Este documento discute a doutrina social da Igreja Católica sobre questões como a justiça, a paz e o desenvolvimento. Ele resume as principais ideias apresentadas pelo Papa João XXIII, Paulo VI e outros sobre a desigualdade entre nações ricas e pobres e a necessidade de justiça social e distribuição equitativa de recursos. O documento também discute a oposição de alguns ao diálogo sobre esses temas e enfatiza a importância dos ensinamentos sociais da Igreja.
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A DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA
Como nos diz Dom Hélder Câmara: «Tenho fome e sede de paz. Daquela paz de
Cristo que se apoia na justiça. Tenho fome e sede de diálogo e é por isso que corro, por
todos os lugares onde me chamam, em busca do que pode aproximar os homens em
nome do essencial». Nenhum de nós desconhece o subdesenvolvimento, a fome, que
assolam perto, senão mesmo, dois terços da humanidade. O Papa João XIII, na encíclica
Mater et Magistra, afirma que este é talvez o mais grave problema social que assolava a
humanidade.
A encíclica Populorum Progressio, a Mater et Magistra e a Pacem in Terris, são fontes
que estão actuais, numa luta pelo desenvolvimento da humanidade. Os que exploram o
anticomunismo como defesa dos seus interesses pessoais não gostam de ouvir a palavra
de João XXIII na Pacem in Terris indicando como sendo o mais grave problema social do
nosso tempo a distância, cada dia maior, entre o mundo desenvolvido e o mundo
subdesenvolvido.
Paulo VI, ao afirmar «que o facto mais importante de que todos deveriam tomar
consciência é que a questão social tomou uma dimensão mundial, cita, de modo explícito
a célebre declaração do seu predecessor e lembra a confirmação que lhe foi trazida pela
Constituição pastoral sobre a presença da Igreja no mundo.
Quem tem de fazer frente a preconceitos quase invencíveis, sabe o valor das posições
de João XXIII e de Paulo VI.
Na apresentação da ECCLESIAM SUAM, Paulo VI, diz: «Propomo-nos nesta Encíclica
esclarecer o melhor possível aos olhos de todos, quanto importa à salvação da sociedade
humana e, a mesmo tempo, quanto a Igreja tem a peito que ambas se encontrem,
conheçam e amem». Justiça e paz é o seu programa, a Santa Sé tomou posição: diz que
nas relações entre o mundo desenvolvido e o mundo subdesenvolvido o problema não é
simplesmente de ajuda, mas de justiça; tem perfeitamente consciência de que a justiça
falta à escala mundial; lembra que sem justiça não teremos de modo nenhum paz.
Paulo VI, pede uma reflexão sobre a origem e natureza da relação nova e vital, que a
doutrina de Cristo, estabelece entre Deus e o homem: «desejávamos constituísse acto de
docilidade a toda a palavra do divino Mestre dirigida aos seus ouvintes, especialmente
aos seus discípulos, entre os quais nós mesmos, com toda a razão, nos gostamos de
colocar». Ele diz-nos que: Pensamos que hoje é necessário à Igreja aprofundar a
consciência que deve ter de si mesma, do tesouro de verdades de que é herdeira e
guarda, e da missão que deve exercer no mundo.
A consciência psicológica e a consciência moral são chamadas por Cristo a uma
plenitude simultânea, como condição para recebermos, como convém ao homem, os dons
divinos da verdade e da graça. A Igreja, principalmente desde o Concílio Ecuménico
Vaticano Primeiro e em que no Concílio Ecuménico Vaticano Segundo não passa de
continuação e complemento do Primeiro, precisamente pelo encargo de retomar o exame
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e aprofundamento da doutrina sobre a Igreja. Para além da doutrina referente às
encíclicas já enumeradas, não podemos deixar de citar dois documentos dignos de
particular memória: a Encíclica «Satis Cognitum», do Papa Leão XIII (1896) e a Encíclica
«Mystici Corporis», do Papa Pio XII (1943). Em vez duma religião que contribua para uma
visão fatalista do mundo, a encíclica, na linha do Vaticano II, apresenta o homem como
tendo o direito e o dever de dominar a natureza e de acabar a criação.
Paulo VI levanta todo um programa com a sua definição do desenvolvimento integral do
homem: «Libertar-se da miséria; encontrar, com mais segurança, a sua própria
subsistência, a saúde e um trabalho estável; participar mais nas responsabilidades, liberto
de toda a opressão e das situações que ferem a dignidade do homem; ser mais
instruído», eis um programa de que se poderá apresentar o seguinte resumo muito válido:
«Fazer mais, conhecer mais, ter mais, para ser mais».
Santo Ambrósio dizia que: « Não é uma parte dos teus bens, o que tu dás ao pobre…O
que tu lhe dás pertence-lhe, porque tu fazes teu o que foi dado para uso de todos. A terra
foi dada a toda a gente e não somente aos ricos». Na doutrina emanada das Encíclicas,
pode-se verificar estas palavras: «Se alguém tiver bens deste mundo e, vendo o seu
irmão em necessidade, lhe fechar o seu coração, como é possível que o amor de Deus
esteja nele?» (Epístola de S. João, 3, 17.).
O Concílio e a Encíclica ensinam que o rendimento disponível não pode ser deixado ao
capricho dos homens e que as especulações egoístas têm de ser eliminadas. E em
ambas chamam a atenção para os que, em seu único proveito pessoal, enviam para o
estrangeiro rendimentos abundantes, provenientes dos recursos e da actividade nacional,
sem pensarem no prejuízo evidente que causam à pátria.
É difícil apresentar uma síntese mais realista e mais fiel do capitalismo liberal do que a
apresentada por Paulo VI: «sistema para o qual o lucro é o motor essencial do progresso
económico; a concorrência, a suprema lei da economia; a propriedade privada dos meios
de produção, um direito absoluto, sem limites nem obrigações sociais correspondentes».
Renovando uma palavra de Pio XI, a encíclica denuncia esse liberalismo sem freio
como gerador do «imperialismo internacional do dinheiro».
É sa essência da história anti-comunista agarrar-se ao capitalismo sem sequer se pôr
em dúvida que também ele está marcado por pecados de origem, que conduzem a
desvios trágicos para a humanidade.
Para tratar de evitar a ditadura económica, Paulo VI deseja que os princípios da
encíclica Rerum Novarum sejam estendidos a nível dos povos.
É preciso encontrar um nome novo para a justiça empregada numa escala mundial.
Evidentemente, que ela será tanto mais forte quanto não se trata nem das relações entre
indivíduos, nem entre grupos, mas entre povos…é preciso, diz Paulo VI: «inspirar-nos ao
mais vivo e generoso interesse pela pobreza e também o desejo de que os bens
económicos não sejam fonte de lutas, de egoísmos e de orgulho entre os homens, mas,
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pela justiça e pela equidade, sirvam o bem comum, sendo cada vez mais bem
distribuídos. O discípulo do Evangelho é capaz de apreciar acertadamente e de cooperar
com dedicação em tudo quanto se refere a estes bens económicos, inferiores aos
espirituais e eternos, mas necessários à vida presente: a ciência, a técnica e sobretudo o
trabalho tornam-se para nós objecto de interesse vivíssimo; e o pão que produzem torna-
se sagrado para a mesa e para o altar. Os ensinamentos sociais da Igreja não deixam
dúvidas sobre este ponto; a aproveitamos com gosto esta ocasião para reafirmar a nossa
adesão a essa doutrina salutar».
O Vaticano II foi uma mobilização da Igreja sofredora e da Igreja triunfante em favor da
missão que a Providência lhe confiou. É pois com um cuidado muito especial e particular,
que procuro levar às famílias cristãs e aos grupos não-cristãos, estes Apontamentos
sobre a “Doutrina Social da Igreja”, para que se possam conciliar boas vontades, preparar
caminhos, abrir portas, predispor para um diálogo, que os nossos Pastores, troquem mais
amiúde informações. Termino desejando que transformemos as dificuldades ou as vitórias
de cada um de nós em vitórias ou em dificuldades de toda a Igreja.
Paços de Brandão, 11 de Maio de 2014
Carlos Alberto Sequeira Varela
Nota:
Para a feitura destes Apontamentos, foram efectuadas consultas e recolha de textos dos
seguintes livros e autores:
- Manual de Filosofia – de C. Lahr
- Razão e Contra-Razão do Nosso Tempo – Karl Jaspers
- O Escândalo dos Infra-Homens – Dom Hélder Câmara
- ECCLESIAM SUAM – S.S. Paulo VI (Editorial ASTER)