SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 5
Baixar para ler offline
Em pílulas
Edição em 92 tópicos da versão preliminar integral do livro de Augusto de
Franco (2011), FLUZZ: Vida humana e convivência social nos novos mundos
altamente conectados do terceiro milênio




                             45
                (Corresponde ao nono tópico do Capítulo 7,
             intitulado Alterando a estrutura das sociosferas)




             Não há uma ordem pré-existente

A ordem está sempre sendo criada no presente da interação

O reflorescimento das idéias espiritualistas que ocorreu na New Age
provocou uma bateria de ondas que continuam até hoje quebrando nas
praias dos buscadores de todos os matizes, mais de quarenta anos depois
(se bem que, agora, já com intensidade bastante reduzida). As pessoas
que, nas mais diversas situações, procuravam um sentido para suas vidas,
tanto em experiências meditativas de recolhimento individual, quanto em
ensaios coletivos de novos padrões de convivência social, queriam, no
fundo, viver sua espiritualidade em uma época ainda pré-fluzz, mas que já
anunciava tempos vertiginosos, de alta interatividade. E saíam então para
todo lado em busca de novos caminhos, guias e mestres.

Grande parte desses exploradores, porém, não empreendia livremente ou
sem pré-conceitos suas buscas. Estavam impregnados das idéias –
assopradas e reforçadas pelos gurus que se apresentavam em profusão –
de “um novo reino de velhos magos”. Na base das mais diversas doutrinas,
seitas, sociedades e ordens espiritualistas e ocultistas que ofereciam
naquele mercado seus produtos e serviços, havia, entretanto, uma mesma
visão básica, a qual aderiam tanto físicos e biólogos de vanguarda
interessados no diálogo entre ciência e religião quanto roqueiros, quase
todos sem prestar muita atenção aos seus pressupostos: a idéia de que
havia uma ordem implícita (ou implicada) pré-existente em alguma esfera
da realidade, oculta ou não acessível imediatamente.

Eles queriam então ter acesso a essa ordem pura, queriam estabelecer uma
sintonia com esse modelo não-manifestado, queriam atingir estados
superiores de consciência para contemplar essa espécie de Unimatrix One e,
para tanto, lançavam mão dos mais variados exercícios reflexivos, técnicas
meditativas, rituais teúrgicos, práticas mágicas e processos de iniciação.

Ainda vivemos nas bordas dessas vagas, embora a New Age não tenha
acontecido segundo o que foi previsto. O mundo único não se reencantou
com o reflorescimento de espiritualidades ancestrais. Ainda bem. Porque o
que está acontecendo nos múltiplos mundos altamente conectados é muito,
muito mais profundo, mais abrangente e mais surpreendente do que tudo
que anunciaram os gurus da nova era.

Depois dos gurus, vieram alguns hereges dizendo: não há uma ordem; se
há, foi inventada por alguém e não quero me subordinar a ela. Os pioneiros
da Internet e os visionários do ciberespaço dos anos 90 foram impelidos por
esse vento libertário, em parte sob a influência de obras disruptivas como
TAZ – Zona Autônoma Temporária (22) e CAOS – Os panfletos do
Anarquismo Ontológico (23), dois escritos seminais de Hakim Bey (1985) e
dos romances de ficção científica Neuromancer (24) de William Gibson
(1984) e Ilhas na Rede (25) de Bruce Sterling (1988) que, entre outros,
deram origem aos cyberpunks. Talvez pouca gente suspeite disso, mas essa
influência foi decisiva para a criação das ferramentas interativas que
existem hoje (inclusive para a Internet e a World Wide Web), conquanto
não se possa dizer que ela tenha durado muito. Tais pioneiros e visionários,
em boa parte, logo entraram no contra-fluzz ao fecharem suas descobertas
(construindo programas proprietários e escondendo seus algoritmos) para
acumular suas fabulosas fortunas ou ao se deixarem contaminar pelas



                                     2
idéias contraliberais que impulsionaram os movimentos antiglobalização no
dealbar dos anos 2000 sob a bandeira de que “um outro mundo é possível”.
Se um herege inventa a sua própria ordem e quer que as pessoas passem a
seguí-la – quer transformando-as em usuários cativos de seus produtos,
quer arrebanhando-as em seus movimentos supostamente transformadores
– aí já deixa de ser herege e passa a ser um sacerdote, um burocrata a
serviço da reprodução do sistema que criou.

No entanto, a despeito dessas ondas regressivas que apenas revelavam a
resiliência do velho mundo único, de suas estruturas e de suas dinâmicas, o
vento continuou a soprar.

Começaram a aparecer os que, rejeitando os títulos de mestre ou guru,
recomendavam simplesmente não-fazer nada. Já eram estes os precursores
dos novos mundos-fluzz. Porque quando se espia “do outro lado”, não se vê
ordem alguma – somente o nada, o abismo, fluzz. Fluzz significa que não
há uma ordem pre-existente em algum mundo invisível (da emanação, da
criação ou da formação). A ordem está sempre sendo criada no presente da
interação. É mais ou menos assim como imaginou Ilya Prigogine (1984),
destoando inclusive de outros cientistas envolvidos com tais especulações
(de David Bohn a Paul Davies, passando por Fritjof Capra): o universo é
criativo e “se cria à medida que avança” (26).

Novamente é o caso de dizer: bem, isso muda tudo.

Jack Kerouac e seus beatniks dos anos 50-60, Swami Satchidananda em
Woodstock, os hippies dos anos 70 e os “hippies” tardios dos 80, talvez
tenham pressentido isso, mas não podiam ter um entendimento do que
estava vindo. O próprio Peter Lamborn Wilson (Hakim Bey) e os cyberpunks
talvez tenham apenas sentido o sopro, sem chegarem a ver de onde (e para
onde) ele soprava. Pierre Levy (2000), em uma corajosa jornada
introspectiva, cujas notas estão no diário de bordo O fogo liberador (27)
(uma obra de inspiração heraclítica), empreendeu explorações em antigas
tradições espirituais (como o budismo e a cabala) para tentar captar-lhe o
sentido. Mas não havia sentido: “o vento sopra onde quer; você o escuta,
mas não pode dizer de onde vem, nem para onde vai” (Jo 3: 8).

Pessoas como Paul Baran (On distributed communications), Vinton Cerf
(TCP/IP), Tim Berners-Lee (WWW), Linus Torvalds (Linux) e Rob McColl
(Apache), embora aparentemente nunca tenham feito tais explorações,
contribuiram objetivamente para que hoje pudessemos reconfigurar a busca
(e talvez tenham causado um impacto mais profundo do que aqueles
provocados pelos empreendimentos proprietários fechados dos Gates, dos



                                    3
Jobs, dos Pages, dos Stones e dos Zuckerbergs e de muitos outros
trancadores de códigos que vieram ou ainda virão).

Sim, reconfigurar a busca. Em mundos altamente conectados a busca não
existe sem a polinização. Não há um mainframe (como se fosse um
diretório de registros akashikos) onde você possar buscar respostas para
suas perguntas. Se houver, tais respostas não lhe servirão. Serão respostas
do passado que foi arquivado. Revelarão ordens pregressas. Conhecimento
morto. A busca, qualquer busca, inclusive a busca espiritual, é sempre uma
interação. Nos Highly Connected Worlds toda busca é P2P: no seu mundo e
nos interworlds pelos quais você está navegando. A mesma busca, quando
repetida, fornece respostas necessariamente diferentes. E deixa o rastro da
pergunta. De sorte que as respostas são, no limite, combinações das
perguntas que estão sendo feitas. Perguntas interagindo e se polinizando
mutuamente para criar ordens inéditas.

O buscador é um polinizador. É um criador de mundos. O buscador-
polinizador é uma pessoa-fluzz. Uma pessoa-fluzz é mais ou menos o que
deveria ser uma pessoa-zen nas condições de um mundo de alta
interatividade. Mas enquanto víamos a pessoa-zen como um indivíduo-no-
caminho (conquanto ela não fosse isso realmente, posto que a descoberta-
zen é a descoberta do ‘não-caminho’), a pessoa-fluzz não pode ser vista
assim: ela é enxame. O enxame muda continuamente sua configuração, o
que significa que os caminhos também mudam continuamente com a
interação: o que era caminho em um momento já não é mais no momento
seguinte. A pessoa, como disse Protágoras (c. 430 a. E. C.) – ou a ele se
atribui – “é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são,
das coisas que não são, enquanto não são”. Assim seja (ou não-seja). Let it
be (ou not to be – o que é a mesma coisa).

Os hereges nômades que já experimentam esses novos padrões de
interação viajando pelos interworlds e “audaciosamente indo onde ninguém
jamais esteve” começam a gritar para os que teimam em juntar e colar os
cacos de céu velho que estão despregando para prorrogar a vigência do
mundo único: “– Parem com isso! Não existem mestres. Não existem guias.
Não existe caminho”.




                                    4
Notas

(22) BEY, Hakim (1985-1991). BEY, Hakim (Peter Lamborn Wilson) (1984-1990).
TAZ – Zona Autônoma Temporária. São Paulo: Coletivo Sabotagem: Contra-
Cultura, s/d.

(23) BEY, Hakim (1985). CAOS: Terrorismo poético e outros crimes exemplares.
São Paulo: Conrad, 2003.

(24) GIBSON, William (1984). Neuromancer. São Paulo: Aleph, 2008.

(25) STERLING, Bruce (1988). Piratas de dados [Péssima tradução do título Islands
in the Net]. São Paulo: Aleph, 1990.

(26) Cf. a entrevista concedida em 1984 por Ilya Prigogine à Renée Weber em
WEBER: Op.cit.

(27) LÉVY, Pierre (2000). O Fogo Liberador. São Paulo: Iluminuras, 2001.




                                        5

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Criacionismo ou Acaso?
Criacionismo ou Acaso?Criacionismo ou Acaso?
Criacionismo ou Acaso?
Elder Moraes
 
Universo, deus e o sentido da vida humana
Universo, deus e o sentido da vida humanaUniverso, deus e o sentido da vida humana
Universo, deus e o sentido da vida humana
Fernando Alcoforado
 

Mais procurados (11)

Fé e ciência cosmogonia
Fé e ciência   cosmogoniaFé e ciência   cosmogonia
Fé e ciência cosmogonia
 
Criacionismo ou Acaso?
Criacionismo ou Acaso?Criacionismo ou Acaso?
Criacionismo ou Acaso?
 
O que é criacionismo e seus pilares fundamentais
O que é criacionismo e seus pilares fundamentaisO que é criacionismo e seus pilares fundamentais
O que é criacionismo e seus pilares fundamentais
 
Kant (1) copia
Kant (1)   copiaKant (1)   copia
Kant (1) copia
 
Porquê Deus? Uma Causa Inteligente
Porquê Deus? Uma Causa InteligentePorquê Deus? Uma Causa Inteligente
Porquê Deus? Uma Causa Inteligente
 
02 genese cap 02 de 1-19 existencia de deus
02 genese cap 02 de 1-19 existencia de deus02 genese cap 02 de 1-19 existencia de deus
02 genese cap 02 de 1-19 existencia de deus
 
"Identidade Perdida", de Philip Dick, uma análiseepistemológica
"Identidade Perdida", de Philip Dick, uma análiseepistemológica"Identidade Perdida", de Philip Dick, uma análiseepistemológica
"Identidade Perdida", de Philip Dick, uma análiseepistemológica
 
Universo, deus e o sentido da vida humana
Universo, deus e o sentido da vida humanaUniverso, deus e o sentido da vida humana
Universo, deus e o sentido da vida humana
 
História da Ciência - Ciência Moderna
História da Ciência - Ciência ModernaHistória da Ciência - Ciência Moderna
História da Ciência - Ciência Moderna
 
Fisica quantica e espiritualidade pdf
Fisica quantica e espiritualidade pdfFisica quantica e espiritualidade pdf
Fisica quantica e espiritualidade pdf
 
Argumento do designio
Argumento do designioArgumento do designio
Argumento do designio
 

Destaque

Actividades mes de Diciembre
Actividades mes de DiciembreActividades mes de Diciembre
Actividades mes de Diciembre
juri123
 
A problematica do tempo nos programas de formacao docente online
A problematica do tempo nos programas de formacao docente onlineA problematica do tempo nos programas de formacao docente online
A problematica do tempo nos programas de formacao docente online
Lucila Pesce
 
David Fraser CV 2016.3
David Fraser CV 2016.3David Fraser CV 2016.3
David Fraser CV 2016.3
David Fraser
 
Autoretrato Danilo Bataguassu
Autoretrato Danilo BataguassuAutoretrato Danilo Bataguassu
Autoretrato Danilo Bataguassu
danilosanchesd
 
Delafé y las flores azules
Delafé y las flores azulesDelafé y las flores azules
Delafé y las flores azules
gcaps
 
Métodos de búsqueda
Métodos de búsquedaMétodos de búsqueda
Métodos de búsqueda
DanielaMJ
 
Paola beltran 2
Paola beltran 2Paola beltran 2
Paola beltran 2
beltranp
 
Tecnologia en inform at ica
Tecnologia en inform at icaTecnologia en inform at ica
Tecnologia en inform at ica
kevsa100
 

Destaque (20)

Actividades mes de Diciembre
Actividades mes de DiciembreActividades mes de Diciembre
Actividades mes de Diciembre
 
Grupo #6
Grupo #6Grupo #6
Grupo #6
 
Motivação
MotivaçãoMotivação
Motivação
 
Comunidade de aprendizagem
Comunidade de aprendizagemComunidade de aprendizagem
Comunidade de aprendizagem
 
A problematica do tempo nos programas de formacao docente online
A problematica do tempo nos programas de formacao docente onlineA problematica do tempo nos programas de formacao docente online
A problematica do tempo nos programas de formacao docente online
 
David Fraser CV 2016.3
David Fraser CV 2016.3David Fraser CV 2016.3
David Fraser CV 2016.3
 
Autoretrato Danilo Bataguassu
Autoretrato Danilo BataguassuAutoretrato Danilo Bataguassu
Autoretrato Danilo Bataguassu
 
Omar
OmarOmar
Omar
 
Reporte Nobleza Obliga - ¿A quien ayudaste hoy?
Reporte Nobleza Obliga - ¿A quien ayudaste hoy?Reporte Nobleza Obliga - ¿A quien ayudaste hoy?
Reporte Nobleza Obliga - ¿A quien ayudaste hoy?
 
Delafé y las flores azules
Delafé y las flores azulesDelafé y las flores azules
Delafé y las flores azules
 
Inteligencias multiples
Inteligencias multiplesInteligencias multiples
Inteligencias multiples
 
Métodos de búsqueda
Métodos de búsquedaMétodos de búsqueda
Métodos de búsqueda
 
Paola beltran 2
Paola beltran 2Paola beltran 2
Paola beltran 2
 
Violencia juvenil
Violencia juvenilViolencia juvenil
Violencia juvenil
 
Fluzz & Escola
Fluzz & EscolaFluzz & Escola
Fluzz & Escola
 
Tecnologia en inform at ica
Tecnologia en inform at icaTecnologia en inform at ica
Tecnologia en inform at ica
 
Ut 1 1 relación_laboral
Ut 1 1  relación_laboralUt 1 1  relación_laboral
Ut 1 1 relación_laboral
 
Seminario nº1
Seminario nº1Seminario nº1
Seminario nº1
 
Pdf...EdiçãO 4
Pdf...EdiçãO 4Pdf...EdiçãO 4
Pdf...EdiçãO 4
 
Guia de financiamiento colectivo - Nobleza Obliga
Guia de financiamiento colectivo - Nobleza ObligaGuia de financiamiento colectivo - Nobleza Obliga
Guia de financiamiento colectivo - Nobleza Obliga
 

Semelhante a Fluzz pilulas 45

Livro anjos-decaidos-jeane-miranda-de-sousa
Livro anjos-decaidos-jeane-miranda-de-sousaLivro anjos-decaidos-jeane-miranda-de-sousa
Livro anjos-decaidos-jeane-miranda-de-sousa
Alessandra F. Torres
 

Semelhante a Fluzz pilulas 45 (20)

Fluzz pilulas 44
Fluzz pilulas 44Fluzz pilulas 44
Fluzz pilulas 44
 
Fluzz capítulo 11
Fluzz capítulo 11Fluzz capítulo 11
Fluzz capítulo 11
 
Fluzz pilulas 65
Fluzz pilulas 65Fluzz pilulas 65
Fluzz pilulas 65
 
Para entrar no terceiro milênio
Para entrar no terceiro milênioPara entrar no terceiro milênio
Para entrar no terceiro milênio
 
Fluzz pilulas 86
Fluzz pilulas 86Fluzz pilulas 86
Fluzz pilulas 86
 
Fluzz pilulas 33
Fluzz pilulas 33Fluzz pilulas 33
Fluzz pilulas 33
 
Série FLUZZ Volume 5 SEM RELIGIÃO E SEM IGREJA
Série FLUZZ Volume 5 SEM RELIGIÃO E SEM IGREJASérie FLUZZ Volume 5 SEM RELIGIÃO E SEM IGREJA
Série FLUZZ Volume 5 SEM RELIGIÃO E SEM IGREJA
 
Bem-vindos aos novos mundos-fluzz
Bem-vindos aos novos mundos-fluzzBem-vindos aos novos mundos-fluzz
Bem-vindos aos novos mundos-fluzz
 
Série FLUZZ Volume 3 PARA ENTRAR NO TERCEIRO MILÊNIO
Série FLUZZ Volume 3 PARA ENTRAR NO TERCEIRO MILÊNIOSérie FLUZZ Volume 3 PARA ENTRAR NO TERCEIRO MILÊNIO
Série FLUZZ Volume 3 PARA ENTRAR NO TERCEIRO MILÊNIO
 
Aula 003 - Curso Básico de Espiritismo 2022
Aula 003 - Curso Básico de Espiritismo 2022Aula 003 - Curso Básico de Espiritismo 2022
Aula 003 - Curso Básico de Espiritismo 2022
 
Fluzz capítulo 4
Fluzz capítulo 4Fluzz capítulo 4
Fluzz capítulo 4
 
Fluzz pilulas 34
Fluzz pilulas 34Fluzz pilulas 34
Fluzz pilulas 34
 
Itens_2_3_a_2_5_Cosmogênese_Parte_2_Conceitos_Fundamentais_de_A.pptx
Itens_2_3_a_2_5_Cosmogênese_Parte_2_Conceitos_Fundamentais_de_A.pptxItens_2_3_a_2_5_Cosmogênese_Parte_2_Conceitos_Fundamentais_de_A.pptx
Itens_2_3_a_2_5_Cosmogênese_Parte_2_Conceitos_Fundamentais_de_A.pptx
 
Sugestão Jornada 2008 Apocalipse E Os Problemas Humanos
Sugestão   Jornada 2008   Apocalipse E Os Problemas HumanosSugestão   Jornada 2008   Apocalipse E Os Problemas Humanos
Sugestão Jornada 2008 Apocalipse E Os Problemas Humanos
 
Mae 2,3,4
Mae 2,3,4Mae 2,3,4
Mae 2,3,4
 
Trabalho de Metodologia
Trabalho de MetodologiaTrabalho de Metodologia
Trabalho de Metodologia
 
Série FLUZZ Volume 9 BEM-VINDOS AOS NOVOS MUNDOS-FLUZZ
Série FLUZZ Volume 9 BEM-VINDOS AOS NOVOS MUNDOS-FLUZZSérie FLUZZ Volume 9 BEM-VINDOS AOS NOVOS MUNDOS-FLUZZ
Série FLUZZ Volume 9 BEM-VINDOS AOS NOVOS MUNDOS-FLUZZ
 
Livro anjos-decaidos-jeane-miranda-de-sousa
Livro anjos-decaidos-jeane-miranda-de-sousaLivro anjos-decaidos-jeane-miranda-de-sousa
Livro anjos-decaidos-jeane-miranda-de-sousa
 
Jornada 2008 apocalipse e os problemas humanos
Jornada 2008   apocalipse e os problemas humanosJornada 2008   apocalipse e os problemas humanos
Jornada 2008 apocalipse e os problemas humanos
 
Fluzz capítulo 6
Fluzz capítulo 6Fluzz capítulo 6
Fluzz capítulo 6
 

Mais de augustodefranco .

Mais de augustodefranco . (20)

Franco, Augusto (2017) Conservadorismo, liberalismo econômico e democracia
Franco, Augusto (2017) Conservadorismo, liberalismo econômico e democraciaFranco, Augusto (2017) Conservadorismo, liberalismo econômico e democracia
Franco, Augusto (2017) Conservadorismo, liberalismo econômico e democracia
 
Franco, Augusto (2018) Os diferentes adversários da democracia no brasil
Franco, Augusto (2018) Os diferentes adversários da democracia no brasilFranco, Augusto (2018) Os diferentes adversários da democracia no brasil
Franco, Augusto (2018) Os diferentes adversários da democracia no brasil
 
Hiérarchie
Hiérarchie Hiérarchie
Hiérarchie
 
A democracia sob ataque terá de ser reinventada
A democracia sob ataque terá de ser reinventadaA democracia sob ataque terá de ser reinventada
A democracia sob ataque terá de ser reinventada
 
JERARQUIA
JERARQUIAJERARQUIA
JERARQUIA
 
Algumas notas sobre os desafios de empreender em rede
Algumas notas sobre os desafios de empreender em redeAlgumas notas sobre os desafios de empreender em rede
Algumas notas sobre os desafios de empreender em rede
 
AS EMPRESAS DIANTE DA CRISE
AS EMPRESAS DIANTE DA CRISEAS EMPRESAS DIANTE DA CRISE
AS EMPRESAS DIANTE DA CRISE
 
APRENDIZAGEM OU DERIVA ONTOGENICA
APRENDIZAGEM OU DERIVA ONTOGENICA APRENDIZAGEM OU DERIVA ONTOGENICA
APRENDIZAGEM OU DERIVA ONTOGENICA
 
CONDORCET, Marquês de (1792). Relatório de projeto de decreto sobre a organiz...
CONDORCET, Marquês de (1792). Relatório de projeto de decreto sobre a organiz...CONDORCET, Marquês de (1792). Relatório de projeto de decreto sobre a organiz...
CONDORCET, Marquês de (1792). Relatório de projeto de decreto sobre a organiz...
 
NIETZSCHE, Friederich (1888). Os "melhoradores" da humanidade, Parte 2 e O qu...
NIETZSCHE, Friederich (1888). Os "melhoradores" da humanidade, Parte 2 e O qu...NIETZSCHE, Friederich (1888). Os "melhoradores" da humanidade, Parte 2 e O qu...
NIETZSCHE, Friederich (1888). Os "melhoradores" da humanidade, Parte 2 e O qu...
 
100 DIAS DE VERÃO BOOK DO PROGRAMA
100 DIAS DE VERÃO BOOK DO PROGRAMA100 DIAS DE VERÃO BOOK DO PROGRAMA
100 DIAS DE VERÃO BOOK DO PROGRAMA
 
Nunca a humanidade dependeu tanto da rede social
Nunca a humanidade dependeu tanto da rede socialNunca a humanidade dependeu tanto da rede social
Nunca a humanidade dependeu tanto da rede social
 
Um sistema estatal de participação social?
Um sistema estatal de participação social?Um sistema estatal de participação social?
Um sistema estatal de participação social?
 
Quando as eleições conspiram contra a democracia
Quando as eleições conspiram contra a democraciaQuando as eleições conspiram contra a democracia
Quando as eleições conspiram contra a democracia
 
100 DIAS DE VERÃO
100 DIAS DE VERÃO100 DIAS DE VERÃO
100 DIAS DE VERÃO
 
Democracia cooperativa: escritos políticos escolhidos de John Dewey
Democracia cooperativa: escritos políticos escolhidos de John DeweyDemocracia cooperativa: escritos políticos escolhidos de John Dewey
Democracia cooperativa: escritos políticos escolhidos de John Dewey
 
MULTIVERSIDADE NA ESCOLA
MULTIVERSIDADE NA ESCOLAMULTIVERSIDADE NA ESCOLA
MULTIVERSIDADE NA ESCOLA
 
DEMOCRACIA E REDES SOCIAIS
DEMOCRACIA E REDES SOCIAISDEMOCRACIA E REDES SOCIAIS
DEMOCRACIA E REDES SOCIAIS
 
RELATÓRIO DO HUMAN RIGHTS WATCH SOBRE A VENEZUELA
RELATÓRIO DO HUMAN RIGHTS WATCH SOBRE A VENEZUELARELATÓRIO DO HUMAN RIGHTS WATCH SOBRE A VENEZUELA
RELATÓRIO DO HUMAN RIGHTS WATCH SOBRE A VENEZUELA
 
Diálogo democrático: um manual para practicantes
Diálogo democrático: um manual para practicantesDiálogo democrático: um manual para practicantes
Diálogo democrático: um manual para practicantes
 

Último

Último (6)

ATIVIDADE 1 - CUSTOS DE PRODUÇÃO - 52_2024.docx
ATIVIDADE 1 - CUSTOS DE PRODUÇÃO - 52_2024.docxATIVIDADE 1 - CUSTOS DE PRODUÇÃO - 52_2024.docx
ATIVIDADE 1 - CUSTOS DE PRODUÇÃO - 52_2024.docx
 
ATIVIDADE 1 - ESTRUTURA DE DADOS II - 52_2024.docx
ATIVIDADE 1 - ESTRUTURA DE DADOS II - 52_2024.docxATIVIDADE 1 - ESTRUTURA DE DADOS II - 52_2024.docx
ATIVIDADE 1 - ESTRUTURA DE DADOS II - 52_2024.docx
 
ATIVIDADE 1 - GCOM - GESTÃO DA INFORMAÇÃO - 54_2024.docx
ATIVIDADE 1 - GCOM - GESTÃO DA INFORMAÇÃO - 54_2024.docxATIVIDADE 1 - GCOM - GESTÃO DA INFORMAÇÃO - 54_2024.docx
ATIVIDADE 1 - GCOM - GESTÃO DA INFORMAÇÃO - 54_2024.docx
 
Boas práticas de programação com Object Calisthenics
Boas práticas de programação com Object CalisthenicsBoas práticas de programação com Object Calisthenics
Boas práticas de programação com Object Calisthenics
 
ATIVIDADE 1 - LOGÍSTICA EMPRESARIAL - 52_2024.docx
ATIVIDADE 1 - LOGÍSTICA EMPRESARIAL - 52_2024.docxATIVIDADE 1 - LOGÍSTICA EMPRESARIAL - 52_2024.docx
ATIVIDADE 1 - LOGÍSTICA EMPRESARIAL - 52_2024.docx
 
Padrões de Projeto: Proxy e Command com exemplo
Padrões de Projeto: Proxy e Command com exemploPadrões de Projeto: Proxy e Command com exemplo
Padrões de Projeto: Proxy e Command com exemplo
 

Fluzz pilulas 45

  • 1. Em pílulas Edição em 92 tópicos da versão preliminar integral do livro de Augusto de Franco (2011), FLUZZ: Vida humana e convivência social nos novos mundos altamente conectados do terceiro milênio 45 (Corresponde ao nono tópico do Capítulo 7, intitulado Alterando a estrutura das sociosferas) Não há uma ordem pré-existente A ordem está sempre sendo criada no presente da interação O reflorescimento das idéias espiritualistas que ocorreu na New Age provocou uma bateria de ondas que continuam até hoje quebrando nas praias dos buscadores de todos os matizes, mais de quarenta anos depois (se bem que, agora, já com intensidade bastante reduzida). As pessoas que, nas mais diversas situações, procuravam um sentido para suas vidas, tanto em experiências meditativas de recolhimento individual, quanto em ensaios coletivos de novos padrões de convivência social, queriam, no fundo, viver sua espiritualidade em uma época ainda pré-fluzz, mas que já
  • 2. anunciava tempos vertiginosos, de alta interatividade. E saíam então para todo lado em busca de novos caminhos, guias e mestres. Grande parte desses exploradores, porém, não empreendia livremente ou sem pré-conceitos suas buscas. Estavam impregnados das idéias – assopradas e reforçadas pelos gurus que se apresentavam em profusão – de “um novo reino de velhos magos”. Na base das mais diversas doutrinas, seitas, sociedades e ordens espiritualistas e ocultistas que ofereciam naquele mercado seus produtos e serviços, havia, entretanto, uma mesma visão básica, a qual aderiam tanto físicos e biólogos de vanguarda interessados no diálogo entre ciência e religião quanto roqueiros, quase todos sem prestar muita atenção aos seus pressupostos: a idéia de que havia uma ordem implícita (ou implicada) pré-existente em alguma esfera da realidade, oculta ou não acessível imediatamente. Eles queriam então ter acesso a essa ordem pura, queriam estabelecer uma sintonia com esse modelo não-manifestado, queriam atingir estados superiores de consciência para contemplar essa espécie de Unimatrix One e, para tanto, lançavam mão dos mais variados exercícios reflexivos, técnicas meditativas, rituais teúrgicos, práticas mágicas e processos de iniciação. Ainda vivemos nas bordas dessas vagas, embora a New Age não tenha acontecido segundo o que foi previsto. O mundo único não se reencantou com o reflorescimento de espiritualidades ancestrais. Ainda bem. Porque o que está acontecendo nos múltiplos mundos altamente conectados é muito, muito mais profundo, mais abrangente e mais surpreendente do que tudo que anunciaram os gurus da nova era. Depois dos gurus, vieram alguns hereges dizendo: não há uma ordem; se há, foi inventada por alguém e não quero me subordinar a ela. Os pioneiros da Internet e os visionários do ciberespaço dos anos 90 foram impelidos por esse vento libertário, em parte sob a influência de obras disruptivas como TAZ – Zona Autônoma Temporária (22) e CAOS – Os panfletos do Anarquismo Ontológico (23), dois escritos seminais de Hakim Bey (1985) e dos romances de ficção científica Neuromancer (24) de William Gibson (1984) e Ilhas na Rede (25) de Bruce Sterling (1988) que, entre outros, deram origem aos cyberpunks. Talvez pouca gente suspeite disso, mas essa influência foi decisiva para a criação das ferramentas interativas que existem hoje (inclusive para a Internet e a World Wide Web), conquanto não se possa dizer que ela tenha durado muito. Tais pioneiros e visionários, em boa parte, logo entraram no contra-fluzz ao fecharem suas descobertas (construindo programas proprietários e escondendo seus algoritmos) para acumular suas fabulosas fortunas ou ao se deixarem contaminar pelas 2
  • 3. idéias contraliberais que impulsionaram os movimentos antiglobalização no dealbar dos anos 2000 sob a bandeira de que “um outro mundo é possível”. Se um herege inventa a sua própria ordem e quer que as pessoas passem a seguí-la – quer transformando-as em usuários cativos de seus produtos, quer arrebanhando-as em seus movimentos supostamente transformadores – aí já deixa de ser herege e passa a ser um sacerdote, um burocrata a serviço da reprodução do sistema que criou. No entanto, a despeito dessas ondas regressivas que apenas revelavam a resiliência do velho mundo único, de suas estruturas e de suas dinâmicas, o vento continuou a soprar. Começaram a aparecer os que, rejeitando os títulos de mestre ou guru, recomendavam simplesmente não-fazer nada. Já eram estes os precursores dos novos mundos-fluzz. Porque quando se espia “do outro lado”, não se vê ordem alguma – somente o nada, o abismo, fluzz. Fluzz significa que não há uma ordem pre-existente em algum mundo invisível (da emanação, da criação ou da formação). A ordem está sempre sendo criada no presente da interação. É mais ou menos assim como imaginou Ilya Prigogine (1984), destoando inclusive de outros cientistas envolvidos com tais especulações (de David Bohn a Paul Davies, passando por Fritjof Capra): o universo é criativo e “se cria à medida que avança” (26). Novamente é o caso de dizer: bem, isso muda tudo. Jack Kerouac e seus beatniks dos anos 50-60, Swami Satchidananda em Woodstock, os hippies dos anos 70 e os “hippies” tardios dos 80, talvez tenham pressentido isso, mas não podiam ter um entendimento do que estava vindo. O próprio Peter Lamborn Wilson (Hakim Bey) e os cyberpunks talvez tenham apenas sentido o sopro, sem chegarem a ver de onde (e para onde) ele soprava. Pierre Levy (2000), em uma corajosa jornada introspectiva, cujas notas estão no diário de bordo O fogo liberador (27) (uma obra de inspiração heraclítica), empreendeu explorações em antigas tradições espirituais (como o budismo e a cabala) para tentar captar-lhe o sentido. Mas não havia sentido: “o vento sopra onde quer; você o escuta, mas não pode dizer de onde vem, nem para onde vai” (Jo 3: 8). Pessoas como Paul Baran (On distributed communications), Vinton Cerf (TCP/IP), Tim Berners-Lee (WWW), Linus Torvalds (Linux) e Rob McColl (Apache), embora aparentemente nunca tenham feito tais explorações, contribuiram objetivamente para que hoje pudessemos reconfigurar a busca (e talvez tenham causado um impacto mais profundo do que aqueles provocados pelos empreendimentos proprietários fechados dos Gates, dos 3
  • 4. Jobs, dos Pages, dos Stones e dos Zuckerbergs e de muitos outros trancadores de códigos que vieram ou ainda virão). Sim, reconfigurar a busca. Em mundos altamente conectados a busca não existe sem a polinização. Não há um mainframe (como se fosse um diretório de registros akashikos) onde você possar buscar respostas para suas perguntas. Se houver, tais respostas não lhe servirão. Serão respostas do passado que foi arquivado. Revelarão ordens pregressas. Conhecimento morto. A busca, qualquer busca, inclusive a busca espiritual, é sempre uma interação. Nos Highly Connected Worlds toda busca é P2P: no seu mundo e nos interworlds pelos quais você está navegando. A mesma busca, quando repetida, fornece respostas necessariamente diferentes. E deixa o rastro da pergunta. De sorte que as respostas são, no limite, combinações das perguntas que estão sendo feitas. Perguntas interagindo e se polinizando mutuamente para criar ordens inéditas. O buscador é um polinizador. É um criador de mundos. O buscador- polinizador é uma pessoa-fluzz. Uma pessoa-fluzz é mais ou menos o que deveria ser uma pessoa-zen nas condições de um mundo de alta interatividade. Mas enquanto víamos a pessoa-zen como um indivíduo-no- caminho (conquanto ela não fosse isso realmente, posto que a descoberta- zen é a descoberta do ‘não-caminho’), a pessoa-fluzz não pode ser vista assim: ela é enxame. O enxame muda continuamente sua configuração, o que significa que os caminhos também mudam continuamente com a interação: o que era caminho em um momento já não é mais no momento seguinte. A pessoa, como disse Protágoras (c. 430 a. E. C.) – ou a ele se atribui – “é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são”. Assim seja (ou não-seja). Let it be (ou not to be – o que é a mesma coisa). Os hereges nômades que já experimentam esses novos padrões de interação viajando pelos interworlds e “audaciosamente indo onde ninguém jamais esteve” começam a gritar para os que teimam em juntar e colar os cacos de céu velho que estão despregando para prorrogar a vigência do mundo único: “– Parem com isso! Não existem mestres. Não existem guias. Não existe caminho”. 4
  • 5. Notas (22) BEY, Hakim (1985-1991). BEY, Hakim (Peter Lamborn Wilson) (1984-1990). TAZ – Zona Autônoma Temporária. São Paulo: Coletivo Sabotagem: Contra- Cultura, s/d. (23) BEY, Hakim (1985). CAOS: Terrorismo poético e outros crimes exemplares. São Paulo: Conrad, 2003. (24) GIBSON, William (1984). Neuromancer. São Paulo: Aleph, 2008. (25) STERLING, Bruce (1988). Piratas de dados [Péssima tradução do título Islands in the Net]. São Paulo: Aleph, 1990. (26) Cf. a entrevista concedida em 1984 por Ilya Prigogine à Renée Weber em WEBER: Op.cit. (27) LÉVY, Pierre (2000). O Fogo Liberador. São Paulo: Iluminuras, 2001. 5