1. TEÓCRITO E O PENSAMENTO-
Prof. André
Teócrito de Corinto tem seu nome inscrito entre os neoplatônicos do século 2 da nossa era. Filósofo grego.
A ninguém, nem aos deuses nem aos demônios, nem ás tiranias da terra nem ás tiranias do céu, foi dado o poder de impedir aos
homens o exercício daquele que é o primeiro e o maior de seus atributos: - o exercício do pensamento. Podem amarrar as mãos de
um homem, impedindo-lhe o andar. Podem vazar-lhes os olhos, impedindo a vista. Podem cortar-lhe a língua, impedindo a fala.
O direito de pensar, o poder de pensar, porém, estão acima de todas as violências e de todas as repressões, que nada podem contra
seu exercício. Se assim o quiserem os deuses, se assim o quer a própria natureza humana, parece claro que náo há abuso mais
abominável que o de tentar impor limitações ao pensamento de qualquer pessoa.
Pretender suprimir o pensamento de quem quer que seja é o maior dos crimes. Pois náo é apenas um crime contra uma pessoa,
mas contra a própria espécie humana, uma vez que é o pensamento o atributo que distingue o ser humano dos demais seres criados
sobre a face da terra. É certo que é um crime que náo se consuma, pois fica sempre o terreno da tentativa, como se alguém quisesse
violar o inviolável.
O fato, porém, de náo se consumar um crime, náo quer dizer que náo se caracterize o criminoso. Pois, na verdade, só ao se supor
capaz de sufocar o pensamento do seu semelhante, o autor dessa suposição cometeu um crime estupendo, contra todos e contra si
mesmo, porque se depravou na intenção de roubar o que náo pode ser roubado, de matar o que náo pode morrer.
Os pérfidos juízes de Atenas tiraram a Sócrates o direito de educar os jovens e o direito de viver. Mas foram impotentes para tirar-
lhe o direito de pensar, exercício por ele até o último hálito da existência.
O ser humano existe enquanto pensa. Quando deixa de pensar, deixa de existir. Alguns sofistas andaram ensinando que o homem
deixa de pensar quando deixa de existir. Mas o homem náo pensa porque existe, mas existe porque pode pensar. No dia em que
deixar de pensar, foge-lhe a existência. Pelo menos A existência como ser humano, pois náo se náo se pode dizer que um demente
tenha uma existência de ser humano..O homem pode pensar bem ou pensar pouco ou pensar muito. Náo há, porém, uma diferença
qualitativa, mas apenas uma diferença quantitativa no exercício do pensamento de cada pessoa. Pois, sendo um atributo essencial do
homem, todos exercem com esse atributo uma função qualitativa igual. Assim como o olho do homem é feito para ver todas as
coisas, também a mente é feita para pensar todas as coisas. Uns vêem mais coisas do que os outros. Assim também uns pensam
menos coisas do que os outros. Mas a qualidade do ver é a mesma em todas as pessoas, embora varie de uma para outra a
quantidade da coisa vista.
Ai dos homens que náo usam em toda sua plenitude o direito e o atributo de pensar! Se um pássaro em pleno vôo parasse
subitamente de usar suas asas, o pode de voar que lhe foi dado, o atributo do equilibrar-se no ar e viajar as distâncias etéreas, cairia
miseravelmente no chão.
Se um homem para de pensar, por preguiça ou por estultícia, todos os desastres lhe podem acontecer. Se seu pensamento náo
responde ao que vêem seus olhos, pode jogar-se no fogo e na água, e perecer queimado ou afogado.
Na vida da cidade, se um homem neutraliza dentro de si o direito de pensar, a cidade pode ser tomada e dominada pela ferocidade
de um tirano, cujo despotismo levará o povo á morte pela fome, pela crueldade ou por outras formas de injustiça e prepotência. E se
náo o povo todo, pelo menos uma parte do povo, certamente, será arrastada á opressão, á tortura, ao cárcere ou a qualquer outra
forma de perdição.
Os tiranos náo gostam que as pessoas pensem. Fazem um grande esforço para que o pensamento seja deformado, isto é, perca sua
forma original. Isto é, a forma que lhe dá cada um, tentando estabelecer uma espécie de fábrica de pensamento, de modo a que
todos, náo pensando pela própria mente, passem a pensar pela mente do despotismo dominador Isto aconteceu algumas vezes na
Grécia. Mas sempre que o povo se dispôs a exercer com todo o vigor o seu direito e o seu atributo de pensar, os tiranos foram
destronados, levados ao ostracismo e os despotismos derrubados.