Este documento narra a história de amor proibido entre D. Pedro, herdeiro do trono português, e Inês de Castro. Apesar da oposição do rei Afonso IV, eles se casam secretamente e tem três filhos. Sob pressão da nobreza, Afonso IV manda assassinar Inês. Após a morte do rei, Pedro declara Inês como sua legítima rainha e manda construir um majestoso túmulo para ela em Alcobaça. Ele também ordena a execução dos assassinos de Inês.
2. Ah! As intermináveis guerras da Idade Média!
Na Península Ibérica, vivem ainda Mouros, a Reconquista não está concluída.
castelhana destinada a casar com o
Princípe Real Pedro, herdeiro da Coroa,
unem-se os dois Reis cristãos para lutar
contra os Mouros. A estrondosa vitória
El-REI D. AFONSO IV dos Cristãos na Batalha do Salado daria
DE PORTUGAL
a D. Afonso IV o cognome de O Bravo!
Afonso IV de Portugal e Afonso XI
de Castela haviam-se guerreado, mas em
Ficou escrito, para a
1340, quando chega a Portugal D.
Constança Manuel, mais uma princesa História:
«Ali se volveo a lide dos reis cristãos e dos Mouros mui danosa e
esforçados
mui crua e sem piedade. Os Mouros eram muito esforçados e feridores de
todas as partes.
(…)
Os Portugueses andavam por a lide ferindo e derribando, e diziam
“Senhores,
una contra outros: “Senhores, este é o nosso dia (…) e este é o dia da
vitória e da honra dos fidalgos.”»
(In Narrativas dos Livros de Linhagens)
No séquito de D. Constança
Manuel, como sua açafata e amiga dilecta,
vinha D. Inês López de Castro, dama de alta
ANTES DO QUADRO II
estirpe.
Por tempo de peleja chegava, sem
poder imaginar príncipe herdeiro aque, por Constança Manuel, no Paço de Lisboa, onde entrara
Vem o uma outra guerra receber
comdela, ia incendiar o luzimento devidos a uma Rainha, pois com o Infante herdeiro da coroa
mor toda a pompa e o reino de Portugal.
3. portuguesa casara já por procuração, lá longe em Castela, sem que jamais tivesse, antes,
conhecido o esposo que lhe havia sido destinado.
Ah, as mulheres de alta estirpe, meros peões nos tabuleiros de alianças das nações,
vítimas dos jogos políticos dos reis!
Casadas para ligar coroas,
consolidar tratados de paz, ou
repudiadas por motivos estratégicos ou
pelos caprichos dos reis, às vezes…
mortas de desgosto pelo desprezo de
seus esposos, como Constança, ou
degoladas, como Inês.
Para nós, no século XXI, era o
mundo virado de pernas ao ar…
Caíram os olhos de Pedro em Inês: foi como sentença de morte que lhe tivesse
lançado; caíram os olhos de Constança sobre Pedro: foi como se doença ruim a tocasse e logo
começasse a definhar, por não poder competir com tal amor.
Lenda criada no século XVI deve ser o putativo encontro entre D. Afonso IV e D. Inês
López de Castro «nas casas do mosteiro de Santa Clara» (Crónica dos Primeiros Sete Reis), em
Coimbra… se é que Inês aí esteve alguma vez. Lá que, para separar os amantes, o Rei enviou
Inês para longe, isso é certo. Para Coimbra… vá-se lá saber quando, ao certo!
4. Quem narra os
acontecimentos ligados à tragédia e
à morte de Inês de Castro são o
cronista Fernão Lopes, na Crónica de
D. Pedro I, e Gomes Eanes de
Zurara, seu sucessor à frente da
Torre do Tombo, mas… nenhum dos
dois foi contemporâneo dos
acontecimentos.
E poeta maior, entre os maiores, Luís de Camões, se referiu à Inês enamorada que, de
terra em terra, se queria, a todo o custo, afastar de Pedro:
«Estava a linda Inês posta em sossego…»
No íntimo de D. Afonso IV, grande e dolorosa luta se travava.
Fala-se, muitas vezes, em «razões de estado» contra «razões do coração».
E se acrescentássemos mais alguns dados ao perfil do Rei?
D. Afonso IV foi um bom Rei. Protegeu os concelhos, ou seja, o povo, contra os abusos
da aristocracia e governou bem em condições difíceis.
Quando há guerra, não sobram braços para trabalhar e produzir; terra transformada
em campo de guerra não é sítio para agricultura ou para fazer pastar gado, e a população tinha
vindo a aumentar muito desde já há alguns séculos. Como evitar a falta de alimentos? E a
Peste Negra de 1348, que tanta população matou, veio agravar uma grave crise económica e
social. El-Rei D. Afonso IV de Portugal esteve à altura da situação e, ademais, no campo da
Justiça, foi exemplar. Recolherá os frutos seu filho Pedro I, O Justiceiro…
D. Afonso IV foi um monarca a quem não se conheceram, nem amantes, nem filhos
bastardos, ao contrário do que aconteceu com, praticamente, todos os reis. Por isso devia ser-
lhe insuportável a situação de mancebia em que viviam seu filho Pedro e Inês.
Mais convictos poderemos ficar acerca deste facto a partir, não só, do exemplo que
dava em sua vida o próprio Afonso IV, mas também se lermos alguns documentos régios de
que ele fez lei. Por exemplo, entendia que a mais importante das virtudes cristãs era a
castidade:
«(…) E porque entre todas as outras virtudes castidade é a melhor e
mais principal virtude para apresentar as almas ante Deus …»
5. E mais:
«(…) Ordenamos e pomos por lei que depois que às mulheres seus
maridos morrerem vivam em castidade e honestamente…»
Também promulgou leis que puniam o adultério e contra os homens que tinham
barregãs (amantes), para quem dispunha que fossem
degredados
«açoitados, degredados e difamados para sempre».
(In Ordenações d’El-rei D. Duarte)
Rei de uma só Rainha, a D. Afonso IV devia repugnar aquilo que, na época, se chamava
«comércio carnal», entre o filho e Inês. Mas ele sabia que o Infante Pedro três filhos tinha, já,
com D. Inês, … e que essas crianças eram seus netos.
Ora não acharam as altas nobrezas de Portugal e de Castela, ou seja, os Pachecos e os
Pérez de Castro, ambas ambiciosas, melhor ocasião para pressionar o Rei!
Esquecendo agora Inês López de Castro, temos que lembrar que os Pérez de Castro
ofereceram a D. Pedro I o trono de Castela!!! Traidores ao seu país? Claro! Mas assim
acrescentariam pontos à importância que tinham no seio da nobreza peninsular.
Ora… foi Álvaro Pérez de Castro, o próprio irmão de Inês, que ofereceu Castela a D.
Pedro de Portugal!!!
Que fazer?
Segundo o cronista Rui de Pina, que escreveu, porém, um século e meio (150 anos!!!)
depois dos acontecimentos, Afonso IV era pressionado para mandar executar Inês antes que
falecesse, facto
«que não podia tardar, pois que era muito velho»
para que
«não deixasse [a Inês de Castro] no reino viva e seu filho o infante
Pedro não ficasse em seu poder dela.»
(In Crónica de D. Pedro)
Na voz do povo, Inês era mal vista. Os Castros eram mal vistos.
6. Poetas, como André de Resende, deram voz aos desejos dos que advogavam a sua
condenação e morte.
«Se a logo não matais,
Não sereis nunca temido
mandais
Nem farão o que mandais
Pois tão cedo vos mudais do conselho que era
havido.
[Depois de combinado que se mataria Inês, Afonso IV
hesita…]
Olhai quão justa querela
Tendes, pois por amor dela vosso filho
quer estar sem casar e nos quer dar
muita guerra com Castela.
sua
Com sua morte escusareis
Muitas mortes, muitos danos;
Vós, Senhor, descansareis
E a vós e a nós dareis
Paz para duzentos anos.»
(In Cancioneiro Geral de Garcia de Resende)
1344. Falece D. Constança Manuel, ao que parece depois de ter posto no mundo o
Infante D. Fernando.
1355. É degolada Inês de Castro, segundo a lenda nos Paços de Santa Clara que a
Rainha Santa Isabel de Aragão, mulher de D. Dinis, ali estabelecera.
1357. Falece D. Afonso IV, torturado pelo desfecho do caso «Inês de Castro».
7. 1360. Em Cantanhede, D. Pedro I de
Portugal declara solenemente que em vida
de Inês de Castro com ela casara e, por isso,
legítimos eram seus filhos.
1360. Por ordem de El-rei D. Pedro I, o
corpo de Inês de Castro é trasladado para o
Mosteiro de Alcobaça. De Inês de Castro,
ficaram órfãos três filhos.
Mas… e onde jazia a sua Inês de loira cabeleira, Inês que
sorte não teve?
Para Inês, quis Pedro o melhor sepulcro, obra-prima do gótico português, grande arca
colocada no maior e mais moderno Mosteiro do país, que não nenhuma dessas pequenas
igrejas românicas do Norte! Só a Abadia de Santa Maria de Alcobaça, de nervuradas abóbadas
apontadas ao céu, como sugerindo que em nenhum outro lugar podia estar Inês senão no éter,
rodeada pelos anjos, perto de Deus!!!
É pois na mole dada por D. Afonso Henriques à Ordem de Cister, motivo acrescido para
honrar Inês, que os fidalgos desfilam, dobram o joelho diante do sepulcro, reconhecem D. Inês
de Castro como a Rainha de D. Pedro I, o sexto rei de Portugal.
(Ficou, na tradição, que Pedro sentou o cadáver de Inês num trono, a corou Rainha e aí
obrigou a nobreza a render-lhe homenagem… Mas o povo sempre gostou do macabro…)
8. Pelas afiladas frestas das
janelas altas e pelos óculos da igreja,
feixes de luz sobre cada um vem cair,
como dedos acusadores, ou punhais a
que o poupou D. Pedro, mesmo
conhecendo o pecado de ter mal
aconselhado Afonso IV. Da rosácea
maior vem cair avassalador jorro de
mais intensa e acutilante luz sobre
algum fidalgo de culpa dobrada, que o
pune para seu espanto e temor. E cai
o tíbio, apoia-se com horror à arca
tumular e enfrenta a tremer o cadáver
fétido, em decomposição, em quem
tem que reconhecer legítima Rainha
de Portugal…
E o destino dos matadores?
No seu leito de morte, Afonso IV aconselha-os a que fujam de Portugal: ele sabe que o
filho, D. Pedro, não cumprirá a promessa que, com a mão sobre a Bíblia, fez a sua mãe, a
Rainha D. Beatriz, em como perdoara aos executores de Inês e não os perseguiria.
Mas… a seu pedido, Pedro, o Cru, de Castela, envia Pêro Coelho e Álvaro Gonçalves
para Portugal e D. Pedro, o Justiceiro, de Portugal, fará executá-los de forma bárbara, à sua
frente, na própria sala do palácio onde janta. Tanta frieza, a deste homem desnorteado, ferido
de morte!
Diogo Lopes Pacheco, esse, conseguiu fugir para França…
Assim foi inaugurada, como templo sepulcral, a Abadia de Santa Maria de Alcobaça:
recebendo aquela que, só depois de morta foi Rainha.
Prof. Manuela Almeida