2. DOUTRINA: CARLOS ROBERTO GONÇALVES
Conceito de direito civil
Direito civil é o direito comum, o que rege as relações entre os
particulares 1 . Disciplina a vida das pessoas desde a concepção — e
mesmo antes dela, quando permite que se contemple a prole eventual
(CC, art. 1.799, I) e confere relevância ao embrião excedentário (CC, art.
1.597, IV) — até a morte, e ainda depois dela, reconhecendo a eficácia
post mortem do testamento (CC, art. 1.857) e exigindo respeito à
memória dos mortos (CC, art. 12, parágrafo único).
3. No vasto campo do direito privado destaca-se o direito civil como
direito comum a todos os homens, no sentido de disciplinar o modo de
ser e de agir das pessoas. Costuma-se dizer que o Código Civil é a
Constituição do homem comum, por reger as relações mais simples da
vida cotidiana, os direitos e deveres das pessoas, na sua qualidade de
esposo ou esposa, pai ou filho, credor ou devedor, alienante ou
adquirente, proprietário ou possuidor, condômino ou vizinho, testador
ou herdeiro etc. Toda a vida social, como se nota, está impregnada do
direito civil, que regula as ocorrências do dia a dia .
4. Histórico do direito civil
A noção de direito civil como direito privado comum remonta ao direito
romano. Em princípio, o direito privado era um só, sendo as relações
entre particulares reguladas por um conjunto de normas, sem
diferenciação. Numa fase posterior o direito romano passou a fazer a
distinção entre o jus civile, o direito civil aplicado aos súditos romanos,
e o jus gentium, o direito das gentes, aplicado aos estrangeiros e às
relações entre estrangeiros e romanos. Mais tarde, já na época de
Justiniano, a divisão passou a ser tripartida: o jus civile, como direito
privado comum, aplicável dentro das fronteiras do Império Romano; o
jus gentium, aplicável às nações estrangeiras; e o jus naturale, o direito
natural, uma espécie de ideal jurídico para o qual deveriam evoluir os
demais.
O direito civil era, nessa fase, o direito comum destinado a reger a vida
dos cidadãos romanos independentes. Havia, então, uma perfeita
identidade entre o direito civil e o direito privado.
5. Na Idade Média, o direito civil identificou-se com o direito romano, contido no
Corpus Juris Civilis, sofrendo concorrência do direito germânico e também do
direito canônico, devido à autoridade legislativa da Igreja, que, por sua vez,
constantemente, invocava os princípios gerais do direito romano.
A Idade Moderna tem especial importância para o estudo do direito civil, pelo
surgimento do Estado moderno e pela racionalização do pensamento e da cultura,
o que levou à construção da ciência jurídica, com os seus conceitos abstratos e o
caráter sistemático da ordem jurídica. Aparece inicialmente como Estado absoluto,
vigente até fins do século XVII, caracterizado pela ascensão da burguesia e culto da
vontade do rei como lei. A substituição do Estado absoluto pelo Estado liberal,
próprio do liberalismo econômico, tem como antecedentes causais a Revolução
Francesa, o Bill of Rights inglês de 1689, a Declaração dos Direitos de Virgínia (EUA)
de 1776 e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789.
6. Posteriormente, os comerciantes, para atender à rapidez necessária em
suas atividades, exigiram normas especiais, não se satisfazendo mais
com os princípios rígidos do direito civil.
Houve, então, o desmembramento dessa disciplina especializada,
surgindo o direito comercial, pertencente também ao direito privado.
Essa dicotomia se consolidou depois que a França, em 1807, publicou o
Código Comercial, influenciando outros países, inclusive o Brasil, que
veio a elaborar o seu Código Comercial em 1850, quando não havia
ainda conseguido efetivar a codificação do direito civil.
7. Estrutura e conteúdo
O novo Código (2002) manteve, como já referido, a estrutura do Código Civil de 1916,
seguindo o modelo germânico preconizado por Savigny, colocando as matérias em ordem
metódica, divididas em uma Parte Geral e uma Parte Especial, num total de 2.046 artigos.
A Parte Geral cuida das pessoas, dos bens e dos fatos jurídicos.
Parte especial: Livro I, Do direito das obrigações, Livro II, Do direito de empresa, Livro III,
Do direito das coisas, Livro IV, Do direito de família, Livro V, Do direito das sucessões.
Quanto ao conteúdo do direito civil, pode-se dizer que é ele o conjunto de direitos,
relações e instituições que formam o seu ordenamento jurídico, o seu sistema legal. Sob o
ponto de vista objetivo, compreende “as regras sobre a pessoa, a família e o patrimônio,
ou de modo analítico, os direitos da personalidade, o direito de família, o direito das coisas,
o direito das obrigações e o direito das sucessões, ou, ainda, a personalidade, as relações
patrimoniais, a família e a transmissão dos bens por morte. Pode-se assim dizer que o
objeto do direito civil é a tutela da personalidade humana, disciplinando a personalidade
jurídica, a família, o patrimônio e sua transmissão” . O novo Código Civil trata dessas
matérias não com exclusividade, subordinando-se hierarquicamente aos ditames
constitucionais, que traçam os princípios básicos norteadores do direito privado.
8. LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO (LINDB)
Trata-se de legislação anexa ao Código Civil, mas autônoma, dele não fazendo
parte. Embora se destine a facilitar a sua aplicação, tem caráter universal,
aplicando-se a todos os ramos do direito. Acompanha o Código Civil simplesmente
porque se trata do diploma considerado de maior importância. Na realidade
constitui um repositório de normas preliminar à totalidade do ordenamento
jurídico nacional.
A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro é um conjunto de normas sobre
normas, visto que disciplina as próprias normas jurídicas, determinando o seu
modo de aplicação e entendimento, no tempo e no espaço. Ultrapassa ela o âmbito
do direito civil, pois enquanto o objeto das leis em geral é o comportamento
humano, o da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro é a própria norma,
visto que disciplina a sua elaboração e vigência, a sua aplicação no tempo e no
espaço, as suas fontes etc.
9. Dirige-se a todos os ramos do direito, salvo naquilo que for regulado de forma diferente na
legislação específica. Assim, o dispositivo que manda aplicar a analogia, os costumes e os
princípios gerais do direito aos casos omissos (art. 4º) aplica-se a todo o ordenamento
jurídico, exceto ao direito penal e ao direito tributário, que contêm normas específicas a
esse respeito.
A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro é, como o próprio nome indica,
aplicável a toda ordenação jurídica, pois tem as funções de:
a) regular a vigência e a eficácia das normas jurídicas (arts. 1º e 2º), apresentando
soluções ao conflito de normas no tempo (art. 6º) e no espaço (arts. 7º a 19);
b) fornecer critérios de hermenêutica- interpretação (art. 5º);
c) estabelecer mecanismos de integração de normas, quando houver lacunas (art. 4º);
d) garantir não só a eficácia global da ordem jurídica, não admitindo o erro de direito (art.
3º) que a comprometeria, mas também a certeza, a segurança e estabilidade do
ordenamento, preservando as situações consolidadas em que o interesse individual
prevalece (art. 6º)
10. Fontes do direito
A expressão “fontes do direito” tem várias acepções. Tanto significa o poder de
criar normas jurídicas quanto a forma de expressão dessas normas. No último caso,
dizem-se de cognição, constituindo-se no modo de expressão das normas jurídicas.
Nesse sentido, pode se dizer que a lei é o objeto da Lei de Introdução às Normas do
Direito Brasileiro e a principal fonte do direito.
Fonte de direito “é o meio técnico de realização do direito objetivo”.
11. Fontes históricas são aquelas das quais se socorrem os estudiosos, quando
querem investigar a origem histórica de um instituto jurídico ou de um
sistema, como a Lei das XII Tábuas, o Digesto, as Institutas, o Corpus Juris
Civilis, as Ordenações do Reino etc. Atuais são as fontes às quais se reporta o
indivíduo para afirmar o seu direito, e o juiz, para fundamentar a sentença.
Costume é a primeira fonte do direito, consubstanciada na observância
reiterada de certas regras, consolidadas pelo tempo e revestidas de
autoridade. Trata-se do direito não escrito, conservado nos sistemas de
Common Law (EUA e Reino Unido). Com o passar do tempo e a evolução
social, bem como a organização do Estado, o direito passa a emanar da
autoridade, sob a forma de uma lei imposta coativamente. Surge o direito
escrito, em contraposição ao anteriormente mencionado, adotado em quase
todos os países do Ocidente. São consideradas fontes formais do direito a lei,
a analogia, o costume e os princípios gerais de direito (arts. 4º da LINDB e
126 do CPC); e não formais a doutrina e a jurisprudência.
12. Lei:
“um ato do poder legislativo que estabelece normas de comportamento social. Para entrar
em vigor, deve ser promulgada e publicada no Diário Oficial. É, portanto, um conjunto
ordenado de regras que se apresenta como um texto escrito”.
Classificação:
a) Cogentes, também denominadas de ordem pública ou de imperatividade absoluta. São
mandamentais (ordenam ou determinam uma ação) ou proibitivas (impõem uma
abstenção). O art. 1.619 do Código Civil prescreve, por exemplo, que “o adotante há de
ser 16 (dezesseis) anos mais velho que o adotado”. E o art. 1.521 elenca as pessoas que
“não podem casar”. As normas cogentes se impõem de modo absoluto, não podendo
ser derrogadas pela vontade dos interessados. Regulam matéria de ordem pública e de
bons costumes, entendendo-se como ordem pública o conjunto de normas que
regulam os interesses fundamentais do Estado ou que estabelecem, no direito privado,
as bases jurídicas da ordem econômica ou social.
13. b) Não cogentes, também chamadas de dispositivas ou de imperatividade relativa.
Não determinam nem proíbem de modo absoluto determinada conduta, mas
permitem uma ação ou abstenção, ou suprem declaração de vontade não
manifestada. Distinguem-se em permissivas, quando permitem que os interessados
disponham como lhes convier, como a que permite às partes estipular, antes de
celebrado o casamento, quanto aos bens, o que lhes aprouver (CC, art. 1.639), e
supletivas, quando se aplicam na falta de manifestação de vontade das partes. No
último caso, costumam vir acompanhadas de expressões como “salvo estipulação
em contrário” ou “salvo se as partes convencionarem diversamente”.
As normas supletivas aplicam-se principalmente no campo do direito das
obrigações, na ausência de manifestação de vontade dos interessados. Dispõe, por
exemplo, o art. 327 do Código Civil que “efetuarse-á o pagamento no domicílio do
devedor, salvo se as partes convencionarem diversamente...”.
14. Quanto à intensidade da sanção, as leis classificam-se em:
a ) Mais que perfeitas — são as que estabelecem ou autorizam a aplicação de duas sanções, na
hipótese de serem violadas. O art. 19 da Lei de Alimentos (Lei n. 5.478, de 25- 7-1968) e seu § 1º
preveem, por exemplo, a pena de prisão para o devedor de pensão alimentícia e ainda a obrigação
de pagar as prestações vencidas e vincendas, sendo que o cumprimento integral da pena corporal
não o eximirá da referida obrigação.
b) Perfeitas — são aquelas que impõem a nulidade do ato, simplesmente, sem cogitar de aplicação
de pena ao violador, como a que considera nulo o negócio jurídico celebrado por pessoa
absolutamente incapaz (CC, art. 166, I), ou a que declara nula a nomeação de tutor pelo pai ou pela
mãe que, ao tempo de sua morte, não tinha o poder familiar (art. 1.730).
c) Menos que perfeitas — são as que não acarretam a nulidade ou anulação do ato ou negócio
jurídico, na circunstância de serem violadas, somente impondo ao violador uma sanção. Mencione-
se, a título de exemplo, a situação do viúvo ou viúva, com filho do cônjuge falecido, que se casa
antes de fazer inventário e dar partilha dos bens aos herdeiros do cônjuge (CC, art. 1.523, I). Não se
anulará por isso o casamento. No entanto, como sanção pela omissão, o casamento será contraído,
obrigatoriamente, no regime da separação de bens (CC, art. 1.641, I).
d) Imperfeitas — são as leis cuja violação não acarreta nenhuma consequência. É o que sucede com
as obrigações decorrentes de dívidas de jogo e de dívidas prescritas, que não obrigam a pagamento
(CC, art. 814). O ordenamento não autoriza o credor a efetuar a sua cobrança em juízo. São
consideradas normas sui generis, não propriamente jurídicas, “pois estas são autorizantes”
15. Quanto à sua hierarquia, as normas classificam-se em:
a) Normas constitucionais — são as que constam da Constituição, às quais as demais devem amoldar-se.
São as mais importantes, por assegurarem os direitos fundamentais do homem, como indivíduo e como
cidadão, e disciplinarem a estrutura da nação e a organização do Estado. A Constituição Federal situa-se,
com efeito, no topo da escala hierárquica das leis, por traçar as normas fundamentais do Estado.
b) Leis complementares — são as que se situam entre a norma constitucional e a lei ordinária, porque
tratam de matérias especiais, que não podem ser deliberadas em leis ordinárias e cuja aprovação exige
quorum especial (CF, arts. 59, parágrafo único, e 69). Destinam-se à regulamentação de textos
constitucionais, quando o direito definido não é auto executável e há necessidade de se estabelecerem
os requisitos e forma de sua aquisição e exercício. Sobrepõem-se às ordinárias, que não podem contrariá-
las.
Projetos de lei complementar estão entre os que requerem maioria absoluta da composição da Casa. A
maioria absoluta é definida como o primeiro número inteiro superior à metade. No caso do Senado, são
81 senadores, a metade é 40,5; portanto, o primeiro número superior é 41.Fonte: Agência Senado
c) Leis ordinárias — são as que emanam dos órgãos investidos de função legislativa pela Constituição
Federal, mediante discussão e aprovação de projetos de lei submetidos às duas Casas do Congresso
(SENADO e CÂMARA) e, posteriormente, à sanção e promulgação do Presidente da República e
publicação no Diário Oficial da União.
16. d) Leis delegadas — são elaboradas pelo Executivo (Presidente da República),
por autorização expressa do Legislativo, tendo a mesma posição hierárquica
das ordinárias (CF, art. 68, §§ 1º a 3º). Requisito é a relevância e urgência.
e) Medidas provisórias — estão situadas no mesmo plano das ordinárias e
das delegadas, são propriamente leis. São editadas pelo Poder Executivo (CF,
art. 84, XXVI), que exerce função normativa, nos casos previstos na
Constituição Federal.
Quanto à competência ou extensão territorial em: a) Leis federais — são as
da competência da União Federal, votadas pelo Congresso Nacional, com
incidência sobre todo o território nacional; b) Leis estaduais — são as
aprovadas pelas Assembleias Legislativas, com aplicação restrita à
circunscrição territorial do Estado-membro a que pertencem; c) Leis
municipais — são as editadas pelas Câmaras Municipais, com aplicação
circunscrita aos limites territoriais dos respectivos municípios.
17. Início da vigência
O processo de criação da lei passa por três fases: a da elaboração, a da
promulgação e a da publicação. Embora nasça com a promulgação, só
começa a vigorar com sua publicação no Diário Oficial. Com a publicação,
tem-se o início da vigência, tornando-se obrigatória, pois ninguém pode
escusar-se de cumpri-la alegando que não a conhece (LINDB, art. 3º).
Terminado o processo de sua produção, a norma já é válida. A vigência se
inicia com a publicação e se estende até sua revogação, ou até o prazo
estabelecido para sua validade.
Segundo dispõe o art. 1º da Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro, a lei, salvo disposição contrária, “começa a vigorar em todo o País
45 (quarenta e cinco) dias depois de oficialmente publicada”. Portanto, a
obrigatoriedade da lei não se inicia no dia da publicação, salvo se ela
própria assim o determinar. Pode, desse modo, entrar em vigor na
data de sua publicação ou em outra mais remota, conforme constar
expressamente de seu texto. Se nada dispuser a esse respeito, aplica-
se a regra do art. 1º supramencionado.
18. O intervalo entre a data de sua publicação e a sua entrada em vigor
denomina-se vacatio legis.
Se durante a vacatio legis ocorrer nova publicação de seu texto, para
correção de erros materiais ou falha de ortografia, o prazo da
obrigatoriedade começará a correr da nova publicação (LINDB art. 1º, §
3º). O novo prazo para entrada em vigor da lei só corre para a parte
corrigida ou emendada, ou seja, apenas os artigos republicados terão
prazo de vigência contado da nova publicação, para que o texto correto
seja conhecido, sem necessidade de que se vote nova lei. Os direitos e
obrigações baseados no texto legal publicado hão de ser respeitados.
Se a lei já entrou em vigor, tais correções são consideradas lei nova,
tornando-se obrigatória após o decurso da vacatio legis (LINDB, art. 1º,
§ 4º).
19. A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de
vacância “far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo,
entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral” (art. 8º, § 1º, da
LC n. 95/98, com redação da LC n. 107/2001). Nessa conformidade, se a lei foi
publicada no dia 10 de janeiro de 2002, como ocorreu com o Código Civil de 2002,
o primeiro dia do prazo foi 10 de janeiro e o último, sendo o prazo de um ano, 10
de janeiro do ano seguinte. E, assim, o novo Código entrou em vigor no dia 11 de
janeiro de 2003.
A analogia Há uma hierarquia na utilização desses mecanismos em casos de
lacunas na lei, figurando a analogia em primeiro lugar. Somente podem ser
utilizados os demais se a analogia não puder ser aplicada. Isso porque o direito
brasileiro consagra a supremacia da lei escrita. Quando o juiz utiliza-se da analogia
para solucionar determinado caso concreto, não está apartando-se da lei, mas
aplicando à hipótese não prevista em lei um dispositivo legal relativo a caso
semelhante. Nisso se resume o emprego da analogia, que consiste em aplicar a
caso não previsto a norma legal concernente a uma hipótese análoga prevista e,
por isso mesmo, tipificada.
20. O costume é, também, fonte supletiva em nosso sistema jurídico,
porém está colocado em plano secundário, em relação à lei. O juiz só
pode recorrer a ele depois de esgotadas as possibilidades de suprir a
lacuna pelo emprego da analogia. Daí dizer-se que o costume se
caracteriza como fonte subsidiária ou fonte supletiva. Difere da lei
quanto à origem, posto que esta nasce de um processo legislativo,
tendo origem certa e determinada, enquanto o costume tem origem
incerta e imprevista. Distinguem-se, ainda, no tocante à forma, pois a
lei apresenta-se sempre como texto escrito, enquanto o costume é
direito não escrito, consuetudinário, salvo no caso de sua consolidação
ou de recolhimento em repositórios em que possam ser consultadas.
21. Os princípios gerais de direito
Não encontrando solução na analogia, nem nos costumes, para
preenchimento da lacuna, o juiz deve buscá-la nos princípios gerais de
direito. São estes constituídos de regras que se encontram na
consciência dos povos e são universalmente aceitas, mesmo não
escritas. Tais regras, de caráter genérico, orientam a compreensão do
sistema jurídico, em sua aplicação e integração, estejam ou não
incluídas no direito positivo. Muitas delas passaram a integrar o nosso
direito positivo, como a de que “ninguém pode lesar a outrem” (CC,
art. 186), a que veda o enriquecimento sem causa (arts. 1.216, 1.220,
1.255, 876 etc.), a que não admite escusa de não cumprimento da lei
por não conhecê-la (LINDB, art. 3º).
22. A equidade não constitui meio supletivo de lacuna da lei, sendo mero
recurso auxiliar da aplicação desta. Não considerada em sua acepção lata,
quando se confunde com o ideal de justiça, mas em sentido estrito, é
empregada quando a própria lei cria espaços ou lacunas para o juiz formular
a norma mais adequada ao caso. É utilizada quando a lei expressamente o
permite. Prescreve o art. 127 do Código de Processo Civil que o “juiz só
decidirá por equidade nos casos previstos em lei”. Isso ocorre geralmente
nos casos de conceitos vagos ou quando a lei formula várias alternativas e
deixa a escolha a critério do juiz. Como exemplos podem ser citados o art.
1.586 do Código Civil, que autoriza o juiz a regular por maneira diferente dos
critérios legais a situação dos filhos em relação aos pais, se houver motivos
graves e a bem do menor; e o art. 1.740, II, que permite ao tutor reclamar do
juiz que providencie, “como houver por bem”, quando o menor tutelado haja
mister correção, dentre outros.
A equidade está ínsita no art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro, quando este recomenda ao juiz que atenda, ao aplicar a lei, aos
fins sociais a que ela se destina, adequando-a às exigências oriundas das
mutações sociais, e às exigências do bem comum.
23. Conflito das leis no tempo
As leis são elaboradas para, em regra, valer para o futuro. Quando a lei
é modificada por outra e já se haviam formado relações jurídicas na
vigência da lei anterior, pode instaurar se o conflito das leis no tempo.
A dúvida dirá respeito à aplicação ou não da lei nova às situações
anteriormente constituídas. Para solucionar tal questão, são utilizados
dois critérios: o das disposições transitórias e o da irretroatividade das
normas. Disposições transitórias são elaboradas pelo legislador, no
próprio texto normativo, destinadas a evitar e a solucionar conflitos
que poderão emergir do confronto da nova lei com a antiga, tendo
vigência temporária
24. O Código Civil de 2002, por exemplo, no livro complementar “Das disposições
finais e transitórias” (arts. 2.028 a 2.046), contém vários dispositivos com esse
objetivo, sendo de se destacar o art. 2.028, que regula a contagem dos prazos
quando reduzidos pelo novo diploma, e o art. 2.035 (vide), concernente à validade
dos negócios jurídicos constituídos antes de sua entrada em vigor.
Acolheu-se a teoria subjetiva de Gabba, de completo respeito ao ato jurídico
perfeito, ao direito adquirido e à coisa julgada. Assim, como regra, aplica-se a lei
nova aos casos pendentes (facta pendentia) e aos futuros (facta futura), só
podendo ser retroativa, para atingir fatos já consumados, pretéritos (facta
praeterita), quando: a) não ofender o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a
coisa julgada; b) quando o legislador, expressamente, mandar aplicá-la a casos
pretéritos, mesmo que a palavra “retroatividade” não seja usada.
Ato jurídico perfeito é o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se
efetuou (LINDB art. 6º, § 1º), produzindo seus efeitos jurídicos, uma vez que o
direito gerado foi exercido. Direito adquirido é o que já se incorporou
definitivamente ao patrimônio e à personalidade de seu titular, não podendo lei
nem fato posterior alterar tal situação jurídica. Coisa julgada é a imutabilidade dos
efeitos da sentença, não mais sujeita a recursos
25. Pode-se resumidamente dizer que o sistema jurídico brasileiro contém as
seguintes regras sobre essa matéria: a) são de ordem constitucional os
princípios da irretroatividade da lei nova e do respeito ao direito adquirido;
b) esses dois princípios obrigam ao legislador e ao juiz; c) a regra, no silêncio
da lei, é a irretroatividade; d) pode haver retroatividade expressa, desde que
não atinja direito adquirido; e) a lei nova tem efeito imediato, não se
aplicando aos fatos anteriores.
Eficácia da lei no espaço
Pelo sistema da territorialidade, a norma jurídica aplica-se no território do
Estado, estendendo-se às embaixadas, consulados, navios de guerra onde
quer se encontrem, navios mercantes em águas territoriais ou em alto-mar,
navios estrangeiros (menos os de guerra em águas territoriais), aeronaves no
espaço aéreo do Estado e barcos de guerra onde quer que se encontrem. O
Brasil segue o sistema da territorialidade moderada.
26. Denomina-se estatuto pessoal a situação jurídica que rege o estrangeiro pelas leis
de seu país de origem. Baseia-se ele na lei da nacionalidade ou na lei do domicílio.
Dispõe, com efeito, o art. 7º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro:
“A lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo
e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família” .
Verifica-se que, pela atual Lei de Introdução, o estatuto pessoal funda-se na lei do
domicílio, na lei do país onde a pessoa é domiciliada (STF, Súmula 381), ao
contrário da anterior, que se baseava na nacionalidade. Em determinados casos, o
juiz aplicará o direito alienígena (outro país), em vez do direito interno.
Por exemplo, se uma brasileira e um estrangeiro residente em seu país
pretenderem casar-se no Brasil, tendo ambos vinte anos de idade, e a lei do país de
origem do noivo exigir o consentimento dos pais para o casamento de menores de
vinte e dois anos, como acontece na Argentina, precisará ele exibir tal autorização,
por aplicar-se no Brasil a lei de seu domicílio.
No entanto, dispensável será tal autorização se o noivo estrangeiro aqui tiver
domicílio. Aplicar-se-á a lei brasileira, porque o casamento realizar-se-á no Brasil e
o estrangeiro encontra-se aqui domiciliado.