar feminista - e quem poderia
negar isto?
Estamos, agora, no meio do processo de apagamento até mesmo do termo MULHER, de modo
que, em breve, não sobrará mais nada do Movimento de Libertação das Mulheres. A existência das
mulheres enquanto uma classe sexual oprimida está sendo contestada – e escondida por “gênero”. Se
fosse da maneira como Simone de Beauvoir falava quando ela escreveu sobre como mulheres são
feitas, não nascem sendo, nós poderíamos dar boas-vindas a isto. Mas, na teoria de gênero, as
mulheres não são mais consideradas um sexo oprimido pelo outro sexo. Nós existimos como um
gênero “fluído”, não como um sexo. Como um gênero, todo mundo pode ignorar a classe sexual e
brincar com a sua “apresentação” para se modificar.
Enquanto isso, as categorias homem e mulher podem ser jogadas para fora do caminho sem
lidarmos com as profundas causas da opressão das mulheres. Podemos eliminar “o binário” de duas
maneiras: acabar com a supremacia masculina e, portanto, com a opressão das mulheres, ou eliminar
as mulheres através da substituição por gênero.
No nosso campo, o que começou como Estudos das Mulheres ou Estudos Feministas –
inspirados pelos Estudos Negros e lutando bravamente ao lado dos revolucionários do Momento
Revolucionário – está agora em perigo de desaparecer dentro de Gênero ou Estudos da Sexualidade.
Os estudos das mulheres continham uma boa dose de conteúdo sobre Libertação das Mulheres no
começo. Talvez se eles tivessem se chamado “Estudos de Libertação das Mulheres” em primeiro lugar
– como eles deveriam ter sido chamados já que é desse lugar que esse programa acadêmico veio –
isso teria ajudado a mantê-los no caminho certo.
Todas as mulheres precisam de “a purse of her own”2
como Susan B. Anthony costumava dizer,
mas nós precisamos de muito mais que isso. De alguma forma, muitas pessoas, incluindo as que se
dizem feministas, parecem se esquecer que as mulheres são a classe reprodutiva – a classe que
carrega e gera a próxima geração da raça humana – algo pelo qual a sociedade inteira se beneficia.
Dado que a raíz da nossa opressão está nessa capacidade de reprodução das mulheres, isto é uma
coisa perigosa de se ignorar. É necessário estejamos unidas e lutemos contra a nossa exploração
enquanto as “fazedoras de bebês” do mundo.
Precisamos que os homens reforcem e compartilhem a guarda das crianças e o trabalho
doméstico, precisamos que o nosso governo forneça creches gratuitas 24 horas, assim como jardins
de infância. Precisamos de licenças parentais remuneradas e licenças para cuidados de idosos.
Precisamos compartilhar – com os homens e com a sociedade – a carga que recaí sobre as
mulheres, porque ainda somos responsabilizadas como as cuidadores dos mais novos, dos mais velhos
e dos doentes. Algumas mulheres conseguiram escapar dessa carga, mas geralmente é porque elas
podem se dar ao luxo de contratar alguma outra mulher, muitas vezes uma mulher negra ou uma
imigrante, para fazer isto por elas. Mesmo mulheres negras ricas têm empregadas domésticas.
Nós precisamos de igualdade não importa se temos ou aspiramos ter filhos ou não. Existem
muitas necessidades que devem ser atendidas para a realização da libertação das mulheres,
especialmente para aquelas que querem a libertação E filhos. Nós não deveríamos ter que escolher
entre o trabalho e ter um filho, ou tentar fazer tudo isso ou então jogar para cima de outra mulher.
Infelizmente essas demandas não são mais a frente ou o centro como eram durante o momento
revolucionário, exceto em algumas organizações individuais. Talvez nós tenhamos que gastar tanto
tempo tentando não ficarmos grávidas que nos esquecemos que as vezes queremos ter filhos.3
Existem muitos outros termos que foram substituídos e mostram as alterações nos objetivos
e estratégias. Eu só tenho tempo para falar de alguns deles, mas eu trouxe um folheto aqui com uma
lista maior. Tenho certeza que você pode adicionar outros termos nessa lista.
Vamos falar sobre aborto, agora conhecido como escolha.
“Roe V. Wade”4
foi utilizada pela Suprema Curte para apaziguar um movimento forte e resoluto
que demandava aborto gratuito e legal e a revogação de todas as leis de aborto. O apaziguador
praticamente funcionou por completo. Com Roe, uma grande parte do Movimento de Libertação das
2
Essa frase foi criada pela feminista sufragista Susan B. Anthony no contexto em que ela identificou como era prejudicial o fato de que
as mulheres não tinham direito a deter nenhum bem, nem abrir uma conta bancária, etc., e a bolsa da mulher era um símbolo de
independência, dado que era aquilo que era dela.
3
Nós que traduzimos o texto não necessariamente concordamos com tudo dito pela autora. Nessa parte, por exemplo, percebemos que
ela não leva em consideração a maternidade compulsória e coloca a maternidade muito como escolha.
4
Roe X Wade foi um caso americano de 1970. Roe era uma mulher vítima de estupro que contou com a defesa de duas advogadas recém
graduadas para defender seu aborto. Wade era Henry Wade, o advogado que representava o Estado do Texas, que se opunha ao direito
de aborto. O caso correu muitas instâncias, até chegar na Suprema Corte de Justiça dos Estados Unidos, que decidiu que a mulher
“pode decidir por si mesma”, de acordo com o princípio do direito da privacidade, amparado pela Constituição deste país. Diversas leis
que regiam sobre a criminalização do aborto tiveram, então, de ser modificadas. A decisão foi tomada como uma grande vitória, mas
essa abordagem de vitória foi muito problemática, como Carol continua a explicar no texto.
Mulheres declarou que o direito ao aborto ganhou e seguiram em frente, deixando para trás mulheres
pobres, mulheres rurais, aquelas nas chamadas “flyover zones” e outras sem acesso fácil a um
aborto. Nós não finalizamos a batalha nessas áreas, e agora esses são os lugares onde as forças anti-
aborto têm uma forte presença. Infelizmente para nós, Roe não era sobre o direito de toda mulher a
um aborto e a revogação de todas as leitas sobre aborto, era sobre o direito à privacidade.
Uma vez que o poderoso movimento do direito ao aborto abandonou a si mesmo e se entregou
à estratégia equivocada do “pró-escolha”, a palavra “aborto” como era usada pelo nosso lado foi
praticamente extinta, fazendo se tornar difícil fazer reivindicações e exigências pelo aborto mais uma
vez.
Alguns outros termos:
Mulheres agredidas ou violência contra mulheres têm se tornado “violência doméstica” ou
“abuso doméstico”, jogando fora a ênfase no fato de que quase todos os agressores são do sexo
masculino. Isso atrapalha soluções eficazes.
Estupro se tornou “sexo não-consensual”. Para ver o que há de errado com isso, basta
imaginar o grito “Socorro! Eu estou tendo um sexo não-consensual!”, em vez de “Socorro! Eu estou
sendo estuprada”. O estupro tem uma história.
Em muitos casos, os centros que lidavam com aborto, agressão de mulheres e estupros foram
sofisticando suas palavras e se divorciando do movimento de libertação de mulheres devido à
necessidade de financiamento. Esses centros deveriam ser financiados pelo contribuinte através do
Estado, mas na maioria das vezes, eles não são. A maioria é financiado por fundações.
Fundações são uma ferramenta financeira para pessoas ricas evitarem pagar impostos sobre
seus lucros excessivos e para melhorar suas imagens enquanto promovem seus interesses. Eles
devolvem uma quantidade minúscula de dinheiro daquele montante que já roubaram dos trabalhadores
e dos consumidores. No capitalismo moderno, tudo está a venda e sendo explorado – incluindo
mulheres e incluindo o feminismo. O dinheiro de fundações tem tido um papel enorme no sumiço do
feminismo radical. Grandes fundações financiam fundações menores. Por exemplo, a Ford, a
Rockefeller e outras grandes fundações financiam a Fundação MS ou a Fundação Majoritária Feminista,
que por sua vez distribui os fundos para grupos que seguem sua linha liberal – que não ameaça de
verdade os “um por cento”. Financiamentos corporativos desses gigantes financeiros como a Goldman
Sachs e o Bank of America também tiveram seus dedos na torta feminista. Você pode descobrir isso
com uma pesquisa no Google.
Nem as fundações nem o governo vão financiar organizações e projetos revolucionários,
então esses projetos vão se diluindo, tanto no nome como na prática. É um dilema terrível. Grupos
precisam de dinheiro para continuar seu trabalho, mas o trabalho se torna apenas o que as fundações
e os ricos aprovam. Pior, esse enfraquecimento eventualmente afeta até mesmo os grupos que não
recebem os fundos em si, mas têm de lidar com as consequências da anti-radicalização. A única
alternativa é depender de doações e/ou criar fundos com arrecadação dos membros. Por mais difícil
que seja competir com os grupos financiados pelas corporações, eu não contaria com eles para
nenhum “momento revolucionário” no futuro, muito menos para a verdadeira revolução que tanto
precisamos.
Nós também temos que lidar com o fato de que as Universidades não são o grande lugar
das atividades radicais como eram nos anos 60. Elas também dependem cada vez mais das doações
corporativas. Isto, sem dúvida, tem muito a ver com a austeridade que está sendo imposta no setor
da educação nas enormes dívidas dos estudantes, mas isso tudo não vai ficar melhor enquanto nós
não fizermos isso ficar melhor.
A própria Academia tem contribuído muito para substituir a linguagem das lutas pela
linguagem elitista e muitas vezes inacessível da Academia, como pós-modernismo, binarismo, agência,
desconstrução, complexidade e por aí vai. Nem essas palavras nem esses conceitos têm muito
significado para a vida real da maioria das mulheres. Elas servem apenas para fazer até mesmo os
estudantes se sentirem estúpidos.
O próprio Movimento de Libertação das Mulheres não é inocente nesse retrocesso. Os
tópicos de auto-empoderamento e individualismo, divisão e desunião, estavam no Movimento desde o
começo. Haviam mulheres nas sessões de autoconsciência, por exemplo, que se negavam a tirar
conclusões, fazer julgamentos e tirar posicionamentos. O percursos “auto-empoderamento” foi se
esforçando para se tornar o mítico “mulher livre”.
É essencial entendermos e estudarmos o backlash5
e como ele funciona, para que
possamos nos defender dele e não repetir erros anteriores. Fazer do momento revolucionário mais
do que apenas um momento vai exigir menos “sexo, drogas e rock’n roll” e mais algo como “estudar,
lutar e organizar”.
5
“Backlash” é um termo que não tem uma tradução boa para o português. Trata-se do processo de reação dos opressores e dos
detentores de poder em geral em relação às feministas quando essas avançam.

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Como o feminismo foi desarmado substituindo o político pelo pessoal

  • 1. INTRODUÇÃO: Esse texto é uma apresentação no Painel “Como desarmar um Movimento: Substituir o político com o pessoal” na Conferência “Um Momento Revolucionário: Libertação das Mulheres no final dos anos 1960 e início dos anos 1970”, na Universidade de Boston nos dias 27 a 29 de Março de 2014. No painel, três trabalhos foram apresentados. Um deles foi este, feito pela feminista Carol Hanisch. Carol é formada em Jornalismo pela Drake University (EUA). Em 1965 iniciou suas primeiras lutas, naquele momento pelos direitos civis da população de Mississipi. Em 1968 interrompeu, com três outras companheiras de luta, a cerimônia do Miss America. Elas penduraram a bandeira do Movimento de Libertação das Mulheres na frente do mundo inteiro. O protesto foi, de certa forma, bem sucedido, pois voltou as atenções dos EUA para o movimento. No mesmo ano, 68, Carol lançou o escrito “O que pode ser aprendido: Uma Crítica ao protesto Miss America”, avaliando a própria ação e de suas companheiras. Esse escrito dizia que a ideia popular “faça você mesmo” / “faça sua própria coisa” é perigosa quando aplicada à ação coletiva. Carol já desenvolvia na sua militância a estratégia dos conhecidos grupos de autoconsciência. Mas os movimentos que se relacionavam com o feminismo criticavam muito a tática, chegando a chamar de “terapia”. Carol, então, publicou uma nota defendendo as sessões e argumentando que não, não eram terapia, e sim uma importante ferramenta de organização das mulheres. Essa nota foi publicada algum tempo depois com o nome de “O pessoal é político”, ficando famosa em todo o mundo. Em 1975 Carol foi editora do livro “Revolução Feminista”. Entre 1977 e 1991 fundou e foi do conselho editorial do periódico “Meeting Ground”. Após esse período, publicou um compilado de textos que escreveu para o mesmo periódico – o qual deu o nome de “Francamente Feminista”. Atualmente, Carol Hanisch trabalha como editora e artista gráfica, mas continua na luta pelas mulheres contando tudoqueaprendeuem tantos anos demilitância.Essaéuma das mais preciosas contribuições da autora feminista que tem tanto a nos ensinar. 1 Palavras reveladoras: Despolitizando o Movimento de Libertação das Mulheres Carol Hanisch Quandoeu vi pela primeira veza chamada de trabalhos para esta conferência, eusimplesmente não podia acreditar nos meus olhos. Lá estavam as palavras: “libertação das mulheres”, “final dos 1960s e início dos anos 1970”, “revolucionários”: todas no mesmo título; e ativistas não-acadêmicos foram mesmo convidados a apresentar propostas. "Que corajoso!", pensei. Nos últimos anos, a maior parte da Academia, com algumas exceções, parece ter esquecido tudo sobre o Movimento de Libertação das Mulheres. As suas raízes radicais na década de 1960 estão sendo ignoradas e sendo chamadas como "um movimento dos anos 70”. 1 Introdução e tradução pelo blog Uma Feminista Dialética, Uma Dialética Feminista
  • 2. Por um lado, meio que dói ouvir o trabalho da sua vida ser chamado apenas como “um momento revolucionário”. Mas é a verdade. Embora essa enorme onda que nós criamos esteja, em certa medida, sendo montada até hoje, ela foi amplamente apagada e jogada fora. No entanto, cada mulher nessa conferência que é engajada em estudos sobre mulheres ou um campo relacionado – ou pretende ser – deve seu trabalho àquele “momento revolucionário”. A parte importante dos anos 60 – aquilo que fez desses anos revolucionários – não foi o “sexo, drogas e rock’n roll” como tantos reivindicam. O que fez desses anos revolucionários foi o: ESTUDAR, LUTAR, ORGANIZAR. Em todos os movimentos, incluindo a libertação das mulheres, havia um núcleo considerável que lutava para mudar as relações de poder, não apenas para mudar nós mesmos ou um pedaço da cultura ou se divertir. Que foi apenas um “momento” foi em parte devido aos nossos próprios erros – um grande tema para outra conferência – e em parte devido ao fato de que aqueles que não querem que tenhamos sucesso eram mais fortes e mais organizados, e, é claro, imensamente mais financiados do que nós. Quando nós começamos a nos tornar bem sucedidos o suficiente para que os poderosos nos vissem como uma ameaça, eles vieram atrás de nós. Não com armas ou sentenças de prisão como em outros movimentos, mas com palavras bem financiadas e ideias para inundar o sucesso do movimento das mulheres que acontecia até então. Nós da parte “estudar, lutar, organizar” dos anos 60 nos esforçamos pela verdade, por olhar a realidade quadrada na nossa cara e dizer “as coisas como elas são” em uma linguagem clara. As sessões de autoconsciência foram desenvolvidas como ferramentas de organização para obter a compreensão da realidade e de nossas vidas através de um procedimento coletivo. E foi para cada mulher: você não precisa de uma educação universitária ou mesmo um diploma do ensino médio para participar. As palavras – os termos que usávamos – faziam parte da luta revolucionária. Muitas vezes, elas tinham ligação com outras lutas. Olhar para a nossa linguagem revela de onde viemos e quais nossos objetivos. Sem dúvida, novos termos são necessários as vezes. Mas nós precisamos estar atentas e perguntar “esse termo é realmente melhor?” “Esse termo nos corta fora da nossa própria história?” “O que está sendo evitado por não usar o termo antigo?”. Se nós compararmos as apaixonadas e eletrizantes demandas do final dos anos 60 e começo dos anos 70 com o que acontece no feminismo hoje, nós vamos ver grandes mudanças na estratégia e nos objetivos. O grito robusto para as mulheres se unirem e se organizarem contra a supremacia masculina desapareceu. Matar palavras revolucionárias é uma coisa séria. O processo de colocar freios no espectro assustador de mulheres enfurecidas se levantando e fazendo grandes reivindicações por grandes mudanças se reflete no desaparecimento gradual do nosso próprio nome: Movimento.... de Libertação.... das Mulheres. LIBERTAÇÃO foi o primeiro a ir embora. Foi uma castração parcial em primeiro lugar quando nos pegamos abreviando isso para “lib das mulheres” ou “libber das mulheres”. Em seguida veio o “Movimento de Mulheres”, que soava muito menos ameaçador com a libertação indo embora – e ela
  • 3. foi. A palavra “libertação” era muito radical para financiamento acadêmico e de fundações e por isso algumas mulheres se tornaram ferramentas em sua erradicação. MOVIMENTO foi o segundo a sair. Um movimento, nesse contexto, é uma classe de pessoas em movimento. O Movimento de Libertação das Mulheres foram massas de mulheres em movimento em busca de poder coletivo para terminar com a nossa situação de segundo sexo. Havia muitos artigos escritos por ativistas do Movimento de Libertação de Mulheres falando sobre poder para as mulheres, até mesmo um livro chamado “poder das mulheres”, da Celestine Ware-Oh – oh, é verdade, ela era uma mulher negra e nós TODOS sabemos que nenhuma mulher negra se considerava parte do assim chamado Branco Movimento de Libertação das Mulheres – porque os historiadores das mulheres nos disseram que sim! Então o que mais os poderosos – aqueles que querem nos conter – fazem? Primeiro eles nos dizem que poder é algo impróprio para mulheres procurarem ter. Poder é uma coisa desagradável e só deve ser procurada por homens. Em seguida, somos orientadas a buscar empoderamento pessoal – não o poder das mulheres se unindo como uma união para forçar mudanças sociais – mas para procurar “agência” – mais escolha – para mulheres individuais. Se cada mulher apenas fizer as escolhas necessárias e se inclinar no caminho certo, seus sonhos se tornarão realidade, não importa se essas escolhas não são boas o suficiente. Livros e artigos de revistas incitando mulheres ao “auto- empoderamento” têm substituído aqueles gritos feministas anteriores contra a supremacia masculina, gritos esses considerados “estridentes”. Depois veioa “Terceira Onda”do feminismocheia de mais do mesmo – “empoderamento”, “expressar você mesma” e procurando “espaços seguros” – não com uma mudança do mundo. Feminismo se tornou qualquer coisa que uma mulher diz que é. Qualquer uma, de Sarah Palin até Lady Gaga poderia se autodenominar feminista - e quem poderia negar isto? Estamos, agora, no meio do processo de apagamento até mesmo do termo MULHER, de modo que, em breve, não sobrará mais nada do Movimento de Libertação das Mulheres. A existência das mulheres enquanto uma classe sexual oprimida está sendo contestada – e escondida por “gênero”. Se fosse da maneira como Simone de Beauvoir falava quando ela escreveu sobre como mulheres são feitas, não nascem sendo, nós poderíamos dar boas-vindas a isto. Mas, na teoria de gênero, as mulheres não são mais consideradas um sexo oprimido pelo outro sexo. Nós existimos como um gênero “fluído”, não como um sexo. Como um gênero, todo mundo pode ignorar a classe sexual e brincar com a sua “apresentação” para se modificar. Enquanto isso, as categorias homem e mulher podem ser jogadas para fora do caminho sem lidarmos com as profundas causas da opressão das mulheres. Podemos eliminar “o binário” de duas maneiras: acabar com a supremacia masculina e, portanto, com a opressão das mulheres, ou eliminar as mulheres através da substituição por gênero. No nosso campo, o que começou como Estudos das Mulheres ou Estudos Feministas – inspirados pelos Estudos Negros e lutando bravamente ao lado dos revolucionários do Momento Revolucionário – está agora em perigo de desaparecer dentro de Gênero ou Estudos da Sexualidade. Os estudos das mulheres continham uma boa dose de conteúdo sobre Libertação das Mulheres no começo. Talvez se eles tivessem se chamado “Estudos de Libertação das Mulheres” em primeiro lugar
  • 4. – como eles deveriam ter sido chamados já que é desse lugar que esse programa acadêmico veio – isso teria ajudado a mantê-los no caminho certo. Todas as mulheres precisam de “a purse of her own”2 como Susan B. Anthony costumava dizer, mas nós precisamos de muito mais que isso. De alguma forma, muitas pessoas, incluindo as que se dizem feministas, parecem se esquecer que as mulheres são a classe reprodutiva – a classe que carrega e gera a próxima geração da raça humana – algo pelo qual a sociedade inteira se beneficia. Dado que a raíz da nossa opressão está nessa capacidade de reprodução das mulheres, isto é uma coisa perigosa de se ignorar. É necessário estejamos unidas e lutemos contra a nossa exploração enquanto as “fazedoras de bebês” do mundo. Precisamos que os homens reforcem e compartilhem a guarda das crianças e o trabalho doméstico, precisamos que o nosso governo forneça creches gratuitas 24 horas, assim como jardins de infância. Precisamos de licenças parentais remuneradas e licenças para cuidados de idosos. Precisamos compartilhar – com os homens e com a sociedade – a carga que recaí sobre as mulheres, porque ainda somos responsabilizadas como as cuidadores dos mais novos, dos mais velhos e dos doentes. Algumas mulheres conseguiram escapar dessa carga, mas geralmente é porque elas podem se dar ao luxo de contratar alguma outra mulher, muitas vezes uma mulher negra ou uma imigrante, para fazer isto por elas. Mesmo mulheres negras ricas têm empregadas domésticas. Nós precisamos de igualdade não importa se temos ou aspiramos ter filhos ou não. Existem muitas necessidades que devem ser atendidas para a realização da libertação das mulheres, especialmente para aquelas que querem a libertação E filhos. Nós não deveríamos ter que escolher entre o trabalho e ter um filho, ou tentar fazer tudo isso ou então jogar para cima de outra mulher. Infelizmente essas demandas não são mais a frente ou o centro como eram durante o momento revolucionário, exceto em algumas organizações individuais. Talvez nós tenhamos que gastar tanto tempo tentando não ficarmos grávidas que nos esquecemos que as vezes queremos ter filhos.3 Existem muitos outros termos que foram substituídos e mostram as alterações nos objetivos e estratégias. Eu só tenho tempo para falar de alguns deles, mas eu trouxe um folheto aqui com uma lista maior. Tenho certeza que você pode adicionar outros termos nessa lista. Vamos falar sobre aborto, agora conhecido como escolha. “Roe V. Wade”4 foi utilizada pela Suprema Curte para apaziguar um movimento forte e resoluto que demandava aborto gratuito e legal e a revogação de todas as leis de aborto. O apaziguador praticamente funcionou por completo. Com Roe, uma grande parte do Movimento de Libertação das 2 Essa frase foi criada pela feminista sufragista Susan B. Anthony no contexto em que ela identificou como era prejudicial o fato de que as mulheres não tinham direito a deter nenhum bem, nem abrir uma conta bancária, etc., e a bolsa da mulher era um símbolo de independência, dado que era aquilo que era dela. 3 Nós que traduzimos o texto não necessariamente concordamos com tudo dito pela autora. Nessa parte, por exemplo, percebemos que ela não leva em consideração a maternidade compulsória e coloca a maternidade muito como escolha. 4 Roe X Wade foi um caso americano de 1970. Roe era uma mulher vítima de estupro que contou com a defesa de duas advogadas recém graduadas para defender seu aborto. Wade era Henry Wade, o advogado que representava o Estado do Texas, que se opunha ao direito de aborto. O caso correu muitas instâncias, até chegar na Suprema Corte de Justiça dos Estados Unidos, que decidiu que a mulher “pode decidir por si mesma”, de acordo com o princípio do direito da privacidade, amparado pela Constituição deste país. Diversas leis que regiam sobre a criminalização do aborto tiveram, então, de ser modificadas. A decisão foi tomada como uma grande vitória, mas essa abordagem de vitória foi muito problemática, como Carol continua a explicar no texto.
  • 5. Mulheres declarou que o direito ao aborto ganhou e seguiram em frente, deixando para trás mulheres pobres, mulheres rurais, aquelas nas chamadas “flyover zones” e outras sem acesso fácil a um aborto. Nós não finalizamos a batalha nessas áreas, e agora esses são os lugares onde as forças anti- aborto têm uma forte presença. Infelizmente para nós, Roe não era sobre o direito de toda mulher a um aborto e a revogação de todas as leitas sobre aborto, era sobre o direito à privacidade. Uma vez que o poderoso movimento do direito ao aborto abandonou a si mesmo e se entregou à estratégia equivocada do “pró-escolha”, a palavra “aborto” como era usada pelo nosso lado foi praticamente extinta, fazendo se tornar difícil fazer reivindicações e exigências pelo aborto mais uma vez. Alguns outros termos: Mulheres agredidas ou violência contra mulheres têm se tornado “violência doméstica” ou “abuso doméstico”, jogando fora a ênfase no fato de que quase todos os agressores são do sexo masculino. Isso atrapalha soluções eficazes. Estupro se tornou “sexo não-consensual”. Para ver o que há de errado com isso, basta imaginar o grito “Socorro! Eu estou tendo um sexo não-consensual!”, em vez de “Socorro! Eu estou sendo estuprada”. O estupro tem uma história. Em muitos casos, os centros que lidavam com aborto, agressão de mulheres e estupros foram sofisticando suas palavras e se divorciando do movimento de libertação de mulheres devido à necessidade de financiamento. Esses centros deveriam ser financiados pelo contribuinte através do Estado, mas na maioria das vezes, eles não são. A maioria é financiado por fundações. Fundações são uma ferramenta financeira para pessoas ricas evitarem pagar impostos sobre seus lucros excessivos e para melhorar suas imagens enquanto promovem seus interesses. Eles devolvem uma quantidade minúscula de dinheiro daquele montante que já roubaram dos trabalhadores e dos consumidores. No capitalismo moderno, tudo está a venda e sendo explorado – incluindo mulheres e incluindo o feminismo. O dinheiro de fundações tem tido um papel enorme no sumiço do feminismo radical. Grandes fundações financiam fundações menores. Por exemplo, a Ford, a Rockefeller e outras grandes fundações financiam a Fundação MS ou a Fundação Majoritária Feminista, que por sua vez distribui os fundos para grupos que seguem sua linha liberal – que não ameaça de verdade os “um por cento”. Financiamentos corporativos desses gigantes financeiros como a Goldman Sachs e o Bank of America também tiveram seus dedos na torta feminista. Você pode descobrir isso com uma pesquisa no Google. Nem as fundações nem o governo vão financiar organizações e projetos revolucionários, então esses projetos vão se diluindo, tanto no nome como na prática. É um dilema terrível. Grupos precisam de dinheiro para continuar seu trabalho, mas o trabalho se torna apenas o que as fundações e os ricos aprovam. Pior, esse enfraquecimento eventualmente afeta até mesmo os grupos que não recebem os fundos em si, mas têm de lidar com as consequências da anti-radicalização. A única alternativa é depender de doações e/ou criar fundos com arrecadação dos membros. Por mais difícil que seja competir com os grupos financiados pelas corporações, eu não contaria com eles para
  • 6. nenhum “momento revolucionário” no futuro, muito menos para a verdadeira revolução que tanto precisamos. Nós também temos que lidar com o fato de que as Universidades não são o grande lugar das atividades radicais como eram nos anos 60. Elas também dependem cada vez mais das doações corporativas. Isto, sem dúvida, tem muito a ver com a austeridade que está sendo imposta no setor da educação nas enormes dívidas dos estudantes, mas isso tudo não vai ficar melhor enquanto nós não fizermos isso ficar melhor. A própria Academia tem contribuído muito para substituir a linguagem das lutas pela linguagem elitista e muitas vezes inacessível da Academia, como pós-modernismo, binarismo, agência, desconstrução, complexidade e por aí vai. Nem essas palavras nem esses conceitos têm muito significado para a vida real da maioria das mulheres. Elas servem apenas para fazer até mesmo os estudantes se sentirem estúpidos. O próprio Movimento de Libertação das Mulheres não é inocente nesse retrocesso. Os tópicos de auto-empoderamento e individualismo, divisão e desunião, estavam no Movimento desde o começo. Haviam mulheres nas sessões de autoconsciência, por exemplo, que se negavam a tirar conclusões, fazer julgamentos e tirar posicionamentos. O percursos “auto-empoderamento” foi se esforçando para se tornar o mítico “mulher livre”. É essencial entendermos e estudarmos o backlash5 e como ele funciona, para que possamos nos defender dele e não repetir erros anteriores. Fazer do momento revolucionário mais do que apenas um momento vai exigir menos “sexo, drogas e rock’n roll” e mais algo como “estudar, lutar e organizar”. 5 “Backlash” é um termo que não tem uma tradução boa para o português. Trata-se do processo de reação dos opressores e dos detentores de poder em geral em relação às feministas quando essas avançam.