3. Feliz o homem que não procede conforme o conselho dos
ímpios, não trilha o caminho dos pecadores, nem se assenta entre
os escarnecedores; feliz aquele que se compraz no serviço do
Senhor e medita a sua Lei dia e noite.
Salmos 1- 2
3
4. AGRADECIMENTOS
Não é prudente mencionar o nome de ninguém. Não quero
expor as pessoas que eu amo. Mas jamais me esquecerei de
nenhum gesto que transmitiu confiança e motivação. Aos meus
familiares e amigos, muito obrigado.
4
5. A MÁFIA DE PALETÓ
Operação Uragano*. No olho do Furacão. O dia em que a Polícia
Federal desmascarou os donos do poder.
* URAGANO - FURACÃO NO IDIOMA ITALIANO.
5
6. APRESENTAÇÃO
Às vezes me pergunto como eles sempre conseguem voltar. São
denunciados, chegam a parar na cadeia, estampam as capas dos
jornais e em pouco tempo renascem das cinzas. A perseverança
de muitos políticos envolvidos com escândalos é no mínimo
admirável. Usam a memória curta do eleitor para se deleitar com
o dinheiro público. Mas até quando? O brasileiro ainda saberá
dar o troco nas urnas aos abusos dos candidatos com ''vida suja''?
Talvez este dia já tenha chegado. Não com o ritmo
desejado, mas com sinais capazes de acender uma luz no coração
de quem quer acreditar na política. Ou acreditamos e nos
envolvemos, ou sempre estará nas mãos de gente desonesta o
sistema capaz de mudar as regras sociais de nossas vidas. A
política determina nossos limites. Cria as leis que nos beneficiam
ou incriminam. Estabelece, mesmo que indiretamente, nossa
posição diante da sociedade.
Que nossas falhas sejam esquecidas. É impossível
reeditar o passado, mas podemos escrever o presente ignorando
os rascunhos. E tenha certeza, o futuro vai dizer quem somos
hoje: editores de nossas histórias ou coadjuvantes da vida dos
manipuladores do poder.
No mundo da política, ser honesto não é tão difícil. O
maior esforço está em evitar a omissão e tomar as decisões que o
medo nos enfraquece. A honestidade dos moradores de uma
cidade não elimina a opressão, nem destrói a imoralidade de seus
6
7. líderes. A ação sim pavimenta nossos destinos ao local que
desejamos.
Mexi num vespeiro ao escrever este livro. Estou ciente
dos processos que enfrentarei; das ameaças inevitáveis; do
dissabor da censura. Mas não me arrependo de ter puxado o
gatilho da sensatez. A vida apresentou uma encruzilhada. Local
e tempo ideais para descortinar um grande esquema de
corrupção. A decisão foi solitária, sem o apoio ou consolo de
ninguém. Meus pais e amigos teriam dito para sair sem me
envolver. Alguns colegas certamente incentivariam a me
lambuzar no ''pote de mel'' dos corruptos.
Ofereço esta obra às pessoas que amo. Busquei forças no
olhar confiante da minha família. Na admiração da minha filha.
Na lealdade de meus amigos. Todos foram propositadamente
evitados nos últimos meses. Fui cobrado, mas não pude me
explicar. Agora peço perdão. O perigo passou a ser a minha
companhia e não quero que ele conheça os rostos de quem levo
no coração.
Preciso me desculpar também com a população de
Dourados. Coordenei a campanha de comunicação que
convenceu os eleitores de que valia a pena votar em Ari Artuzi.
O defendi depois de eleito por mais de um ano em dezenas de
entrevistas. No começo acreditava realmente no que falava.
Mudei de idéia quando ultrapassei a ante-sala dos acordos
políticos e encarei a ''máfia'' que se esconde nos gabinetes.
A força invisível que corrompe os ''líderes do povo'' é
cruel. Muito mais venenosa do que os cartéis de drogas, de
armas e de prostituição. A máfia infiltrada na política além de
7
8. arrancar boa parte do dinheiro que deveria ser investido no bem
coletivo, cria leis que beneficiam o crime e estendem um tapete
vermelho à malandragem. A maior diferença é que na política os
bandidos não se vestem de preto, não exibem tatuagem e não dão
tiros para o alto. Eles sorriem para a gente, pregam lealdade e
pedem o nosso voto.
Faço da maior reportagem de minha carreira, um
pequeno livro. Não há nenhuma metralhadora de letras apontada
para alguém. Não denuncio indivíduos e sim, fatos. A ausência
de sensacionalismo ou qualquer tipo de romantismo, explica o
porquê não me estendi, renunciando o excesso de páginas e de
fotos flagrantes.
Particularmente tenho motivos para admirar algumas
pessoas aqui denunciadas, mas reprovo a ação deles. Deus me
ensinou a amar o pecador, não o pecado.
Que este livro encoraje mais gente a combater o desvio
de dinheiro público. Do contrário, a velhice nos apresentará a
fatura do silêncio. Alguém já disse que o que deixamos de fazer
provoca arrependimento muito maior do que os erros que
cometemos.
8
9. INTRODUÇÃO
Se uma criança que você ama perguntasse sua opinião sobre a
corrupção certamente você diria que é contra. Mas se ela
também questionasse o que você tem feito para evitar a ação dos
corruptos, que resposta daria? Eu particularmente penso que
ainda não tenho muitos argumentos. As gravações entregues à
Polícia Federal serviram apenas para que os homens da lei façam
a sua parte no processo. Cabe agora a nós, população, punir com
o descrédito qualquer ''profissional'' da política. Quem já se
envolveu com qualquer tipo de fraude no setor público deve ser
esquecido impiedosamente.
A atitude é o antídoto contra os líderes corrompidos. O
abismo da desigualdade entre quem governa e quem é governado
se alimenta do nosso egoísmo. Queremos resolver apenas os
nossos problemas.
O homem moderno reenvia por e-mail slides que
satirizam políticos, mas se recusa a participar de qualquer
movimento contra a corrupção. Crucifica os políticos que
desviam milhões, mas não devolve o troco dado a mais por
engano. Se revolta contra os policiais que aceitam suborno,
porém é capaz de pagar R$ 50,00 (cinqüenta reais) para evitar
uma multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) no trânsito.
9
10. Percebi a incoerência do discurso do cidadão brasileiro
quando assumi a Secretaria de Comunicação da prefeitura de
Dourados, a maior cidade do interior de Mato Grosso do Sul. Fui
bombardeado por pedidos dos mais diversos. A maioria se
achava no direito de gozar dos favorecimentos do serviço
público simplesmente porque votou no candidato eleito nas
últimas eleições. Uma verdadeira extorsão. Casa popular ou o
esquecimento do candidato nas urnas. Anistia do IPTU atrasado
ou protestos mobilizados por um certo presidente de bairro que
manipula as ''massas'' para defender causa própria.
A realidade é que cada civilização tem o governo que
merece. Parte da sociedade alimenta a corrupção. Ao exigir
benefícios ilegais o cidadão corrompe o agente público. Quando
vende seu voto por dinheiro ou qualquer troca de favor o eleitor
coloca no poder alguém predestinado a roubar. SIM, A
ROUBAR. Assistencialismo de qualquer natureza tem custos
elevados e quem o faz fatalmente vai arrumar uma forma
desonesta para equacionar o problema mais tarde.
O prefeito Ari Artuzi doava caixões, passagens, cadeiras
de rodas, dentaduras e até dinheiro enquanto era deputado. Os
recursos vinham de empresários locais que souberam muito bem
como cobrar cada real emprestado. Apesar de existir um
processo de licitação que na teoria é elaborado para escolher
prestadores de serviços ou fornecedores com os menores preços,
na prática, ganham as empresas que o governo quer.
Os contratos superfaturados pagam dívidas de campanha
e ainda engordam as contas de uma lista suja formada por
prefeito, empresários, vereadores, secretários e outros
colaboradores.
10
11. Geralmente os empresários que se envolvem com a
política se tornam ''olheiros''. Buscam talentos capazes de
capitalizar números expressivos nas urnas. Um mesmo
patrocinador de campanha financia dois ou mais concorrentes à
cadeira de prefeito e, às vezes, a dezenas de candidatos a
vereador de uma única vez. O mesmo pode acontecer quando as
eleições escolhem governadores, deputados, senadores e, que
ninguém duvide, até o presidente da república
É uma forma de perpetuar a contaminação do sistema,
apesar da troca de gestores e de siglas partidárias no poder.
Não significa que todos os candidatos e partidos aceitam
acordos com a ''máfia'' que dá fôlego à corrupção. Mas é preciso
admitir: apesar de haver muita gente honesta no setor público,
ainda é carente de homens com coragem de denunciar e tomar
ações decisivas contra os bandidos de paletó.
O que vou relatar nos próximos capítulos vai aborrecer os
leitores que desejam ver o Brasil como um país melhor. Em
minhas viagens a Brasília, após conversar com senadores,
deputados, prefeitos, vereadores e empresários de todo o país,
pude concluir que casos semelhantes aos constatados em
Dourados acontecem em muitas prefeituras do Brasil.
Não me cansarei de afirmar que a revolta maior deve ser
contra o silêncio. Se as coisas não são como gostaríamos que
fossem, é hora de lembrar: sim, nós podemos combater a
corrupção, juntos.
11
12. PRIMEIRA OPERAÇÃO
Primeiro de janeiro de 2009. Eu era o mais novo entre os 12
secretários nomeados pelo novo prefeito, 32 anos de idade. A
bolsa de apostas dizia que suportaria 6 meses na pasta. Estavam
errados, foram otimistas demais, ao final do terceiro mês pedi
para sair. O projeto de reformulação do jornalismo da repetidora
da Rede Record no estado havia me seduzido. Salário acima da
média e colocação de matérias em rede nacional.
Porém não consegui dizer não ao pedido de Darci Caldo,
então Secretário de Governo. Ele solicitou que eu ficasse mais
algumas semanas até contratar outra pessoa. O tempo passou
rápido e ninguém apareceu para ocupar o posto. Ainda pertencia
ao quadro de servidores municipais quando um clima pesado
tomou conta de Dourados. Manhã da terça-feira, dia 7 de julho
de 2009, a operação OWARI (ponto final em japonês) da Polícia
Federal mandou para cadeia 42 pessoas. Na lista constavam os
nomes do vice-prefeito, de três vereadores e de 9 funcionários da
prefeitura, entre eles 4 secretários. A PF também colocou atrás
das grades o patriarca Sizuo Uemura, a esposa e seus 5 filhos.
De acordo com investigações da Federal, os Uemura
presenteavam funcionários públicos com viagens, objetos de
valor e dinheiro. Em troca queriam favorecimento para vender
produtos das empresas da família. Apenas nos últimos 2 anos
teriam ganhado R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais) em
licitações. Mas não tiveram tempo para se acostumar com a vida
de presidiários. Passaram poucos dias detidos. Um habeas corpus
deu direito a responderem ao processo em liberdade.
12
13. A operação policial foi mais um incentivo para deixar
Dourados. Arrumamos um novo secretário para a pasta da
comunicação institucional do município e eu voltei à capital sul-
mato-grossense. No entanto, minha história na Prefeitura de
Dourados ainda não havia chegado ao fim. Artuzi insistia para
que eu voltasse. Resisti ao convite várias vezes. Um detalhe
apenas me intrigava: os comentários de um blogueiro
maquiavélico.
O jornalista Valfrido Silva sempre quis ser o secretário
de comunicação de Artuzi. Quando soube do desejo do prefeito,
começou a me atacar em seu blog. Deixava nas entrelinhas a
impressão de que eu seria o próximo responsável por organizar
os esquemas de desvio de dinheiro da prefeitura. Uma vez por
telefone perguntei por que tanta agressividade. Respondeu que
era para o meu bem, queria me desencorajar. Valfrido afirmava
que um dia o agradeceria muito. Para a minha carreira
profissional, seria muito melhor continuar em Campo Grande
atuando como jornalista.
Não acreditei nas palavras amigáveis de meu desafeto.
Estava convencido de que seu desejo era apenas limpar o
caminho para voltar a ser o marketeiro de Artuzi.
Ele tinha motivos para não gostar de mim. Fui contratado
no lugar dele para coordenar a campanha de comunicação do
PDT nas eleições de 2008. Mágoa que o bloqueio aliviava com a
ponta dos dedos. Seus textos eram cada vez mais amargos. Além
de corrupto, passou a me chamar de cafetão.
Por duas vezes seguidas, cheguei a redação para trabalhar
e encontrei o blog aberto em páginas que me denegriam. Foi um
13
14. golpe dolorido. Coisa da minha cabeça ou não, o clima na
emissora ficou hostil. Não estava a fim de levar todos aqueles
desaforos para casa.
O RETORNO
Três meses após a minha saída da Prefeitura de Dourados voltei
a ocupar o cargo de secretário de comunicação. Desta vez estava
convencido sobre a minha real missão: desmascarar o blogueiro
que manchou a minha honra. Em minha primeira gestão, ele
pediu dinheiro para não falar mal do prefeito no blog. Aceitei o
pedido desde que os pagamentos fossem legalizados e que ele
nos ajudasse a construir a imagem de Artuzi como um bom
prefeito.
A resposta foi um ''não'' em tom grave. Valfrido queria
receber às escondidas e sem nenhum compromisso. Sua única
função seria não escrever mais nada contra a prefeitura. Cometi
o erro de não registrar nem denunciar nada. Uma falha que não
se repetiria da próxima vez.
14
15. O desentendimento com Valfrido logo foi esquecido
quando me deparei com um problema maior. O contrato com a
agência de publicidade havia encerrado. Sem propaganda, o
município perde visibilidade. Não há político que sobreviva à
falta de aprovação popular, logo, era necessário “licitar uma
nova agência”. O contrato seria de R$ 2.750.000,00 (dois
milhões e setecentos e cinquenta mil reais). Números generosos
que encheram os olhos do prefeito.
Ari Artuzi queria indicar uma agência para vencer a
licitação. Eu sabia que isso era ilegal e perigoso. Se a intenção
fosse descoberta, poderia ser incriminado, pois era o
administrador da pasta para a qual a licitação seria feita.
Enviei o edital antes de ser publicado ao Sindicato das
Agências de Publicidade de Mato Grosso do Sul (SINAPRO),
uma forma de me blindar. A entidade apresentou uma série de
erros e vícios no documento elaborado pela prefeitura e sugeriu
modificações. Estranhamente o pedido foi recusado pelo setor
de licitação. Fiz questão de registrar todos os detalhes.
Corretamente a diretoria do SINAPRO pediu à justiça a
impugnação do processo licitatório alegando falta de lisura e
transparência do edital divulgado pelo Diário Oficial. O setor
jurídico do município recorreu da decisão. Semanas mais tarde,
após várias tentativas frustradas, a prefeitura renovou o contrato
com a antiga agência. O prefeito sabia que a volta dos informes
publicitários em rádio, TV, jornais e sites era fundamental para a
sustentação do governo diante da comunidade local.
Paz selada com a imprensa, ressentimento contra
Valfrido revigorado. Muita gente se deixou levar pelo blogueiro
15
16. e passou a me rotular como o malfeitor de Artuzi. Certo dia,
numa lanchonete, conheci uma garota bem desaforada. Ela
apresentou o prefeito da cidade e os seus secretários num altar a
Baal. Disse que todos precisavam ser exorcizados. Segundo ela,
a administração pública havia incorporado o demônio da
ganância.
A mocinha era leitora do blog sensacionalista. Deixei a
tagarela à vontade, falou bem mais do que devia. Só depois
contei que eu era o secretário de comunicação de Dourados.
Nunca ninguém me fez tantos pedidos de desculpas em tão
pouco tempo. Hoje somos amigos. Rimos juntos do episódio
todas as vezes que nos encontramos. Ela jura que não me acha
mais um corrupto. Menos mau.
Senti que era hora de voltar a falar com Valfrido Silva.
Queria gravar a conversa e depois desmascará-lo. Mas o destino
não quisera que fosse desta vez. Alziro Moreno, que substituiu
Darci Caldo na Secretaria de Governo após a operação Owari,
cambaleava na função de Articulador político. O prefeito queria
substituí-lo e me chamou para a função. O próprio Alziro me
pediu para aceitar o convite, pois não estava suportando as
pressões do cargo. Acertamos os detalhes em primeiro de maio
de 2010. No dia seguinte passei a dirigir as Secretarias de
Comunicação e de Governo.
Meu tempo agora era tomado pelo trabalho. O blogueiro
não me saía da memória, mas eu teria de esperar mais um pouco
para provar quem era o vigarista. Tinha certeza de que o dia da
prestação de contas não tardaria.
16
17. SECRETARIA DO DINHEIRO
Chefiar a Secretaria de Governo (SEGOV) foi a minha maior
experiência de vida. A pasta é o cérebro da administração.
Oficialmente representa o município perante as demais esferas
políticas. Coordena também todas as Secretarias. Ninguém faz
nada sem a aprovação prévia do Secretário de Governo, que tem
a responsabilidade de fazer valer os anseios do prefeito.
Há ainda outro atributo da SEGOV conhecido por um
número restrito de pessoas. Extra-oficialmente o secretário de
governo paga o mensalão dos vereadores e faz os acordos com
as empresas prestadoras de serviços. É o portal do inferno para
aqueles que desejam ganhar dinheiro de forma rápida e fácil.
17
18. Sempre desconfiei de que os antigos secretários de governo
estavam envolvidos com negócios fraudulentos, só não sabia que
essa era uma obrigação de quem ocupava o cargo.
Havia uma regra estabelecida por Artuzi. Do valor bruto
pago aos prestadores de serviços e produtos, 10 por cento
deveriam ser devolvidos a ele. Nem todos os empresários
aceitaram tal imposição. Neste caso, só se tornaram fornecedores
da prefeitura porque conseguiram furar os direcionamentos
criados nos editais. Nas gravações entregues à Polícia Federal, a
secretária de finanças dá a lista de alguns empresários que nunca
devolveram dinheiro a Artuzi.
Nos primeiros dias como secretário de governo, tentei
riscar da agenda qualquer encontro que pudesse trazer
complicações com a justiça. Mas isso me incomodava. Estava
sendo conivente com as práticas ilícitas apresentadas assim que
assumi o novo cargo. Para a justiça, fazer vistas grossas é crime.
Não sobrou outra alternativa. Teria de abandonar o barco. Já
havia feito isso um dia. Não custava pular na água outra vez.
Decepção estampada no rosto. Colegas de trabalho
estranhavam meu comportamento. Apesar de sentir desejo de ir
embora, sabia no fundo que seria um erro para a minha
reputação. Me chamariam de covarde ou inconstante e
continuariam me colocando na galeria dos corruptos, caso não
desmascarasse os comentários maldosos em valfridosilva.com.
Artuzi percebeu minha insatisfação. Antes que eu
entregasse uma nova carta de demissão, se valeu de um recurso
muito usado por ele em seus relacionamentos profissionais.
18
19. Afirmou que em breve me recompensaria com boa quantia de
dinheiro.
Fui procurado também por Eduardo Uemura. Ele
apresentou detalhadamente os principais negócios que tinha com
Artuzi. Reclamou que alguns pagamentos estavam atrasados e
me prometeu até R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) por mês
para defender os negócios da família com a prefeitura.
Empreiteiras como CGR, Planacon e MS Construtora também
prometeram propina caso firmassem novos contratos com o
município.
As propostas de ''retorno'' financeiro vieram até do
vereador Junior Teixeira. Poderia ter faturado tranquilamente
cerca de R$ 100.000,00 (cem mil reais) mensais se tivesse
aceitado me vender.
Com tanta generosidade a vista, fiquei imaginando
quanto receberia o prefeito. Ele nunca me contou. Me esforcei
para chegar a um valor aproximado. Calculei uma média de
meio milhão de reais por mês. Darei detalhes sobre esta conta
mais adiante.
A fome de Artuzi por dinheiro se tornou tão grande que
os recursos destinados à compra de medicamentos para os postos
de saúde também eram desviados. Pouca coisa saía dos cofres
públicos sem que parte engordasse o ''caixa 2''.
Em busca de morada, a ambição fez rondas constantes
em torno da administração pública nos últimos anos. Encontrou
refúgio confortável no coração de dois vereadores. Até quem
conhece os porões da política se assusta com a ''gula'' do
19
20. presidente da Câmara Sidlei Alves-DEM, e do primeiro
secretário Junior Teixeira-PDT. Em conversa com Darci Caldo e
Alziro Moreno, os dois últimos secretários de governo de Ari
Artuzi, chegamos à conclusão de que cada um havia retirado dos
cofres públicos quase um milhão de reais desde o início da
gestão.
Em pouco tempo, percebi o tamanho da confusão que
havia me metido. Mergulhei num oceano cheio de tubarões
famintos. Precisava tomar uma atitude e não tinha muito tempo
para pensar. A mente exigia que agisse pela razão e fosse
embora, o coração insano clamava por justiça.
Decidi desmascarar Artuzi e seus seguidores. Foi meu
único projeto de vida desde o dia 19 de maio de 2010, menos de
três semanas após assumir a SEGOV.
20
21. ACORDO COM A POLÍCIA FEDERAL
Assim que assumi a Secretaria de Governo, os primeiros
pagamentos aos vereadores foram feitos por terceiros. Os
próprios empreiteiros entregaram as propinas. Porém, era hora
do meu 'batismo'. A grande encruzilhada surgiu impiedosa.
Precisava decidir que caminho seguir. Eu sabia o que fazer,
faltava apenas coragem. A decisão mudaria toda a minha vida,
ou a encurtaria ligeiramente.
Imaginei a multidão dos famigerados e oprimidos pelo
sistema. Isso me fez voltar aos caminhos do meu Senhor, pois
sozinho sucumbiria. Deus foi a minha força, o meu refúgio e o
único amigo durante todos os dias de investigação.
Peguei com um amigo jornalista o número do telefone
do Delegado de Polícia Federal responsável pela Delegacia de
Dourados. Bráulio José Galoni tem fama de valente. Homem da
21
22. lei que prendeu alguns dos bandidos ou coronéis mais temidos
da cidade. Mas não era o jeito durão do delegado que me
tranquilizava. Doutor Galoni é um homem de princípios cristãos
e isso por si só era uma garantia de que podia confiar nele.
Nove horas da manhã de uma quarta-feira. Minha terceira
semana no novo cargo. Liguei de um número de celular recém-
habilitado.
- Olá doutor, aqui é o Passaia, Secretário de Governo da
Prefeitura de Dourados.
- Fala rapaz, como posso ajudá-lo?
- Marcando uma audiência. Pode me atender?
- Amanhã às 14 horas tenho um tempo livre.
- Apareço em seu escritório então.
- Tô te esperando.
Fiquei um pouco decepcionado. Não me saía da cabeça
que ele deveria ter marcado a tal audiência para o mesmo dia.
Foram 29 horas angustiantes. Ensaiei o que falar umas 3 vezes, a
cada 10 minutos. Data e hora sem atraso. Às 14 horas em ponto
do dia 21 de maio de 2010 subia as escadas que conduzem à sala
do chefão da Federal em Dourados.
Cumprimento forte e olhar firme nos olhos do mesmo
cara que mandou prender 42 pessoas, entre elas um secretário
22
23. que ocupara o mesmo posto que o meu na administração
municipal há exatamente um ano.
Sorriso fácil, quase que de um psicanalista que prepara o
paciente para o divã. Bráulio Galoni foi educado. Me mediu dos
pés a cabeça sem entender o que eu fazia ali. Pedi para fechar a
porta, dispensei o cafezinho e falei sem rodeios.
- Estão assaltando a cidade. Eu posso ajudar a polícia a prender
uma quadrilha inteira.
- Seja mais claro secretário – disparou o delegado, franzindo a
testa.
Conversamos por 1 hora e 42 minutos. A enxurrada de
informações parecia lavar a alma de quem investigava a
administração pública há 3 anos, durante a transição de dois
mandatos. Deixei claro que eu não era um bandido arrependido,
ou em busca de vingança após ter sido traído pelo próprio grupo.
Pelo contrário, bem larga e generosa era a porta que me
convidava a entrar para o mundo do crime.
O dinheiro fácil desviado dos cofres do governo ainda
não tinha passado por minhas mãos. Não havia executado
nenhum pagamento até aquela data. Minha primeira ação
criminosa estava marcada para o dia seguinte. Apresentei meus
planos: pediria as contas naquele mesmo dia após deixar a
delegacia ou, continuaria no cargo com o propósito de colaborar
com a Federal. A segunda opção foi aceita.
Já não era mais possível retroceder. Uma overdose
confusa de adrenalina, agonia e satisfação foram aplicadas em
23
24. minhas veias. Os dias seguintes reservariam o período mais
angustiante de minha existência.
COMEÇA A OPERAÇÃO URAGANO
No dia seguinte, um novo encontro com doutor Galoni. Desta
vez veio acompanhado de dois policiais federais. Eram peritos
do setor de tecnologia. Foram eles que me apresentaram alguns
"brinquedinhos letais". Micro-equipamentos capazes de registrar
áudio e vídeo com definição suficiente para incriminar mãos que
pegam o que não devem.
Fiquei encantado ao saber que tudo o que tinha visto até
hoje nos filmes americanos estava à disposição dos policiais
federais brasileiros.
Decidi não revelar neste livro detalhes dos aparelhos
usados para não prejudicar outras operações que possam colocar
na cadeia quem ainda não tomou consciência de que, para cuidar
do dinheiro público, não é preciso levá-lo para casa. Posso
garantir apenas que os Federais estão bem equipados e a
tecnologia se tornou uma grande aliada contra o crime.
Um aviso aos navegantes no oceano da política: fiquem
longe da corrupção!
24
25. Comecei com os vereadores da base aliada. Eram oito de
um total de 12 parlamentares. Dividi os pagamentos em duas
vezes, uma forma de assegurar que ninguém escaparia das
filmagens. Meu nervosismo evidente encontrava disfarce.
Alegava que toda a afobação era coisa de quem estava estreando
como mais um ''marginal da política'', quando na verdade o
maior medo era de que as gravações fossem descobertas.
Por muito pouco a Operação Uragano não foi encerrada
na fase embrionária. No primeiro pagamento feito em meu
escritório ao vereador Zezinho da Farmácia-PSDB, fui traído
pela falta de experiência. Marcelo Hall, secretário de serviços
urbanos, acompanhava o vereador. Ele se encantou por uma
jaqueta que escondia uma das câmeras filmadoras, estendida em
cima da mesa. Chegou a pegar a peça de roupa na mão, sem
perceber o equipamento. Se o secretário tivesse sido um pouco
mais curioso, eu não teria conseguido gravar tanta gente mal
intencionada.
A expressão ''lavar dinheiro sujo'' nunca foi tão
apropriada. No caso de Dourados a lavagem era feita com
sangue. Recursos desviados da Secretaria de Saúde pagavam o
silêncio e a generosidade da maioria dos legisladores municipais.
E pasmem, os três membros da Comissão Parlamentar de
Inquérito criada para investigar a saúde pública da cidade
"bebiam'' do sangue derramado pelos pacientes nos hospitais. A
CPI não passou de um teatrinho para dar à sociedade a
impressão de que os vereadores são homens sérios e
comprometidos com a população.
Juninho Teixeira-PDT sempre foi um dos mais
apressadinhos. Como recompensa foi o primeiro a sorrir às
25
26. câmeras da justiça, pegou R$ 10.000,00 (dez mil reais) com uma
tranquilidade impressionante. Talvez fosse a força do hábito.
Zezinho da Farmácia-PSDB e Paulo Henrique Bambu-
DEM, venderam a honra por um pouco menos. Eu mesmo
entreguei a cada um R$ 7.000,00 (sete mil reais).
No último escalão do nada saudável mensalão, estavam
Aurélio Bonato-PDT, José Carlos Cimatti-PSB, Edvaldo
Moreira-PDT e Tio Julio-PRB. Receberam de minhas mãos R$
5.000,00 (cinco mil reais) em espécie cada um. Tais valores
foram repassados mensalmente aos vereadores ''aliados'' desde o
início de 2009. Quase 2 anos de farra sem qualquer peso na
consciência.
A base de sustentação era fundamentada ainda com a
presença de um oitavo membro, o presidente da Câmara
Municipal. Sidlei Alves-DEM foi o segundo mais votado nas
últimas eleições. Ele me confidenciou certo dia que o sucesso
nas urnas foi garantido por um forte esquema de compra de
votos. O democrata sempre recebeu mais do que todos os outros
pares do parlamento municipal juntos. Triste história que
contarei mais adiante.
Menos de dois meses antes a lista era composta também
por Dirceu Longhi-PT, de acordo com Alziro Moreno. O ex-
secretário de governo afirmou que R$ 10.000,00 (dez mil reais)
todos os meses garantiram por mais de um ano uma esquerda
cega aos indícios de corrupção do executivo e extremamente
''companheira'' na aprovação dos projetos enviados pela
prefeitura.
26
27. Assim que assumi tive uma conversa com o petista.
- Vamos voltar à base vereador.
- Não sei cara, o prefeito quase não honra os compromissos com
a gente.
- Mas você não vinha recebendo?
- Sempre atrasado né, e tem promessas ainda pendentes.
Nunca avancei nas negociações com Dirceu Longhi. Ele
sempre deixou claro que estava com medo de ser descoberto e
não queria mais pegar dinheiro, dizia que um interlocutor faria
isso por ele. O que nunca aconteceu. Eu já tinha registros que
apontavam que ele também fez parte do esquema de corrupção e
para mim era o suficiente.
Quem assistir a uma sessão do poder legislativo após ler
este livro certamente será bem mais crítico ao analisar cada
discurso. A impressão é de que os parlamentares acreditam
muito pouco no que falam. Uma afronta aos princípios pessoais
compensada com dinheiro. Os ''edis'' governistas, mesmo
descontentes com o prefeito, promovem juras de amor em busca
de um bem maior, ou de ben$ maiores.
Já os oposicionistas mudam a rota, mas não o destino.
Todos acabam sentando no colo do poder público. A divisão do
dinheiro desviado elimina a função real do vereador, que é a de
fiscalizar o poder executivo. O Parlamento Municipal não só
pode como deve estar atento às ações do administrador
27
28. municipal. Cabe aos vereadores, inclusive, cassar o prefeito,
quando as denúncias de corrupção forem evidentes.
Gino Ferreira-DEM é famoso por seus discursos
ponderados. Faz oposição, mas não raivosa. Ele assinou o pedido
de CPI contra o ex-prefeito Laerte Tetila-PT e o atual Ari
Artuzi-PDT, porém justificou que a decisão foi um mal
necessário. Em determinada conversa me deu conselhos sobre a
política.
- Meu rei, você pode até não ser honesto, mas todo mundo
precisa acreditar que você é. Você pode não ser rico, mas as
pessoas têm que acreditar que você é. Daí quando a gente ganhar
muito dinheiro, ninguém vai desconfiar de nada.
- Ahã.
- E tem mais, é importante que pensem que tô na oposição, mas
na verdade somos parceiros. Sou o melhor cara pra vocês
mexerem nesta Câmara, sabia?
- Ahã.
Gino nunca passou o chapéu em busca do dinheiro
''podre'' da saúde, no entanto sempre pensou grande, como é de
se esperar de um vereador fazendeiro. Ele intermediou o
convênio fechado entre a prefeitura de Dourados e uma empresa
de São Paulo para a compensação de tributos perdidos. São
recursos que a União deixou de repassar ao município e que
nunca foram reclamados judicialmente. Havendo sucesso, a
empresa contratada ficaria com 19 por cento do montante, dos
quais 10 por cento seriam entregues ao democrata. As previsões
28
29. iniciais são de encher os olhos, e os bolsos. Pelo menos R$
35.000.000,00 (trinta e cinco milhões de reais).
Outro democrata que lucra, mas com discursos mais
raivosos é o vereador Marcelo Barros-DEM, conhecido como o
grande adversário de Ari Artuzi na Câmara. É preciso
reconhecer, ele sabe interpretar muito bem. Alziro Moreno me
garantiu que pagou a ele R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) no
final de 2009 para adoçar os discursos de Barros na tribuna. A
quantia também teria servido para que o legislador fizesse vistas
grossas ao desvio de recursos da Secretaria de Educação,
denunciado pelo jornal O Progresso.
Visitei Marcelo em sua residência 4 vezes. Sujeito
sempre desconfiado, abriu o coração aos poucos, até chegar a um
acordo claro. Ele escreveu o que queria num papel. Uma mão
trêmula deu vida ao número 10. Dez cargos para acomodar gente
amiga? Valor de uma certa emenda parlamentar? Ou as cifras
iniciais de mais um mensalão pago com dinheiro do
contribuinte? Talvez se Lula fosse indagado a respeito,
certamente diria que ''nunca na história política desta cidade
houve um enigma tão fácil de ser respondido''.
No início de agosto de 2010, procurei Marcelo Barros
com o dinheiro solicitado. Ele não recebeu. Convidou-me a dar
uma volta de carro. Passamos em frente ao local onde eu deveria
deixar o dinheiro, para um tal de Hilton. Mais uma vez o termo
''lavagem de dinheiro'' vestiu como roupa cara. Lavanderia do
Lar Santa Rita. Deixei R$ 7.000,00 (sete mil reais) para o
emissário. O processo de mutação aconteceu quase que
imediatamente, o lobo das tribunas semanais se tornou num
cordeirinho menos rebelde.
29
30. Faltou apenas falar de Délia Godoy Razuk-PMDB. A
única mulher com mandato na Câmara de Vereadores
douradense tem ''ficha limpa''. É admirável a educação e o
respeito usados no trato com o público. Estendo um tapete
vermelho à parlamentar, mas não ao marido dela. Roberto Razuk
tem fama de homem mau. Denunciado pelo Ministério Público
por ter feito um empréstimo fraudulento no valor de R$
3.500.000,00 (três milhões e meio de reais), foi condenado em
2003 a 20 anos de prisão por crime contra o sistema financeiro
nacional, falsificação de documento público e falsidade
ideológica. Passou três anos preso até ganhar o direito de
cumprir a pena no regime semiaberto.
Em 4 de junho de 2007, Razuk foi preso novamente na
operação Xeque-Mate da Polícia Federal, acusado de fazer parte
do esquema da exploração de caça-níqueis no estado. Mais uma
vez conseguiu autorização para pagar por seus pecados em casa,
longe das celas frias.
Visitei a vereadora para pedir apoio político. Minha
reivindicação se restringia à aprovação de projetos importantes
para a cidade. Não falei sobre dinheiro em nenhum momento,
mas Razuk não se controlou. Como lhe é peculiar, se intrometeu
na conversa. O comandante do jogo do bicho em Dourados falou
com ódio sobre Ari Artuzi por três fortes razões:
* O prefeito não permitiu a nomeação de 50 amigos da
família em cargos da prefeitura.
* Não deu abertura para que o filho dele administrasse a
Secretaria de Planejamento quando este foi gestor da pasta no
início de 2009.
30
31. * E a maior ferida: Artuzi não atendeu empresários do
Rio de Janeiro trazidos por Roberto Razuk. O grupo estava
interessado em ganhar a licitação de coleta de lixo da cidade.
Serviço com custo médio para os cofres públicos de R$
800.000,00 (oitocentos mil reais) por mês.
Razuk lembrou que a esposa é uma mulher honesta e que
nunca pegou dinheiro da prefeitura. Afirmou também que os
dois sabem de todas as falcatruas envolvendo os vereadores e o
prefeito municipal. Quase pedi ajuda para cumprir minha
missão, mas antes mesmo de ser convencido sobre a boa
intenção daquele senhor, lembrei que Roberto Razuk já foi
deputado estadual. Empossou a voz para se gabar que sabia dos
esquemas de desvio de dinheiro dentro da Assembléia
Legislativa do Mato Grosso do Sul. Quem não teve peito para
denunciar os colegas de parlamento, certamente não fará nada
para combater qualquer tipo de fraude. Admiro a postura de
dona Délia. Apenas a dela.
HOSPITAL EVANGÉLICO
Alegando que os valores pagos pelo Governo Federal eram
insuficientes, em 2007 a direção do Hospital Evangélico (HE)
suspendeu todos os contratos com a gestão pública e passou a
realizar apenas atendimentos particulares. A saúde pública de
Dourados havia sido municipalizada, cabendo à prefeitura
administrar os recursos destinados ao setor.
31
32. No entanto, em março de 2009, uma reviravolta provocou
diferentes reações. A notícia de que o HE voltaria a atender pelo
SUS fez com que parte da sociedade e o Ministério Público
levantassem suspeitas. Por que insistir com um sistema que não
fazia muito tempo havia fracassado?
Com a troca de prefeito, a direção do HE desconsiderou
tudo o que já havia afirmado anteriormente e tirou da câmara fria
o velho projeto sobre saúde pública integrada. Com recursos da
União, do Estado e do Município, o hospital assinou dois
convênios e um contrato com a prefeitura para administrar os
atendimentos públicos hospitalares novamente.
Na prática algumas coisas melhoraram. O mais completo
hospital do interior do estado oferece especializações de alta
complexidade só disponíveis na capital. Significa que
diminuíram as transferências a Campo Grande e
consequentemente, os óbitos. Porém os gráficos poderiam ser
bem mais inclinados para cima se houvesse seriedade na
administração do dinheiro destinado a salvar a vida de quem não
pode pagar por atendimento médico.
Conversas gravadas com a direção do hospital, prefeito,
vereadores e com a família Uemura desmascaram um esquema
cruel de desvio de verbas. Dos cerca de R$ 3.000.000,00 (três
milhões de reais) pagos mensalmente ao hospital, R$ 50,000,00
(cinquenta mil reais) são entregues para complementar a renda
dos vereadores aliados. Esporadicamente o prefeito também se
apodera de parte dos recursos que em campanha jurou que
seriam usados dignamente.
32
33. Dilson Deguti, secretário adjunto de saúde e ex-prefeito
de Fátima do Sul, cidade vizinha de Dourados, disse que no final
de 2009 entregou R$ 100.000,00 (cem mil reais) a Artuzi. Em
agosto de 2010, fez um novo pagamento no mesmo valor ao
prefeito. Dinheiro que foi usado inclusive para pagar a cirurgia
estética da primeira dama. A “recauchutagem” custou R$
9.000,00 (nove mil reais).
No mesmo dia em que Maria Artuzi saiu do hospital
''turbinada'', uma mãe da Vila Mari, bairro da periferia, recebeu
a notícia de que o filho de apenas 6 anos de idade poderia ficar
cego. Os olhos teriam de ser extraídos por causa do diagnóstico
tardio de uma doença rara, mas com tratamento disponível pelo
SUS. Tudo poderia ter sido evitado se a criança não tivesse
esperado quase 3 meses para fazer uma simples consulta. Por
mais que alguém chore de revolta ao ler esta informação, nada
jamais vai se comparar à dor daquela mãe.
Os bisturis que dilaceram o sistema de saúde criado para
a população de baixa renda reservam os pedaços mais generosos
para o pagamento de dívidas de Ari Artuzi. A família Uemura
reclama que com o credenciamento do HE deixou de fazer
negócios lucrativos com o município, como a venda de
medicamentos. Se lamenta que foi obrigada a fechar as empresas
de distribuição de remédios e de limpeza de postos de saúde. O
prejuízo teve de ser pago por alguém.
Para liquidar a fatura, ficou acordado que o Hospital
Evangélico repassaria secretamente R$ 110.000,00 (cento e dez
mil reais) por mês aos Uemura durante os 4 anos de mandato de
Ari Artuzi. Quando a operação Owari foi deflagrada, entretanto,
os pagamentos à família nipônica tiveram de ser interrompidos.
33
34. Porém, quando falta fiscalização, sempre sobram atalhos
para chegar ao pote de ouro. A Secretaria de Saúde, a direção do
Hospital Evangélico e Eduardo Uemura arquitetaram mais um
esquema genioso de desvio de dinheiro. O prédio onde funciona
o Hospital da Mulher, pertencente à família japonesa, foi
colocado à venda. Os diretores mais influentes do hospital
convenceram o restante do conselho administrativo de que seria
um bom negócio adquirir o imóvel. Uma das maiores transações
imobiliárias da história da cidade foi fechada com cifras bem
generosas, R$ 8.000.000,00 (oito milhões de reais).
Um dia durante almoço na fazenda dos Uemura, Eduardo
me contou detalhes do acordo. O prédio na verdade valeria
pouco mais de R$ 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil
reais). O restante seria usado para saldar a conta de Artuzi. Bom
para o HE que adquiriria mais um hospital patrocinado com
dinheiro público, excelente para os japoneses que aumentariam o
seu império e um alívio para o prefeito que já não suportava
mais a pressão de quem sempre teve fama de cobrar com juros e
correção cada centavo.
Ainda bem que o plano não era perfeito. Mesmo já tendo
depositado R$ 1.100.000,00 (um milhão e cem mil reais) na
conta do patriarca dos Uemura, o medo fez com que o HE
desistisse de comprar o imóvel em agosto de 2010. Os diretores
mais influentes do hospital alegaram que tinham informações de
que a Policia Federal estava investigando o caso. Preferiram
perder pouco mais de um milhão a continuar com o esquema
fraudulento que colocaria todos na cadeia. Foram os primeiros
frutos da Operação Uragano.
34
35. A dívida do prefeito douradense havia diminuído, mas
não liquidada. No início de setembro de 2010, se a ação dos
federais não tivesse posto fim à farra dentro da administração
municipal, mentes brilhantes já teriam apresentado uma nova
fórmula para subtrair as contas da Secretaria de Saúde do
Município.
COMO DEPUTADOS FEDERAIS E SENADORES
DESVIAM DINHEIRO
A Secretaria de Obras é o negócio mais rentável no ''mundo do
crime político''. Verbas federais, estaduais e municipais pagam
contratos cheios de números, na maioria das vezes com mais de
7 dígitos. Com todos os empreiteiros e legisladores que
conversei, recebi a mesma informação: para cada centavo
investido, parte é rateada entre os envolvidos.
As regras já estão definidas. Pavimentação, drenagem e
construção de pontes oferecem os maiores lucros. A empreiteira
responsável pela obra é obrigada a devolver 10 por cento do
valor bruto recebido. O dinheiro roubado é dividido entre o
prefeito e o deputado ou senador que viabilizou os recursos. Já
obras civis como casas populares, escolas, creches e hospitais
por exemplo, rendem menos, os salteadores dos impostos pagos
pela população exigem 5 por cento dos valores. O diretor do
departamento de obras da prefeitura de Dourados Jorge Torraca,
garante que todos os parlamentares exigem o retorno dos
recursos que viabilizam em Brasília.
35
36. Como não tenho provas, vou me ater às conversas
gravadas e entregues à Polícia Federal. Sérgio Castilho assessor
especial do deputado federal Dagoberto Nogueira-PDT, sempre
cobrou o direcionamento das licitações. Mais 5 por cento do
valor depositado nos cofres do município pelo Governo Federal
a pedido de seu chefe.
Walquiner Gonçalves França, assessor do deputado
federal José Carlos Biffi-PT, também fazia as mesmas
exigências. Falando em nome do deputado, nunca deixou de
cobrar o ''retorno'' dos investimentos garantidos através da
intervenção do legislador petista.
É interessante notar que os deputados e senadores
mandam comparsas para tratar dos ''esquemas''. Que ninguém
tenha dúvida de que eles dirão que não sabiam de nada quando
estas denúncias balançarem as estruturas de seus confortáveis
gabinetes. Os assessores serão recompensados financeiramente
para se calarem. Ganharão dinheiro, mas perderão a honra.
O deputado federal mais votado em Mato Grosso do Sul
nas últimas eleições também não fala pessoalmente de dinheiro.
Mas o funcionário público Sandro Omar de Oliveira Santos diz
ser o mensageiro de Vander Loubert. O parlamentar petisca é
super carismático, chega a ser idolatrado nas ruas por membros
de seu reduto eleitoral. Fala de reformulação na política como
poucos, convence com facilidade os desavisados. Tenho certeza
de que Loubet ou Sandro vai me chamar de mentiroso quando
ler este livro. Será a única maneira de tentar provar inocência.
O maior ator entre os deputados do estado na minha
opinião é Geraldo Resende-PMDB. Soa tambor em praça
36
37. pública para cobrar da prefeitura empenho no processo de
licitação. Discursa que a austeridade e a agilidade dos serviços
públicos precisam ser mais evidentes. Numa conversa em seu
escritório em Dourados, me convenci de que seus ideais não são
tão puros quanto parecem. Reclamou que precisa do ''retorno''
das verbas garantidas por ele para dar o mínimo de viabilidade a
seus projetos.
No dicionário da política, “retorno” significa o dinheiro
que as empresas devolvem para o prefeito e aos parlamentares
depois que as obras são concluídas. Seria por isso então que
Resende cobra incansavelmente mais agilidade na execução dos
projetos intermediados por ele? É claro que à polícia e à
população, Resende vai dar outra interpretação para a palavra
retorno. Certamente vai me processar como farão outros tantos.
Nada que me assuste. Terei problemas bem maiores para me
preocupar do que o processo por calúnia e difamação que o
deputado poderá representar contra mim.
Tentei fazer com que Geraldo Resende falasse mais sobre
os ''retornos''. Mas o legislador se esquivou como o diabo foge
da cruz. Disse que um assessor faria isso por ele. Dias depois
Artuzi e Geraldo romperam suas relações políticas e os
''retornos'' nunca mais foram discutidos com a prefeitura. O dono
da empreiteira Planacon Construtora LTDA, Geraldo Alves de
Assis, afirmou que o deputado do PMDB passou a cobrar
diretamente sua parte do dinheiro, sem a interlocução da
prefeitura.
Sinto-me muito à vontade para falar do deputado Marçal
Filho-PMDB. Um peixe grande que fatalmente vai morrer
politicamente pela boca. Marçal e a esposa Keliana Fernandes
37
38. cobraram pessoalmente o adiantamento do ''retorno'' das obras.
Concordaram inclusive em desviar dinheiro da Secretaria de
Saúde para pagar as despesas de um show da rádio 94 FM de
propriedade do casal.
Boa pinta e voz de veludo como é conhecido, o deputado
lidera a audiência nas manhãs do rádio douradense. É o
queridinho das donas de casa, considerado um dos melhores
críticos da cidade. Fico imaginando o que ele vai fazer para
provar que são inverdades as afirmações feitas neste livro.
A lista de deputados federais eleitos em Mato Grosso do
Sul tem ainda Waldemir Moka-PMDB, Nelson Trad-PMDB, e
Antonio Ferreira da Cruz Filho-PP. Não tive a oportunidade de
conversar com nenhum deles sobre recursos destinados a
Dourados enquanto estive a frente da Secretaria de Governo.
Entre os 3 senadores do estado, coletei suspeitas de desvio de
dinheiro contra o simpático Delcídio do Amaral-PT. Não
conversei institucionalmente com a senadora Marisa Serrano-
PSDB e com o senador Valter Pereira-PMDB. Ambos ficaram
longe de Dourados durante os 4 meses em que a SEGOV ficou
sob a minha responsabilidade.
Já Delcídio do Amaral permaneceu próximo, mas se
esquivou de conversas abertas sobre dinheiro. O mesmo cuidado
não tiveram assessores do senador, empreiteiros e diretores da
prefeitura. Gravações deixam entender que o petisca cobrou a
sua parte num empréstimo de R$ 33.000.000,00 (trinta e três
milhões de reais) feitos pelo município para o avanço do serviço
de drenagem nas regiões mais pobres da cidade. Benefício para
80 mil pessoas em 40 bairros da periferia.
38
39. A liberação dos recursos envolveu até o alto escalão do
Ministério das Cidades. De acordo com Ari Artuzi um secretário
influente exigiu um por cento do valor liberado. O bolo seria
dividido em três partes:
Certa vez fui cobrado pela vereadora Thaís Helena-PT,
de Campo Grande. Ela e o marido reclamaram do atraso do
prefeito em devolver o ''retorno'' a Delcídio do Amaral. Os
interesses do senador, no entanto, não foram prioridade na
conversa. “Farinha pouca, meu pirão primeiro”. A vereadora
lembrou de uma dívida de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais)
que Artuzi teria com ela. Ameaçou prejudicar o futuro político
do prefeito caso a conta não fosse quitada.
Aos 25 anos de idade, a jovem vereadora quebrou o
cristal da transparência que a protegia. Os constantes discursos
contra a corrupção na tribuna da Câmara foram invalidados. Ela
concordou desviar recursos da Secretaria de Obras para saldar o
seu crédito. A dívida com a vereadora foi contraída durante a
última campanha eleitoral. É o valor cobrado para que Thaís
apoiasse Artuzi na disputa pela prefeitura de Dourados.
Diante das declarações e dos fatos constatados, o
Governo Federal poderia rever os valores liberados para as
prefeituras. Se está sobrando dinheiro para dividir entre os
políticos, é preciso exigir que as obras tenham maior qualidade
ou, os valores liberados sejam menores.
Foi o que fez o Ministério da Integração Nacional em
junho de 2010. O preço pago para cada metro de matéria prima
para a construção de asfalto foi 15 por cento menor do que o
solicitado pela prefeitura de Dourados. Não demorou nada para
39
40. que os prejudicados batessem às portas do Ministério, que neste
caso, não cedeu às pressões.
SINDICATOS E CONSELHOS TAMBÉM SE
CORROMPEM
Se Dourados e outros municípios castigados pela corrupção
quiserem se ver livres desta maldição, terão de repensar
profundamente como têm escolhido seus representantes.
Políticos se corrompem e ajudam a corromper outras estruturas
que deveriam defender os direitos de categorias e trabalhadores.
Assumi o Governo em plena negociação salarial.
Professores estavam em greve e outros servidores ameaçavam
cruzar os braços. Chegamos a um acordo. A reposição não foi
como os funcionários exigiam, mas atingiu índices maiores do
que pretendia a administração. Poucos dias depois fui procurado
pelo presidente do Sindicato dos Servidores Municipais de
Dourados (SINSEMD) Romanci Venâncio da Silva me
apresentou uma conta trapaceira, mas lucrativa para os cofres do
município.
Disse que ele poderia convencer os servidores a aceitar
reajustes menores no próximo acordo salarial. Em troca queria
um emprego para o filho e um ''mensalinho'' de R$ 1.000,00 (mil
reais). Seus argumentos foram convincentes. Provou que a
prefeitura poderia economizar milhões. Os prejudicados seriam
40
41. os quase 6000 servidores municipais que deixariam de receber
salários mais justos.
As exigências pessoais do presidente do Sindicato teriam
custo de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) por ano. Já o
reajuste de apenas 2 por cento na folha de pagamento dos
servidores concursados representaria um impacto financeiro de
mais de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) no mesmo
período. Artuzi aprovou imediatamente a proposta de Romanci
Venancio.
O tráfico de influência também foi o argumento usado
pelo presidente do Conselho Municipal de Saúde. João Alves de
Souza implorou por uma "teta" do governo. Se vendeu por R$
1.000,00 (mil reais) mensais. Enquanto a saúde pública da
cidade experimenta uma de suas maiores crises, o conselheiro
que deveria fiscalizar faz de conta que é míope.
Meio a tantos escândalos, parabenizo a diretoria do
Sindicato dos Trabalhadores em Educação (SIMTED). Nenhum
diretor jamais fez qualquer insinuação sobre o pagamento de
propinas ou deleite de vantagens. José Carlos Brumatti preside a
entidade há vários anos. Gente assim deveria ser eleita para as
cadeiras da Câmara Municipal. Quando faltam vereadores que
fiscalizam de verdade o poder executivo, os ''ratos'' tomam conta
da casa.
No balaio da desonestidade, cabem ainda muitos líderes
comunitários. Alguns custam R$ 500,00 (quinhentos reais) por
mês, outros querem um emprego fantasma, tem até quem se
contente com cestas básicas. Quanto maior o bairro que
41
42. representam, mais valiosos devem ser os presentinhos
oferecidos.
Para a administração pública, o investimento vale a pena.
É a certeza de que os protestos cessarão, afinal há sempre um
presidente de bairro ‘’amigo’’ amenizando os ânimos da
população enganada por promessas sem respostas.
FUNCIONÁRIO DO TRIBUNAL DE CONTAS SE VENDE
Dois de julho de 2010, 15 horas e 45 minutos, o país lamenta a
destruição de um sonho. Os holandeses vingaram as
desclassificações impostas pelos brasileiro nos mundiais de 94 e
98 . A falta de confiança na seleção de Dunga era gritante, mas
no fundo, todos queriam acreditar no Hexa. Quanto choro. O
sofrimento dos torcedores não me atingiu. Eram tensos os dias
que antecediam as prisões inevitáveis da Operação Uragano.
Minha imaginação estava encarcerada na ação dos federais.
As duas colheres de sal colocadas na nossa laranjada
descortinaram um paralelo: uma derrota nacional no esporte é
mais lamentada do que as perdas diárias que sofremos para a
corrupção. O resultado de 2x1 favorável a Holanda foi
imperdoável. As lágrimas derramadas feriram uma nação inteira
que exigiu o ‘’impeachment’’ de Dunga.
42
43. Mas e os bandidos de paletó, quando vão ser vaiados de
verdade e expulsos definitivamente dos gramados da política? O
que nos faltam são as vuvuzelas. Falta barulho, muito barulho.
Somos coniventes todas as vezes que nos calamos. Da mesma
forma que as cornetas africanas tiraram a comunicação dos
jogadores dentro de campo, a cobrança pública e sistemática da
sociedade desarticulará qualquer jogada ensaiada dos
quadrilheiros.
E já que o futebol esta metaforizando este capítulo,
vamos reforçar a equipe de Artuzi. Quinze minutos após o
encerramento da partida entre Brasil e Holanda, um funcionário
do Tribunal de Contas do Estado (TCE) fez contato através do
vereador Junior Teixeira. O vereador propôs a contratação de
mais um defensor para a seleção do prefeito.
O encontro aconteceu no dia seguinte, 8 horas e 45
minutos, em frente a um hotel da cidade. Trechos do diálogo
deixam bem claro que seria excelente para a administração
municipal negociar o passe do novo ‘’jogador’’.
- Sou o amigo do vereador JuninhoTeixeira, do TCE.
- Opa, o Juninho pediu pra te dar R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
- Sim, sim. É a prestação de uma camioneta que vendi pra ele.
- Ele me disse também que você quer conversar sobre o Tribunal
de Contas. Você faz as vistorias das obras, certo?
43
44. - Faço sim, se a prefeitura for minha parceira nunca vai ter
problema comigo. Não quero ferrar ninguém.
O primeiro contato foi apenas para combinar o jogo para
as próximas vistorias de obras. O funcionário do TCE deixou
entender que se déssemos dinheiro a ele, seus relatórios jamais
apontariam qualquer tipo de irregularidade durante as
fiscalizações.
Algo dito pelo conselheiro do Tribunal de Contas me
chamou a atenção. Ele poderia encontrar ‘’problema’’onde não
tem ou, fingir que não viu irregularidades realmente existentes.
A gravação está em poder da Polícia Federal.
Creio que, a título de vingança, alguém do TCE poderá
reprovar a contas da Secretaria de Comunicação durante o
período em que eu administrei a pasta. O tempo dirá.
A DECADÊNCIA DE ARI ARTUZI
Ele era a esperança dos oprimidos. A certeza de que vale a pena
acreditar em dias melhores. Muitos apostaram suas vidas que Ari
Artuzi seria um administrador diferente. Humanista,
perseverante, guerreiro. Adjetivos não lhe faltavam. Vontade de
44
45. trabalhar também não. Assim o conhecemos, assim o colocamos
no poder.
Os mais chegados perguntam: o que aconteceu com o
nosso menino travesso? Será que a arrogância e o orgulho o
aprisionaram? Ou sempre foi assim e nós nunca havíamos
percebido? Onde está o homem simples que pedia votos de
chinelo de dedo e prometia justiça para todos?
Vi pessoas chorando de decepção nas ruas. Ouvi gritos de
revolta na porta de hospitais. Fui cobrado exaustivamente em
meu gabinete por credores cansados de acordos não cumpridos.
Senti vergonha de ser chamado de o homem de confiança de Ari
Artuzi. Inevitavelmente precisei trair alguém. Ou seria o prefeito
que me deu a oportunidade de administrar uma cidade fantástica
como Dourados, ou seria a população desta cidade. Traí Artuzi.
Mas Artuzi traiu a todos nós.
No primeiro mês como chefe da SEGOV, criei uma série
de ajustes administrativos que foram do remanejamento de
pessoal ao corte de despesas. Estabeleci uma meta de economia
de gastos de 20 por cento. Mas o dinheiro continuou
desaparecendo, só que por outro ralo. Tudo o que sobrava nos
cofres, Ari Artuzi dava um jeito de desviar. O ex-motorista de
caminhão se tornou um homem muito rico. Aprendeu rápido
como arrancar merenda de crianças, remédios de doentes e
cestas básicas dos pobres. Nem a Secretaria de Assistência
Social escapou de suas ações criminosas.
Quando ficou sabendo que sobravam R$ 400.000,00
(quatrocentos mil reais) no orçamento da Secretária de Serviços
Urbanos (SEMSUR) o prefeito fez um acordo com uma empresa
45
46. credora. A Financial Construtora Industrial LTDA cobrava uma
dívida de R$ 370.000,00 deixada pela antiga administração. Foi
o restante da última fatura do serviço de coleta de lixo da cidade.
Como o valor poderia virar precatório, possibilitando que o
pagamento se estendesse por anos, Artuzi decidiu tirar
vantagem. Pediu R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais) como
''retorno'', dos quais R$ 20.000,00 (vinte mil reais) seriam
entregues ao vereador licenciado Marcelo Hall-PR, responsável
pela SEMSUR. O negócio foi concretizado.
Outro exemplo de como Ari Artuzi arrebanhava dinheiro
está na compra de um terreno no jardim Novo Horizonte. A
prefeitura pagou R$ 560.000,00 (quinhentos e sessenta mil reais)
pela área de 8 hectares para a construção de casas populares. O
antigo dono concordou em devolver R$ 80.000,00 (oitenta mil
reais) a Artuzi. Quando contrariado sobre o ''retorno'' desejado, o
prefeito chegou a tomar medidas duras. É o caso de uma área
nobre ao lado da BR 163. O município desapropriou 10 hectares
por um preço bem abaixo do mercado. Pagou apenas R$
300.000,00 (trezentos mil reais), deixando o antigo proprietário
enfurecido.
Nem a morte amedronta a ganância de Artuzi. O
empresário Ronei Dutra Sanches, interessado em explorar o
serviço funerário na cidade, recebeu a proposta imoral de Sidnei
Donizete Lemos Heredias, um dos ''laranjas'' do prefeito, de
trocar o alvará de funcionamento pela propina de R$ 300.000,00
(trezentos mil reais). Só assim Artuzi se sentiria encorajado a
estremecer o seu relacionamento com Sizuo Uemura, o homem
que há quase duas décadas cuida sozinho de ''nossos mortos''.
Mas Ronei Dutra enterrou qualquer possibilidade de comprar o
46
47. alvará. Briga na justiça até hoje para que a prefeitura libere a
documentação.
A abertura da concorrência aliviaria o fardo das famílias
mais pobres. Com o monopólio das funerárias concentrado nas
mãos dos Uemura, os caixões mais baratos custam em Dourados
R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais). Os mesmos modelos valem
pouco mais de R$ 200,00 (duzentos reais) em outros
municípios. A família japonesa oferece todos os demais produtos
necessários para o funeral. Das velas, ao aluguel da capela,
passando inclusive pela locação do carro que transporta o caixão.
Os preços são de ''matar'' e nada pode ser comprado em outra
empresa.
Uma amiga no início deste ano precisou enterrar a tia.
Contratou o pacote mais simples oferecido pela Funerária Bom
Jesus. Pagou R$ 2.950,00 (dois mil, novecentos e cinquenta
reais). Fez um empréstimo no banco sob a ameaça de cobradores
que exigiam a liquidação da fatura. Esporadicamente a funerária
dá caixões às famílias mais miseráveis. Uma forma de marketing
para aliviar a fama de mau de Sizuo Uemura, o homem mais
temido e perigoso da região.
Nos últimos 20 anos, em Dourados, apenas 2
empresários tiveram a audácia de combater o monopólio do
serviço funerário. Misteriosamente ambos foram assassinados.
Ronei Dutra Sanches é a nova esperança. Encontrou um prefeito
corajoso, disposto a enfrentar seus patrocinadores de campanha.
Pena que Artuzi precise de 300 mil motivos ''reais'' para mostrar
que quer ajudar a população a usufruir de serviços e produtos
mais baratos.
47
48. Sem saber que estava prestes a ser traído por Ari Artuzi,
Sizuo Uemura me procurou no início de agosto de 2010. Pediu
para impedir o andamento de qualquer documentação que
beneficiasse o grupo concorrente. O filho Eduardo ofereceu,
inclusive, propina para os funcionários responsáveis em liberar
os alvarás. A vida de uma cidade inteira sofre os efeitos da
corrupção de uma família até na hora da morte.
O prefeito douradense descobriu outro caso de amor entre
o dinheiro e o poder. Percebeu que a sua assinatura era capaz de
abrir os bolsos de muitos empresários. Em julho de 2010 recebeu
R$ 20.000,00 (vinte mil reais) do usineiro Celso Dal Lago. Foi o
valor cobrado por Artuzi para sancionar a lei municipal que deu
permissão às usinas de álcool para queimar a palha da cana
durante a colheita. O usineiro reclamou que a lei havia ficado
cara demais, pois também foi obrigado a recompensar a
generosidade dos vereadores, que cobraram R$ 70.000,00
(setenta mil reais) pela criação do projeto de lei.
- O Ari e o Sidlei Alves vieram aqui na minha casa combinar o
jogo. Tá fácil fazer o esquema, é só não dá importância à pressão
dos ambientalistas - aconselhou Dal Lago.
Depois que mediu o peso de ouro de sua rubrica, o
''chefão'' de Dourados ficou cada vez mais ousado. Para renovar
por mais 1 ano o contrato com a GWA Transportes LTDA,
responsável pela condução dos estudantes da zona rural, Ari não
fez cerimônia. Exigiu a quantia de R$ 200.000,00 (duzentos mil
48
49. reais) por sua assinatura no contrato com valor mensal de R$
680.000,00 (seiscentos e oitenta mil reais) para os cofres
públicos. Adilson Osiro dono da GWA, reclamou na véspera da
Operação Furacão que desde o início de 2009 deu R$
1.500.000,00 (um milhão e meio de reais) ao prefeito. Por razões
como estas, boa parte das prefeituras prefere terceirizar o
transporte escolar, ao invés de comprar ônibus e realizar os
serviços.
Coincidentemente a empresa responsável pelo transporte
coletivo de Dourados também precisou estimular a boa vontade
de Artuzi. A Medianeira Transportes limitada solicitou em
agosto de 2010 a renovação por mais 5 anos da concessão
pública que dá direito a exploração do serviço. Paulo e Marcelo
Saccol, donos da empresa, me garantiram que deram dinheiro a
Ari Artuzi e aos vereadores, porém sem especificar os valores.
Ao abrir a sua mala preta, Paulo Saccol tinha dois maços
de notas de R$ 100,00 (cem reais) com o meu nome. Me
entregou R$ 20.000,00 (vinte mil reais). A propina foi
comunicada a Polícia Federal e depois usada para o pagamento
dos vereadores. Foi com parte deste dinheiro inclusive que
paguei a benignidade de Marcelo Barros.
MAIS DE 20 ANOS DE CORRUPÇÃO
O limite real de tolerância de uma comunidade termina quando a
indignação ocupa seu espaço. Em Dourados os eleitores já deram
sinais de que clamam por mudanças. Procuramos pessoas
capazes, com disposição para alcançar o sucesso. Trocamos
49
50. nomes e partidos, mas continuamos tropeçando na busca por um
líder. Talvez aí esteja o nosso grande erro. Precisamos de
lideranças com valores, e não pré-dispostas ao sucesso.
Um breve tour pelo passado mostra o quanto já fomos
enganados. Os primeiros negócios dos Uemura com a Prefeitura
de Dourados foram assinados na época em que Braz Melo era
prefeito, entre 1988 e 1991. O cargo foi entregue a Humberto
Teixeira em 1992. O filho, vereador Junior Teixeira, sempre
deixou entender que o pai também entrou na fila dos gestores
corruptos. No mandato de ''Teixeira Pai'' o município recebeu
dinheiro para a construção da Perimetral Norte. A obra foi
orçada recentemente em R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de
reais). Sem explicação os recursos desapareceram dos cofres da
prefeitura e nenhum metro de estrada foi pavimentado.
O mandato seguinte foi ocupado mais uma vez por Braz
Melo, que até hoje responde a processos por improbidade
administrativa.
Laerte Tetila-PT surge como o novo comandante
municipal em 2001. Homem ponderado, de voz mansa e estilo
refinado, ficou no poder até o final de 2008. Estaria acima de
qualquer suspeita não fossem os deslizes cometidos pelo filho.
André Tetila foi preso pela Polícia Federal durante a Operação
Owari. As investigações o apontam como um dos líderes do
esquema que fraudava licitações enquanto o pai era prefeito.
Gravações feitas com o empresário Eduardo Uemura, ex-
secretários da prefeitura e empreiteiros também colocam Laerte
Tetila em saia justa. Ele é reverenciado por quadrilheiros.
Eduardo Uemura chegou a afirmar uma vez que nunca viu
50
51. homem tão sério quanto Tetila. Seriedade neste caso tem uma
interpretação diferente do que entende a justiça. No mundo do
crime é a pré-disposição a repartir os recursos disponíveis para o
desenvolvimento da cidade.
Ari Artuzi jogou no lixo a chance de ser herói e virar uma
página manchada da história do município. A soma de todos os
mandatos mencionados anteriormente totaliza quase 22 anos de
escravidão financeira.
Casas luxuosas no lugar de moradias populares. Carrões
modernos em vez de viaturas para a Guarda Municipal ou
ambulâncias. Fazendas adquiridas com o dinheiro que deveria
ter sido usado para o desfavelamento da periferia.
Viagens ao exterior patrocinadas com o dinheiro retirado
do treinamento de servidores. Perdemos bastante, porque
''combatemos'' pouco. Muitos morreram à espera do atendimento
médico. Outros, sem a honra da casa própria. E alguns sufocados
pela pobreza.
Os medicamentos formam um dos grandes gargalos por
onde desce muito dinheiro. Mesmo amparadas pela lei federal
que permite a compra diretamente dos laboratórios, e sem
licitação, todas as administrações mencionadas neste capítulo
preferiram adquirir de distribuidoras a maioria dos remédios que
abasteceram hospitais, postos de saúde e farmácias populares.
Além da obrigação do processo licitatório, o que quase sempre é
demorado, os custos nestes casos chegam a ficar 400 por cento
mais caros, já que as distribuidoras revendem o que compram
dos laboratórios.
51
52. Se o fornecimento fosse feito apenas pelos laboratórios,
os recursos seriam suficientes até para os medicamentos de alto
custo. Não haveria mais falta de remédios, o que seria um grande
alívio para quem está sempre acompanhado da dor. O fator
desmotivante, no entanto, é que os laboratórios não dividem o
lucro, nem aceitam superfaturar as notas fiscais. Em Dourados,
várias campanhas eleitorais foram pagas com dinheiro das
distribuidoras. Em 2008, na gestão de Laerte Tetila, as
empresas da família Uemura negociaram mais de R$
10.000.000,00 (dez milhões de reais) em medicamentos com o
município.
O quadro pendurado na história vergonhosa de Dourados
também é pintado pela Câmara de Vereadores. No final de 2009
o presidente Sidlei Alves-DEM, gastou muito dinheiro com
publicidade ao divulgar a devolução de R$ 3.000.000,00 (três
milhões de reais) para a prefeitura. Dizia a lenda tratar-se de uma
gestão séria e transparente que havia conseguido economizar
recursos destinados ao legislativo nos últimos 12 meses.
Na verdade o que houve foi um acordo criminoso
firmado no início do ano passado entre o secretário de governo
Darci Caldo e o presidente da Casa de Leis. Ao vereador foi
assegurado de que receberia por baixo dos panos 30 por cento do
montante devolvido. A Secretaria de Obras "lavou" o dinheiro.
Os esquemas eram concentrados nas obras de tapa-buraco e
recapeamento. Por este mesmo motivo o município nunca gastou
tanto com os serviços, que chegaram a atingir valores próximos
a R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais) por mês.
Sidlei Alves levou a sua parte estabelecida no acordado e
ficou R$ 900.000,00 (novecentos mil reais) mais rico. Artuzi
52
53. garantiu várias vezes que fez um excelente negócio, afinal
comprou o apoio do vereador do DEM usando o dinheiro que
''pertencia'' aos próprios parlamentares. Diante de todos estes
fatos fica uma certeza, se está sobrando verba, os vereadores
devem ser obrigados a se explicar melhor sobre como gastam o
nosso dinheiro.
O amigo leitor deve ter ficado enojado ao saber como
certos gestores tem administrado os impostos e tributos
recolhidos sistematicamente. Que os relatos, no entanto, não
sirvam para desanimar e sim, encorajar cada brasileiro a exigir
mudanças. Há uma esperança. Não está num homem. Muito
menos num partido revolucionário. Se escolhas mal tomadas nos
provaram que não podemos confiar no individualismo, podemos
então apostar na coletividade de nossas idéias e ações. Podemos
ser o gato que vigia a dispensa. Não há rato que encare os olhos
atentos de um bichano faminto.
NOVO JEITO DE GOVERNAR
O velho ditado que afirma que quem vê cara não vê coração, se
encaixa perfeitamente com a política. A sabedoria popular
mostra que é impossível para o homem esquadrinhar o que
realmente pensam os candidatos. Resta-nos então dar uma
olhada na ficha de cada concorrente e analisar as propostas de
trabalho.
Aprendi na Secretaria de Governo que tipo de
procedimentos torna as licitações mais transparentes e justas.
Havendo preocupação com os gastos públicos, as compras
53
54. podem ser feitas através do pregão presencial. A modalidade de
licitação reúne, em data e local pré-definidos, todas as empresas
interessadas em fechar contrato com a prefeitura. Uma espécie
de leilão entre os concorrentes determina os vencedores.
Ganham as propostas com os preços mais baixos. Grande parte
dos processos que solicitam a compra de produtos ou a
contratação de serviços, pode ser feita através do pregão
presencial.
Mas as administrações corrompidas evitam este tipo de
modalidade licitatória. Deixam claro que o desejo não é comprar
pelo menor preço, e sim, favorecer os ''parceiros'' que
inflacionam os valores cobrados e repartem os lucros. Para
certificar o sucesso de processos fraudulentos, os responsáveis
pelos setores de licitação fazem tudo para esconder informações.
Artuzi chegou a ordenar que o site da prefeitura fosse tirado do
ar por 3 dias, apenas para impedir o acesso ao Diário Oficial
online, onde são publicados os editais.
Um bom exemplo de como rejeitar estas práticas
criminosas vem de prefeituras da região sul do país. Moradores
criam conselhos comunitários responsáveis por acompanhar bem
de perto cada processo licitatório. Do início ao fim de cada
processo, a marcação não dá espaço para os mal intencionados.
Até a entrega dos produtos é acompanhada para conferir
quantidade, qualidade e preço discriminados nas notas fiscais.
Proponho que a ideia dos conselhos comunitários seja
adotada por todas as prefeituras do Brasil. O administrador que
dificultar a participação dos moradores deve ser considerado
suspeito. É hora de despertar para uma nova postura dos líderes
comunitários brasileiros. Presidentes de bairros devem se
54
55. preocupar muito mais em se infiltrar no setor público para dar
pitaco onde devem, do que incitar a população a crucificar seus
governantes.
Quando há cobrança sistemática de como são investidos
os recursos para a manutenção da rede de iluminação pública,
por exemplo, dificilmente um grupo de moradores precisa
protestar contra a escuridão. Que xingar político em praça
pública, jamais seja confundido com combater a corrupção.
Mandar prefeito e vereadores para cadeia também não significa
moralização. Prender os corruptos é apenas uma questão de
justiça. Vamos mudar o jeito de governar dos nossos
administradores, quando repensarmos primeiro, o nosso jeito de
participar das gestões públicas.
Fomos vítimas de Artuzi, dos vereadores e de seus
antecessores. Mas eles também foram vítimas de nossa omissão.
O silêncio pode ter encorajado aqueles que não se arriscariam
tanto se tivessem sido fiscalizados. Nossa grande missão será
apresentar uma nova plataforma aos eleitos pelo povo. Que se
sintam vigiados. Motivados a ousar, mas com o dever de prestar
contas de seus atos. Se forem tímidos, poderemos encorajá-los.
Se faltar instrução, provaremos que é a hora de pedir conselho
aos anseios da comunidade. Só não temos o direito de cobrar
nada disso, enquanto formos meros espectadores.
O combate à corrupção está em nossas mentes.
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56. FINAL
Não fui bom o bastante como investigador. Descobriram minhas
gravações 3 semanas antes da Operação Uragano. Todos se
afastaram de mim, menos Artuzi, imaginando que a minha
intenção era apenas usar os vídeos para aliviar a extorsão dos
vereadores. Ninguém suspeitou que as gravações já estavam em
poder da Polícia Federal.
O vice-prefeito Carlinhos Cantor conversou comigo a
respeito do assunto.
- Cuidado meu irmão. Vai ser o seu fim na cidade se você
realmente estiver gravando a gente. Pensa bem - Alertou Cantor.
Ele disse ainda que eu não encontraria mais emprego no
meio político e as portas dos veículos de comunicação se
fechariam para mim.
Carlinhos está equivocado. Ainda restam políticos
éticos. Quanto à imprensa, apesar de colegas desleais como
Valfrido Silva, acredito na maioria dos meus companheiros de
trabalho. O vice de Ari também desafinou quando disse que seria
o meu fim em Dourados. Não é. Prefiro ficar e olhar nos olhos
de meus desafetos, do que viver fugindo sob a sombra da
covardia.
Não encerraria esse livro sem desfazer toda a confusão
semeada por Valfrido Silva Melo. Erra quem pensa que não o
56
57. perdoei. A mágoa já foi lavada, mas preciso encarar a sociedade
lá fora de cabeça erguida.
Procuraria Valfrido onde estivesse, mas ele veio até mim.
Chegou sem avisar. Procurou a mim em minha sala, na
prefeitura.
- Quanto tempo Passaia!
- Verdade Valfrido, só nos vemos em seu blog não é?
- Ha sim, mas as coisas podem mudar.
Conversamos por quase meia hora sobre política. Ele
reclamou que o filho bateu o carro e precisava de um novo. A
mensagem não deixou dúvida, ele queria se ''entregar". Precisava
de dinheiro e estava disposto a negociar seus textos. Foi uma
gravação tensa, me provocou mais nervosismo do que os
registros feitos com a "máfia nipo-brasileira".
- Mas e aí Valfrido, quer que o Artuzi te pague o carro.
- Sim, o Tetila me deu um carro na administração passada.
- Por isso então você era tão bonzinho com ele? - perguntei num
tom irônico.
- Eu era amigo do Tetila, posso ser teu amigo e do Ari também
poxa!
- Então vamos deixar claro: eu pago o carro e o seu blog não
ataca mais a gente?
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58. - É isso - confirmou Valfrido.
Disse a ele que pensaria a respeito. Nos despedimos e nunca
mais atendi as suas ligações. Não irei processá-lo por calúnia ou
difamação. Não me importarei mais com novos ataques. Já
provei quem é quem na triste história da era Artuzi. Minha
conversa derradeira com Valfrido Silva me devolveu o que havia
perdido há alguns meses: um coração livre.
Antes de ser calado pelo ponto final, preciso lembrar que
não fiz tudo isso por vingança. A vida pode até ser curta, mas
precisa ter uma bela história. E uma bela história não depende de
um personagem cheio de sucesso, precisa apenas estar cercada
de pessoas com valores morais. Se vivermos com justiça,
morreremos com honra. Vida longa a todos nós.
Obrigado Dourados!
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