Teoria da Tributação Ótima: equilíbrio entre eficiência e justiça fiscal
1. Tributação ótima. Isso existe?
Autores*
Carlos Alberto Pereira
Fabio Rodrigues de Oliveira
Mauro Fernando Gallo
Sim, pelo menos em teoria. Estudada por pesquisadores da área econômica, a Teoria da
Tributação Ótima tem por objetivo corrigir as distorções ocasionadas pelo tributo à economia e
garantir o respeito à capacidade contributiva.
Os princípios desta teoria, apesar de estarem ligados à economia, também podem servir de
argumento por juristas que buscam corrigir as distorções do sistema tributário atual, na busca por um
sistema mais justo e eficiente, como será apresentando neste artigo.
As distorções ocasionadas pelo tributo
A tributação consiste na transferência compulsória de recursos do setor privado para o setor
público. É uma exceção ao direito de propriedade, típico dos países capitalistas.
A tributação, dessa forma, acaba interferindo no comportamento das pessoas, seja no
montante a ser consumido ou investido, às horas a serem trabalhadas. Também interfere nas decisões
das empresas, como em contratações, quantidade a ser produzida ou mesmo em suas estruturas
societárias.
Essa natureza dos tributos acaba gerando distorções na economia, ou seja, afeta
negativamente as “leis do mercado”, inibindo determinadas ações que poderiam ser positivas em
termos econômicos. É o caso dos atacadistas e distribuidores, que em termos de eficiência logística
podem ser importantes, mas em face de uma cumulatividade tributária elevariam o custo do produto.
É por esse motivo que pesquisadores da área econômica buscam alternativas aos sistemas
tributários atuais, de forma que o tributo tenha um menor impacto na economia.
Mas tributos não distorcivos são possíveis?
A Teoria da Tributação Ótima nasceu da busca por tributos não distorcivos, ou seja, que não
gerassem distorções na economia. Criada por estudiosos da área econômica (STERN, 1987;
STIGLITZ, 2000), esta teoria se ocupa em pesquisar como os tributos "deveriam ser" instituídos de
forma a atingir, primeiramente, os objetivos da eficiência econômica, ou seja, de causar menos
impacto nas decisões dos indivíduos.
E "para que um tributo seja não distorcivo, não deve existir nada que os indivíduos possam
fazer para alterar o montante do tributo que recai sobre eles", como esclarecem Siqueira, Nogueira e
Barbosa (2004, p. 173). Tributos cobrados em montantes fixos, que não se alterassem em face das
escolhas dos agentes, atenderiam a este pressuposto.
Um exemplo seriam tributos cobrados em face de características físicas. Pessoas de olhos
azuis pagariam “X” de tributo, enquanto pessoas de olhos verdes pagariam “Y” e assim por diante. Ou
seja, não haveria nada que pudesse ser feito pelo agente para alterar o montante a ser pago. A
quantidade de horas trabalhadas ou as opções de consumo ou investimento não teriam nenhum impacto
no montante do tributo.
Tais tributos, classificados como lump sum, trariam, no entanto, consequências negativas,
como advertem os próprios autores (2004), uma vez que não considerariam a realidade econômica de
cada indivíduo. Iriam de encontro ao princípio da capacidade contributiva, consagrado nos sistemas
tributários de diversas nações e na própria Constituição Federal do Brasil (TORRES, 2010).
2. Como destaca Roque Antonio Carraza (2006, p. 106), "é imperioso que a pessoa que revela
possuir maior riqueza pague, em termos proporcionais, mais impostos que aqueloutra que a exteriorize
em menor intensidade". Ou seja, os tributos, para serem justos, devem ser graduados segundo a
capacidade econômica do contribuinte e não simplesmente em características físicas do indivíduo.
O segundo ótimo
Os tributos cobrados em montantes fixos, que não se alteram em decorrência das escolhas dos
agentes, podem ser menos distorcivos à economia, mas não respeitam o pressuposto básico de um
sistema tributário justo, que é respeitar a capacidade contributiva.
Justamente por isso, a Teoria da Tributação Ótima não se baseia apenas na busca pela
eficiência econômica, ou seja, na busca do “primeiro ótimo”. Conforme sinalizam Siqueira, Nogueira e
Barbosa (2004, p. 175):
O termo "ótimo" nessa teoria deve ser entendido como um ótimo de segundo melhor, ou seja, o
melhor resultado possível dado que impostos distorcivos devem ser inevitavelmente utilizados
em razão da impossibilidade de se recorrer a impostos lump sum.
Não é por menos que:
A ciência moderna vem abandonando a pretensão de apresentar um sistema tributário ideal,
para se concentrar na idealização ou otimização de alguns tributos (imposto de renda, imposto
sobre valor acrescido) ou de certos princípios (progressividade, neutralidade), com a
advertência de que o ótimo fiscal ou o melhor tributo possível é sempre o second best
(TORRES, 2010, 363).
A Teoria da Tributação Ótima tem os objetivos, portanto, de amenizar as distorções
ocasionadas pelo tributo à economia e, ao mesmo tempo, garantir que a capacidade contributiva do
agente seja preservada. Busca-se o “segundo ótimo”.
Balanceando equidade e eficiência
Adam Smith, em sua obra “A riqueza das nações”, estabeleceu quatro princípios que
deveriam ser observados por um sistema tributário mais justo, quais sejam:
a) cada um deve contribuir com o Estado de acordo com suas respectivas capacidades, ou
seja, em proporção à renda que respectivamente gozam sob a proteção do Estado;
b) o tributo deveria ser certo e não arbitrário. O tempo de pagamento, a maneira, a quantidade
a ser paga, tudo deveria ser claro e simples para o contribuinte e para qualquer pessoa;
c) o momento de pagamento do tributo deveria ser o mais favorável ao contribuinte;
d) o tributo deve ser elaborado de forma que o custo para seu pagamento pelo contribuinte e
para sua administração pelo Estado seja o menor possível.
A Teoria da Tributação Ótima está alicerçada no primeiro e no último desses princípios
(SIQUEIRA; NOGUEIRA; BARBOSA, 2004), ou seja, em equilibrar equidade e eficiência. É por isso
que esta teoria não deve ficar restrita à área econômica, pois além de princípios de ordem econômica,
também atende ao princípio da capacidade contributiva (CARRAZA, 2006) e ao postulado da
eficiência administrativa (ÁVILA, 2005), demonstrando sua importância e sinergia com a área
jurídica.
Aplicação concreta da Teoria da Tributação Ótima
A substituição tributária é um bom exemplo de aplicação da Teoria da Tributação Ótima. Ao
mesmo tempo em que torna a arrecadação menos onerosa para o Estado, também traz reflexos
negativos ao contribuinte, tanto por sua complexidade, quanto pelo impacto que traz no fluxo de caixa
do contribuinte substituto, obrigado a antecipar o recolhimento do tributo devido pelo substituído.
Para atender aos ideais de justiça fiscal é necessário balancear as vantagens e desvantagens de
cada modelo. Não basta que o custo para administração do tributo pelo Estado seja o menor possível. É
3. necessário que o custo para seu recolhimento também seja o menor possível para o contribuinte e que
respeite a sua capacidade econômica.
Não é por menos que a Emenda Constitucional nº 3, de 17 de março de 1993, ao mesmo
tempo em que elevou à substituição tributária à categoria constitucional, determinou a criação de
mecanismos que garantissem a imediata e preferencial restituição da quantia paga por antecipação,
caso o fato gerador presumido não se realizasse.
Em nome da eficiência é possível a presunção de fatos, mas os mesmos não podem ser usados
simplesmente para aumentar o montante do tributo a ser pago. Um sistema tributário mais justo deve
sempre mediar esses conflitos, de forma que o governo possa "arrecadar uma dada receita e alcançar
determinados objetivos distributivos ao menor custo em termos de perda de eficiência" (SIQUEIRA;
NOGUEIRA; BARBOSA, 2004, p. 174).
A função da Teoria da Tributação Ótima é encontrar este ponto de equilíbrio.
Mas a busca por eficiência também pode gerar distorções
A busca por um modelo mais eficaz de tributação também pode gerar efeitos contrários. No
caso das operações com cigarros, por exemplo, as indústrias são responsáveis pelo recolhimento dos
tributos devidos pelos atacadistas e varejistas, bastando, dessa forma, que a administração tributária
controle as operações praticadas pelas 14 empresas autorizadas à fabricação de cigarros (RFB, 2011),
ao invés de ter que monitorar inúmeros distribuidores e incontáveis pontos de venda de cigarro.
De toda sorte, tendo em vista a substituição tributária de todos os tributos indiretos, tanto
federais quanto estaduais, o elo da distribuição de cigarros acabou se tornando um "paraíso fiscal",
livre de fiscalização, o que contribui para o comércio irregular deste produto, oriundo tanto de
contrabando quanto de descaminho, indo de encontro às ações promovidas pelo Fisco, conforme
transcrito a seguir:
A Secretaria da Receita Federal vem realizando ações fiscais em todo o Brasil, destinadas a
combater o comércio ilegal de cigarros, que gera graves prejuízos aos cofres públicos em
decorrência da sonegação de tributos.
2. O comércio ilegal de cigarros caracteriza-se principalmente pela colocação, por parte de
redes de distribuição, de produtos em situação irregular no comércio varejista que, na maioria
das vezes, até mesmo por desconhecimento, acaba confundindo este produto com o legalmente
fabricado no Brasil (RFB, 2011).
Neste caso, portanto, a substituição tributária acabou tendo um efeito negativo, contrário às
justificativas para sua instituição. E como corrigir essas distorções, uma vez que recomendar a
extinção da susbtituição tributária faria com que o Estado tivesse que voltar seus limitados recursos de
fiscalização também aos distribuidores e varejistas?
Balanceando os fatores, uma alternativa seria a extinção da substituição tributária nas vendas
da indústria para o distribuidor, mantendo a substituição apenas nos casos de venda da indústria para o
varejista e do distribuidor para o varejista.
O trabalho de fiscalização aumentaria, pois o Estado teria que fiscalizar também os
distribuidores, mas isso eliminaria o “paraíso fiscal” hoje existente, sem a necessidade do Estado ter
que voltar sua atenção aos incontáveis varejistas, o que seria impraticável. É a escolha, portanto, do
“segundo ótimo”, propagada pela Teoria da Tributação Ótima.
O direito e as “ciências pré-jurídicas”
Paulo de Barros Carvalho (2007, p. 134) adverte que no “esforço à busca do sentido jurídico,
é importante pôr em evidência, ainda que a breve trecho, a autonomia do direito em relação a outras
matérias que lhes são próximas”. Esse é o fundamento da Teoria Pura do Direito, de Hans Kelsen, que
consiste em despir o Direito de tudo que não for essencialmente jurídico.
Para Ives Gandra da Silva Martins (2005, p. 436), no entanto, “a escola formal do direito, ao
pretender criar um campo exclusivo de atuação da atividade do jurista, retirou-lhe o sentido de
4. universalidade, para transformá-lo em mera ciência veiculadora de fatos, que não estuda, vestidos da
roupagem normativa que oferece”.
Ives Gandra da Silva Martins (2005, p. 436) defende que “o conhecimento do fato, a
ponderação que receberá para o complemento normativo e sua formulação impositiva compõem uma
única realidade, sendo, todos os três elementos, objetos de estudo da Ciência do Direito”. A Teoria
Tridimensional do Direito (fato, valor e norma), formulada por Miguel Reale, dá sustentação a essa
corrente, em oposição à Teoria Pura do Direito.
Considerando que o fato social não pode ser ignorado na interpretação da regra jurídica, para
se conhecer o seu efetivo valor se faz necessário, portanto, o auxílio de outras ciências, a exemplo da
economia. São nesse sentido as recomendações de Ives Gandra da Silva Martins (2005), acerca da
necessidade de uma vocação universal do cientista do Direito, uma vez que este regula todos os fatos e
situações da convivência social.
A compreensão da Teoria da Tributação Ótima, de natureza econômica, mas alinhada ao
princípio da capacidade contributiva e o postulado da eficiência administrativa, está inserida nesta
premissa e pode auxiliar o jurista que não se limita apenas ao estudo do direito posto para resolver
problemas concretos que afetam a sociedade.
Ponderações finais
Como destaca Ricardo Lobo Torres (2010), apesar da tendência brasileira à utopia fiscal, a
possibilidade de um sistema tributário ideal é fantasiosa. É necessário balancear os fatores de
eficiência e equidade, de forma a instituir um sistema tributário justo, que atenda aos vários objetivos
que contribuem para o desenvolvimento econômico e social do país.
A Teoria da Tributação Ótima tem justamente este objetivo, ao auxiliar na identificação das
distorções dos modelos tributários atuais e embasar sugestões de mudança, de forma a torná-lo mais
justo e eficiente.
E sempre que a medida mais eficiente deflagrar consequências injustas, a melhor opção
poderá ser o second best. Com isso, aproximaremos o sistema atual aos princípios da equidade e da
eficiência, ou seja, a um modelo ótimo de tributação, como já propagava Adam Smith em 1776.
Também estaremos aproximando a lei positiva da lei natural, que é justa, harmônica e moral e, por
consequência, de menor “rejeição social” (MARTINS, 2005).
Referências
ÁVILA, Humberto. Imposto sobre Circulação de Mercadorias - ICMS. Substituição tributária. Base de
cálculo. Pauta fiscal. Preço máximo ao consumidor. Diferença constante entre o preço usualmente
praticado e o preço constante da pauta ou o preço máximo ao consumidor sugerido pelo fabricante.
Exame de constitucionalidade. RDDT 123/122, dez/05.
CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a renda – perfil constitucional e temas específicos.
São Paulo: Malheiros Editores. 2006.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Uma Teoria do Tributo. São Paulo: Quartier Latin, 2005.
RFB. Estabelecimentos fabricantes de cigarros autorizados a operarem no Brasil. nov. de 2011.
Disponível em
<http://www.receita.fazenda.gov.br/DestinacaoMercadorias/ProgramaNacCombCigarroIlegal/EstabFa
brOpBrasil.htm>. Acesso em: 03 jan. 2012.
RFB. Orientações gerais. nov. de 2011. Disponível em
<http://www.receita.fazenda.gov.br/DestinacaoMercadorias/ProgramaNacCombCigarroIlegal/Orienta.
htm>. Acesso em: 02 nov. 2011.
5. SIQUEIRA, Marcelo Lettieri; RAMOS, Francisco S. Incidência tributária. In: ARVATE, Paulo;
BIDERMAN Ciro (Org.). Economia do setor público no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. cap.
10, p. 155-172.
STERN, Nicholas. Optimal Taxation. In: EATWELL, John; MILGATE, Murray; NEWMAN, Peter
(Org.). The new palgrave dictionary of economics. Londres: MacMillan, 1987. v. 3.
STIGLITZ, J. E. Economics of the public sector. New York: Norton & Company, 2000.
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2010.
*Currículo
Carlos Alberto Pereira
Doutor, Mestre e Bacharel em Ciências Contábeis pela FEA/USP. Diretor Administrativo-Financeiro e Professor da
Faculdade FIPECAFI. Professor Doutor do Departamento de Contabilidade e Atuária da FEA/USP. Ex-Assessor do
Banco do Brasil, tendo realizado atividades nas áreas de planejamento e avaliação de desempenhos da
Superintendência Estadual de São Paulo e colaborado na implantação da área de Controladoria Corporativa. Atua
há mais de 20 anos como consultor e pesquisador especializado em controladoria, gestão econômica, custos e
gestão tributária de empresas. É coordenador do MBA em Gestão Tributária da Faculdade FIPECAFI. Criador e
coordenador do Núcleo de Estudos em Controladoria e Gestão Tributária. É coautor dos livros.
Fabio Rodrigues de Oliveira
Advogado e Contabilista. Possui graduação em Direito e mestrado em Ciências Contábeis. É Diretor na Systax e
professor de pós-graduação na FIPECAFI, UNISO, IBG, ITE e IPOG. Também é autor de diversos livros em matéria
tributária e pesquisador do Grupo de Pesquisas em Controladoria e Gestão Tributária da USP.
Mauro Fernando Gallo
Possui graduação em Ciências Econômicas pela Faculdade de Ciências Econômicas de São Paulo, mestrado em
Controladoria e Contabilidade Estratégica pelo Centro Universitário Álvares Penteado e doutorado em Controladoria
e Contabilidade pela Universidade de São Paulo. Hoje, exerce o cargo de professor convidado da Escola de
Administração Fazendária do Ministério da Fazenda, sócio e consultor da Estratégia Planejamento S C Ltda,
professor da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado, professor de pós-graduação lato sensu da Instituição
Toledo de Ensino, suplente do Conselho Municipal de Contribuintes da Prefeitura Municipal de Bauru, professor da
Faculdade de Ciências Econômicas de Bauru e da FIPECAFI. Foi Chefe da Divisão de Fiscalização na
Superintendência do Estado de São Paulo da Secretaria da Receita Federal do Brasil, além de ter atuado na área
de fiscalização da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo e da Prefeitura Municipal de Bauru.