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O “Nascimento” das Revistas Científicas
Como uma Batata alterou o Mundo da Medicina
Introdução
Existe um elemento comum na prática da Medicina, independentemente da
especialidade que pratiquemos e que por vezes não valorizamos o suficiente, nem
nos interrogamos acerca das suas origens possivelmente porque “sempre estiveram
aqui”.
Seja para actualizarmos ou para originar uma revisão mais profunda acerca de
um tema que nos interessa, para partilhar os nossos conhecimentos com o resto da
comunidade ou, simplesmente, porque nos é mostrado por um delegado de
informação médica como prova de utilidade do produto que nos apresenta, mais
tarde ou mais cedo, no nosso dia-a-dia, deparamo-nos com algum artigo publicado
numa revista clínica.
Quantas existem? Em 2000 calculou-se que existiam, por todo o mundo,
aproximadamente, cerca de 1 milhão de publicações diferentes. Quando, e qual a
razão do seu aparecimento? Ao efectuar uma pesquisa no “MEDLINE” não encontrei
muito artigos sobre este tema, o que me leva a ponderar sobre existência de
curiosidade médica acerca deste assunto. Numa busca mais alargada, verifiquei que
a escassez de artigos era igualmente comum a outras fontes (EMBASE, ou em
pesquisa genérica pela Internet) Este fenómeno suscitou a minha curiosidade, e por
isso, levei a cabo este trabalho, que se perde entre o jornalismo e a investigação
cientifica, com o objectivo de determinar quando foi publicado o primeiro artigo
médico, facto relativamente fácil de averiguar, e também de demonstrar quais os
motivos que levaram à sua concepção.
Nenhum acontecimento científico ocorre de forma espontânea e isolada a
não ser que seja o resultado de uma série de condicionantes sociais, demográficas,
tecnológicas, culturais e, até, religiosas. O caso do nascimento das primeiras
publicações médicas, não será um feito diferente, ocorrido de forma espontânea e
independente dentro da História.
É por este motivo que para compreender, adequadamente, a razão e os
factores que despoletaram o aparecimento destes artigos, é necessário “delinear um
esboço” do contexto histórico onde nasceram. Para um médico, a história possui
uma forma abstracta, muitas vezes mal conhecida, e cujas noções remontam aos
estudos pre-universitários.
Durante a minha formação universitária, tive a sorte de ter uma cadeira -
“História da Medicina” - que contribui decisivamente para que tivesse uma nova
visão desta disciplina, tanto do ponto de vista médico como também, supostamente,
base do meu estudo. Para complementá-la recorri a várias fontes e ao meu próprio
conceito integrador da História, sabendo que é algo subjectivo e que alguns dos
factos aqui expostos poderão não coincidir directamente com o que está escrito em
publicações de referência sobre a História (permitam-me parafrasear um dos famosos
historiados da Antiguidade e dizer “Assim os Vejo. Assim os Conto”).
Considerei esta forma de exposição a mais correcta e didáctica para explicar as
origens das publicações médicas que, diariamente consultamos, desconhecendo as
razões que impulsionaram a sua criação ou a sua evolução, durante os quatro
séculos de existência dos meio de difusão do conhecimento médico.
EUROPA E A IDADE MÉDIA
Ao contrário do que possamos pensar, a História não é uma sucessão de
feitos, batalhas e eventos, mas sim uma entidade dinâmica em que todos os factos
são causa e consequência de outras circunstâncias. Por este motivo, senti alguma
dificuldade na determinação precisa de um facto ou momento histórico, a partir do
qual se desenvolveu a sequência de acontecimentos que culminaram no
nascimento, quase sincronizado, das primeiras publicações médicas. De uma forma
convencional, escolhi a Descoberta da América, devido à mudança drástica que a
mesma produziu na Sociedade Europeia, a partir do século XV. Tentarei resumir as
variáveis que influenciaram o aparecimento das primeiras publicações médicas, em
forma de revista, conferindo especial atenção aos países que foram berço das
primeiras publicações: França e Inglaterra.
Em termos demográficos, a descoberta da América teve como consequência
directa, um aumento linear da população do “velho continente”. Mais importante do
que a chegada das riquezas, advindas dos novos territórios, foi a introdução de um
novo alimento proveniente do Novo Mundo: a batata.
Este alimento, tão comum à cultura contemporânea, contribuiu para um
ponto de viragem na demografia da Europa, na Idade Moderna. A chegada de um
tubérculo, de fácil crescimento em qualquer tipo de terreno e com alto valor calórico,
fez com que as antigas plantações de trigo, cevada e centeio fossem substituídas,
com vantagem, por este novo alimento.
Consequentemente as fomes que dizimavam periodicamente a Europa
Medieval diminuíram, o que permitiu um aumento da população, de forma quase
linear, a partir da chegada deste produto. Para além do homem, os “vizinhos” do
género humano, os ratos, também sofreram esta mudança, sendo o rato negro,
transmissor da peste bubónica e associada aos armazéns de cereais substituída pelo
rato pardo que, embora causador de outras infecções, não possui ligação directa a
esta enfermidade.
Por outro lado, doenças que, tradicionalmente, tinham diminuído a
população, devido à sua grande virulência, tal como a sífilis, começaram, nesta altura,
supostamente devido a algum tipo de adaptação do género humano ao germe ou a
uma redução da sua agressividade, a diminuir a mortalidade associada a esta
infecção, o que também influenciou o crescimento populacional no período
supracitado.
Em termos políticos, durante os séculos XV e XVI assistimos a uma
desmontagem o sistema social vigente durante toda a Idade Media: o Feudalismo,
sistema em que os nobres, protectores da população, outorgavam aos seus
protegidos terras, que estes cultivavam para o seu senhor, a troco de protecção e de
uma parte do produto do seu trabalho.
Este factor deveu-se uma amplitude de pujança comercial e da rentabilidade
oriunda dos novos produtos trazidos das “Índias Ocidentais”, nomenclatura atribuída,
naquela época ao continente americano. A ampla rentabilidade das novas culturas
favorecia o aparecimento de excedentes provenientes das colheitas, o que fez com
que os servos tivessem, pela primeira vez, a oportunidade de negociar com os
produtos que sobravam por outros, e de assentar as bases do comércio.
Para aqueles que tiveram uma maior produtividade, a acumulação de riqueza
e, simultaneamente, a decadência da nobreza, permitiu-lhes adquirir a sua liberdade,
comprar os seus próprios terrenos, assim como contratar pessoas para a realização de
determinados trabalhos.
O poder real, por seu lado, ficou fortalecido, após diversas revoluções e
guerras civis, figurando os primeiros contornos de Monarquias Absolutas (recordo
que, durante a Idade Média, o Poder Real contava com apoio e defesa da parte dos
seus nobres.) Em conclusão, o crescimento das populações e as alterações políticas
implicaram uma maior especialização do trabalho, o aumento das trocas comerciais
com populações vizinhas e, consequentemente, o aparecimento de duas novas
classes sociais: a burguesia e o pobre.
O aparecimento da burguesia fez com que o povo, também conhecido por
“gente”, tradicionalmente relegado ao papel de servo da nobreza, adquiriu
autonomia relativamente a esta classe. A nobreza, que continuava a ocupar lugares
de poder e prestígio, encontrou rapidamente um núcleo populacional que
precedentemente estava ao seu serviço, mas que pretendia, agora, assumir as suas
funções e fundir-se nela. Primeiramente na época faraónica e, posteriormente no
Império Romano, o poder e, portanto, a nobreza estava associada à “vontade divina”.
Nesta época e devido aos factores acima abordados, os burgueses tiveram
acesso à compra de títulos nobiliários e não conseguiram, paradoxalmente, o
reconhecimento que pretendiam, com a ascensão ao estatuto de nobre. Nos estratos
mais altos, falava-se de “Nobreza de Berço” para se referirem aos nobres,
descendentes de nobres e aos outros “Nobres de Roupa”, com título adquirido
através do trabalho e do comércio, uma actividade repudiada pelas classes mais altas.
A causa destes acontecimentos, uma classe nova e em florescimento, que
começava a controlar o poder económico sem ter acesso a outros órgãos de
poder e prestígio e que necessitava de outras vias para atingir os seus
objectivos. O método escolhido foi a “culturalização”. As pessoas abastadas
tinham acesso a uma educação privilegiada, bem como a aquisição de uma
série de conhecimentos, antes reservados ao Clero, pelo que começaram a
exigir para si funções, anteriormente reservadas ao clero e baixa nobreza,
como Postos Administrativos, o Ensino e, claro está, a Medicina.
Os pobres, por seu lado, eram um núcleo populacional cada vez mais
numeroso, composto por antigos servos feudais e por artesãos, que nesta
época de uma revolução industrial incipiente, começam a estar
descontextualizados, por outros meios de produção, mais baratos e eficientes.
Este conglomerado social, tradicionalmente pelo clero nas paróquias, devido
ao seu exponencial crescimento, pelas sua desintegração da sociedade
medieval, transbordando as capacidades destas instituições, necessitando de
um novo estabelecimento que possa dar atenção à saúde deste grupo.
Surge, portanto, nos finais do século XVI, meados do XVII, uma necessidade
emergente de prestar apoio na área de saúde, à crescente população de pobres. A
Burguesia por seu lado, inicia funções de poder em algumas instituições. No campo
da Medicina procedeu-se à redefinição dos objectivos das Juntas de Saúde Pública,
uma instituição que esteve presente em toda a Europa com a finalidade de proteger,
através da existência de uma entidade com poderes organizativos, políticos e
administrativos, das epidemias de peste que, periodicamente, assolavam o
Continente, bem como evitar a sua propagação. Curiosamente, estas Juntas eram
originalmente constituídas por vários representantes administrativos, religiosos e
militares, sendo o médico um profissional em minoria e com poderes bastante
limitados.
Com a nova situação social dos séculos XVI e XVII, a finalidade principal das
Juntas de Saúde Pública propicia a desaparecer, graças ao novo contexto, referido
anteriormente, mas a Instituição perdura, agora mais robusta, devido ao problema
emergente da atenção sanitária aos pobres.
E porquê conferir tanta atenção aos pobres? Ao estarmos perante um sistema
posterior ao feudalismo poderíamos pensar que esta classe teria um estatuto de
“invisível” para o Estado, na qual a classe integrante nascia, vivia e morria na
marginalização. Não obstante e, fundamentalmente, em França e Inglaterra, países
que a partir de agora analisaremos, enquanto “berços” das primeiras publicações de
carácter científico, existiam motivos importantes para que este grupo populacional
fosse alvo de atenções e preocupações por parte das classes dirigentes.
Na Inglaterra do século XVII, a chegada ao poder pelos Tudor e a instauração
dos Protestantismo enquanto doutrina oficial do País, teve uma grande influência
social: a ideologia puritana do Protestantismo reforçava a necessidade de novos
valores laborais, de iniciativa e presteza. Neste contexto, a pobreza era tida como um
defeito moral que deveria ser erradicado. Politicamente, existia uma visão utilitária; a
classe dos pobres era vista como uma potencial fonte de apoios para o Estado, assim
como mão-de-obra para uma Burguesia cada vez mais especializada. E, é por estas
razões que se começa a pensar na necessidade de dar atenção à Saúde da classe
pobre.
As paróquias, elemento tradicional de atenção aos enfermos sem recursos
económicos, perante a nova situação deixaram de funcionar, obsoletas, surgindo a
necessidade de uma reforma na educação, que incluía o ensino da Medicina, a ter
lugar em contexto hospitalar (até à data o acesso à Medicina estava condicionado à
realeza, alta nobreza e pessoas com destacados recursos económicos, o que
resultava num número muito escasso de profissionais.) Por esta razão, os Hospitais,
outrora armazéns de doentes atendidos, maioritariamente por membros do clero,
começam a secularizar-se e a crescer em tamanho e número. Os encarregados de
organizar e gerir estas instituições não serão outros, que não os burgueses que
procuravam um meio do alcançar o prestígio social, tradicionalmente reservado à
nobreza. Na Inglaterra do século XVII, a figura do médico converte-se em alguém
respeitado, com um nível económico elevado; de tal forma que começou a receber
pessoas, oriundas de outros países em que esta profissão não gozava do mesmo
estatuto, razão pela qual começaram a aparecer instituições, percursoras das
organizações médicas colegiais, com vista à certificação de quem se encontra, ou
não, apto para o exercício da Medicina (dividia-se em “Fellows – aqueles que
exerciam Medicina com a certificação da organização e “Fellons” aqueles que
exerciam Medicina sem o reconhecimento das entidades mencionadas.
AS REVISTAS E SOCIEDADES MÉDICAS
Como já se verificou, os séculos XVI e XVII, assistem a um aumento do número de
médicos, bem como uma maior organização da profissão. Contudo, nesta altura,
ainda forma uma classe pouco numerosa e nem sempre acessível a todas as classes
sociais. Em finais do século XVII, com a subida ao trono de Rei Carlos II, os ideais
absolutistas em Inglaterra chegam ao seu auge. Vamos encontrar uma monarquia
recém-instaurada, após vários anos de guerras, prevalente à Nobreza que, com a
nova ordem, se encontra numa situação de debilidade.
A ideia central gira em torno do Rei, que deve ser tido como “Dono” do
Estado e administrar, equitativamente, os bens para o Povo. O progresso científico e
tecnológico terá, igualmente, um papel fundamental no sentido do progresso e bem-
estar da população. Para alcançar este progresso é necessária uma inversão
económica da parte da Coroa que, após esgotados todos os recursos, após anos de
guerra e conflitos internos, não o assume. Num outro plano, uma monarquia jovem
necessita do apoio das forças sociais e económicas do País. E é neste contexto que
surge a Royal Society of London for the Improvement of Knowledge, em 1660. Esta
associação já tinha existido enquanto sociedade secreta ( The Invisible College) desde
em 1646 e, entre os seus membros, integravam figuras de relevo no plano
económico, social e político e existiam fortes laços de união com a maçonaria, na
altura, uma instituição com grande poder. Será por essa razão que quando Sir Robert
Murray, um importante maçon, solicita de Carlos II, o reconhecimento da Sociedade
Real como Instituição oficial, é-lhe concedido, de bom grado, o selo real e este
reconhecimento foi interpretado como uma aliança táctica entre os diversos círculos
de poder da altura. O objectivo da sociedade não era estritamente médico, mas
envolvente de todos os tipos de conhecimento. O objectivo basilar consistia na
sistematização do estudo do universo com os critérios do Racionalismo.
Cinco anos após a sua criação oficial, surge a publicação periódica que vem
reforçar a sua visibilidade social: A “Philosophical Transactions of the Royal Society of
Medicine”, que indicava onde se poderiam encontrar alguns livros de interesse, onde
se comentavam notícias de cariz económico, político, social e científico e
naturalmente a Medicina tinha também o seu espaço, com a publicação de algumas
cartas que facilitavam a comunicação entre os médicos pertencentes à Sociedade.
Não era portanto, uma revista médica no sentido estrito da palavra, mas sim, o que
poderemos designar, no século XXI, como uma revista de divulgação científica e,
com efeito, de muitas outras disciplinas como as Matemáticas, a Física e a Astronomia
que também consideram esta publicação como a primeira publicação periódica do
seu género.
Mas, seria de facto necessária, neste contexto científico, a criação de uma
publicação periódica? A resposta é discutível. Chama atenção para factos como o
escasso número de médicos existentes, não alcançando “massa crítica” suficiente que
justificasse a criação de um meio de comunicação específico, no seio da comunidade
científica. Mesmo assim, o avanço da ciência médica não era tão célere que
implicasse uma publicação periódica. Por outro lado, verifica-se que esta publicação
restringe-se a conferir relevância e actualiza um elemento já existente desde a Idade
Médica: as folhas volantes. Este meio de comunicação periódica irregular, nasceu na
Alta Idade Média, com o propósito de manter informadas as pessoas com posses dos
sucessos que as decisões relacionadas com os seus investimentos. Com o
aparecimento da imprensa, o volume destas notificações foi aumentando até à
criação de publicações, que agrupavam, em si, os avisos de maior importância,
publicados nos últimos tempos. Incluíam sucessos de cariz social, económico, guerra
e, naturalmente, a formação mínima necessária para interpretar e compreender os
artigos, na sua maioria pertencentes à burguesia emergente.
Por este motivo, na Inglaterra dos finais do século XVII, a publicação periódica em
papel associava-se a elevados estratos com poder económico e político. Neste
contexto, o nascimento da “Philosophical transactions” para além de um propósito
científico poderá ter sofrido um condicionante social e económico de
reconhecimento e prestígio. Curiosamente, logo no primeiro número, encontramos
interessantes referências bibliográficas à própria publicação e a outra revista que
tinha iniciado publicação, em França, poucos meses antes: “Le Journal des Scavants”.
A publicação desta revista não sofreu, durante a sua história, interrupções de grande
relevância e na actualidade tem uma diversificação de publicações diferentes que
abordam questões de ordem científica, médica, matemática....
Na França do Século XVII, a mentalidade era, em grande escala, bem diferente
da inglesa. Foi uma época de guerras e, tendo em conta que a riqueza de um país
em grande medida da sua capacidade militar e que desta ultima depende do
número de pessoas que integram uma nação e da sua força, interessa ter uma
população numerosa e com um bom estado de saúde para que possam proteger o
país e participar do seu desenvolvimento.
Aparecem políticas que vêm com bons olhos a existência de famílias numerosas
e, simultaneamente, o melhor estado nutricional da população devido aos factores
anteriormente enumerados, o que diminui as epidemias periódicas que dizimavam a
população. Com o progressivo crescimento das cidades, a necessidade de um maior
número de hospitais era incontornável e, em 1656, Luís XIV aboliu os horrendos
sanatórios medievais e fundou um sistema de hospitais por toda a França. Este foi o
primeiro passo na transformação da Medicina de Hospital.
Contudo, o médico continuava sendo uma figura quase inexistente no sistema:
um boticário servia todos os pacientes e as religiosas funcionavam como enfermeiras,
curas aprendizes de barbeiros-cirurgiões várias mulheres que faziam os partos e outros
serviçais. A mortalidade oscilava entre os 20 e os 30%. Os médicos raramente iam ao
hospital. De tal forma que em 1607, os duques da Saxónia publicaram um
regulamento que isentava de guardas aos médicos que aceitavam ir de visita a algum
hospital. Esta ausência de médicos nas instituições de saúde eram devidas,
fundamentalmente, à baixa apreciação, por parte da sociedade francesa, da figura do
médico, que inspirava desconfiança e repúdio tanto entre os membros das classes
inferiores da sociedade, de onde originariamente provinha, como também pelas
estratos mais altos, onde estava integrado, mas para quem não passava de um serviçal
especializado.
Podemos encontrar um perfeito exemplo da noção da figura do médico, na
época, numa passagem de Voltaire: “Que acha dos médicos?” Senhor, conservam-
nos. Dão-nos umas receitas e instruções e como nunca as seguimos, pronto, estamos
curados...” Dentro da classe médica existiam, evidentemente, vários extractos, entre os
quais um reduzido e selecto grupo de doutores que integram o grupo de saúde da
Corte, gozando de favores e protecção real.
No caso de Luís XIV, por exemplo, o grupo de saúde chegou a integrar cerca de
78 profissionais de todas as especialidades conhecidas. Alguns destes médicos
chegaram mesmo a gozar de um enorme apoio real e popularidade a tal ponto que
lhes permitiu o acesso a empresas com reconhecimento histórico, como a primeira
publicação em forma de periódico, em França, La Gazette, pelo Dr. Renaudot, em
1631.
Não corresponde a um médico, curiosamente, a criação da publicação que,
classicamente se designa como a primeira revista médica, o “Jornal des Scavants”
(Revista dos Sábios), em Janeiro de 1665. Esta publicação é o resultado do trabalho de
Denis de Sallo, filósofo e advogado nobre, com vastos recursos económicos, membro
do Parlamento e casado com a filha de outro parlamentar, bem como dono de
importantes bibliotecas, com o apoio pessoal de Colbert.
Porquê a criação de uma publicação científica nesta época? Embora a situação
em França seja diferente da existente em Inglaterra, a razão fundamental é
semelhante: Estamos em finais do século XVII, assistindo aos alvores do Despotismo
Iluminado, isto é, no reforço do Estado dentro de uma marca de território nacional, na
expansão económica debaixo de protecção estatal e no desenvolvimento comercial
nas mãos de uma burguesia que fornece administradores e financeiros à própria
monarquia. É neste contexto que o poder iluminista deverá estimular e apoiar o
desenvolvimento das ciências com vista a aplicá-las no desenvolvimento do País.
A criação de uma publicação periódica que facilitará a localização dos
principais livros e comunicará factos de relevância no plano social, económico
e científico que contribuirão para homogeneizar e estimular o crescimento da
economia, tendo como base estas premissas.
È por esta razão que o poder real daquela época vê com bons olhos a criação de
uma publicação que trate dos avanços e pontos de interesse em geral para a nova
sociedade iluminista (de facto, semelhante ao que sucede com a Philosophical
Transactions, outras ciências, como a Matemática, também citam esta publicação
como a primeira na sua área).
Nos primeiros meses de vida da revista, de Sallo discutiu os conteúdos de vários
livros e fez comentários à teorias de vários cientistas da época, salientando-se a
aversão tanto à Igreja, em particular aos Jesuítas, como à Universidade. Foi esta a
razão pela qual, três meses depois do nascimento da revista, a edição do Jornal foi
interrompida, reaparecendo novamente em 1666 sob a direcção de outra figura, com
ideias um pouco menos polémicas. Com o tempo, esta publicação mudou de
designação, passando a chamar-se o Jornal dos Savants e persistiu até depois da
Revolução Francesa, altura em que se alterou para uma revista mais literária do que
científica.
CONCLUSÃO
Há que referir que, os médicos, habitualmente burgueses provenientes das classes
não nobres da Alta Idade Média, tiveram um papel relativamente pouco importante
no nascimento das que, consideramos actualmente, primeiras revistas científicas.
Foram estas, que melhor traduziram o resultado da conjunção de necessidades de
alguns grupos de poder, constituídos por pessoas com uma ampla formação cultural,
com a necessidade de uma monarquia que se encontrava em processo de
transformação, tal outros sistemas de governo, nos quais o Racionalismo seria parte
constituinte da “coluna vertebral” do sistema. Como seria de prever foi, uma vez
descoberto o sistema, que os médicos perceberam a utilidade da existência de
publicações periódicas, material e economicamente mais acessíveis que os livros com
um processo de actualização mais dinâmico que os tradicionais tratados de Medicina.
Contudo, o aparecimento desta necessidade e portanto, das primeiras revistas
médicas no formato que actualmente conhecemos, só teve lugar um século depois,
em terras saxónicas e, na Península Ibérica tivemos que aguardar até ao século XIX
para integrar este instrumento na nossa cultura.
EPÍLOGO
Com o aparecimento da Internet em finais do século XX, existe um fenómeno
semelhante qualitativamente, com uma importância mais evidente quantitativamente,
o aparecimento da imprensa: a informação, antes limitada aos espaços físicos de
cultura (livrarias e bibliotecas), passou a encontrar-se em todos os outros lugares, e a
estar ao alcance de todos os interessados, o que aumentou o acesso à informação ou
quer das classes médicas, quer do público em geral. A leitura das revistas médicas,
antes restrita física e economicamente, foi facilitada, na maior parte dos casos, pela
ausência dos gastos de impressão e distribuição.
A afluência massiva de informação tornou necessário o aparecimento de uma
forma de valorização e quantificação do valor real da informação fornecida pelos
artigos, aparecendo a Medicina Baseada na Evidência. Os Fóruns da Internet e as
páginas web complementaram as reuniões periódicas de médicos (Sessões clínicas,
Congressos).
Socialmente o médico ocupou um lugar como profissional do Estado ou de
empregado qualificado para uma entidade privada, conservando, em alguns casos, o
poder político destinado à Saúde (Delegado de Saúde Pública poderão ser os
herdeiros das Juntas de Saúde).
Estruturalmente, a “Sociedade da Abundância” do século XX criou grandes
estabelecimentos de saúde onde médicos especializados e outras áreas relacionadas,
trabalham em conjunto em prol do doente, e uma rede externa aos Hospitais, onde
os médicos, com uma visão mais generalista do doente, atendem as suas
necessidades de saúde mais básicas, em estreita colaboração com o meio hospitalar.
Diante nós, temos o início do século XXI com todas as suas complexidades
culturais, religiosas, tecnológicas e demográficas que condicionaram a missão do
Médico e a forma de transmissão da divulgação no seio da nossa profissão.

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Como uma Batata alterou a Medicina

  • 1. O “Nascimento” das Revistas Científicas Como uma Batata alterou o Mundo da Medicina Introdução Existe um elemento comum na prática da Medicina, independentemente da especialidade que pratiquemos e que por vezes não valorizamos o suficiente, nem nos interrogamos acerca das suas origens possivelmente porque “sempre estiveram aqui”. Seja para actualizarmos ou para originar uma revisão mais profunda acerca de um tema que nos interessa, para partilhar os nossos conhecimentos com o resto da comunidade ou, simplesmente, porque nos é mostrado por um delegado de informação médica como prova de utilidade do produto que nos apresenta, mais tarde ou mais cedo, no nosso dia-a-dia, deparamo-nos com algum artigo publicado numa revista clínica. Quantas existem? Em 2000 calculou-se que existiam, por todo o mundo, aproximadamente, cerca de 1 milhão de publicações diferentes. Quando, e qual a razão do seu aparecimento? Ao efectuar uma pesquisa no “MEDLINE” não encontrei muito artigos sobre este tema, o que me leva a ponderar sobre existência de curiosidade médica acerca deste assunto. Numa busca mais alargada, verifiquei que a escassez de artigos era igualmente comum a outras fontes (EMBASE, ou em pesquisa genérica pela Internet) Este fenómeno suscitou a minha curiosidade, e por isso, levei a cabo este trabalho, que se perde entre o jornalismo e a investigação cientifica, com o objectivo de determinar quando foi publicado o primeiro artigo médico, facto relativamente fácil de averiguar, e também de demonstrar quais os motivos que levaram à sua concepção. Nenhum acontecimento científico ocorre de forma espontânea e isolada a não ser que seja o resultado de uma série de condicionantes sociais, demográficas, tecnológicas, culturais e, até, religiosas. O caso do nascimento das primeiras publicações médicas, não será um feito diferente, ocorrido de forma espontânea e independente dentro da História. É por este motivo que para compreender, adequadamente, a razão e os factores que despoletaram o aparecimento destes artigos, é necessário “delinear um esboço” do contexto histórico onde nasceram. Para um médico, a história possui uma forma abstracta, muitas vezes mal conhecida, e cujas noções remontam aos estudos pre-universitários. Durante a minha formação universitária, tive a sorte de ter uma cadeira - “História da Medicina” - que contribui decisivamente para que tivesse uma nova visão desta disciplina, tanto do ponto de vista médico como também, supostamente, base do meu estudo. Para complementá-la recorri a várias fontes e ao meu próprio conceito integrador da História, sabendo que é algo subjectivo e que alguns dos factos aqui expostos poderão não coincidir directamente com o que está escrito em publicações de referência sobre a História (permitam-me parafrasear um dos famosos historiados da Antiguidade e dizer “Assim os Vejo. Assim os Conto”). Considerei esta forma de exposição a mais correcta e didáctica para explicar as origens das publicações médicas que, diariamente consultamos, desconhecendo as razões que impulsionaram a sua criação ou a sua evolução, durante os quatro séculos de existência dos meio de difusão do conhecimento médico.
  • 2. EUROPA E A IDADE MÉDIA Ao contrário do que possamos pensar, a História não é uma sucessão de feitos, batalhas e eventos, mas sim uma entidade dinâmica em que todos os factos são causa e consequência de outras circunstâncias. Por este motivo, senti alguma dificuldade na determinação precisa de um facto ou momento histórico, a partir do qual se desenvolveu a sequência de acontecimentos que culminaram no nascimento, quase sincronizado, das primeiras publicações médicas. De uma forma convencional, escolhi a Descoberta da América, devido à mudança drástica que a mesma produziu na Sociedade Europeia, a partir do século XV. Tentarei resumir as variáveis que influenciaram o aparecimento das primeiras publicações médicas, em forma de revista, conferindo especial atenção aos países que foram berço das primeiras publicações: França e Inglaterra. Em termos demográficos, a descoberta da América teve como consequência directa, um aumento linear da população do “velho continente”. Mais importante do que a chegada das riquezas, advindas dos novos territórios, foi a introdução de um novo alimento proveniente do Novo Mundo: a batata. Este alimento, tão comum à cultura contemporânea, contribuiu para um ponto de viragem na demografia da Europa, na Idade Moderna. A chegada de um tubérculo, de fácil crescimento em qualquer tipo de terreno e com alto valor calórico, fez com que as antigas plantações de trigo, cevada e centeio fossem substituídas, com vantagem, por este novo alimento. Consequentemente as fomes que dizimavam periodicamente a Europa Medieval diminuíram, o que permitiu um aumento da população, de forma quase linear, a partir da chegada deste produto. Para além do homem, os “vizinhos” do género humano, os ratos, também sofreram esta mudança, sendo o rato negro, transmissor da peste bubónica e associada aos armazéns de cereais substituída pelo rato pardo que, embora causador de outras infecções, não possui ligação directa a esta enfermidade. Por outro lado, doenças que, tradicionalmente, tinham diminuído a população, devido à sua grande virulência, tal como a sífilis, começaram, nesta altura, supostamente devido a algum tipo de adaptação do género humano ao germe ou a uma redução da sua agressividade, a diminuir a mortalidade associada a esta infecção, o que também influenciou o crescimento populacional no período supracitado. Em termos políticos, durante os séculos XV e XVI assistimos a uma desmontagem o sistema social vigente durante toda a Idade Media: o Feudalismo, sistema em que os nobres, protectores da população, outorgavam aos seus protegidos terras, que estes cultivavam para o seu senhor, a troco de protecção e de uma parte do produto do seu trabalho. Este factor deveu-se uma amplitude de pujança comercial e da rentabilidade oriunda dos novos produtos trazidos das “Índias Ocidentais”, nomenclatura atribuída, naquela época ao continente americano. A ampla rentabilidade das novas culturas favorecia o aparecimento de excedentes provenientes das colheitas, o que fez com que os servos tivessem, pela primeira vez, a oportunidade de negociar com os produtos que sobravam por outros, e de assentar as bases do comércio. Para aqueles que tiveram uma maior produtividade, a acumulação de riqueza e, simultaneamente, a decadência da nobreza, permitiu-lhes adquirir a sua liberdade, comprar os seus próprios terrenos, assim como contratar pessoas para a realização de determinados trabalhos. O poder real, por seu lado, ficou fortalecido, após diversas revoluções e guerras civis, figurando os primeiros contornos de Monarquias Absolutas (recordo
  • 3. que, durante a Idade Média, o Poder Real contava com apoio e defesa da parte dos seus nobres.) Em conclusão, o crescimento das populações e as alterações políticas implicaram uma maior especialização do trabalho, o aumento das trocas comerciais com populações vizinhas e, consequentemente, o aparecimento de duas novas classes sociais: a burguesia e o pobre. O aparecimento da burguesia fez com que o povo, também conhecido por “gente”, tradicionalmente relegado ao papel de servo da nobreza, adquiriu autonomia relativamente a esta classe. A nobreza, que continuava a ocupar lugares de poder e prestígio, encontrou rapidamente um núcleo populacional que precedentemente estava ao seu serviço, mas que pretendia, agora, assumir as suas funções e fundir-se nela. Primeiramente na época faraónica e, posteriormente no Império Romano, o poder e, portanto, a nobreza estava associada à “vontade divina”. Nesta época e devido aos factores acima abordados, os burgueses tiveram acesso à compra de títulos nobiliários e não conseguiram, paradoxalmente, o reconhecimento que pretendiam, com a ascensão ao estatuto de nobre. Nos estratos mais altos, falava-se de “Nobreza de Berço” para se referirem aos nobres, descendentes de nobres e aos outros “Nobres de Roupa”, com título adquirido através do trabalho e do comércio, uma actividade repudiada pelas classes mais altas. A causa destes acontecimentos, uma classe nova e em florescimento, que começava a controlar o poder económico sem ter acesso a outros órgãos de poder e prestígio e que necessitava de outras vias para atingir os seus objectivos. O método escolhido foi a “culturalização”. As pessoas abastadas tinham acesso a uma educação privilegiada, bem como a aquisição de uma série de conhecimentos, antes reservados ao Clero, pelo que começaram a exigir para si funções, anteriormente reservadas ao clero e baixa nobreza, como Postos Administrativos, o Ensino e, claro está, a Medicina. Os pobres, por seu lado, eram um núcleo populacional cada vez mais numeroso, composto por antigos servos feudais e por artesãos, que nesta época de uma revolução industrial incipiente, começam a estar descontextualizados, por outros meios de produção, mais baratos e eficientes. Este conglomerado social, tradicionalmente pelo clero nas paróquias, devido ao seu exponencial crescimento, pelas sua desintegração da sociedade medieval, transbordando as capacidades destas instituições, necessitando de um novo estabelecimento que possa dar atenção à saúde deste grupo. Surge, portanto, nos finais do século XVI, meados do XVII, uma necessidade emergente de prestar apoio na área de saúde, à crescente população de pobres. A Burguesia por seu lado, inicia funções de poder em algumas instituições. No campo da Medicina procedeu-se à redefinição dos objectivos das Juntas de Saúde Pública, uma instituição que esteve presente em toda a Europa com a finalidade de proteger, através da existência de uma entidade com poderes organizativos, políticos e administrativos, das epidemias de peste que, periodicamente, assolavam o Continente, bem como evitar a sua propagação. Curiosamente, estas Juntas eram originalmente constituídas por vários representantes administrativos, religiosos e militares, sendo o médico um profissional em minoria e com poderes bastante limitados. Com a nova situação social dos séculos XVI e XVII, a finalidade principal das Juntas de Saúde Pública propicia a desaparecer, graças ao novo contexto, referido anteriormente, mas a Instituição perdura, agora mais robusta, devido ao problema emergente da atenção sanitária aos pobres.
  • 4. E porquê conferir tanta atenção aos pobres? Ao estarmos perante um sistema posterior ao feudalismo poderíamos pensar que esta classe teria um estatuto de “invisível” para o Estado, na qual a classe integrante nascia, vivia e morria na marginalização. Não obstante e, fundamentalmente, em França e Inglaterra, países que a partir de agora analisaremos, enquanto “berços” das primeiras publicações de carácter científico, existiam motivos importantes para que este grupo populacional fosse alvo de atenções e preocupações por parte das classes dirigentes. Na Inglaterra do século XVII, a chegada ao poder pelos Tudor e a instauração dos Protestantismo enquanto doutrina oficial do País, teve uma grande influência social: a ideologia puritana do Protestantismo reforçava a necessidade de novos valores laborais, de iniciativa e presteza. Neste contexto, a pobreza era tida como um defeito moral que deveria ser erradicado. Politicamente, existia uma visão utilitária; a classe dos pobres era vista como uma potencial fonte de apoios para o Estado, assim como mão-de-obra para uma Burguesia cada vez mais especializada. E, é por estas razões que se começa a pensar na necessidade de dar atenção à Saúde da classe pobre. As paróquias, elemento tradicional de atenção aos enfermos sem recursos económicos, perante a nova situação deixaram de funcionar, obsoletas, surgindo a necessidade de uma reforma na educação, que incluía o ensino da Medicina, a ter lugar em contexto hospitalar (até à data o acesso à Medicina estava condicionado à realeza, alta nobreza e pessoas com destacados recursos económicos, o que resultava num número muito escasso de profissionais.) Por esta razão, os Hospitais, outrora armazéns de doentes atendidos, maioritariamente por membros do clero, começam a secularizar-se e a crescer em tamanho e número. Os encarregados de organizar e gerir estas instituições não serão outros, que não os burgueses que procuravam um meio do alcançar o prestígio social, tradicionalmente reservado à nobreza. Na Inglaterra do século XVII, a figura do médico converte-se em alguém respeitado, com um nível económico elevado; de tal forma que começou a receber pessoas, oriundas de outros países em que esta profissão não gozava do mesmo estatuto, razão pela qual começaram a aparecer instituições, percursoras das organizações médicas colegiais, com vista à certificação de quem se encontra, ou não, apto para o exercício da Medicina (dividia-se em “Fellows – aqueles que exerciam Medicina com a certificação da organização e “Fellons” aqueles que exerciam Medicina sem o reconhecimento das entidades mencionadas. AS REVISTAS E SOCIEDADES MÉDICAS Como já se verificou, os séculos XVI e XVII, assistem a um aumento do número de médicos, bem como uma maior organização da profissão. Contudo, nesta altura, ainda forma uma classe pouco numerosa e nem sempre acessível a todas as classes sociais. Em finais do século XVII, com a subida ao trono de Rei Carlos II, os ideais absolutistas em Inglaterra chegam ao seu auge. Vamos encontrar uma monarquia recém-instaurada, após vários anos de guerras, prevalente à Nobreza que, com a nova ordem, se encontra numa situação de debilidade. A ideia central gira em torno do Rei, que deve ser tido como “Dono” do Estado e administrar, equitativamente, os bens para o Povo. O progresso científico e tecnológico terá, igualmente, um papel fundamental no sentido do progresso e bem- estar da população. Para alcançar este progresso é necessária uma inversão económica da parte da Coroa que, após esgotados todos os recursos, após anos de guerra e conflitos internos, não o assume. Num outro plano, uma monarquia jovem necessita do apoio das forças sociais e económicas do País. E é neste contexto que
  • 5. surge a Royal Society of London for the Improvement of Knowledge, em 1660. Esta associação já tinha existido enquanto sociedade secreta ( The Invisible College) desde em 1646 e, entre os seus membros, integravam figuras de relevo no plano económico, social e político e existiam fortes laços de união com a maçonaria, na altura, uma instituição com grande poder. Será por essa razão que quando Sir Robert Murray, um importante maçon, solicita de Carlos II, o reconhecimento da Sociedade Real como Instituição oficial, é-lhe concedido, de bom grado, o selo real e este reconhecimento foi interpretado como uma aliança táctica entre os diversos círculos de poder da altura. O objectivo da sociedade não era estritamente médico, mas envolvente de todos os tipos de conhecimento. O objectivo basilar consistia na sistematização do estudo do universo com os critérios do Racionalismo. Cinco anos após a sua criação oficial, surge a publicação periódica que vem reforçar a sua visibilidade social: A “Philosophical Transactions of the Royal Society of Medicine”, que indicava onde se poderiam encontrar alguns livros de interesse, onde se comentavam notícias de cariz económico, político, social e científico e naturalmente a Medicina tinha também o seu espaço, com a publicação de algumas cartas que facilitavam a comunicação entre os médicos pertencentes à Sociedade. Não era portanto, uma revista médica no sentido estrito da palavra, mas sim, o que poderemos designar, no século XXI, como uma revista de divulgação científica e, com efeito, de muitas outras disciplinas como as Matemáticas, a Física e a Astronomia que também consideram esta publicação como a primeira publicação periódica do seu género. Mas, seria de facto necessária, neste contexto científico, a criação de uma publicação periódica? A resposta é discutível. Chama atenção para factos como o escasso número de médicos existentes, não alcançando “massa crítica” suficiente que justificasse a criação de um meio de comunicação específico, no seio da comunidade científica. Mesmo assim, o avanço da ciência médica não era tão célere que implicasse uma publicação periódica. Por outro lado, verifica-se que esta publicação restringe-se a conferir relevância e actualiza um elemento já existente desde a Idade Médica: as folhas volantes. Este meio de comunicação periódica irregular, nasceu na Alta Idade Média, com o propósito de manter informadas as pessoas com posses dos sucessos que as decisões relacionadas com os seus investimentos. Com o aparecimento da imprensa, o volume destas notificações foi aumentando até à criação de publicações, que agrupavam, em si, os avisos de maior importância, publicados nos últimos tempos. Incluíam sucessos de cariz social, económico, guerra e, naturalmente, a formação mínima necessária para interpretar e compreender os artigos, na sua maioria pertencentes à burguesia emergente. Por este motivo, na Inglaterra dos finais do século XVII, a publicação periódica em papel associava-se a elevados estratos com poder económico e político. Neste contexto, o nascimento da “Philosophical transactions” para além de um propósito científico poderá ter sofrido um condicionante social e económico de reconhecimento e prestígio. Curiosamente, logo no primeiro número, encontramos interessantes referências bibliográficas à própria publicação e a outra revista que tinha iniciado publicação, em França, poucos meses antes: “Le Journal des Scavants”. A publicação desta revista não sofreu, durante a sua história, interrupções de grande relevância e na actualidade tem uma diversificação de publicações diferentes que abordam questões de ordem científica, médica, matemática.... Na França do Século XVII, a mentalidade era, em grande escala, bem diferente da inglesa. Foi uma época de guerras e, tendo em conta que a riqueza de um país em grande medida da sua capacidade militar e que desta ultima depende do número de pessoas que integram uma nação e da sua força, interessa ter uma
  • 6. população numerosa e com um bom estado de saúde para que possam proteger o país e participar do seu desenvolvimento. Aparecem políticas que vêm com bons olhos a existência de famílias numerosas e, simultaneamente, o melhor estado nutricional da população devido aos factores anteriormente enumerados, o que diminui as epidemias periódicas que dizimavam a população. Com o progressivo crescimento das cidades, a necessidade de um maior número de hospitais era incontornável e, em 1656, Luís XIV aboliu os horrendos sanatórios medievais e fundou um sistema de hospitais por toda a França. Este foi o primeiro passo na transformação da Medicina de Hospital. Contudo, o médico continuava sendo uma figura quase inexistente no sistema: um boticário servia todos os pacientes e as religiosas funcionavam como enfermeiras, curas aprendizes de barbeiros-cirurgiões várias mulheres que faziam os partos e outros serviçais. A mortalidade oscilava entre os 20 e os 30%. Os médicos raramente iam ao hospital. De tal forma que em 1607, os duques da Saxónia publicaram um regulamento que isentava de guardas aos médicos que aceitavam ir de visita a algum hospital. Esta ausência de médicos nas instituições de saúde eram devidas, fundamentalmente, à baixa apreciação, por parte da sociedade francesa, da figura do médico, que inspirava desconfiança e repúdio tanto entre os membros das classes inferiores da sociedade, de onde originariamente provinha, como também pelas estratos mais altos, onde estava integrado, mas para quem não passava de um serviçal especializado. Podemos encontrar um perfeito exemplo da noção da figura do médico, na época, numa passagem de Voltaire: “Que acha dos médicos?” Senhor, conservam- nos. Dão-nos umas receitas e instruções e como nunca as seguimos, pronto, estamos curados...” Dentro da classe médica existiam, evidentemente, vários extractos, entre os quais um reduzido e selecto grupo de doutores que integram o grupo de saúde da Corte, gozando de favores e protecção real. No caso de Luís XIV, por exemplo, o grupo de saúde chegou a integrar cerca de 78 profissionais de todas as especialidades conhecidas. Alguns destes médicos chegaram mesmo a gozar de um enorme apoio real e popularidade a tal ponto que lhes permitiu o acesso a empresas com reconhecimento histórico, como a primeira publicação em forma de periódico, em França, La Gazette, pelo Dr. Renaudot, em 1631. Não corresponde a um médico, curiosamente, a criação da publicação que, classicamente se designa como a primeira revista médica, o “Jornal des Scavants” (Revista dos Sábios), em Janeiro de 1665. Esta publicação é o resultado do trabalho de Denis de Sallo, filósofo e advogado nobre, com vastos recursos económicos, membro do Parlamento e casado com a filha de outro parlamentar, bem como dono de importantes bibliotecas, com o apoio pessoal de Colbert. Porquê a criação de uma publicação científica nesta época? Embora a situação em França seja diferente da existente em Inglaterra, a razão fundamental é semelhante: Estamos em finais do século XVII, assistindo aos alvores do Despotismo Iluminado, isto é, no reforço do Estado dentro de uma marca de território nacional, na expansão económica debaixo de protecção estatal e no desenvolvimento comercial nas mãos de uma burguesia que fornece administradores e financeiros à própria monarquia. É neste contexto que o poder iluminista deverá estimular e apoiar o desenvolvimento das ciências com vista a aplicá-las no desenvolvimento do País.
  • 7. A criação de uma publicação periódica que facilitará a localização dos principais livros e comunicará factos de relevância no plano social, económico e científico que contribuirão para homogeneizar e estimular o crescimento da economia, tendo como base estas premissas. È por esta razão que o poder real daquela época vê com bons olhos a criação de uma publicação que trate dos avanços e pontos de interesse em geral para a nova sociedade iluminista (de facto, semelhante ao que sucede com a Philosophical Transactions, outras ciências, como a Matemática, também citam esta publicação como a primeira na sua área). Nos primeiros meses de vida da revista, de Sallo discutiu os conteúdos de vários livros e fez comentários à teorias de vários cientistas da época, salientando-se a aversão tanto à Igreja, em particular aos Jesuítas, como à Universidade. Foi esta a razão pela qual, três meses depois do nascimento da revista, a edição do Jornal foi interrompida, reaparecendo novamente em 1666 sob a direcção de outra figura, com ideias um pouco menos polémicas. Com o tempo, esta publicação mudou de designação, passando a chamar-se o Jornal dos Savants e persistiu até depois da Revolução Francesa, altura em que se alterou para uma revista mais literária do que científica. CONCLUSÃO Há que referir que, os médicos, habitualmente burgueses provenientes das classes não nobres da Alta Idade Média, tiveram um papel relativamente pouco importante no nascimento das que, consideramos actualmente, primeiras revistas científicas. Foram estas, que melhor traduziram o resultado da conjunção de necessidades de alguns grupos de poder, constituídos por pessoas com uma ampla formação cultural, com a necessidade de uma monarquia que se encontrava em processo de transformação, tal outros sistemas de governo, nos quais o Racionalismo seria parte constituinte da “coluna vertebral” do sistema. Como seria de prever foi, uma vez descoberto o sistema, que os médicos perceberam a utilidade da existência de publicações periódicas, material e economicamente mais acessíveis que os livros com um processo de actualização mais dinâmico que os tradicionais tratados de Medicina. Contudo, o aparecimento desta necessidade e portanto, das primeiras revistas médicas no formato que actualmente conhecemos, só teve lugar um século depois, em terras saxónicas e, na Península Ibérica tivemos que aguardar até ao século XIX para integrar este instrumento na nossa cultura. EPÍLOGO Com o aparecimento da Internet em finais do século XX, existe um fenómeno semelhante qualitativamente, com uma importância mais evidente quantitativamente, o aparecimento da imprensa: a informação, antes limitada aos espaços físicos de cultura (livrarias e bibliotecas), passou a encontrar-se em todos os outros lugares, e a estar ao alcance de todos os interessados, o que aumentou o acesso à informação ou quer das classes médicas, quer do público em geral. A leitura das revistas médicas, antes restrita física e economicamente, foi facilitada, na maior parte dos casos, pela ausência dos gastos de impressão e distribuição. A afluência massiva de informação tornou necessário o aparecimento de uma forma de valorização e quantificação do valor real da informação fornecida pelos artigos, aparecendo a Medicina Baseada na Evidência. Os Fóruns da Internet e as
  • 8. páginas web complementaram as reuniões periódicas de médicos (Sessões clínicas, Congressos). Socialmente o médico ocupou um lugar como profissional do Estado ou de empregado qualificado para uma entidade privada, conservando, em alguns casos, o poder político destinado à Saúde (Delegado de Saúde Pública poderão ser os herdeiros das Juntas de Saúde). Estruturalmente, a “Sociedade da Abundância” do século XX criou grandes estabelecimentos de saúde onde médicos especializados e outras áreas relacionadas, trabalham em conjunto em prol do doente, e uma rede externa aos Hospitais, onde os médicos, com uma visão mais generalista do doente, atendem as suas necessidades de saúde mais básicas, em estreita colaboração com o meio hospitalar. Diante nós, temos o início do século XXI com todas as suas complexidades culturais, religiosas, tecnológicas e demográficas que condicionaram a missão do Médico e a forma de transmissão da divulgação no seio da nossa profissão.