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Política Criminal e Direito Penal – Histórico e Tendências Contemporâneas


                                                                Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo
                                                                    Tupinambá Pinto de Azevedo1




                A história do direito penal reflete os movimentos de política criminal
dominantes em cada época. Da forma como responde aos desafios e aos conflitos, decorre a
concepção de justiça de uma sociedade. Conquanto as sanções criminais reflitam a
necessidade de afirmar certos valores ou interesses, podem ser seguidos diferentes
caminhos, tendo em vista a preocupação ético-jurídica de retribuição ao delito como pura
exigência de justiça (teorias absolutas) ou a prevenção de futuras violações, com a
intimidação da generalidade das pessoas (prevenção geral) ou a atuação sobre o agente,
com intenções reeducativas, corretivas ou intimidativas (prevenção especial). O direito
penal não se esgota na legislação, mas a partir desta é possível empreender o estudo dos
discursos (saber penal) que lhe dão fundamentação.
                Iniciamos o século XX sob vigência do Código Penal de 1890. Entre esse
primeiro código republicano e o Código Penal de 1940, sucederam-se muitas alterações e
leis esparsas. E foram de tal monta as novas leis penais, que se fez indispensável uma
reunião de todas elas, no que se chamou Consolidação das Leis Penais, obra de Vicente
Piragibe (uma versão nova do Código Penal, contendo acréscimos e alterações). A
Consolidação substituiu o Código, a partir de 1932, e manteve, exatamente porque mera
compilação, o caráter elitista de origem, debatendo-se entre as contradições da ordem
escravocrata (a abolição não afastara a cultura das penas corporais e a discriminação) e da
nascente ordem burguesa.
                O Rio de Janeiro da primeira metade do século XX serve de parâmetro para
a situação prefigurada na legislação penal da época: como disse Gizlene Neder (1997, p.
106), havia uma cidade quilombada e outra, européia, “separadas por um paredão da


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 Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo é Doutor em Sociologia pela UFRGS e professor da Faculdade de Direito
e dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Criminais e em Ciências Sociais da PUCRS; Tupinambá
Pinto de Azevedo é Doutor em Direito pela UFRGS e Chefe do Depto. de Direito Penal da Faculdade de
Direito da UFRGS.
ordem”. A legislação penal de então reprime os movimentos operários, criminaliza a greve,
combate a vadiagem, a capoeiragem e a mendicância, confina a prostituição a determinadas
zonas.
               Originalmente, o Código Penal tinha feição liberal, frente ao inimputável,
que seria entregue à própria família, ou, se houvesse risco à segurança do público,
recolhido a hospital de alienados. Mas decreto de 1903 criou os manicômios criminais para
alienados delinqüentes, assumindo o tratamento verdadeira feição de pena. É o advento de
uma cultura institucionalizante, resultado do cruzamento entre o direito penal, as práticas
policiais e o saber médico: “ao lado de uma penitenciária que pretende avocar-se na tarefa
de adestrar para o trabalho, os asilos da mendicidade inválida, e as colônias correcionais
para “vadios, capoeiras e desordeiros”, os abrigos de “menores”, os manicômios
judiciários, tudo isso como que refletindo a “classificação” dos criminosos então em voga,
ensinada aos policiais na sua escola numa disciplina intitulada História Natural dos
Malfeitores.”(ZAFFARONI, BATISTA et al., 2003, p. 458)
               O Código Penal de 1940 assinala o rompimento da aliança direito penal-
medicina, por influência do tecnicismo jurídico que presidiu à feitura do Código Penal
italiano (Código Rocco), desse modo afastando a criminologia positivista, afinal confinada
aos manicômios (medidas de segurança) e penitenciárias. Fiel à época de sua emergência,
o direito penal brasileiro traz como uma de suas inspirações a política criminal
intervencionista. Mas esse ideário não transparece tanto no Código Penal de 40, e sim nas
sucessivas leis de Economia Popular, criminalizando a usura, as taxas extorsivas, o
desrespeito a tabelas de preços, o abuso do poder econômico, etc.
               É certo que o Código de 40 surgiu em período ditatorial, de duríssima
repressão, fechadas todas as casas legislativas do país, mas seus principais autores – Nelson
Hungria e Roberto Lyra -, e o supervisor dos trabalhos – A.J. Costa e Silva -, são juristas de
notório saber, vinculados a atividades acadêmicas, perfeitamente a par das grandes
correntes político-criminais de então. O insuspeito Heleno Cláudio Fragoso chegou a dizer
que esse Código Penal “incorpora fundamentalmente as bases de um direito punitivo
democrático e liberal” (FRAGOSO, 2003, p. 78). Sob o aspecto mais amplo da política, os
anos 30 demarcam a centralização do poder, sob Vargas, e seu reflexo na órbita penal é a
expropriação gradativa do poder de punição dos coronéis, submetidos, agora, ao monopólio
do poder punitivo do Estado.
               Além do distanciamento do positivismo criminológico, que levou a afastar a
proposta de classificação dos criminosos, o novo código afastou a pena de morte, previu o
duplo binário, incluindo a possibilidade de aplicação de medida de segurança para
imputáveis (periculosidade presumida), e inverteu a ordem dos tipos penais, reservando
para a última parte os crimes contra o Estado, dando prevalência à pessoa e à comunidade
(vide Parte Especial).
               A partir de 1930 o Brasil ingressa na época da industrialização e se dirige a
um modelo social ou previdenciário de Estado. Resultado desse panorama é a previsão, no
Código de 40, das penitenciárias agrícolas ou industriais. Em plena crença nas
possibilidades de prevenção pela lei penal, está clara no Código a proposta de readaptação
social.
               Por isso, em 1984, a publicação da Lei 7.210, de execução penal (LEP), não
rompe com o ideário de 1940, antes o reforça e continua: “Art. 1º. A execução penal tem
por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar
condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.” Não por
acaso, o diploma em questão coincide com a reforma da Parte Geral do Código Penal de
1940, e completa o projeto iniciado com a Lei 6.416/77. A lacuna de uma lei de execução
penal foi parcialmente suprida, pois a Lei 6.416/77 criava os regimes carcerários,
institucionalizando a prisão-albergue como uma das modalidades do regime aberto,
extinguia o pressuposto da reincidência, passados cinco anos do cumprimento da pena do
crime anterior, aperfeiçoava o sursis, o livramento condicional e a prescrição retroativa.
               Frustrada a vigência de novo Código Penal (em 1969 chegou-se até à
promulgação, mas o novo texto foi revogado, durante a vacatio legis), a nova idéia
consistiu em reformá-lo. Toda a Parte Geral, desse modo, foi reformulada, após amplo
debate. Sob o aspecto técnico-jurídico, o texto não perde em qualidade para o Código Penal
de 1940. O princípio da culpabilidade é um dos eixos da reforma, as medidas de segurança
deixam de se somar à pena, adotado agora o sistema vicariante (pena ou medida de
segurança), não há periculosidade presumida, e a teoria do erro é aperfeiçoada, substituídos
o erro de direito e de fato pelo erro de tipo e de proibição. Um primeiro aceno à relevância
da reparação do dano, em sede penal, aparece na minorante respectiva, desde que se trate de
crime sem violência ou grave ameaça. Os regimes carcerários são aperfeiçoados e
colocados em forma progressiva. Consagra-se o dia-multa e são introduzidas penas
restritivas, com caráter substitutivo.
               Há nessa reforma influência de idéias minimalistas, ao menos em relação à
pena de prisão, submetida ao princípio de ultima ratio. A preocupação com a vítima
transparece na sua consideração como circunstância de graduação da pena (art. 59 CP),
além do instituto do arrependimento posterior, referido acima (reparação do dano como
minorante). Talvez seja, todavia, o último esforço legislativo penal na direção do Estado de
bem-estar – embora o paradoxo com a Constituição Federal que viria quatro anos depois da
reforma, proclamando o Estado Social e Democrático de Direito. É que a crença na
ressocialização, pelo cumprimento de pena, se esvai, e as leis que se seguirão obedecem à
frustração dos doutrinadores. René Dotti censura as Constituições italiana, espanhola e
portuguesa, por que declaram formalmente que a execução da pena deve ter, como objetivo
principal, a recuperação do infrator: “Os textos constitucionais e legais em tal sentido são
muito criticados frente à constatação dos elevados índices de reincidência.” (DOTTI, 2001,
p. 434)
               O panorama traçado até aqui ressalta apenas o Código. Não temos reserva
de Código, ou sequer alguma centralidade do Código Penal, de modo que as leis que tratam
de matéria criminal muitas vezes obedecem a outras matrizes político-criminais e, com sua
especial dinâmica, expressam o pensamento mais atualizado do legislador.
               O Código Penal de 1940 já está convivendo com a quinta Constituição, o
que revela sua vitalidade. A crise do Estado social parece não abalar o texto, que se mantém
coerente nas reformas, acréscimos e revogações. Mas não é possível esquecer que, surgindo
no seio de uma ditadura feroz, e convivendo, depois, com vinte anos de regime militar, leis
penais paralelas muito desfiguraram a implementação do projeto de criminalização do
Código Penal de 1940.
               As mais importantes questões penais do Estado Novo, entre as quais os
crimes contra a economia popular, anteriormente referidos, estavam submetidas a um
tribunal de exceção (o Tribunal de Segurança Nacional); Ato Institucional do período
militar suspendeu o Habeas Corpus para crimes políticos, notando-se que os delitos
enquadrados como contrários à segurança nacional eram da competência de tribunais
militares. Para tais crimes, havia cominação de prisão perpétua e pena de morte (Decreto-
lei 510/69).
               Com a redemocratização e o advento da Constituição de 1988, importantes
garantias penais foram inseridas ou mantidas, como o princípio da legalidade dos crimes e
penas, da culpabilidade (art. 5º, LVII, CF), da personalidade, da individualização da pena,
do direito à não auto-incriminação, da proibição de penas perpétuas, cruéis e desumanas
(reservada a pena de morte para o caso de guerra declarada).
               Insere-se no direito penal brasileiro, pelo art. 98, I, CF, o novo modelo de
justiça penal consensual, permitida a transação. Há quem veja aí uma adesão ao
empreendimento neoliberal, pois o esvaziamento de prisões conseqüente à transação penal
(ou mesmo a composições cíveis despenalizadoras), atenderia a um cálculo custo-benefício.
Nessa linha, chega-se a sustentar que esse novo sistema “opera mediante uma dualidade
discursiva que distingue os delitos dos consumidores ativos (aos quais correspondem
medidas despenalizadoras em sentido amplo) dos delitos grosseiros dos consumidores
falhos (aos quais corresponde uma privação de liberdade neutralizadora” (ZAFFARONI,
BATISTA et al., 2003, p. 484-5). Outros, sustentam que se trata da revalorização da vítima,
nos primórdios do direito penal inteiramente afastada do conflito penal, pois o monopólio
da pretensão punitiva pelo Estado atenderia à erradicação da vingança privada. Agora,
atendida à condição de ultima ratio da repressão penal, seria preferível a via reparatória,
consentânea, inclusive, com o Estado social. Tal protagonismo da vítima não está presente
apenas nos Juizados Especiais Criminais, mas é ressaltado na legislação penal ambiental
(Lei 9.605/98).
               Sobre a legislação penal produzida a partir da Constituição de 88, reflete
duas das tendências mais evidentes no tocante às normas penais nas sociedades
contemporâneas, ou seja, a da utilização de mecanismos penais “de emergência” e a da
hipertrofia ou inflação de normas penais, que invadem campos da vida social que
anteriormente não estavam regulados por sanções penais, aprofundando o intervencionismo
penal. O remédio penal é utilizado pelas instâncias de poder político como resposta para
quase todos os tipos de conflitos e problemas sociais.
A resposta penal se converte em resposta simbólica oferecida pelo Estado
frente as demandas de segurança e penalização da sociedade, expressas pela mídia, sem
relação direta com a verificação de sua eficácia instrumental como meio de prevenção ao
delito. O direito e o processo penal se convertem em recurso público de gestão de condutas
utilizado contingencialmente, e não mais como instrumento subsidiário de proteção de
interesses ou bens jurídicos (AZEVEDO, 2005, p. 236) .
              Para caracterizar este momento de mudanças no âmbito da legislação e das
práticas punitivas, tem sido utilizada a denominação direito penal de emergência, ou
processo penal de emergência (FERRAJOLI, 2002). No Brasil, a emergência penal pode
ser constatada com a edição da lei 8.072/90, conhecida como Lei dos Crimes Hediondos,
que regulamentou o que havia sido previsto na Constituição de 88, que no art. 5º, inciso
XLIII, criou a figura dos crimes hediondos, nos seguintes termos: “A lei considerará crimes
inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles
respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.”
              Em seu art. 1º, a Lei 8.072/90 definiu como hediondos os delitos de
homicídio qualificado e homicídio praticado em atividade típica de grupo de extermínio, o
latrocínio, a extorsão qualificada pela morte, a extorsão mediante seqüestro e na forma
qualificada, o estupro e o atentado violento ao pudor, a epidemia com resultado morte,
falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou
medicinais, consumados ou tentados. O parágrafo único do art. 1º da mesma lei rotulou
também como hediondo o crime de genocídio previsto nos arts. 1º, 2º e 3º da Lei nº 2.889,
de 1º de outubro de 1956, tentado ou consumado, com redação dada pela Lei nº 8.930/94.
              Em seus arts. 2º e 3º, a Lei 8.072/90 estabeleceu as regras aplicáveis aos
delitos hediondos e aos a eles equiparados, proibindo a anistia, graça, indulto, fiança e
liberdade provisória, e determinando o cumprimento da pena integralmente em regime
fechado.
              O art. 5º acrescentou inciso ao art. 83 do Código Penal, determinando que,
para que haja a concessão de livramento condicional ao condenado a pena privativa de
liberdade, nos casos de condenação por crime hediondo, prática de tortura, tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, e terrorismo, deverão ter sido cumpridos mais de dois terços
da pena.
              O art. 6º da mesma Lei aumentou a pena dos delitos rotulados como
hediondos. Para exemplificar, o latrocínio, que tinha pena mínima de 15 anos de reclusão,
passou ao mínimo de 20 anos; a extorsão mediante seqüestro, cuja pena mínima era de seis
anos de reclusão, passou a ter o mínimo no patamar de oito anos. O mesmo crime se
praticado contra menor de dezoito anos, ou por quadrilha ou se durar mais de 24 horas, que
tinha pena mínima de 8 anos, passou para 12 anos de reclusão. Se do sequestro resultar a
morte, a pena mínima, que era de 20 anos, passou para 24 anos. O estupro, que tinha pena
mínima de 3 anos de reclusão e 8 como máxima, passou ao mínimo de 6 anos e máximo de
10 anos. O atentado violento ao pudor passou de um apenamento mínimo de 2 anos e
máximo de 7 anos para 6 e dez anos, respectivamente.
              Outro exemplo de legislação emergencial é a lei 9.034/95, que dispõe sobre
a utilização de meios operacionais (meios de prova e procedimentos investigatórios) para a
prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas. De acordo com o
art. 2º da referida Lei, em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem
prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de
provas:
                       (...)
                       II - a ação controlada, que consiste em retardar a interdição policial do
                       que se supõe ação praticada por organizações criminosas ou a ela
                       vinculado, desde que mantida sob observação e acompanhamento para
                       que a medida legal se concretize no momento mais eficaz do ponto de
                       vista da formação de provas e fornecimento de informações;
                       III - o acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias,
                       financeiras e eleitorais.
                       IV - a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos,
                       óticos ou acústicos, e o seu registro e análise, mediante circunstanciada
                       autorização judicial;
                       V - infiltração por agentes de polícia ou de inteligência, em tarefas de
                       investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes,
                       mediante circunstanciada autorização judicial.
                       Parágrafo único. A autorização judicial será estritamente sigilosa e
                       permanecerá nesta condição enquanto perdurar a infiltração.


              Uma das principais inovações previstas pela Lei 9.034/95, em seu art. 6º, é a
que estabelece que, nos crimes praticados em organização criminosa, a pena será reduzida
de um a dois terços, quando a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de
infrações penais e sua autoria (delação premiada).
               O art. 7º impede a concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança, aos
agentes que tenham tido intensa e efetiva participação na organização criminosa,
estabelecendo o art. 8º que o prazo para encerramento da instrução criminal, nos processos
por crime de que trata esta lei, será de 81 (oitenta e um) dias, quando o réu estiver preso, e
de 120 (cento e vinte) dias, quando solto. Dispõe ainda o art. 9º que o réu não poderá apelar
em liberdade, nos crimes previstos nesta Lei.
               Entre as áreas novas ou ao menos distintas das tradicionalmente contidas no
Código Penal, atingidas pela expansão do direito penal, cabe mencionar as disposições
penais em matéria de delitos econômicos e financeiros – sonegação fiscal, lavagem de
dinheiro, etc.; a criminalização das condutas contrárias às relações de consumo; a
criminalização de delitos ambientais; a tipificação de delitos de discriminação racial ou de
outro tipo e da chamada criminalidade organizada; e a criminalização do assédio sexual.
               Os crimes contra a ordem tributária foram pela primeira vez tipificados de
forma específica pela Lei 4.729, de julho de 1965. Em seu art. 1º, a referida lei definia
como crime de sonegação fiscal o ato de prestar declaração falsa ou omitir informação, com
intenção de eximir-se do pagamento de tributos e taxas, e inserir elementos inexatos ou
omitir rendimentos em documentos ou livros exigidos pelas leis fiscais, com pena de seis
meses a dois anos de prisão e multa.
               A aplicabilidade do referido diploma legal ficou bastante comprometida,
pela inclusão, no art. 2º, da previsão de extinção da punibilidade quando o agente
responsável pela sonegação promovesse o recolhimento do tributo devido, antes de ter
início a ação fiscal própria na esfera administrativa, e do conseqüente oferecimento da
denúncia pelo Ministério Público, que foi revogado em 1991, e reintroduzido pela Lei
9.249/95, art. 34.
               Em 1990, foi editada a Lei 8.137, que ampliou a previsão a respeito dos
delitos contra a ordem tributária. A nova lei tipificou a supressão ou redução de tributo ou
contribuição social mediante a omissão ou falsidade de informação, fraude à fiscalização,
falsificação de nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda ou qualquer outro documento
relativo a operação tributável. Nestes casos, as penas foram ampliadas para de dois a cinco
anos de prisão e multa. Também foi previsto o delito de deixar de aplicar, ou aplicar em
desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou
entidade de desenvolvimento, com pena de detenção de seis meses a dois anos e multa.
               A Lei 9.613/98 dispôs sobre os crimes de lavagem ou ocultação de bens,
direitos e valores. Foram tipificados os delitos de ocultação ou dissimulação da natureza,
origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores
provenientes direta ou indiretamente de crime de tráfico ilícito de substâncias
entorpecentes, de terrorismo, de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material
destinado à sua produção; de extorsão mediante seqüestro; contra a Administração Pública,
inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer
vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos;
contra o sistema financeiro nacional; praticado por organização criminosa. A pena
cominada foi de reclusão de três a dez anos e multa.
               Da mesma forma foram tipificadas as condutas de conversão dos bens,
direitos e valores provenientes de atividades criminosas em ativos lícitos (lavagem), de
utilização, na atividade econômica ou financeira, de bens, direitos ou valores que sabe
serem provenientes de atividades ilícitas, a participação de grupo, associação ou escritório
tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de
crimes previstos nesta lei.
               A mesma lei previu, no parágrafo 5º do art. 1º, que a redução da pena de um
a dois terços e o seu cumprimento em regime aberto, podendo o juiz deixar de aplicá-la ou
substituí-la por pena restritiva de direitos, caso o autor, co-autor ou partícipe colaborar
espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração
das infrações penais e de sua autoria ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto
do crime.
               O art. 3º estabelece que os crimes disciplinados nessa lei são insuscetíveis de
fiança e liberdade provisória e, em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá
fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade. A lei também ampliou os efeitos
da condenação para além dos previstos no Código Penal (art. 7º), com a previsão de perda,
em favor da União, dos bens, direitos e valores objeto de crime, ressalvado o direito do
lesado ou de terceiro de boa-fé; a interdição do exercício de cargo ou função pública de
qualquer natureza e de diretor, de membro de conselho de administração ou de gerência das
pessoas jurídicas, pelo dobro do tempo da pena privativa de liberdade aplicada.
               Outra área de neo-criminalização é a dos delitos de preconceito ou
discriminação racial ou de outro tipo. A tipificação específica destas condutas ocorreu com
a edição e promulgação da Lei 7.716/89, que definiu os crimes resultantes de preconceito
de raça ou de cor, etnia, religião ou procedência nacional. De acordo com o art. 1º do
diploma legal em tela, quem abertamente impeça, obstrua, restrinja ou de algum modo
dificulta o pleno exercício sobre bases igualitárias dos direitos e garantias fundamentais
reconhecidos na Constituição Nacional será obrigado, a pedido do prejudicado, a deixar
sem efeito o ato discriminatório, cessar sua realização e reparar o dano moral e material
ocasionado. A lei refere-se especificamente aos atos ou omissões discriminatórios
determinados por motivos de raça, religião, nacionalidade, ideologia, opinião política, sexo,
posição econômica, condição social ou características físicas (art. 1º).
               É preciso ainda destacar a neo-criminalização das condutas atentatórias
contra as relações de consumo e o meio ambiente, por meio das leis 8.078/90 e 9.605/98. O
Código de Defesa do Consumidor – CDC (Lei 8.078/90) trouxe, em seu Título II, o rol das
infrações penais relacionadas com as relações de consumo (art. 61 a 80). Foram tipificadas,
entre outras condutas, a omissão de dizeres ou sinais ostentivos sobre a nocividade ou
periculosidade de produtos ou serviços (detenção de seis meses a dois anos e multa); deixar
de retirar do mercado e deixar de comunicar à autoridade competente e aos consumidores a
nocividade ou periculosidade de produtos cujo conhecimento seja posterior à sua colocação
no mercado (detenção de seis meses a dois anos e multa); executar serviço de alto grau de
periculosidade, contrariando determinação de autoridade competente (detenção de seis
meses a dois anos e multa); fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação
relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho,
durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços (detenção de três meses a um ano e
multa); fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva
(detenção de três meses a um ano e multa); etc.
               O art. 75 do CDC estabelece a responsabilidade penal de quem, de qualquer
forma, concorrer para os crimes referidos no Código, bem como do diretor, administrador
ou gerente da pessoa jurídica que promover, permitir ou por qualquer modo aprovar o
fornecimento, oferta, exposição à venda ou manutenção em depósito de produtos ou a
oferta e prestação de serviços nas condições por ele proibidas.
               Com relação às condutas lesivas ao meio ambiente, foram tipificadas pela
Lei 9.605/98, que previu sanções penais e administrativas.Uma das mais importantes e
polêmicas inovações desta lei em matéria penal foi a criminalização da pessoa jurídica,
novidade no direito brasileiro, de acordo com o previsto no art. 3º:
                        Art. 3º - As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil
                        e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração
                        seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de
                        seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.


               A idéia de responsabilizar penalmente também a pessoa jurídica exige que se
abandonem conceitos como o de conduta punível, dolo ou culpa, imputabilidade e
imputabilidade, penas carcerárias – pois todos foram construídos em torno da pessoa
humana. Para alguns, não é possível esse salto dogmático, pois só há crime quando há
liberdade de escolha, consciência da ilicitude, ânimo de agir, etc. Outros assinalam que tais
argumentos também afastariam a possibilidade da responsabilidade civil da pessoa jurídica.
O certo é que vários países já adotam tal responsabilização.
               O Capítulo V da lei 9.605/98 tipifica, em um extenso rol de mais de trinta
artigos, os delitos ambientais, que, a teor do art. 26, são de ação pública incondicionada.
Entre as condutas tipificadas, estão os crimes contra a fauna (ex.: art. 29 - Matar, perseguir,
caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a
devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com
a obtida: Pena: detenção de seis meses a um ano, e multa); os crimes contra a flora (Ex.:
Art. 38 - Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que
em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção, pena - detenção, de
um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente); os crimes de poluição e
outros crimes ambientais (Ex.: Art. 54 - Causar poluição de qualquer natureza em níveis
tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a
mortandade de animais ou a destruição significativa da flora: Pena - reclusão, de um a
quatro anos, e multa); os crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural (ex.:
Art. 62 - Destruir, inutilizar ou deteriorar: I - bem especialmente protegido por lei, ato
administrativo ou decisão judicial; II - arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca,
instalação científica ou similar protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial:
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa); e os crimes contra a Administração Ambiental
(Ex.: Art. 66 - Fazer o funcionário público afirmação falsa ou enganosa, omitir a verdade,
sonegar informações ou dados técnico-científicos em procedimentos de autorização ou de
licenciamento ambiental: Pena - reclusão, de um a três anos, e multa).
               Frente aos crimes inerentes à sociedade de massas (contra o consumidor,
meio ambiente, trânsito), nota-se a opção por crimes de perigo abstrato, em que a norma
incide antes que o bem jurídico sequer sofra efetiva ameaça. Essa antecipação da resposta
penal é perigosíssima, pois desvincula a lei penal da proteção efetiva a bens jurídicos.
Libera-se o legislador do princípio da lesividade social.
               Fenômeno correlato ao da preventividade penal é o da chamada
“administrativização” do direito penal, e que não se confunde com o denominado “direito
penal administrativo”. Ou seja: a desobediência a ordens ou regulamentos administrativos,
por si só, já caracteriza crime (são os chamados “crimes-obstáculo”).
               Os exemplos acima demonstram que a utilização do direito penal como
instrumento de combate à chamada “criminalidade dos poderosos”, assim como para a
defesa de bens jurídicos considerados relevantes por diversos movimentos sociais
(feministas, ambientalistas, anti-discriminação), é amplamente aceita, tendo como resultado
a inflação punitiva. No entanto, é difícil determinar se os interesses da classe dominante
deixaram de pautar o pensamento penal, por uma evolução natural da consciência social, ou
se essa dissintonia advém de que “a criminalidade dominante se torna também a das classes
dominantes” (MAILLARD, 1995, p. 100).
               É certo, porém, que a criminalidade de colarinho branco tem vários filtros,
antes de chegar ao judiciário. As Bolsas de Valores têm órgãos de fiscalização e mesmo de
aplicação de sanções; o Banco Central fiscaliza as instituições financeiras; os executivos
estadual e federal submetem-se aos tribunais de contas, e só remotamente se há de convocar
o poder judiciário. Assim, “os contenciosos econômicos e sociais, do topo ao fim da escala,
se mantêm distanciados da justiça penal"(MAILLARD, 1995, p. 110).        Ao       mesmo
tempo, a criminalidade convencional atinge, predominantemente, as classes pobres, mais
expostas à violência urbana.
É evidente que por trás da adesão ao punitivismo está o fato de que o
discurso do “eficientismo simbólico” se converteu em tecnologia de poder do sistema
político, em que se barganha a ilusão de segurança em troca do voto. Fundado em uma falsa
contraposição de dois interesses igualmente legítimos, a aplicação da lei penal e a proteção
das garantias individuais, o discurso eficientista converte-se também em argumento
legitimador de reformas legislativas e administrativas voltadas ao esvaziamento das
garantias processuais do suspeito e do acusado e ao recrudescimento dos poderes
investigatórios e punitivos do Estado. O Direito Penal se afasta de sua função de controle e
limite do emprego da força pelo Estado, para converter-se em instrumento “simbólico” de
combate à criminalidade (DIAS NETO, 2005, p. 94).
               Assiste-se então, em matéria de política criminal, à emergência do
“gerencialismo”, isto é, a visão do Direito Penal como um mecanismo de gestão eficiente
de determinados problemas, sem conexão com os valores que estiveram na base do Direito
Penal clássico (verdade, justiça), que passam a ser vistos muito mais como obstáculos,
como problemas em si mesmos, que se opõem a uma gestão eficiente das questões de
segurança. O elemento comum às propostas gerencialistas é a desconfiança frente ao
público e ao formalizado e sua conseqüente deslegitimação, e o resultado é a expansão do
Direito Penal por via de mecanismos que pretendem fazer frente ao colapso da justiça penal
em sociedades sobrejuridificadas e sobrejudicializadas, reduzindo-o a uma simples
manifestação administrativo-executiva.
               Ao gerencialismo penal corresponde o novo discurso criminológico,
chamado “atuarial”. Atuarialismo e gerencialismo, embora não signifiquem exatamente o
mesmo, respondem a uma mesma lógica tecnocrática, e foram assimilados como
manifestações de uma mesma racionalidade que impregna as técnicas de controle do delito
na atualidade. A criminologia atuarial propõe uma mudança de paradigma, com o abandono
do discurso correcionalista, característico do welfare state, e do debate a respeito das causas
do delito. No modelo atuarial, já não se pretende um projeto disciplinar, entendido no
sentido foucaultiano como modalidade de poder que garante a docilidade e utilidade dos
indivíduos. Nas palavras de Bergalli,
                         El control punitivo del Estado neo-liberal ya no se descarga más, como
                         antaño, sobre sujetos individuales, sino sobre sujetos colectivos, quienes
                         son tratados institucionalmente como “grupos productores de riesgo”.
Estos sujetos no tienen nombre y apellido, sino que son considerados
                        como categorías. El objetivo es el de redistribuir un riesgo de
                        criminalidad que se considera socialmente inevitable. (BERGALLI,
                        2005, p. 205)


              A aceitação da inevitabilidade da sociedade do risco, dominada pela
racionalidade econômica, implica em combater a criminalidade com técnicas de gestão
atuarial. No âmbito criminológico, se abandona a idéia de que a delinqüência existe como
conseqüência de determinadas privações ou problemas sociais. No âmbito da política-
criminal, o atuarialismo considera que os conceitos econômicos básicos, como
racionalidade, maximização, custos e benefícios, etc., são fundamentais para entender,
explicar e combater de maneira efetiva a atividade criminal (RIVERA BEIRAS, 2005,
p.234). As políticas neo-conservadoras de combate ao delito tem como principal objetivo a
dissuasão do delinqüente, mediante a modificação do preço do delito, ou a sua pura e
simples contenção. Se trata de encontrar políticas de otimização da relação custo benefício
do combate ao crime, como o mínimo custo possível para o Estado.
              A premissa desse enfoque é a idéia de delito como escolha racional, na qual
o delinqüente é visto como uma “pessoa racional amoral”, que escolhe o delito com base
em uma análise prévia de custos e benefícios. É o homo economicus que habita o mundo
dos seguros, cujas práticas de gestão são estendidas aos mecanismos de controle penal. A
escolha dos instrumentos ótimos de castigo para aumentar os custos do delito e conseguir,
assim, a dissuasão esperada, se constitui no único ponto de divergência entre os defensores
do movimento Law and Economics, que se debatem entre a multa e o cárcere como
melhores instrumentos para conseguir o pretendido efeito dissuasivo.
              O Estado neo-liberal não pretende reeducar, ressocializar, corrigir ou
prevenir, como pretendeu o Estado social. Os novos fins do sistema penal são os
estritamente orientados à punição: “Es decir que unicamente deve punir, pero no solo punir
ejemplarmente cada violación del nuevo orden, sino que incluso ha de llegar hasta el punto
de crear alarma social para convertirse en fuente de consenso en torno a las instituiciones,
previniendo así cualquer eventual disentimiento político”(BERGALLI, 2005, p. 204).
              No Brasil, para o bem e para o mal, continuamos ecléticos: (a) a Lei nº
8.072/90 (dos crimes hediondos) é claramente contrária ao Estado de Direito, violando
princípios como da proporcionalidade, da igualdade, da individualização da pena. Sua
filosofia é: para crimes graves, penas extremadas, regime carcerário fechado, restrição aos
poderes do Juiz. Esta lei filia-se ao movimento “Law and Order”. E temos (b) a Lei nº
9.099/95, que instituiu os Juizados Especiais, Cíveis e Criminais. O crime de menor
gravidade submete o autor a simples audiência para composição (cível) do dano e/ou
transação penal, em que a sanção é aplicada, sem condenação. Esta lei filia-se à corrente do
direito penal consensual, mas é preciso consignar que o faz com sacrifício do direito de
ampla defesa e da presunção de inocência.
               O poder da mídia, sobretudo eletrônica, é nova variável, inexistente em
outros tempos. Trata-se de um novo poder, capaz de manipular corações e mentes, a serviço
de quem paga melhor (aspecto econômico) ou detém posição de poder (aspecto político). A
experiência brasileira, em que testemunhamos crescente monopolização dos meios
televisivos, com programas e mensagens elaborados a partir de pesquisas de opinião, tende
a conduzir para a “direita penal”, ou seja, adesão ao discurso e à prática da Lei e da Ordem.
Por fim, a agudização da desigualdade social cava um fosso entre excluídos e as demais
classes sociais, favorecendo a criminalização do modus vivendi dos mais pobres. Ademais,
a retirada de benefícios sociais faz com que os recursos daí subtraídos sejam alocados em
políticas de segurança. Se não há empregos a oferecer, mobilize-se repressão aos
desempregados, para que deixem de ser ameaça.
               Por fim, é preciso ter cautela com o uso simbólico do direito penal.
Incriminar condutas pode oferecer à população uma inicial sensação de segurança; mas
quando se percebe que a lei penal só pretendia oferecer tal conforto, sendo inaplicável ou
inócua no cotidiano, gera-se a frustração com o sistema. A sensação que sobrevém é de
impunidade – caldo de cultura de maior criminalidade. O sistema penal não é apto para a
erradicação da criminalidade. É forma de controle social que incide sobre efeitos, sem
combate às causas. Sua irresponsável utilização simbólica é também uma desesperada
tentativa de aliviar as tensões presentes, sabendo-se que as causas da criminalidade exigem
medidas sociais que demandarão vários anos para que sejam sentidos os primeiros
resultados positivos. A impaciência leva à preocupação com a eficácia penal, pretendendo-
se aferi-la onde não se encontra e no que jamais realizará.
               No terreno estritamente jurídico-penal, insuperável anteparo a essa
perspectiva sombria está na constitucionalidade material do Estado Democrático e Social
de Direito. É de supor que o controle de constitucionalidade, nesse contexto, mesmo sem
levar à população o “milagre penal” que ela anseia, impedirá a vitória de um direito penal
discriminatório, autoritário e cruel.


BIBLIOGRAFIA

AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de. Crime e Justiça Criminal na América Latina.
Sociologias, Jan/Jun 2005, no.13, p.212-241.
BERGALLI, Roberto. Relaciones entre control social y globalización: Fordismo y
disciplina, Post-fordismo y control punitivo. Revista Sociologías, Porto Alegre, ano 7, nº
13, jan/jun 2005, p. 180-211.
DIAS NETO, Theodomiro. Segurança Urbana – O Modelo da Nova Prevenção. São Paulo:
Ed. Revista dos Tribunais, 2005.
DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal – Parte Geral, RJ: Forense, 2001.
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal. Tradução de Ana
Paula Zomer et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002.
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal, Parte Geral, 16ª ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2003.
MAILLARD, Jean de. Crimes e Leis. Lisboa: Instituto Piaget, 1995.
NEDER, Gislene. Cidade, identidade e exclusão social. Tempo, v. 1, nº 2, Niterói, 1997, p.
104-136.
RIVERA BEIRAS, Iñaki (Coord.). Política Criminal y Sistema Penal. Barcelona:
Anthropos, 2005.
ZAFFARONI, Raul, BATISTA, Nilo et al. Direito Penal Brasileiro – I. Rio de Janeiro:
Revan, 2003.

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Histórico do direito penal e política criminal

  • 1. Política Criminal e Direito Penal – Histórico e Tendências Contemporâneas Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo Tupinambá Pinto de Azevedo1 A história do direito penal reflete os movimentos de política criminal dominantes em cada época. Da forma como responde aos desafios e aos conflitos, decorre a concepção de justiça de uma sociedade. Conquanto as sanções criminais reflitam a necessidade de afirmar certos valores ou interesses, podem ser seguidos diferentes caminhos, tendo em vista a preocupação ético-jurídica de retribuição ao delito como pura exigência de justiça (teorias absolutas) ou a prevenção de futuras violações, com a intimidação da generalidade das pessoas (prevenção geral) ou a atuação sobre o agente, com intenções reeducativas, corretivas ou intimidativas (prevenção especial). O direito penal não se esgota na legislação, mas a partir desta é possível empreender o estudo dos discursos (saber penal) que lhe dão fundamentação. Iniciamos o século XX sob vigência do Código Penal de 1890. Entre esse primeiro código republicano e o Código Penal de 1940, sucederam-se muitas alterações e leis esparsas. E foram de tal monta as novas leis penais, que se fez indispensável uma reunião de todas elas, no que se chamou Consolidação das Leis Penais, obra de Vicente Piragibe (uma versão nova do Código Penal, contendo acréscimos e alterações). A Consolidação substituiu o Código, a partir de 1932, e manteve, exatamente porque mera compilação, o caráter elitista de origem, debatendo-se entre as contradições da ordem escravocrata (a abolição não afastara a cultura das penas corporais e a discriminação) e da nascente ordem burguesa. O Rio de Janeiro da primeira metade do século XX serve de parâmetro para a situação prefigurada na legislação penal da época: como disse Gizlene Neder (1997, p. 106), havia uma cidade quilombada e outra, européia, “separadas por um paredão da 1 Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo é Doutor em Sociologia pela UFRGS e professor da Faculdade de Direito e dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Criminais e em Ciências Sociais da PUCRS; Tupinambá Pinto de Azevedo é Doutor em Direito pela UFRGS e Chefe do Depto. de Direito Penal da Faculdade de Direito da UFRGS.
  • 2. ordem”. A legislação penal de então reprime os movimentos operários, criminaliza a greve, combate a vadiagem, a capoeiragem e a mendicância, confina a prostituição a determinadas zonas. Originalmente, o Código Penal tinha feição liberal, frente ao inimputável, que seria entregue à própria família, ou, se houvesse risco à segurança do público, recolhido a hospital de alienados. Mas decreto de 1903 criou os manicômios criminais para alienados delinqüentes, assumindo o tratamento verdadeira feição de pena. É o advento de uma cultura institucionalizante, resultado do cruzamento entre o direito penal, as práticas policiais e o saber médico: “ao lado de uma penitenciária que pretende avocar-se na tarefa de adestrar para o trabalho, os asilos da mendicidade inválida, e as colônias correcionais para “vadios, capoeiras e desordeiros”, os abrigos de “menores”, os manicômios judiciários, tudo isso como que refletindo a “classificação” dos criminosos então em voga, ensinada aos policiais na sua escola numa disciplina intitulada História Natural dos Malfeitores.”(ZAFFARONI, BATISTA et al., 2003, p. 458) O Código Penal de 1940 assinala o rompimento da aliança direito penal- medicina, por influência do tecnicismo jurídico que presidiu à feitura do Código Penal italiano (Código Rocco), desse modo afastando a criminologia positivista, afinal confinada aos manicômios (medidas de segurança) e penitenciárias. Fiel à época de sua emergência, o direito penal brasileiro traz como uma de suas inspirações a política criminal intervencionista. Mas esse ideário não transparece tanto no Código Penal de 40, e sim nas sucessivas leis de Economia Popular, criminalizando a usura, as taxas extorsivas, o desrespeito a tabelas de preços, o abuso do poder econômico, etc. É certo que o Código de 40 surgiu em período ditatorial, de duríssima repressão, fechadas todas as casas legislativas do país, mas seus principais autores – Nelson Hungria e Roberto Lyra -, e o supervisor dos trabalhos – A.J. Costa e Silva -, são juristas de notório saber, vinculados a atividades acadêmicas, perfeitamente a par das grandes correntes político-criminais de então. O insuspeito Heleno Cláudio Fragoso chegou a dizer que esse Código Penal “incorpora fundamentalmente as bases de um direito punitivo democrático e liberal” (FRAGOSO, 2003, p. 78). Sob o aspecto mais amplo da política, os anos 30 demarcam a centralização do poder, sob Vargas, e seu reflexo na órbita penal é a
  • 3. expropriação gradativa do poder de punição dos coronéis, submetidos, agora, ao monopólio do poder punitivo do Estado. Além do distanciamento do positivismo criminológico, que levou a afastar a proposta de classificação dos criminosos, o novo código afastou a pena de morte, previu o duplo binário, incluindo a possibilidade de aplicação de medida de segurança para imputáveis (periculosidade presumida), e inverteu a ordem dos tipos penais, reservando para a última parte os crimes contra o Estado, dando prevalência à pessoa e à comunidade (vide Parte Especial). A partir de 1930 o Brasil ingressa na época da industrialização e se dirige a um modelo social ou previdenciário de Estado. Resultado desse panorama é a previsão, no Código de 40, das penitenciárias agrícolas ou industriais. Em plena crença nas possibilidades de prevenção pela lei penal, está clara no Código a proposta de readaptação social. Por isso, em 1984, a publicação da Lei 7.210, de execução penal (LEP), não rompe com o ideário de 1940, antes o reforça e continua: “Art. 1º. A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.” Não por acaso, o diploma em questão coincide com a reforma da Parte Geral do Código Penal de 1940, e completa o projeto iniciado com a Lei 6.416/77. A lacuna de uma lei de execução penal foi parcialmente suprida, pois a Lei 6.416/77 criava os regimes carcerários, institucionalizando a prisão-albergue como uma das modalidades do regime aberto, extinguia o pressuposto da reincidência, passados cinco anos do cumprimento da pena do crime anterior, aperfeiçoava o sursis, o livramento condicional e a prescrição retroativa. Frustrada a vigência de novo Código Penal (em 1969 chegou-se até à promulgação, mas o novo texto foi revogado, durante a vacatio legis), a nova idéia consistiu em reformá-lo. Toda a Parte Geral, desse modo, foi reformulada, após amplo debate. Sob o aspecto técnico-jurídico, o texto não perde em qualidade para o Código Penal de 1940. O princípio da culpabilidade é um dos eixos da reforma, as medidas de segurança deixam de se somar à pena, adotado agora o sistema vicariante (pena ou medida de segurança), não há periculosidade presumida, e a teoria do erro é aperfeiçoada, substituídos o erro de direito e de fato pelo erro de tipo e de proibição. Um primeiro aceno à relevância
  • 4. da reparação do dano, em sede penal, aparece na minorante respectiva, desde que se trate de crime sem violência ou grave ameaça. Os regimes carcerários são aperfeiçoados e colocados em forma progressiva. Consagra-se o dia-multa e são introduzidas penas restritivas, com caráter substitutivo. Há nessa reforma influência de idéias minimalistas, ao menos em relação à pena de prisão, submetida ao princípio de ultima ratio. A preocupação com a vítima transparece na sua consideração como circunstância de graduação da pena (art. 59 CP), além do instituto do arrependimento posterior, referido acima (reparação do dano como minorante). Talvez seja, todavia, o último esforço legislativo penal na direção do Estado de bem-estar – embora o paradoxo com a Constituição Federal que viria quatro anos depois da reforma, proclamando o Estado Social e Democrático de Direito. É que a crença na ressocialização, pelo cumprimento de pena, se esvai, e as leis que se seguirão obedecem à frustração dos doutrinadores. René Dotti censura as Constituições italiana, espanhola e portuguesa, por que declaram formalmente que a execução da pena deve ter, como objetivo principal, a recuperação do infrator: “Os textos constitucionais e legais em tal sentido são muito criticados frente à constatação dos elevados índices de reincidência.” (DOTTI, 2001, p. 434) O panorama traçado até aqui ressalta apenas o Código. Não temos reserva de Código, ou sequer alguma centralidade do Código Penal, de modo que as leis que tratam de matéria criminal muitas vezes obedecem a outras matrizes político-criminais e, com sua especial dinâmica, expressam o pensamento mais atualizado do legislador. O Código Penal de 1940 já está convivendo com a quinta Constituição, o que revela sua vitalidade. A crise do Estado social parece não abalar o texto, que se mantém coerente nas reformas, acréscimos e revogações. Mas não é possível esquecer que, surgindo no seio de uma ditadura feroz, e convivendo, depois, com vinte anos de regime militar, leis penais paralelas muito desfiguraram a implementação do projeto de criminalização do Código Penal de 1940. As mais importantes questões penais do Estado Novo, entre as quais os crimes contra a economia popular, anteriormente referidos, estavam submetidas a um tribunal de exceção (o Tribunal de Segurança Nacional); Ato Institucional do período militar suspendeu o Habeas Corpus para crimes políticos, notando-se que os delitos
  • 5. enquadrados como contrários à segurança nacional eram da competência de tribunais militares. Para tais crimes, havia cominação de prisão perpétua e pena de morte (Decreto- lei 510/69). Com a redemocratização e o advento da Constituição de 1988, importantes garantias penais foram inseridas ou mantidas, como o princípio da legalidade dos crimes e penas, da culpabilidade (art. 5º, LVII, CF), da personalidade, da individualização da pena, do direito à não auto-incriminação, da proibição de penas perpétuas, cruéis e desumanas (reservada a pena de morte para o caso de guerra declarada). Insere-se no direito penal brasileiro, pelo art. 98, I, CF, o novo modelo de justiça penal consensual, permitida a transação. Há quem veja aí uma adesão ao empreendimento neoliberal, pois o esvaziamento de prisões conseqüente à transação penal (ou mesmo a composições cíveis despenalizadoras), atenderia a um cálculo custo-benefício. Nessa linha, chega-se a sustentar que esse novo sistema “opera mediante uma dualidade discursiva que distingue os delitos dos consumidores ativos (aos quais correspondem medidas despenalizadoras em sentido amplo) dos delitos grosseiros dos consumidores falhos (aos quais corresponde uma privação de liberdade neutralizadora” (ZAFFARONI, BATISTA et al., 2003, p. 484-5). Outros, sustentam que se trata da revalorização da vítima, nos primórdios do direito penal inteiramente afastada do conflito penal, pois o monopólio da pretensão punitiva pelo Estado atenderia à erradicação da vingança privada. Agora, atendida à condição de ultima ratio da repressão penal, seria preferível a via reparatória, consentânea, inclusive, com o Estado social. Tal protagonismo da vítima não está presente apenas nos Juizados Especiais Criminais, mas é ressaltado na legislação penal ambiental (Lei 9.605/98). Sobre a legislação penal produzida a partir da Constituição de 88, reflete duas das tendências mais evidentes no tocante às normas penais nas sociedades contemporâneas, ou seja, a da utilização de mecanismos penais “de emergência” e a da hipertrofia ou inflação de normas penais, que invadem campos da vida social que anteriormente não estavam regulados por sanções penais, aprofundando o intervencionismo penal. O remédio penal é utilizado pelas instâncias de poder político como resposta para quase todos os tipos de conflitos e problemas sociais.
  • 6. A resposta penal se converte em resposta simbólica oferecida pelo Estado frente as demandas de segurança e penalização da sociedade, expressas pela mídia, sem relação direta com a verificação de sua eficácia instrumental como meio de prevenção ao delito. O direito e o processo penal se convertem em recurso público de gestão de condutas utilizado contingencialmente, e não mais como instrumento subsidiário de proteção de interesses ou bens jurídicos (AZEVEDO, 2005, p. 236) . Para caracterizar este momento de mudanças no âmbito da legislação e das práticas punitivas, tem sido utilizada a denominação direito penal de emergência, ou processo penal de emergência (FERRAJOLI, 2002). No Brasil, a emergência penal pode ser constatada com a edição da lei 8.072/90, conhecida como Lei dos Crimes Hediondos, que regulamentou o que havia sido previsto na Constituição de 88, que no art. 5º, inciso XLIII, criou a figura dos crimes hediondos, nos seguintes termos: “A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.” Em seu art. 1º, a Lei 8.072/90 definiu como hediondos os delitos de homicídio qualificado e homicídio praticado em atividade típica de grupo de extermínio, o latrocínio, a extorsão qualificada pela morte, a extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada, o estupro e o atentado violento ao pudor, a epidemia com resultado morte, falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais, consumados ou tentados. O parágrafo único do art. 1º da mesma lei rotulou também como hediondo o crime de genocídio previsto nos arts. 1º, 2º e 3º da Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956, tentado ou consumado, com redação dada pela Lei nº 8.930/94. Em seus arts. 2º e 3º, a Lei 8.072/90 estabeleceu as regras aplicáveis aos delitos hediondos e aos a eles equiparados, proibindo a anistia, graça, indulto, fiança e liberdade provisória, e determinando o cumprimento da pena integralmente em regime fechado. O art. 5º acrescentou inciso ao art. 83 do Código Penal, determinando que, para que haja a concessão de livramento condicional ao condenado a pena privativa de liberdade, nos casos de condenação por crime hediondo, prática de tortura, tráfico ilícito de
  • 7. entorpecentes e drogas afins, e terrorismo, deverão ter sido cumpridos mais de dois terços da pena. O art. 6º da mesma Lei aumentou a pena dos delitos rotulados como hediondos. Para exemplificar, o latrocínio, que tinha pena mínima de 15 anos de reclusão, passou ao mínimo de 20 anos; a extorsão mediante seqüestro, cuja pena mínima era de seis anos de reclusão, passou a ter o mínimo no patamar de oito anos. O mesmo crime se praticado contra menor de dezoito anos, ou por quadrilha ou se durar mais de 24 horas, que tinha pena mínima de 8 anos, passou para 12 anos de reclusão. Se do sequestro resultar a morte, a pena mínima, que era de 20 anos, passou para 24 anos. O estupro, que tinha pena mínima de 3 anos de reclusão e 8 como máxima, passou ao mínimo de 6 anos e máximo de 10 anos. O atentado violento ao pudor passou de um apenamento mínimo de 2 anos e máximo de 7 anos para 6 e dez anos, respectivamente. Outro exemplo de legislação emergencial é a lei 9.034/95, que dispõe sobre a utilização de meios operacionais (meios de prova e procedimentos investigatórios) para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas. De acordo com o art. 2º da referida Lei, em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas: (...) II - a ação controlada, que consiste em retardar a interdição policial do que se supõe ação praticada por organizações criminosas ou a ela vinculado, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz do ponto de vista da formação de provas e fornecimento de informações; III - o acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais. IV - a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, e o seu registro e análise, mediante circunstanciada autorização judicial; V - infiltração por agentes de polícia ou de inteligência, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes, mediante circunstanciada autorização judicial. Parágrafo único. A autorização judicial será estritamente sigilosa e permanecerá nesta condição enquanto perdurar a infiltração. Uma das principais inovações previstas pela Lei 9.034/95, em seu art. 6º, é a que estabelece que, nos crimes praticados em organização criminosa, a pena será reduzida
  • 8. de um a dois terços, quando a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria (delação premiada). O art. 7º impede a concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança, aos agentes que tenham tido intensa e efetiva participação na organização criminosa, estabelecendo o art. 8º que o prazo para encerramento da instrução criminal, nos processos por crime de que trata esta lei, será de 81 (oitenta e um) dias, quando o réu estiver preso, e de 120 (cento e vinte) dias, quando solto. Dispõe ainda o art. 9º que o réu não poderá apelar em liberdade, nos crimes previstos nesta Lei. Entre as áreas novas ou ao menos distintas das tradicionalmente contidas no Código Penal, atingidas pela expansão do direito penal, cabe mencionar as disposições penais em matéria de delitos econômicos e financeiros – sonegação fiscal, lavagem de dinheiro, etc.; a criminalização das condutas contrárias às relações de consumo; a criminalização de delitos ambientais; a tipificação de delitos de discriminação racial ou de outro tipo e da chamada criminalidade organizada; e a criminalização do assédio sexual. Os crimes contra a ordem tributária foram pela primeira vez tipificados de forma específica pela Lei 4.729, de julho de 1965. Em seu art. 1º, a referida lei definia como crime de sonegação fiscal o ato de prestar declaração falsa ou omitir informação, com intenção de eximir-se do pagamento de tributos e taxas, e inserir elementos inexatos ou omitir rendimentos em documentos ou livros exigidos pelas leis fiscais, com pena de seis meses a dois anos de prisão e multa. A aplicabilidade do referido diploma legal ficou bastante comprometida, pela inclusão, no art. 2º, da previsão de extinção da punibilidade quando o agente responsável pela sonegação promovesse o recolhimento do tributo devido, antes de ter início a ação fiscal própria na esfera administrativa, e do conseqüente oferecimento da denúncia pelo Ministério Público, que foi revogado em 1991, e reintroduzido pela Lei 9.249/95, art. 34. Em 1990, foi editada a Lei 8.137, que ampliou a previsão a respeito dos delitos contra a ordem tributária. A nova lei tipificou a supressão ou redução de tributo ou contribuição social mediante a omissão ou falsidade de informação, fraude à fiscalização, falsificação de nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda ou qualquer outro documento relativo a operação tributável. Nestes casos, as penas foram ampliadas para de dois a cinco
  • 9. anos de prisão e multa. Também foi previsto o delito de deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento, com pena de detenção de seis meses a dois anos e multa. A Lei 9.613/98 dispôs sobre os crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores. Foram tipificados os delitos de ocultação ou dissimulação da natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes direta ou indiretamente de crime de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes, de terrorismo, de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção; de extorsão mediante seqüestro; contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos; contra o sistema financeiro nacional; praticado por organização criminosa. A pena cominada foi de reclusão de três a dez anos e multa. Da mesma forma foram tipificadas as condutas de conversão dos bens, direitos e valores provenientes de atividades criminosas em ativos lícitos (lavagem), de utilização, na atividade econômica ou financeira, de bens, direitos ou valores que sabe serem provenientes de atividades ilícitas, a participação de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta lei. A mesma lei previu, no parágrafo 5º do art. 1º, que a redução da pena de um a dois terços e o seu cumprimento em regime aberto, podendo o juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la por pena restritiva de direitos, caso o autor, co-autor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais e de sua autoria ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime. O art. 3º estabelece que os crimes disciplinados nessa lei são insuscetíveis de fiança e liberdade provisória e, em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade. A lei também ampliou os efeitos da condenação para além dos previstos no Código Penal (art. 7º), com a previsão de perda, em favor da União, dos bens, direitos e valores objeto de crime, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé; a interdição do exercício de cargo ou função pública de
  • 10. qualquer natureza e de diretor, de membro de conselho de administração ou de gerência das pessoas jurídicas, pelo dobro do tempo da pena privativa de liberdade aplicada. Outra área de neo-criminalização é a dos delitos de preconceito ou discriminação racial ou de outro tipo. A tipificação específica destas condutas ocorreu com a edição e promulgação da Lei 7.716/89, que definiu os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, etnia, religião ou procedência nacional. De acordo com o art. 1º do diploma legal em tela, quem abertamente impeça, obstrua, restrinja ou de algum modo dificulta o pleno exercício sobre bases igualitárias dos direitos e garantias fundamentais reconhecidos na Constituição Nacional será obrigado, a pedido do prejudicado, a deixar sem efeito o ato discriminatório, cessar sua realização e reparar o dano moral e material ocasionado. A lei refere-se especificamente aos atos ou omissões discriminatórios determinados por motivos de raça, religião, nacionalidade, ideologia, opinião política, sexo, posição econômica, condição social ou características físicas (art. 1º). É preciso ainda destacar a neo-criminalização das condutas atentatórias contra as relações de consumo e o meio ambiente, por meio das leis 8.078/90 e 9.605/98. O Código de Defesa do Consumidor – CDC (Lei 8.078/90) trouxe, em seu Título II, o rol das infrações penais relacionadas com as relações de consumo (art. 61 a 80). Foram tipificadas, entre outras condutas, a omissão de dizeres ou sinais ostentivos sobre a nocividade ou periculosidade de produtos ou serviços (detenção de seis meses a dois anos e multa); deixar de retirar do mercado e deixar de comunicar à autoridade competente e aos consumidores a nocividade ou periculosidade de produtos cujo conhecimento seja posterior à sua colocação no mercado (detenção de seis meses a dois anos e multa); executar serviço de alto grau de periculosidade, contrariando determinação de autoridade competente (detenção de seis meses a dois anos e multa); fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços (detenção de três meses a um ano e multa); fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva (detenção de três meses a um ano e multa); etc. O art. 75 do CDC estabelece a responsabilidade penal de quem, de qualquer forma, concorrer para os crimes referidos no Código, bem como do diretor, administrador ou gerente da pessoa jurídica que promover, permitir ou por qualquer modo aprovar o
  • 11. fornecimento, oferta, exposição à venda ou manutenção em depósito de produtos ou a oferta e prestação de serviços nas condições por ele proibidas. Com relação às condutas lesivas ao meio ambiente, foram tipificadas pela Lei 9.605/98, que previu sanções penais e administrativas.Uma das mais importantes e polêmicas inovações desta lei em matéria penal foi a criminalização da pessoa jurídica, novidade no direito brasileiro, de acordo com o previsto no art. 3º: Art. 3º - As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. A idéia de responsabilizar penalmente também a pessoa jurídica exige que se abandonem conceitos como o de conduta punível, dolo ou culpa, imputabilidade e imputabilidade, penas carcerárias – pois todos foram construídos em torno da pessoa humana. Para alguns, não é possível esse salto dogmático, pois só há crime quando há liberdade de escolha, consciência da ilicitude, ânimo de agir, etc. Outros assinalam que tais argumentos também afastariam a possibilidade da responsabilidade civil da pessoa jurídica. O certo é que vários países já adotam tal responsabilização. O Capítulo V da lei 9.605/98 tipifica, em um extenso rol de mais de trinta artigos, os delitos ambientais, que, a teor do art. 26, são de ação pública incondicionada. Entre as condutas tipificadas, estão os crimes contra a fauna (ex.: art. 29 - Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida: Pena: detenção de seis meses a um ano, e multa); os crimes contra a flora (Ex.: Art. 38 - Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção, pena - detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente); os crimes de poluição e outros crimes ambientais (Ex.: Art. 54 - Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa); os crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural (ex.: Art. 62 - Destruir, inutilizar ou deteriorar: I - bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial; II - arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca,
  • 12. instalação científica ou similar protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial: Pena - reclusão, de um a três anos, e multa); e os crimes contra a Administração Ambiental (Ex.: Art. 66 - Fazer o funcionário público afirmação falsa ou enganosa, omitir a verdade, sonegar informações ou dados técnico-científicos em procedimentos de autorização ou de licenciamento ambiental: Pena - reclusão, de um a três anos, e multa). Frente aos crimes inerentes à sociedade de massas (contra o consumidor, meio ambiente, trânsito), nota-se a opção por crimes de perigo abstrato, em que a norma incide antes que o bem jurídico sequer sofra efetiva ameaça. Essa antecipação da resposta penal é perigosíssima, pois desvincula a lei penal da proteção efetiva a bens jurídicos. Libera-se o legislador do princípio da lesividade social. Fenômeno correlato ao da preventividade penal é o da chamada “administrativização” do direito penal, e que não se confunde com o denominado “direito penal administrativo”. Ou seja: a desobediência a ordens ou regulamentos administrativos, por si só, já caracteriza crime (são os chamados “crimes-obstáculo”). Os exemplos acima demonstram que a utilização do direito penal como instrumento de combate à chamada “criminalidade dos poderosos”, assim como para a defesa de bens jurídicos considerados relevantes por diversos movimentos sociais (feministas, ambientalistas, anti-discriminação), é amplamente aceita, tendo como resultado a inflação punitiva. No entanto, é difícil determinar se os interesses da classe dominante deixaram de pautar o pensamento penal, por uma evolução natural da consciência social, ou se essa dissintonia advém de que “a criminalidade dominante se torna também a das classes dominantes” (MAILLARD, 1995, p. 100). É certo, porém, que a criminalidade de colarinho branco tem vários filtros, antes de chegar ao judiciário. As Bolsas de Valores têm órgãos de fiscalização e mesmo de aplicação de sanções; o Banco Central fiscaliza as instituições financeiras; os executivos estadual e federal submetem-se aos tribunais de contas, e só remotamente se há de convocar o poder judiciário. Assim, “os contenciosos econômicos e sociais, do topo ao fim da escala, se mantêm distanciados da justiça penal"(MAILLARD, 1995, p. 110). Ao mesmo tempo, a criminalidade convencional atinge, predominantemente, as classes pobres, mais expostas à violência urbana.
  • 13. É evidente que por trás da adesão ao punitivismo está o fato de que o discurso do “eficientismo simbólico” se converteu em tecnologia de poder do sistema político, em que se barganha a ilusão de segurança em troca do voto. Fundado em uma falsa contraposição de dois interesses igualmente legítimos, a aplicação da lei penal e a proteção das garantias individuais, o discurso eficientista converte-se também em argumento legitimador de reformas legislativas e administrativas voltadas ao esvaziamento das garantias processuais do suspeito e do acusado e ao recrudescimento dos poderes investigatórios e punitivos do Estado. O Direito Penal se afasta de sua função de controle e limite do emprego da força pelo Estado, para converter-se em instrumento “simbólico” de combate à criminalidade (DIAS NETO, 2005, p. 94). Assiste-se então, em matéria de política criminal, à emergência do “gerencialismo”, isto é, a visão do Direito Penal como um mecanismo de gestão eficiente de determinados problemas, sem conexão com os valores que estiveram na base do Direito Penal clássico (verdade, justiça), que passam a ser vistos muito mais como obstáculos, como problemas em si mesmos, que se opõem a uma gestão eficiente das questões de segurança. O elemento comum às propostas gerencialistas é a desconfiança frente ao público e ao formalizado e sua conseqüente deslegitimação, e o resultado é a expansão do Direito Penal por via de mecanismos que pretendem fazer frente ao colapso da justiça penal em sociedades sobrejuridificadas e sobrejudicializadas, reduzindo-o a uma simples manifestação administrativo-executiva. Ao gerencialismo penal corresponde o novo discurso criminológico, chamado “atuarial”. Atuarialismo e gerencialismo, embora não signifiquem exatamente o mesmo, respondem a uma mesma lógica tecnocrática, e foram assimilados como manifestações de uma mesma racionalidade que impregna as técnicas de controle do delito na atualidade. A criminologia atuarial propõe uma mudança de paradigma, com o abandono do discurso correcionalista, característico do welfare state, e do debate a respeito das causas do delito. No modelo atuarial, já não se pretende um projeto disciplinar, entendido no sentido foucaultiano como modalidade de poder que garante a docilidade e utilidade dos indivíduos. Nas palavras de Bergalli, El control punitivo del Estado neo-liberal ya no se descarga más, como antaño, sobre sujetos individuales, sino sobre sujetos colectivos, quienes son tratados institucionalmente como “grupos productores de riesgo”.
  • 14. Estos sujetos no tienen nombre y apellido, sino que son considerados como categorías. El objetivo es el de redistribuir un riesgo de criminalidad que se considera socialmente inevitable. (BERGALLI, 2005, p. 205) A aceitação da inevitabilidade da sociedade do risco, dominada pela racionalidade econômica, implica em combater a criminalidade com técnicas de gestão atuarial. No âmbito criminológico, se abandona a idéia de que a delinqüência existe como conseqüência de determinadas privações ou problemas sociais. No âmbito da política- criminal, o atuarialismo considera que os conceitos econômicos básicos, como racionalidade, maximização, custos e benefícios, etc., são fundamentais para entender, explicar e combater de maneira efetiva a atividade criminal (RIVERA BEIRAS, 2005, p.234). As políticas neo-conservadoras de combate ao delito tem como principal objetivo a dissuasão do delinqüente, mediante a modificação do preço do delito, ou a sua pura e simples contenção. Se trata de encontrar políticas de otimização da relação custo benefício do combate ao crime, como o mínimo custo possível para o Estado. A premissa desse enfoque é a idéia de delito como escolha racional, na qual o delinqüente é visto como uma “pessoa racional amoral”, que escolhe o delito com base em uma análise prévia de custos e benefícios. É o homo economicus que habita o mundo dos seguros, cujas práticas de gestão são estendidas aos mecanismos de controle penal. A escolha dos instrumentos ótimos de castigo para aumentar os custos do delito e conseguir, assim, a dissuasão esperada, se constitui no único ponto de divergência entre os defensores do movimento Law and Economics, que se debatem entre a multa e o cárcere como melhores instrumentos para conseguir o pretendido efeito dissuasivo. O Estado neo-liberal não pretende reeducar, ressocializar, corrigir ou prevenir, como pretendeu o Estado social. Os novos fins do sistema penal são os estritamente orientados à punição: “Es decir que unicamente deve punir, pero no solo punir ejemplarmente cada violación del nuevo orden, sino que incluso ha de llegar hasta el punto de crear alarma social para convertirse en fuente de consenso en torno a las instituiciones, previniendo así cualquer eventual disentimiento político”(BERGALLI, 2005, p. 204). No Brasil, para o bem e para o mal, continuamos ecléticos: (a) a Lei nº 8.072/90 (dos crimes hediondos) é claramente contrária ao Estado de Direito, violando princípios como da proporcionalidade, da igualdade, da individualização da pena. Sua
  • 15. filosofia é: para crimes graves, penas extremadas, regime carcerário fechado, restrição aos poderes do Juiz. Esta lei filia-se ao movimento “Law and Order”. E temos (b) a Lei nº 9.099/95, que instituiu os Juizados Especiais, Cíveis e Criminais. O crime de menor gravidade submete o autor a simples audiência para composição (cível) do dano e/ou transação penal, em que a sanção é aplicada, sem condenação. Esta lei filia-se à corrente do direito penal consensual, mas é preciso consignar que o faz com sacrifício do direito de ampla defesa e da presunção de inocência. O poder da mídia, sobretudo eletrônica, é nova variável, inexistente em outros tempos. Trata-se de um novo poder, capaz de manipular corações e mentes, a serviço de quem paga melhor (aspecto econômico) ou detém posição de poder (aspecto político). A experiência brasileira, em que testemunhamos crescente monopolização dos meios televisivos, com programas e mensagens elaborados a partir de pesquisas de opinião, tende a conduzir para a “direita penal”, ou seja, adesão ao discurso e à prática da Lei e da Ordem. Por fim, a agudização da desigualdade social cava um fosso entre excluídos e as demais classes sociais, favorecendo a criminalização do modus vivendi dos mais pobres. Ademais, a retirada de benefícios sociais faz com que os recursos daí subtraídos sejam alocados em políticas de segurança. Se não há empregos a oferecer, mobilize-se repressão aos desempregados, para que deixem de ser ameaça. Por fim, é preciso ter cautela com o uso simbólico do direito penal. Incriminar condutas pode oferecer à população uma inicial sensação de segurança; mas quando se percebe que a lei penal só pretendia oferecer tal conforto, sendo inaplicável ou inócua no cotidiano, gera-se a frustração com o sistema. A sensação que sobrevém é de impunidade – caldo de cultura de maior criminalidade. O sistema penal não é apto para a erradicação da criminalidade. É forma de controle social que incide sobre efeitos, sem combate às causas. Sua irresponsável utilização simbólica é também uma desesperada tentativa de aliviar as tensões presentes, sabendo-se que as causas da criminalidade exigem medidas sociais que demandarão vários anos para que sejam sentidos os primeiros resultados positivos. A impaciência leva à preocupação com a eficácia penal, pretendendo- se aferi-la onde não se encontra e no que jamais realizará. No terreno estritamente jurídico-penal, insuperável anteparo a essa perspectiva sombria está na constitucionalidade material do Estado Democrático e Social
  • 16. de Direito. É de supor que o controle de constitucionalidade, nesse contexto, mesmo sem levar à população o “milagre penal” que ela anseia, impedirá a vitória de um direito penal discriminatório, autoritário e cruel. BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de. Crime e Justiça Criminal na América Latina. Sociologias, Jan/Jun 2005, no.13, p.212-241. BERGALLI, Roberto. Relaciones entre control social y globalización: Fordismo y disciplina, Post-fordismo y control punitivo. Revista Sociologías, Porto Alegre, ano 7, nº 13, jan/jun 2005, p. 180-211. DIAS NETO, Theodomiro. Segurança Urbana – O Modelo da Nova Prevenção. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal – Parte Geral, RJ: Forense, 2001. FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal. Tradução de Ana Paula Zomer et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002. FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal, Parte Geral, 16ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. MAILLARD, Jean de. Crimes e Leis. Lisboa: Instituto Piaget, 1995. NEDER, Gislene. Cidade, identidade e exclusão social. Tempo, v. 1, nº 2, Niterói, 1997, p. 104-136. RIVERA BEIRAS, Iñaki (Coord.). Política Criminal y Sistema Penal. Barcelona: Anthropos, 2005. ZAFFARONI, Raul, BATISTA, Nilo et al. Direito Penal Brasileiro – I. Rio de Janeiro: Revan, 2003.