Este documento apresenta as comunicações do I Encontro Internacional de Literacia Familiar realizado na Escola Superior de Educação de Coimbra em Novembro de 2009. O encontro discutiu a importância da educação de adultos no sucesso escolar das crianças. O documento inclui artigos sobre a génese do insucesso escolar, a história da educação em Portugal, literacia familiar e fatores que motivam os adultos. Fornece uma visão geral das discussões do encontro sobre como a educação de adultos pode melhorar as práticas
Estudar, para quê? Ciência, para quê? Parte 1 e Parte 2
Educação adultos sucesso escolar filhos
1. 2
Lucília Salgado (coord.)
A Educação de Adultos :
uma dupla
oportunidade
na família
Perspectivas e Reflexões
2.
3. LISBOA, 2010
A Educação de Adultos :
uma dupla
oportunidade
na família
Textos apresentados no I Encontro Internacional de Literacia Familiar
Lucília Salgado, António Candeias, Lourdes Mata, Susana Coimbra,
Ana Teberosky, Núria Ribera, Michael F. DiPaola, Manuela Castro Neves,
Cristina Pinto, Joana Cruz, Catarina Costa, Célia Silva, Micaela Silva,
Patrícia Pinto, Sara Almeida, Tânia Santos, Pierre Dominicé, Patrícia Ávila,
Cláudia Andrade, Carolina Cardoso, Joana Ferreira
Perspectivas e Reflexões
4. Ficha Técnica
Título:
A Educação de Adultos:
uma dupla oportunidade na família
Editor:
Agência Nacional para a Qualificação, I.P.
(1ª edição, Dezembro 2010)
Coordenação
Lucília Salgado
Autores
Lucília Salgado, António Candeias, Lourdes Mata,
Susana Coimbra, Ana Teberosky, Núria Ribera,
Michael F. DiPaola, Manuela Castro Neves,
Cristina Pinto, Joana Cruz, Catarina Costa, Célia Silva,
Micaela Silva, Patrícia Pinto, Sara Almeida, Tânia Santos,
Pierre Dominicé, Patrícia Ávila, Cláudia Andrade,
Carolina Cardoso, Joana Ferreira
Organização
Lucília Salgado, Cláudia Andrade, Joana Ferreira
e Carolina Cardoso
Design Gráfico:
Modjo Design, Lda.
Adaptação do Design Gráfico e Paginação:
Regina Andrade
Revisão:
ANQ, I.P.
Execução Gráfica: Biblioteca Nacional de Portugal – Catalogação na Publicação
Eurodois, Lda.
Depósito Legal: A EDUCAÇÃO DE ADULTOS
000 000/00 A educação de adultos : uma dupla oportunidade nas famílias /
Lucília Salgado...[et al.]. – (Perspectivas e reflexões ; 2)
ISBN 978-972-8743-68-0
Tiragem:
1 500 exemplares I - SALGADO, Lucília
ISBN: CDU 374
978-972-8743-68-0 331
Agência Nacional para a Qualificação, I.P.
Av. 24 de Julho, nº138 1399-026 Lisboa Tel. 213 943 700 Fax. 213 943 799 www.anq.gov.pt
5. ÍNDICE
Prefácio 5
Maria do Carmo Gomes 00
Agência Nacional para a Qualificação 00
Nota de Apresentação 7
Lucília Salgado 00
Escola Superior de Educação de Coimbra 00
Introdução
As Novas Potencialidades da Educação de Adultos 11
na Construção do Sucesso Escolar dos Filhos 00
Lucília Salgado 00
00
Parte I
A Génese do (In)sucesso Escolar: na Escola e na Família 29
A Persistência do Atraso Educativo Português nos Nossos Dias: 31
Portugal nos Processos de Alfabetização, Escolarização 00
e Criação de Capital Humano nos Séculos XIX, XX e XXI 00
António Candeias 00
Literacia Familiar – Diversidade, Desafios e Princípios Orientadores 51
Lourdes Mata 00
Uma Questão de Confiança: o que (Des)motiva a Geração Actual? 59
Susana Coimbra 00
Los Juegos de Lenguaje y Alfabetización Inicial 77
Ana Teberosky e Núria Ribera 00
00
Parte II
A Construção do Sucesso Escolar 89
Systemic Educational Reform in the United States: 91
The No Child Left Behind Act of 2001 00
Michael F. DiPaola 000
3 05
6. Envolver a Família no e através 099
do Programa Nacional do Ensino do Português (PNEP) 00
Cristina Pinto
“A Ler Vamos…”: Um Projecto da Câmara Municipal de Matosinhos 117
Joana Cruz, Catarina Costa, Célia Silva, Micaela Silva,
Patrícia Pinto, Sara Almeida, Tânia Santos
Parte III
O Projecto de Escolarização 127
para os Filhos e a Literacia Familiar: Contexto e Práticas
La Formation Entendue Comme 129
Processus Construit dans L’histoire d’une Vie 00
Pierre Dominicé
Adultos pouco Escolarizados e Literacia. 135
Um Olhar sobre a Literacia em Contexto Familiar 00
Patrícia Ávila 00
Conciliação Trabalho-Família em Adultos 149
em Formação nos Centros Novas Oportunidades 00
Cláudia Andrade 00
Os Adultos no Contexto do Processo de RVCC: Uma Abordagem 157
das Representações e Práticas da Leitura e da Escrita 00
Carolina Cardoso e Joana Ferreira 00
Os Adultos no Contexto do Processo de RVCC: Uma Abordagem 169
das Representações e Práticas do Processo de Escolarização 00
Joana Ferreira e Carolina Cardoso 00
00
4
7. Maria do Carmo Gomes1
Prefácio
It takes a village to raise a child é um provérbio popular africano que tem sido usado frequentemente para salientar o papel conjunto da comunidade,
dos pais e das instituições na educação das crianças e dos jovens. E é verdade que os estudos mais recentes têm vindo a demonstrar que quanto
maior é o envolvimento dos pais e da comunidade na vida escolar dos seus filhos mais elevado é o seu desempenho e mais tranquila é a sua
transição para a vida adulta. Maior envolvimento dos pais é, pois, um dos caminhos para o sucesso escolar dos filhos.
Mas se são verdadeiras estas conclusões e resultados demonstrados pela investigação científica também é verdade que algumas correlações
existem e que delas se devem retirar as devidas ilações – os pais que mais se envolvem são, em norma, pais mais escolarizados e com profissões
mais qualificadas, com pertenças sociais a classes mais letradas e com práticas e hábitos culturais diferenciados e mais frequentes.
Ora, o nosso país tem em média, num número muito superior aos outros países da OCDE e da União Europeia, pais pouco escolarizados, os
quais pertencem à larguíssima faixa de adultos que não completaram o ensino básico ou secundário e que, em 2001, perfaziam cerca de 75%
da população activa. Estávamos no início do século XXI e em Portugal a situação estrutural das qualificações da população adulta era esta, pese
embora o enorme esforço e o progresso assinalável realizados.
Desde o 25 de Abril que a escolarização da população portuguesa tem sofrido melhorias consideráveis, não só em termos de taxa de escolarização
das gerações mais jovens mas também na elevação dos níveis de escolaridade. Se esta é uma realidade inquestionável, também se sabe que
muitos dos que já tiveram oportunidade de prosseguir os seus estudos acabaram por abandonar precocemente a escola ou por ter a marca
do insucesso nos seus percursos escolares. São estes os pais de baixa qualificação que hoje acompanham os seus filhos na vida escolar. E
é a estes pais que, muitas vezes, se pede um maior envolvimento na vida escolar dos seus filhos e uma maior participação cívica e social na
comunidade.
A investigação coordenada por Lucília Salgado sobre Literacia Familiar e Sucesso Escolar que deu origem ao I Encontro Internacional de Literacia
Familiar e ao livro que aqui se publica tem demonstrado que há, neste momento, em Portugal um conjunto de políticas públicas na área da
educação-formação de adultos que está a contribuir de modo decisivo para que esse maior envolvimento aconteça, ao mesmo tempo que se
alcança o objectivo de elevação dos níveis de qualificação dos portugueses. 1
A Iniciativa Novas Oportunidades através do seu eixo de intervenção destinado à população adulta – objecto empírico do trabalho de investigação
realizado pela equipa da Escola Superior de Educação de Coimbra – enquadra, assim, as medidas de política de qualificação que têm tido efeitos
(in)directos nas práticas familiares. Por um lado, há consequências directas nas práticas de leitura, escrita e cálculo, incrementando o uso de suportes
escritos (e em grande parte das situações usando suportes electrónicos); por outro lado, há efeitos indirectos, tais como o acompanhamento mais
regular das tarefas escolares dos filhos, maior participação em reuniões escolares, e maior atenção aos resultados obtidos pelas crianças e jovens
destas famílias. Há também a expectativa, numa dimensão mais projectiva, de que os seus filhos possam ter trajectórias escolares de maior sucesso
que os próprios conseguindo assim concretizar aspirações de mobilidade social para os seus descendentes, as quais passam em grande medida pela
obtenção de níveis de escolaridade superiores. Este estudo pretende ainda, ao longo do segundo ano de pesquisa, obter resultados sobre a relação
que estes contextos familiares mais ricos em práticas de literacia possam ter no sucesso escolar das crianças e jovens.
1 Vice-Presidente da Agência Nacional para a Qualificação, I.P.
5 05
8. Os resultados obtidos são muito encorajadores e reveladores da enorme potencialidade que as dinâmicas de qualificação de adultos podem ter
na promoção de práticas de literacia de maior complexidade na vida quotidiana, na maior participação dos pais nas comunidades escolares e no
desenvolvimento de hábitos culturais mais diferenciados e frequentes. Veremos também se poderão contribuir do mesmo modo para a existência
de vidas escolares mais bem sucedidas por parte dos filhos.
Neste contexto, tive oportunidade na abertura dos trabalhos do encontro realizado em Coimbra, em Novembro de 2009, de considerar a Iniciativa
Novas Oportunidades como uma revolução silenciosa no contexto da educação em Portugal. Revolução, sim! Revolução nas práticas, nos
públicos, nas metodologias, nas pedagogias, nas referências curriculares, nos técnicos – seus perfis e funções – , nas soluções organizacionais,
nas respostas aos cidadãos. Muitas vezes desconhecida (ou mal conhecida) a Iniciativa Novas Oportunidades é constituída por um conjunto muito
diversificado de soluções de educação-formação procurando responder de modo ajustado aos diferentes públicos que a ela poderão recorrer. E
está a ser concretizada no terreno com um empenho técnico e profissional por milhares de docentes, técnicos, conselheiros de orientação, entre
outros. São também centenas as organizações que nela se envolveram – escolas públicas e privadas, centros de formação, escolas profissionais,
entidades privadas, empresas, associações empresariais e sindicais, e associações de desenvolvimento local e regional. E, por último, como
um dos aspectos mais importantes a salientar, a Iniciativa é reconhecida por mais de um milhão de adultos portugueses como uma resposta
adequada à sua vontade de voltar a estudar, de aprender mais, de fazer mais formação ou de completar o 12º ano, como muitos afirmam.
O estudo que a Lucília Salgado e a sua equipa está a desenvolver é um bom princípio para explorarmos novas pistas de investigação, novos
efeitos (in)directos, novas consequências (im)previstas, novos desafios para a intervenção das políticas públicas de qualificação de adultos. Este
seminário deu um importantíssimo contributo para que a análise e reflexão científica neste domínio se tenha intensificado.
Um dia será possível compreender de modo mais aprofundado de que forma é que educando e formando os nossos adultos, educámos e formámos
melhor as gerações dos seus filhos. E que esses filhos tornando-se pais e avós mais escolarizados, mais integrados e mais participativos tiveram
também eles o seu papel de reprodução social criando gerações futuras de portugueses e portuguesas mais despertos para o conhecimento e para
as aprendizagens. É esse o futuro das sociedades mais desenvolvidas. Espero sinceramente que também possa passar por aqui o futuro de Portugal!
6
9. Lucília Salgado1
Nota de Apresentação
O presente livro propõe-se dar conta das comunicações apresentadas no I Encontro Internacional de Literacia Familiar realizado na Escola
Superior de Educação de Coimbra (ESEC), em Novembro de 2009.1
Procurava este Encontro cruzar os quadros teóricos que, de uma forma transversal, fundamentaram e deram origem ao Estudo que temos em
curso em colaboração com a Agência Nacional para a Qualificação, I.P. (ANQ) sobre a importância da frequência dos pais, com baixos níveis de
escolaridade, nos processos de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (RVCC) para o sucesso escolar dos seus filhos.
O livro abre com uma apresentação das principais problemáticas fundamentadoras desta hipótese de investigação desenvolvidas por Lucília
Salgado, Professora da ESEC, que tendo iniciado a sua actividade no domínio da Educação de Adultos, transporta estas perspectivas educativas
para a compreensão da génese do insucesso escolar das crianças à entrada para a escola básica. No artigo As novas potencialidades da Educação
de Adultos na construção do sucesso escolar dos filhos, identifica-se as principais causas do insucesso escolar, quer junto das famílias de baixo
nível de escolaridade, quer junto do sistema educativo que nem sempre oferece respostas adequadas às necessidades destas crianças. É esta
compreensão que permite construir a hipótese de que através da educação de adultos (processo de RVCC), será possível criar condições de base
para o sucesso das crianças logo no início da vida escolar.
A Parte I desta obra procura questionar A génese do (in)sucesso escolar: na escola e na família. Assim, António Candeias, Professor na
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, com o artigo: A persistência do atraso educativo português nos nossos
dias: Portugal nos processos de alfabetização, escolarização e criação de Capital Humano nos séculos XIX, XX e XXI evoca uma perspectiva
histórica explicativa da razão dos baixos níveis de competências escolares das famílias portuguesas equacionados numa escolaridade tardia,
comparada com a maior parte dos países considerados desenvolvidos, sobretudo os europeus.
Após a apresentação da sua comunicação em Coimbra e já depois de corrigido o seu artigo para esta obra, faleceu inesperadamente António
Candeias e assim a possibilidade de nos poder continuar a elucidar sobre as razões históricas das nossas baixas qualificações. Pela disponibilidade
que sempre manifestou a este projecto os nossos agradecimentos. Pela extraordinária pessoa e investigador que foi aqui queremos registar a
nossa homenagem.
Esclarecendo a temática chave deste Encontro, Lourdes Mata, Professora do Instituto Superior de Psicologia Aplicada apresenta o artigo: Literacia
familiar – diversidade, desafios e princípios orientadores evidenciando o modo como a Literacia na família é portadora de potencialidade da
aprendizagem da leitura e da escrita nas crianças.
Procurando desvendar a importância da família na construção do sucesso escolar dos filhos começamos por evidenciar os trabalhos de Anne-
Marie Fontaine sobre a motivação das crianças para o sucesso escolar2. Na impossibilidade da sua participação neste Encontro, Susana Coimbra,
da sua equipa na Faculdade de Psicologia e Ciência da Educação da Universidade do Porto, apresenta o artigo: Uma questão de confiança: o que
(des)motiva a geração actual.
Emília Ferreiro e Ana Teberosky nos seus trabalhos sobre Psicogénese da Linguagem Escrita3, apresentam os resultados da sua investigação,
numa perspectiva piagetiana, sobre o tipo de motivação para a leitura e escrita e o modo como se desenvolvem as condições prévias para a sua
7 05
10. aprendizagem no interior da família. Neste sentido, Ana Teberosky e Núria Ribera da Universidade de Barcelona trabalham um dos aspectos desta
problemática com o artigo: Los juegos de lenguaje y alfabetización inicial 4.
Poderíamos ser levados a considerar que dado o baixo nível de escolaridade das famílias, as crianças de meios pouco letrados estariam fatalmente
condenadas ao insucesso escolar. As autoras acima referidas participaram num Encontro na América Latina5 onde mostraram como, em vários
países, escolas e comunidades se organizaram para construir respostas adequadas a estas crianças.
Na Parte II deste livro, sobre A construção do sucesso escolar quisemos trazer a experiência dos Estados Unidos convidando Michael F. DiPaola
de Williamsburg, Virginia, que nos apresentou o Systemic Educational Reform in the United States: The No Child Left Behind Act Of 20016.
Procurando experiências que têm por objectivo dar respostas ao insucesso escolar, apresentamos dois testemunhos e projectos de referência
realizados em Portugal: uma experiência da escola do 1º ciclo do ensino básico que promove a participação das famílias na escrita dos filhos,
Envolver a Família no e através do PNEP7, por Cristina Pinto e “A Ler Vamos…”: Um projecto da Câmara Municipal de Matosinhos que visa a
promoção de competências de literacia emergente como estratégia de promoção do sucesso escolar, por Joana Cruz, Catarina Costa, Célia Silva,
Micaela Silva, Patrícia Pinto, Sara Almeida e Tânia Santos.
Na Parte III – O projecto de escolarização para os filhos e a Literacia Familiar: contexto e prácticas, debruçamo-nos sobre as duas grandes
mais-valias que a Educação de Adultos, mais precisamente através do processo de RVCC desenvolvido nos Centros Novas Oportunidades (CNO),
pode constituir para o desenvolvimento de um Projecto de Escolarização para os Filhos e para o desenvolvimento da Literacia Familiar. Neste
capítulo entra-se no âmbito da Educação de Adultos, com Pierre Dominicé da Faculté de Psychologie et des Sciences de l’Éducation da Université
de Genève que nos apresenta um depoimento: La formation entendue comme processus construit dans l’histoire d’une vie extraído de uma
extensa bibliografia neste domínio.
Patrícia Ávila, professora no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), apresenta no seu artigo: Adultos pouco escolarizados
e literacia. Um olhar sobre a literacia em contexto familiar alguns elementos de caracterização do perfil de literacia dos adultos em Portugal e
sistematiza alguns resultados de um estudo qualitativo realizado junto de adultos pouco escolarizados recentemente envolvidos em processos
de educação e formação.
Apresentam-se, seguidamente, três artigos com os resultados de investigação desenvolvidos na primeira fase do projecto “CNO uma Oportunidade
Dupla: da promoção da literacia familiar ao sucesso escolar das crianças”. Este estudo exploratório teve por base entrevistas semi-estruturadas
efectuadas a 40 adultos que realizaram o processo de RVCC de nível básico e que têm filhos a frequentar o 1º ciclo do ensino básico8.
Cláudia Andrade, investigadora sénior deste projecto, professora na ESEC e investigadora sobre a família no Centro de Psicologia da Faculdade
de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, apresenta o seu artigo: Conciliação trabalho-família em adultos em formação
nos Centros Novas Oportunidades, debruçando-se sobre o contexto familiar onde se operam as transferência entre pais e filhos.
Carolina Cardoso e Joana Ferreira, assistentes de investigação neste projecto analisam, através do artigo: Os adultos no contexto do processo de
RVCC: Uma abordagem das representações e práticas da leitura e da escrita, de que modo o processo de RVCC facilita e potencia a introdução de
hábitos e práticas de Leitura e Escrita na família, fundamentais na aprendizagem da linguagem escrita no início da escolaridade.
As mesmas autoras, no artigo: Os adultos no contexto do processo de RVCC: Uma abordagem das representações e práticas do processo de
escolarização, procuram compreender se o adulto que realizou o processo de RVCC modifica a sua interacção com os filhos e em que medida
as novas competências e conhecimentos adquiridos permitem aos pais incutir nos filhos valores que passem pela vontade e interesse pela
escolarização.
1 Professora na Escola Superior de Educação de Coimbra.
2 Fontaine, A-M. (1990). Motivation pour la réussite scolaire. Porto: Instituto Nacional de Investigação Científica e Centro de Psicologia da Universidade do Porto.
3 Ferreiro, E. & Teberosky, A. (1985). Psicogénese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas.
4 Os jogos de linguagem e a alfabetização inicial.
5 Ferreiro, E. (1992). Os filhos do analfabetismo: Propostas para a alfabetização escolar na América Latina. Porto Alegre: Artes Médicas.
6 Reforma do Sistema Educativo: A Lei de 2001 “Não deixar crianças para traz”.
7 Alguns resultados do PNEP (Programa Nacional de Ensino do Português) promovido pelo Ministério da Educação em escolas do 1º ciclo do ensino básico e
coordenado por Inês Sim-Sim (entre 2006 e 2010), mostram já a transformação efectuada em escolas envolvidas passíveis de ajudar a modificar a situação de
insucesso escolar.
8 Esta fase do estudo foi realizada também por Filipa Moraes, docente da ESEC e Inês Cruz e Cláudia Ferreira, assistentes de investigação, que apresentaram
a metodologia do Projecto numa comunicação, neste Encontro.
8
14. Lucília Salgado1, 2
Resumo
Marcado por um atraso na escolarização para todos – acesso e permanência na
escola do 1º ciclo – a situação histórica portuguesa no século XX colocou os
nossos níveis educativos numa escala de valores entre os mais baixos da Europa.
A ausência de uma cultura de escolarização na família e a fraca utilização da leitura
e escrita estarão na origem do insucesso e desinteresse pela escola que dificultam
uma escolarização das crianças. Embora a perspectiva sócio-institucional de
atribuição causal do insucesso escolar (Benavente, 1976) não escuse a escola da
resposta a atribuir a estes destinatários verificamos que, apesar de existentes, são
raras as situações em que a Escola consegue vencer esta dificuldade de partida.
A procura massiva dos Centros Novas Oportunidades por uma população com
baixos níveis de escolaridade conduziu à criação da hipótese de que a situação
nas famílias com filhos à entrada para o ensino básico estaria a mudar em relação
ao envolvimento dos pais na sua escolaridade. O estudo que temos em curso
tem vindo a produzir resultados que confirmam esta hipótese. Assim, poderemos
ser levados a concluir que o envolvimento em Educação de Adultos, mais
especificamente no processo de RVCC (Reconhecimento, Validação e Certificação
de Competências) estará a ter uma importância indirecta na subida dos níveis de
qualidade da educação escolar em Portugal.
1. Introdução passar, para além da resolução dos problemas imediatos e
quotidianos, por uma mudança profunda na educação de
Marcada por níveis muito baixos de qualidade da educação, a construção e acesso de uma formação que permita a todos o
sociedade portuguesa entra neste milénio numa situação difícil para bem-estar possível numa economia de carácter sustentável.
recuperar o seu atraso secular em relação aos países da Europa
central e para enfrentar os novos desafios que anunciou na sua Após uma análise da situação da educação em Portugal que
conferência de Lisboa 2000, os da sociedade do conhecimento.1, 2 se apresentava sem esperança (Salgado, 2003) cumpre agora
anunciar o início de recuperação, ao identificar sinais de
As medidas políticas lançadas nos últimos cinco anos parecem mudança positiva na educação das crianças e, sobretudo, na
querer inverter a situação sendo, eventualmente, portadoras de educação de adultos. É o que nos propomos fazer neste capítulo,
uma reforma estrutural no campo educativo antevendo impactos apoiado pelos artigos que a seguir fundamentam o diagnóstico
esperados a nível económico e de cidadania dos portugueses. e as mudanças que conseguimos visualizar na educação em
De facto, o quadro da luta contra a nossa pobreza secular parece Portugal. Foi já esse o sentido que encontramos no 1º Encontro
de Literacia Familiar que realizámos em Coimbra, no mês de
Novembro, de 2009, e cuja memória escrita apresentaremos
1 Coordenadora do projecto: “CNO - uma oportunidade dupla: da promoção
da literacia familiar ao sucesso escolar das crianças”. Professora na Escola nos próximos capítulos deste livro.
Superior de Educação de Coimbra.
2 Com a colaboração do assistente de investigação Carlo Patrão. Vamos, numa primeira parte deste capítulo, identificar as
12
15. nossas preocupações de necessidade educativa na sociedade do grupos “marginais da população como os idosos, deficientes
conhecimento perspectivando o futuro a partir de um passado de diverso tipo e imigrantes” mas sim, referindo que “cidadãos
marcado por contingências históricas identificadas. adultos, por vezes com mais de dez anos de frequência de
escola básica, revelam actualmente uma absoluta incapacidade
Numa segunda parte, tentaremos perceber como se constroem de recorrer à leitura e à escrita para a resolução dos problemas
os nossos baixos níveis educativos logo à entrada no 1º do seu quotidiano.”
ciclo do ensino básico. Da situação charneira entre a escola
e a família, iremos reflectir e apurar quais os factores que, O Estudo Nacional da Literacia, publicado em 1996, vem mostrar
para além de eventuais fatalismos sociológicos, podem ser que a nossa realidade cruza uma situação de analfabetismo
identificados e eventualmente removidos através de medidas tradicional de não acesso ou abandono precoce da escola, típica
políticas – e pedagógicas – adequadas. Nesse sentido, dos países periféricos, com a situação apresentada no estudo da
procuraremos recuperar, a nível nacional e mundial, políticas OCDE referido em que cidadãos que já tiveram acesso à escola
potencialmente portadoras de mudança no sistema educativo revelam níveis reduzidos de competência de leitura – literacia
e na comunidade. – quando confrontados com um texto escrito necessário ao
seu quotidiano. De facto, podemos aí verificar que 47,3%
Feito o diagnóstico e focalizadas as medidas de mudança no da população inquirida se situa nos níveis 0 e 1 de literacia
sistema educativo, desvendaremos, no campo das práticas da revelando que praticamente metade da nossa população adulta
Iniciativa Novas Oportunidades, impactos na relação dos pais não lê no seu quotidiano. Os nossos indicadores são não só os
com os filhos, com o sistema escolar e com a necessidade de mais baixos dos países da OCDE como semelhantes aos países
aprender que se apresentam hoje como factor de remoção do do chamado terceiro mundo onde a maioria da população ainda
principal obstáculo ao sucesso às aprendizagens das crianças: não tem acesso à escola. Estaremos em presença de uma dupla
a baixa escolaridade dos pais. situação adversa ou serão apenas as duas faces de uma mesma
moeda?
2. Das necessidades de aprendizagem na sociedade
actual O acesso tardio à escolarização da população portuguesa
(Candeias, 1996)3 justifica o nosso atraso educativo. Enquanto
Nas sociedades actuais, marcadas pela globalização da produção praticamente toda a Europa escolarizou toda a sua população
e das respectivas formas de regulação, assim como pelo nos finais do século XIX, princípios do XX, nós, tendo perdido
desenvolvimento célere das tecnologias, a educação tem vindo esta oportunidade, acabámos por poder garantir a presença na
a ser considerada e questionada como capaz de resolver ou de escola de toda a população apenas nos anos 70. No entanto,
contribuir fortemente para atenuar grandes problemas actuais escolarização não significou alfabetização e, apesar do acesso
que vão desde a tradicionalmente considerada exclusão social, à escola, muitas crianças vêem vedado o acesso aos saberes
ao desemprego estrutural, até aos entraves e aos avanços na considerados fundamentais para viver com direitos de cidadania,
produtividade que o desenvolvimento tecnológico exige. na sociedade actual. Não aprendem a ler e começam assim um
ciclo de insucesso escolar nas suas vidas (Salgado, 2003).
Em 1992, a OCDE, através da edição do relatório Analfabetismo
Funcional e Rentabilidade Económica, lança o desafio aos seus Questionando a génese deste insucesso escolar deparamo-nos
estados membros para que no âmbito da educação, tomem com dois grandes problemas convergentes nesta resposta, uma
especial atenção aos processos de aquisição da literacia, delas centrada na origem do problema: o que caracteriza as
indo assim mais longe do que falar apenas, globalmente, em crianças que não adquirem as competências previstas à entrada
Educação como vinha sendo corrente. Com este relatório estava
lançado o alerta aos estados membros ligando a dificuldade
3 Ver, nesta obra o artigo de António Candeias, “A persistência do atraso
com que se debatem devido às baixas competências de leitura educativo português nos nossos dias: Portugal nos processos de alfabetiza-
e escrita dos seus trabalhadores, referindo que não se trata de ção, escolarização e criação de Capital humano nos séculos XIX, XX e XXI”.
13 05
16. para escola. A outra centra-se no modo como a escola responde arrastam o insucesso durante toda a escolaridade, enquanto
a estas características. De facto, se a escola é para todos – se aguentam na escola (Salgado, 2003). Países como a França,
princípio constitucionalmente admitido – poderemos dizer que em que a participação de todas as crianças em pelo menos um
existe uma inadequação da resposta a estes destinatários.4 ano de jardim-de-infância é conhecida há mais de quarenta
anos, onde as bibliotecas de bairro proliferam há muitos mais,
3. Do atraso da escolarização ao insucesso escolar onde existem programas com associações para a mediação
da leitura em quase todos os lugares, debatem-se hoje com
Apesar da nossa abordagem das políticas educativas, nos problemas sérios devido às dificuldades de leitura à saída da
últimos anos, se ter preocupado com o tipo de resposta que sua escola primária. Um recente alerta do Haut Conseil de
a escola oferece às crianças oriundas de meios baixamente l’Éducation (2007) diz-nos que apenas 60% das suas crianças
escolarizados (Salgado, 2003) a emergência de uma nova que terminam o 1º ciclo do ensino básico (de cinco anos) está
resposta, inesperada, obriga-nos a centrar a nossa atenção em condições de prosseguir uma escolaridade com sucesso. E
nas necessidades e nos modos de aprendizagem das crianças qual será a nossa percentagem?5
na sua entrada no sistema escolar, focalizando a atenção na
herança familiar. O insucesso escolar não é, de modo nenhum, um fatalismo.
E a solução não é administrativa: passar todos de ano sem
De facto, há mais de trinta anos que conseguimos que todas as saberem. O desafio estará mesmo em conseguir que todos
nossas crianças frequentem a escola, no entanto, apenas uma aprendam devidamente à entrada para a escola. Adquirir as
parte consegue usufruir plenamente do acesso à educação, mais competências básicas nos dois primeiros anos de escolaridade
precisamente, ao sucesso nas aprendizagens. Muitos jovens é o passaporte de sucesso para toda a vida.
abandonam a escola sem a escolaridade obrigatória e quase
metade tem que repetir pelo menos um ano para conseguir obter No sentido de evitar que muitas crianças arrastem o insucesso
uma certificação mínima (Capucha, Albuquerque, Rodrigues e através de toda escolaridade os Estados Unidos promulgaram
Estevão, 2009). o No Child Left Behind Act 6 de modo a que nenhuma criança
fique sem adquirir as competências básicas à entrada para a
Socializadas em famílias com baixos níveis de escolarização escola.
encontramos uma população que, na sua maioria, revela o que
a escola chama de dificuldades de aprendizagem, desmotivação Em Portugal muitos professores, trabalhando em meios sociais
precoce, insucesso ou abandono escolar. De outras diríamos adversos, conseguem ter todas as crianças a ler na Primavera
ainda que conseguem ir avançando mal no sistema, portadoras do ano de iniciação da escolaridade. Os vários materiais e estudo
da chamada morbilidade escolar, uma vez que os seus níveis de produzidos pelo e sobre o Movimento da Escola Moderna são
aprendizagem são inseguros, fracos. testemunho da possibilidade de ensinar a ler a todas as que se
iniciam na escolaridade7.
Sabemos também que uma das principais causas do insucesso
escolar tem como base uma deficiente aprendizagem da De passagem gostaríamos ainda de referir as mudanças
leitura e da escrita: muitas crianças lêem mal, lentamente, ou
não compreendem o que lêem. Estas crianças ou começam 5 Alguns cálculos permitem-nos aventar para cerca de 60%. Ora, 60% de crian-
cedo com insucesso e desinteresse escolar reprovando logo ças que não tem um bom domínio da leitura não é uma minoria e estará na base
dos nossos baixos níveis educativos.
na primeira avaliação sumativa – mais de 10% no 2º ano de
escolaridade – ou acabam por reprovar no 2º ciclo, ou ainda, 6 Ver a comunicação nesta obra de Michel Di Paola “Systemic Educational Re-
form in the United States: The No Child Left Behind Act of 2001”.
4 De facto, este segundo vector do problema não será objecto desta obra, em-
7 Referimo-nos às crianças não portadoras de deficiência sabendo que um
bora as nossas preocupações caminhem igualmente nesse caminho. Centrar-
meio social deficitário não gera automaticamente crianças com dificuldades de
nos-emos, neste contexto, apenas na génese do problema, as características
aprendizagem perante uma pedagogia adequada.
dos destinatários.
14
17. que parecem estar a efectuar-se na própria escola do ensino quais os obstáculos e os facilitadores que, à entrada para a
básico. O Programa Nacional de Ensino do Português (PNEP) escola, podem contribuir para inverter a situação facilitando
será portador de novas maneiras de propor a aprendizagem o acesso à aprendizagem de todas as crianças qualquer que
às crianças, à entrada do 1º ciclo facilitadoras de aquisição da seja o seu meio social de origem. Nesta linha de preocupações
competência de ler e escrever com maior funcionalidade na encontrámos duas características na maioria das famílias
sociedade do conhecimento. Apesar de não haver ainda estudos que se considera de meios socioeconómicos considerados
realizados neste domínio permitimo-nos, através de pequenos desfavorecidos9 que estarão na génese da produção do
trabalhos exploratórios, aventar que crianças cujos professores insucesso escolar:
têm estado envolvidos na formação deste Programa8 revelam,
nas provas aferidas, melhores resultados em língua portuguesa 4.1. Ténue existência de um projecto de escolarização para
do aquelas cujos professores não se voluntariaram para esta os filhos
formação. Um número significativo de crianças poderá mais
facilmente aceder à literacia mas, a dificuldade de vencer a Uma primeira característica prende-se com a ausência, ou
situação de base – iliteracia nas famílias – será forçosamente presença ténue, de um projecto de escolarização para os
apoiada por outros programas de desenvolvimento na educação seus filhos. As suas vidas decorreram sem os levar a passar
de infância e nas comunidades para que as dificuldades de adequadamente pela escola e conseguiram sobreviver. Por
partida sejam um obstáculo removido. essa razão, às primeiras dificuldades que os filhos registam
consideram que “Não dão para a escola”. Estas famílias
4. “Deficits” nas famílias aceitam o fatalismo desta reprodução social, e o afecto aos
filhos (“coitadinhos não conseguem, a escola é muito difícil”)
Apesar dos sociólogos da educação dos anos 70 (Baudelot &
aliado à falta de consciência da sua auto-eficácia própria neste
Establet, 1974; Bourdieu & Passeron, 1970) evidenciarem a
domínio evadem-lhes a intervenção no processo escolar dos
relação entre meio social e sucesso escolar apontando para a
seus descendentes directos.
função da escola de manutenção da estrutura de classe, cumpre
questionar se no tempo da sociedade do conhecimento esta
Estas famílias não escolarizadas não constituem modelo para
necessidade de recusar o acesso à aprendizagem a uma grande
os filhos na formação da sua identidade na relação positiva – a
maioria das crianças ainda seria útil à hegemonia dos grupos
conducente ao sucesso escolar – com a escola. As preocupações
dominantes ou se a escola apenas mantém esta função por
na família são de outra ordem não sentindo, as crianças que, à
inércia reaccionária ao desenvolvimento a que se propõe. No
escola, seja atribuída grande importância. Para os rapazes, este
entanto, o investigador social preocupa-se em entender o modo
problema acentua-se uma vez que todo o universo escolar é
como a escola se organiza para que, após garantir o acesso
composto por mulheres. As educadoras e professoras e todos
a todas as crianças, apenas grupos minoritários consigam a
os que trabalham na escola são mulheres, quem se preocupa
aprendizagem cabal dos objectivos enunciados. Mandato ou
de organizar a vida familiar para enviar os filhos à escola são,
inércia? O facto é que apesar do discurso acerca da burguesia e
maioritariamente, as mães. Nos modelos parentais e sociais de
do proletariado em que se polarizava a sociologia dos anos 70,
adultos que a criança encontra para construir a sua identidade,
a escola continua a reproduzir as classes sociais.
a escola não existe como algo determinante10.
Interessa, pois, saber, numa perspectiva contra hegemónica,
8 O PNEP organiza-se através de um Formador Residente por Agrupamento de
Sabemos também que as dificuldades de relação destes pais
Escolas que, tendo sido sujeito a uma formação específica, forma e apoia os
professores do 1º ciclo do seu Agrupamento que se voluntariaram para esta 9 Consideramos que o factor “desfavorecido”, na sociedade do conhecimento,
formação. Este trabalho é acompanhado por textos e materiais realizados por remete para a sua relação com a escolarização enquanto projecto de vida para
uma Comissão Nacional de Acompanhamento coordenada por Inês Sim-Sim si e para os seus filhos, com a ausência de práticas correntes de leitura e escrita
e por um Coordenador Regional docente na Instituição de Ensino Superior de no quotidiano.
Educação do respectivo Distrito. Apesar do carácter voluntário da formação
calcula-se que cerca de metade dos professores do 1º ciclo já terão sido objecto 10 Em Inglaterra, a Pré-school Learning Alliance desenvolve um programa especial
desta formação realizada dentro e fora da sala de aula. para que sejam os pais – homens – a relacionar-se com a vida escolar dos filhos rapazes.
15 05
18. com a escola, os leva a afastar-se contactando pouco com os nem as manipulam com as crianças. De facto, segundo
professores dos filhos. Para além da dificuldade de relação Teberosky, (2001) a aprendizagem da escrita, enquanto
marcada pela diferença das classes sociais de pertença, os artefacto cultural, não passa só pela presença no universo da
professores consideram que estes pais se entendem mal com a criança mas pelo seu envolvimento, com outros indivíduos, na
escola levando a atribuir as ausências à falta de interesse pelos sua manipulação.
filhos. O conflito, mesmo latente, está instalado o que dificulta
ainda mais a comunicação (Perrenoud & Montandon, 1987). Semelhante ao modo como se aprende a falar a criança
precisa, em primeiro lugar, de ter necessidade de ler. Esta
Também a consciência da necessidade de ajudar os filhos a fazer necessidade, em famílias letradas11 cria-se pelo gosto adquirido
os trabalhos escolares está ausente das suas preocupações. ao ouvir os seus adultos significativos a contar-lhes histórias,
Acreditam que a escola ensinará os seus filhos, não tendo fundamentais para o seu crescimento, respondendo às suas
consciência da cumplicidade que a escola exige com a família angústias e inseguranças (Bettelheim, 1985). Perceberá então
para ajudar os filhos nas aprendizagens escolares (Meirieu, que, se tiver a capacidade de ser ela própria a fazê-lo, se torna
1987). Muitas vezes, quando se dispõem a ajudar temem não mais autónoma ao conseguir ler sozinha as histórias. O gosto
saber fazê-lo ou por não saberem mesmo as matérias ou por pela leitura instala-se e, com ele, a vontade de aprender a ler e,
não ser capazes de responder às expectativas dos professores sabemos (Ferreiro & Teberosky, 1985) que ela própria, sozinha
(Salgado & Reis, 1993). ou em grupo, enceta a descoberta da organização do texto
escrito e, amiúdes vezes surgem casos de aprendizagem da
4.2. Fraca (ou nula) existência da literacia na família leitura sem o seu ensino explícito.
Uma segunda característica passa pelas dificuldades de Também, nas famílias letradas, as crianças aprendem para que
aprender a ler e a escrever à entrada para a escola. Para além serve ler e escrever à medida que, de um modo funcional, a criança
da inadequação da oferta educativa já referida, estas crianças vê os seus adultos significativos a fazê-lo. No seu quotidiano,
não possuem um projecto de leitor que lhes possibilite lêem instruções de aparelhos ou para fazer receitas de cozinha,
envolvimento nesta aprendizagem. Vários autores (Ferreiro, escrevem por razões diversas no computador, lêem notícias de
1985; Martins, 1996) referem que a aprendizagem da leitura jornais ou revistas, tiram dúvidas em livros ou na internet, para
passa pela criação ou desenvolvimento da necessidade de comunicar com amigos ou familiares. Vêem igualmente como os
aprender a ler – porque as suas pessoas significativas lêem e adultos se relacionam com o texto escrito onde escrevem e como
lhes lêem, pela compreensão da funcionalidade da leitura e da o fazem, que materiais utilizam e com que funções.
escrita – saber onde, para quê e como se lê (Chauveau, 2001)
e pelo desenvolvimento de conceptualizações sobre como se Numa família onde não existam estas práticas quotidianas
dificilmente as crianças têm oportunidade de adquirir esta
lê e escreve, praticada anteriormente ao processo técnico de
familiaridade com o texto escrito. Ao chegar à escola, na maior
aquisição da competência de leitura e escrita (Salgado, 2000).
parte dos casos, são-lhe apresentados textos sem nexo, letras
O termo corrente para esta fase de aprendizagem é o de literacia
para decifrar fora dos contextos reais, num manual escolar
emergente (Clay, 1991). Sabemos também que as crianças de
muitas vezes com palavras desfasadas do quotidiano (pua,
meios letrados, onde a literacia familiar se desenvolve, entram
águia…). O texto escrito surge-lhes como um jogo escolar,
nas escolas com níveis elevados de literacia emergente, algumas
muitas vezes fastidioso, que dificilmente poderá criar o gosto,
tendo mesmo aprendido a ler quando inseridas num “banho de
o interesse, a necessidade de ler. A leitura fica, deste modo
escrita” de natureza familiar (Chauveau & Martine, 1997).
remetida para a esfera escolar não passado a consciência da
sua utilidade no quotidiano social.
Inseridas em famílias não letradas, as crianças não têm
oportunidade de ver os seus progenitores relacionar-se com a
escrita. Mesmo se existem palavras escritas nas embalagens
utilizadas no quotidiano doméstico, os adultos não as referem 11 As que utilizam no seu quotidiano a leitura e a escrita.
16
19. Os trabalhos de Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1985) vêm Foi esta hipótese que colocámos perante a informação de que
desvendar o conhecimento prévio que as crianças, que cerca de 900 000 de pessoas, de baixos níveis de escolaridade
contactam com a escrita antes da sua iniciação formal em procuravam os Centros Novas Oportunidades envolvendo-se
contexto escolar, adquirem através da sua construção numa num projecto de escolarização (www.novasoportunidades.gov.pt).
aprendizagem por descoberta (Piaget, Bruner, 1999). Dizem-nos
que não só constroem um projecto pessoal de leitor (Martins, Os dados disponíveis (Idem) permitem precisamente concluir que
1991), como descobrem como o texto se organiza, evoluindo, a procura de Centros advém de uma faixa de população situada na
passo a passo nessa compreensão, através de estágios idade de ter filhos – entre os 25 e 44 anos – (61,5%), sobretudo
de conhecimento evolutivos numa perspectiva piagetiana. mulheres (53,5%) o que leva permitir criar a hipótese de que
Nesse processo adquirem a consciência fonológica e mesmo sendo a população que procura os Centro Novas Oportunidades
fonémica, facilitada pelo desenvolvimento da sua linguagem situada na idade de ter filhos em idade escolar e sendo as
oral, sobretudo lexical (Duarte, 2008; Sim-Sim, 2007). mulheres quem maioritariamente se ocupa da vida escolar dos
filhos algo poderia acontecer na mudança de relação.
Pelas razões expostas, a dificuldade de aprender a ler e o gosto
e facilidade da leitura torna-se mais difícil para as crianças Sendo a falta de projecto de escolarização para os filhos e a
oriundas de famílias onde não se lê nem escreve. Toda a ausência de literacia nas famílias as duas grandes diferenças
retaguarda cultural e linguísta necessária à aprendizagem da encontradas junto das famílias com mais altos níveis de
leitura e escrita não existe ou só aparece deficientemente, e a escolarização cujos filhos têm sucesso escolar, conhecendo as
criança sente-se desprovida de um background fundamental práticas desenvolvidas em contexto de RVCC (Reconhecimento,
para a aprendizagem. O jardim-de-infância não tem, muitas Validação e Certificação de Competências) podemos pensar que
vezes, esta preocupação diferenciada e sistemática, a escola do as mudanças no interior das famílias poderiam ser portadoras
1º ciclo também não e, a não aprendizagem ou aprendizagem de novas estratégias na escolarização dos filhos.
deficiente da leitura vai-se arrastando, criando o acto de ler
em algo fatigante e mesmo fastidioso. A presença de livros de Por um lado, o facto de um dos pais procurar elevar o seu
histórias que, para muitas crianças constitui fonte de satisfação, nível de escolaridade significaria a existência, aquisição ou
para as crianças que começam, deste modo, a sofrer o seu desenvolvimento da importância da escola para si próprio,
primeiro insucesso, torna-se um instrumento de sofrimento e primeiro passo para considerar a sua importância no futuro dos
descriminação. seus filhos. Por outro lado, a manipulação de materiais de escrita
na presença do seu filho trariam a esta família as condições
5. Centros Novas Oportunidades (CNO) – Uma prévias referidas para a aprendizagem da leitura e da escrita.
oportunidade dupla: da promoção da literacia
familiar ao sucesso escolar das crianças Pierre Dominicé considera que a expressão da sua história
de vida, contando-a a outro, é portadora de aprendizagens
5.1. A procura dos Centros Novas Oportunidades quer seja no domínio do aprofundamento dos conhecimentos
construídos quer na sua organização e sistematização12.
Transportando esta preocupação pretendemos com o presente
trabalho dar conta de novos movimentos na sociedade A construção de um projecto de investigação feito com estas
portuguesa com potencialidades de modificar a actual situação premissas permitiria verificar a hipótese percebendo as
educativa. mudanças ocorridas no interior das famílias com a realização
de um processo de RVCC pelos seus progenitores.
A menos que a situação de partida se altere e as crianças
originárias de famílias menos escolarizadas passem a ter
12 Ver o seu depoimento neste obra “La formation entendue comme processus
na família uma interacção com a leitura e a escrita e maior construit dans l´Histoire de Vie“ mais desenvolvido na obra “L’Histoire de Vie
motivação para se envolverem na sua escolarização. comme Processus de Formation (1997), Paris: L’Harmattan.
17 05
20. 6. Conceitos quais as transferências pais-filhos, pelo envolvimento parental,
no que se refere à motivação criada, ao conhecimento da sua
Embora sabendo que quando interrogados acerca do processo funcionalidade e ao desenvolvimento de conceptualizações
de mudança, os inquiridos apenas nos dariam as suas sobre a leitura e escrita facilitadoras da iniciação à sua
percepções acerca do processo de mudança. Por outro lado, pela aprendizagem. Em seguida serão apresentados os conceitos-
impossibilidade temporal de proceder a um estudo longitudinal base envolvidos neste estudo.
optamos por, numa primeira fase, proceder à realização de
entrevistas de carácter exploratório a indivíduos que realizaram 6.1. “Auto-eficácia e envolvimento em actividades com o filho”13
um processo de RVCC de nível básico – equivalente ao 9º ano
de escolaridade – e que têm filhos que frequentam o 1º ciclo A família desempenha um papel fundamental no sucesso
de escolaridade. Optámos por esta amostra uma vez que se escolar das crianças, sendo muitas vezes referenciado pela
entende este ciclo como definidor decisivo de construção do literatura que os pais são os primeiros professores e que a
sucesso escolar das crianças. casa é a primeira escola (Bandura, 1997, Morrow, 1995).
No domínio das relações pais-filhos as investigações são
Este estudo exploratório partiu de conceitos definidores das consensuais no sentido de evidenciar que os pais exercem um
questões colocadas aos sujeitos inquiridos. Um primeiro grupo papel activo e influente no modo como as crianças aprendem a
de questões procurava inquirir acerca dos contextos pessoais e ser pró-activas nas suas aprendizagens (Schneewind, 1995). O
familiares de inserção dos filhos. Remetiam para a consciência estudo de Mondell e Tyler (1981) demonstrou que quanto mais
da auto-eficácia dos indivíduos no envolvimento em actividades competentes os pais são (sendo esta competência definida
com o filho e para o modo de Gestão de Papéis no interior da como níveis gerais elevados de auto-eficácia) mais apoio dão
família com a introdução das novas práticas desenvolvidas aos seus filhos. Para além disto, também evidenciam níveis
com a realização do processo de RVCC. Um segundo grupo de mais frequentes de interacção positiva com as crianças e dão
conceitos fundamentam as questões referentes às mudanças menos ordens às crianças. Nesta linha, Grolnick, Ryan e Deci
no projecto de vida atribuído ao processo de escolarização dos (1991) afirmam que o comportamento dos pais não afecta
filhos através do envolvimento nesse processo e, por fim, um directamente as capacidades das crianças, como foi defendido
quarto grupo remete para as mudanças nas representações e em alguns estudos, mas antes que tem um impacto nas atitudes
nas práticas da leitura e da escrita. e motivações das crianças em relação ao contexto escolar e
escolarização em geral. Um estudo de Bandura, Barbaranelli,
No estudo que aqui se apresenta, procura compreender-se a Caprara e Pastorelli (1996) demonstrou ainda a existência
importância de um adulto fazer um processo de RVCC na vida de uma ligação entre a percepção de eficácia académica e
escolar dos filhos que frequentam o 1º ciclo do ensino básico. A aspirações dos pais e as mesmas percepções e aspirações nos
auto-eficácia que o adulto desenvolve no seu processo de RVCC filhos; o autor destaca, então, que o sentido de auto-eficácia dos
permite-lhe relacionar-se melhor com os outros, nomeadamente pais promove as aspirações educacionais dos filhos, actuando
sentindo-se mais bem preparado para responder às perguntas como incentivo e reforço constante em relação às aprendizagens
do seu filho e para falar com os seus professores. e contribuindo para que as dificuldades encontradas pelas
crianças sejam ultrapassadas de forma construtiva (Bandura,
Pretende-se, igualmente, saber quais as transferências realizadas 1993). Corroborando esta perspectiva, Henk e Melnick (1995)
no interior da família e o modo como estas facilitam o empenho argumentam que o modo como o indivíduo adulto se vê a si
e o acompanhamento da vida escolar; mais especificamente, próprio enquanto leitor influencia, de forma activa, o tipo de
como as competências adquiridas e/ou reconhecidas trazem actividades de leitura e a frequência das mesmas. Estas vão
maiores e melhores expectativas em relação à escola na vida ser observadas pelos filhos e, como tal, desenvolvem nestes
do seu filho e facilitam um maior envolvimento no seu projecto
de escolarização. Sabendo que a aprendizagem da leitura é 13 A partir de um texto de Cláudia Andrade no 1º Relatório Progresso – fase 1
decisiva na construção do sucesso escolar, procura saber-se – 1ª parte, Julho 2009.
18
21. um interesse crescente por este tipo de actividades. Assim, trazer benefícios importantes para a compreensão da vida das
e retomando a perspectiva de Bandura et al. (1996), a auto- famílias. As mulheres são responsáveis não só pelo cuidado e
eficácia académica dos pais promove a auto-eficácia académica sustento dos seus filhos mas também por todos os aspectos
dos filhos, embora esta relação seja mediada pelas crenças de associados ao seu desenvolvimento emocional e intelectual.
sucesso académico das crianças. As expectativas parentais têm, deste modo, sofrido também
alterações significativas. Um “bom pai” já não é um ganha-
De um modo geral, a perspectiva defendida pelos diversos pão ausente e benevolente. É esperado que esteja intimamente
autores permite-nos, pela sua relevância, considerar no presente envolvido nos aspectos da vida da criança, desde o brincar ao
estudo a importância da auto-eficácia geral e a importância da cuidar, ao alimentar e ajudar nas tarefas da escola (Jacobs &
mesma para as dinâmicas relacionais pais-filhos como variável Gerson, 2004). Estes dados parecem ser também válidos em
importante para a análise da promoção da literacia familiar. Portugal, onde se considera que o elemento masculino do casal
deve também dedicar-se à família, colocando os interesses
6.2. “Gestão de Papéis”14 desta acima de outros assuntos (Poeschl, 2000). Outro aspecto
particularmente relevante para as exigências crescentes da
A análise das relações entre a vida profissional e familiar tem maternidade e da paternidade diz respeito ao papel privilegiado
sofrido alterações ao longo do tempo. Se durante alguns anos que a criança ocupa no contexto da família. De facto, ter uma
se analisou cada um dos domínios em separado, sendo o criança implica actualmente maiores investimentos nos planos
trabalho e família perspectivados como esferas independentes, afectivos, relacionais e mesmo materiais que possibilitem
mais recentemente tem-se assistido a um crescente interesse percursos escolares mais longos tendo em vista a sua futura
na relação e interdependência destas duas esferas. De facto, a inserção profissional. Adicionalmente, a preocupação, em
questão que se coloca actualmente na análise dos processos particular dos pais, em promover o desenvolvimento “cultural”
pelos quais estas esferas estão ligadas, reporta-se aos efeitos das crianças, inscrevendo-as num sem número de actividades
que cada um dos sistemas pode ter no outro e no indivíduo. extra-escolares, acrescenta um maior número de exigências
Para este crescente interesse contribuíram as novas tendências aos pais. As actividades centradas na criança dominam a vida
sociais, nomeadamente o aumento do número de famílias de familiar e criam um ritmo familiar e doméstico muito intenso
duplo-rendimento. Assim, a temática da conciliação entre vida (Lareau, 2002 cit. por Jacobs & Gerson, 2004). O envolvimento
familiar e profissional surge como consequência das mudanças crescente com as crianças que se espera dos pais torna as
sociais ocorridas nos países industrializados, onde se verificou longas horas de trabalho mais problemáticas e, como tal, pode
a entrada da mulher no mercado de trabalho e o aumento do gerar sentimentos de conflito entre papéis.
número de papéis por ela desempenhados bem como um
aumento da participação dos homens no desempenho de tarefas Assim, e na linha do que foi apresentado, o modo como as
não remuneradas (apesar deste aumento ser considerado relações entre papéis familiares e profissionais são articuladas
insuficiente para equilibrar a distribuição do trabalho em casa). parece-nos ser uma dimensão importante para o presente
Paralelamente, mudanças ao nível das expectativas profissionais, estudo, na medida em que podem fornecer informação relevante
familiares e mesmo parentais contribuem, certamente, para sobre a interacção pais-filhos e seu impacto nos processos de
o aumento das exigências sobre os indivíduos e influenciam aprendizagem destes últimos.
a articulação entre os papéis familiares e profissionais. Nesta
linha, verifica-se actualmente que os indivíduos desempenham 6.3. “Representações e práticas de envolvimento no processo
cada vez mais papéis com diferentes exigências; o estudo de escolarização”
da forma como estes são geridos e a análise das suas
consequências individuais, familiares e profissionais, podem O envolvimento das famílias nos processos de escolarização
dos filhos é hoje reconhecido como condição de sucesso
14 A partir de um texto de Cláudia Andrade no 1º Relatório Progresso – fase 1 escolar das crianças. Não basta enviá-las à escola diariamente
– 1ª parte, Julho 2009. para que o processo de escolarização se efective. Entre as
19 05
22. necessidades decorrentes do empenhamento dos pais na sua A recusa à escola constitui-se como uma situação de evasão às
escolarização parecem ressaltar: a implicação das pessoas dificuldades de inserção neste sistema. A valorização através do
significativas no empenho dos filhos na relação pedagógica, a trabalho permitiu a muitos adultos encontrarem o seu caminho
atribuição de sentido às aprendizagens e a necessidade de uma na sociedade, à revelia da escola. Quando, em Portugal, a
pedagogia diferenciada para acesso ao saber (Salgado, 2003) Educação de Adultos enquadrada pelo sistema oficial de ensino
que a maioria da escola de massas dificulta. e ministrada nos mesmo moldes do sistema educativo, os
adultos de baixos níveis de escolaridade, não aderiam à oferta,
Sabendo que uma das primeiras condições de aprendizagem ou então desmotivavam-se, não aprendiam ou/e abandonavam
se situa na necessidade/vontade de aprender algo, poder-se-á (Salgado, 1985).
encontrar a génese dessa apetência nas tarefas propriamente
ditas ou na vontade comunicada pelas pessoas significativas As relações da escola com os pais de famílias de meios populares
através da sua experiência de vida. No seu crescimento, a criança também não são pacíficas. As dificuldades de entendimento
procura, por um lado, imitar essas pessoas, na maior parte das dos códigos escolares dificultam a relação com a escola que se
vezes os progenitores, por outro – se a relação é positiva ou acentua quando os seus filhos começam a sentir dificuldades
pretende que seja – procura agradar-lhes. Assim, se do projecto e são colocados em situação de insucesso. (Perrenoud &
de vida dos pais faz parte a escolarização e o sucesso dos filhos, Montandon, 1987).
estes senti-lo-ão no seu quotidiano e procurarão responder a
essas expectativas. O momento de fazer os trabalhos de casa, Não se poderá, no entanto, dizer que os adultos de baixos
acompanhados por um dos progenitores, poderá constituir um níveis de escolaridade menosprezavam o saber e recusavam
momento privilegiado para sentirem esse empenho. Igualmente, a aprendizagem. No tempo da República e início do Estado
da parte dos filhos, o tempo de realizar as tarefas escolares Novo criaram associações de “instrução” e “academias”. No
acompanhados pelos pais acaba por ter a contrapartida positiva período a seguir ao 25 de Abril, as associações populares
destes lhe dedicarem, especialmente, alguma atenção em torno foram reconhecidas com contexto educativo (Lei 3/79) dado
do seu apoio. Também a relação pedagógica, que é fundamental o empenho dos adultos em actividades de aprendizagem
para que a criança consiga aprender, deveria ser acompanhada (Melo e Benavente, 1978; Salgado e et al, 1980). Em contextos
por um adulto significativo que fosse capaz de desenvolver as migratórios, e independentemente de sistemas formais de
oito competência inter-pessoais que Maria Emília Brederode ensino, os trabalhadores emigrantes procuravam informação e
Santos (1985) considera: empatia, respeito, calor, autenticidade, acesso ao saber (Gago, 1978). Não será, pois de estranhar que,
especificidade, auto-exposição, confronto e imediaticidade. perante uma possibilidade organizada de educação baseada
Esta relação, que em alguns dos seus aspectos exige uma no reconhecimento dos saberes adquiridos previamente,
proximidade individualizada, dificilmente se consegue numa os adultos com baixo nível de escolaridade, pressionados
escola em que os professores falam para todos ao mesmo pelas necessidades da sociedade do conhecimento (Lindley,
tempo e em que a relação personalizada não aparece nas alturas 2000), tenham respondido de forma expressiva à oferta dos
chave das aprendizagens. A criança só acaba por encontrar na Centros Novas Oportunidades, sobretudo dos processos de
família, ao realizar os trabalhos, esta relação pedagógica que reconhecimento validação e certificação de competências
deveria ser paradigma da escola. Também o desenvolvimento (RVCC).
da sua auto-estima aparece habitualmente apenas na família.
A escola tradicional pauta-se por indicar à criança apenas os No entanto, não é evidente que a passagem para o investimento
erros, aquilo que está mal, penalizando-a muitas vezes por na educação dos filhos tivesse acontecido. O facto de terem
isso, esquecendo de referir e enaltecer os sucessos. Muitas das vivido na escola situações de violência provocadas, na sua
características que se consideram de importância numa relação maioria, pelo insucesso escolar, poderia ter conduzido a
pedagógica (Dupont, 1983) – congruência, compreensão desenvolver o proteccionismo dos filhos, acreditando que o seu
empática, consideração, intencionalidade na consideração – só processo de aprendizagem poderia não ser coroado de sucesso.
acontecem na aprendizagem em família. Esta foi uma das razões deste estudo: verificar se o acesso
20
23. a um processo de escolarização cria, no interior da família, a adequado para o desenvolvimento da literacia emergente
construção de projecto de vida que passe pela escolarização e para a criação do projecto pessoal de leitor, que passa pela
dos filhos, determinante para o seu sucesso escolar. criação da vontade e necessidade de ler (Fontaine, 1990) e pelo
desenvolvimento das representações sobre a funcionalidade e
Apoiar o processo de escolarização dos filhos no sentido da conceptualizações sobre a leitura e a escrita (Salgado, 2003).
promoção do seu sucesso escolar não só implicaria desconstruir,
para si próprio e para a escola actual, a representação de O processo de descoberta da linguagem escrita é um processo
exclusão escolar que recusaria a sua cultura, traduzida na sua participado e dinâmico, em que a criança assume um papel
história de vida, como passaria por reconhecer a necessidade activo e através do qual reconstrói e reinventa activamente a
de resposta, através da escola e das suas práticas familiares, linguagem escrita (Mata, 2002). Antes da entrada no ensino
das funções socialmente atribuídas à educação. formal, as crianças já constroem representações sobre a
linguagem escrita, pois interpretam a informação recolhida
6.4. “Mudanças nas representações e nas práticas da leitura conforme os esquemas de pensamento e os esquemas
e da escrita”15 conceptuais que desenvolveram no contacto com a escrita
(Martins, 1996), e colocam hipóteses sobre o funcionamento
As crianças que frequentam as escolas públicas portuguesas e objectivos da linguagem escrita. Estudos demonstram que
revelam níveis de insucesso escolar elevados e níveis de a consciência fonológica, a linguagem oral, o conhecimento
competências de leitura mais baixos que em outros países da das letras e as conceptualizações acerca da leitura e da escrita
OCDE (Ferreiro, 1992; Sim-Sim, 1989). Um dos motivos para são capacidades tidas como fundamentais para a posterior
que ainda se verifiquem estes resultados reside, como referido aprendizagem da leitura (Scarborough, 1998 cit. por Spira
anteriormente, na implementação tardia da escolaridade Bracken & Fichel, 2005). Observou-se ainda que existe uma
obrigatória em Portugal, que leva a que, nos dias de hoje, relação entre as capacidades de literacia que as crianças têm
ainda exista por parte de muitas famílias uma fraca cultura de ao entrar para a escola e o seu desempenho académico futuro
escolarização. Esta pouca valorização da escolarização pode (Teale, 1984; Hanei & Hill, 2004; Spira et al, 2005).
significar que, no quotidiano destas famílias, a importância
da utilização da leitura e da escrita não seja muitas vezes Sabendo da importância que a qualidade do ambiente familiar
reconhecida e incentivada. de literacia pode exercer sobre a aprendizagem e sobre a forma
como as crianças se tornam mais predispostas em compreender
Pressupõe-se que numa sociedade letrada todas as crianças a natureza da linguagem escrita, é fundamental conhecer
tenham contacto com o mundo da leitura e da escrita. Contudo, as concepções parentais acerca da literacia, bem como os
no que respeita à quantidade e qualidade dessas experiências, comportamentos e práticas que os pais desenvolvem com os
nem todas têm acesso às mesmas práticas de literacia, pois filhos neste domínio (Lynch et al, 2006). As famílias podem
estas dependem dos valores e da cultura do grupo social em que cultivar as competências de literacia emergente dos filhos se
estão inseridas. Sendo a família um dos agentes de socialização i) de forma contextualizada e em situações com significado,
mais importantes para a criança, esta desempenha um papel fornecerem uma larga diversidade de materiais de literacia, se
preponderante na aquisição e valorização das práticas de literacia. ii) com frequência, incentivarem as interacções interpessoais
Não tendo a escrita entrado no universo familiar de muitos durante as actividades de leitura e escrita, iii) se permitirem a
portugueses, as condições culturais que a sua aquisição implica observação e participação dos filhos nas práticas de literacia do
dificultam esta aprendizagem por parte das crianças (Chauveau, dia-a-dia e em contextos de entretenimento e se iv) integrarem
Chauveau, & Martins, 1997a; Chauveau & Martine, 1997b; materiais de literacia no ambiente social e familiar em que estão
Chauveau, 2001). Deste modo, não se propicia um ambiente inseridos (DeBaryshe, Binder & Buell, 2000; Leichter, 1984;
Purcell-Gates, 2003; Tizard & Hughes, 1984).
15 A partir de um texto de Carolina Cardoso no 1º Relatório Progresso – fase
1 – 1ª parte, Julho 2009. Em suma, conclui-se que a relação entre as concepções
21 05
24. parentais sobre literacia e os comportamentos em ambiente entrevistas se desdobrassem num conjunto mais vasto do que
familiar são fundamentais e têm uma relevante consequência o inicialmente previsto.
no desenvolvimento precoce da literacia. Assim, mudar as
concepções parentais pode ter um impacto positivo na forma A opção pela técnica da entrevista semi-estruturada prendeu-
como os pais promovem a literacia no ambiente familiar e, se ainda com a sua elasticidade quanto à duração, permitindo
por consequência, na forma como as crianças desenvolvem uma cobertura mais profunda sobre determinados assuntos e,
as competências de literacia, tão importantes para o seu simultaneamente, limitar o volume das informações, obtendo-
sucesso académico futuro (Bingham, 2007). Os Centros se assim uma maior atenção sobre o tema e, nesta etapa do
Novas Oportunidades surgem, assim, como oportunidades de estudo, lidar com a possível dificuldade que muitas pessoas
formação que podem desencadear mecanismos facilitadores da teriam de responder por escrito a um leque tão abrangente de
promoção da leitura e da escrita no contexto familiar. temas e de experiências.
7. Metodologia do estudo16 Partiu-se, assim, de um conjunto de questões previamente
seleccionados a partir dos conceitos identificados na revisão
O trabalho realizado, de carácter exploratório, recorreu bibliográfica e nas dimensões em que foram decompostos,
exclusivamente a metodologias qualitativas, mais especifica- que definiram os pontos do guião de entrevista. Estes foram
mente através de entrevistas individuais semi-estruturadas considerados na análise de conteúdo, com base em protocolos
devido à fidelidade e riqueza das informações que fornecem. de transcrição integral mas, posteriormente, seleccionados
com base num conjunto de categorias e cuja descrição em
O objectivo do recurso a esta metodologia prendeu-se com pormenor será apresentada no ponto seguinte deste trabalho.
a necessidade de, nesta primeira fase, conhecer experiências
subjectivas dos participantes nos Centros Novas Oportunidades Para efectuar a análise das entrevistas, recorreu-se à análise
(CNO) face a um conjunto de temas, partindo-se, neste sentido, de conteúdo segundo o modelo de Bardin (1979) que tem por
das experiências do indivíduo enquanto objecto de investigação. objectivo a descrição sistemática do conteúdo da comunicação.
De facto, este tipo de entrevista colabora muito na investigação Os dados recolhidos, neste caso através de entrevistas, são
dos aspectos afectivos e valorativos dos respondentes essencialmente de natureza qualitativa. A análise de conteúdo foi
que determinam significados pessoais das suas atitudes e a ferramenta de pesquisa usada para determinar a presença de
comportamentos. Além disso, a interacção entre entrevistador certos conceitos e categorias no texto transcrito. Na análise das
e entrevistado favorece respostas espontâneas, possibilitando entrevistas, o conteúdo foi codificado e dividido em categorias
uma maior abertura e proximidade entre ambos, o que permite numa variedade de níveis. Em seguida, o conteúdo transcrito
ao entrevistador abordar assuntos mais complexos e delicados, e seleccionado foi analisado e discutido conceptualmente.
tais como os relativos a vivências e experiências durante e após No presente trabalho, dada a quantidade e complexidade da
a participação nas actividades dos CNO, ou seja, quanto menos informação recolhida, houve a necessidade de segmentar
estruturada a entrevista, maior o favorecimento de uma troca o conteúdo em categorias, subcategorias e componentes,
mais afectiva entre as duas partes. partindo dos conceitos teóricos mais relevantes, até às práticas
concretas dos entrevistados.
As respostas espontâneas dos entrevistados e a maior liberdade
que estes têm podem fazer surgir aspectos inesperados ao 8. Resultados do estudo
entrevistador que poderão ser de grande utilidade na sua
pesquisa. Tal verificou-se no presente estudo, fazendo com Sabendo a importância da vinculação segura para o
que as categorias posteriormente criadas para a análise das desenvolvimento das crianças, o facto dos pais se sentirem
mais confiantes em si próprios possibilita, pelo maior
16 A partir de um texto de Filipa Morais, Cláudia ferreira e Inês Cruz no 1º
investimento que propicia, ganhos na educação dos filhos. O
Relatório Progresso – fase 1 – 1ª parte, Julho 2009. facto dos entrevistados ganharem consciência de que o RVCC
22
25. é uma rampa de lançamento para investimentos profissionais e maior destreza em ferramentas que já conheciam, e em outros
pessoais desenvolve a atribuição de maior valor à escolarização numa completa iniciação. As aprendizagens neste domínio
no futuro dos seus filhos. revelam ainda a hipótese de abertura de diálogo com os filhos,
uma vez que estes instrumentos fazem hoje parte da cultura
A importância atribuída à mobilidade social é um exemplo da dos mais jovens. A mais-valia acrescida por esta potencialidade
auto-estima conseguida neste processo. O orgulho de poder de criação de conteúdos de diálogo virá resolver o problema
dizer que já tem o 9º ano, no exterior da família, parece ser um que muitos pais tinham de não conseguir ter com os filhos
ganho incalculável na relação com os filhos. conversas que lhes interessem.
A confiança em si próprio revela ser uma componente importante, “Passo o mesmo tempo, (…) Mas quando estamos juntos
referida por um grande grupo de entrevistados, quer na facilidade costumamos passear, o mais novo ajuda-me a fazer o jantar
nas relações com outras pessoas quer a nível profissional. nos meus dias de folga, vemos televisão e é melhor, porque,
às vezes, já vemos filmes juntos, porque agora já acompanho
“Sinto-me capaz de me fazer notar por outras pessoas, sinto-me melhor as legendas e explico-lhes se eles não entenderem.”
com qualidades diferentes, que não tinha. Mesmo no trabalho (E7;Sexo feminino; Meio Urbano; Região Centro)
sou mais valorizada, tenho novas oportunidades, novas portas
a abrir, e isso é muito importante.” O modo de resolução dos problemas na família acrescidos pela
(E17; Sexo Feminino; Meio Rural; Região Centro) necessidade de participarem nas novas tarefas de aprendizagem
– processo de RVCC – parece ter constituído um novo campo
Estas aquisições traduzem-se ainda na necessidade de continuar de aprendizagens, para além do modo de resolução de conflitos
um projecto de estudos que a nível de fazer mais formação conseguido17. A procura de soluções de gestão do tempo terá
que na possibilidade de dar continuidade a um processo de levado a conseguir a criação de outros espaços e tempos em
escolarização, 12º ano ou mesmo Ensino Superior. Por vezes detrimento do lazer e preterindo algumas tarefas domésticas.
revelam a implicação da formação adquirida na possibilidade
de concorrer a novos empregos. “Eu não acho que me tenha roubado algum tempo, se calhar
eu aproveitei, foi melhor o tempo, deixei de fazer coisas que se
Importante na sociedade do conhecimento é o sentimento calhar não são tão importantes, ocupando o tempo numa mais-
manifestado da necessidade, do gosto e do prazer de aprender valia para mim…”
e do modo como se expressa na relação com os filhos. (E14; Sexo feminino; Meio Rural; Região Centro)
Considerou-se esta uma aquisição fundamental uma vez que
na escola nem sempre se adquire o gosto por aprender numa A importância atribuída ao processo de escolarização dos
perspectiva de Educação ao Longo da Vida. filhos revelou ter sido um dos domínios de maior importância
na vida familiar sabendo como o papel dos pais é decisivo
“Deu-me mais entusiasmo para participar noutras coisas, deu- na construção dos sucesso escolar e na motivação para
me mais entusiasmo para eu me desenvolver culturalmente, as aprendizagens dos filhos. Este empenho traduziu-se na
deu-me mais para pesquisar, deu-me mais para me informar construção de um projecto de vida para os filhos que passe
mais sobre certos assuntos.” pelo sucesso da sua escolarização. Dizem que estão dispostos
(E33; Sexo feminino; Meio Suburbano; Região LVT) a fazer todo o possível para conseguirem que eles vão tão longe
quanto desejarem. A vontade dos pais será um factor decisivo
A importância atribuída ao desenvolvimento ou aprendizagem de na criação desse desejo aparecendo logo no envolvimento nos
novos saberes vem posteriormente revelar-se na intervenção em
relação à escolarização dos filhos. Os resultados obtidos revelam
17 O estudo destes aspectos deve ser aprofundado no capítulo de Cláudia
que existe um ganho substancial neste domínio aparecendo, à Andrade “Conciliação Trabalho-Família em Adultos em Formação nos Centros
cabeça, a informática. Em alguns entrevistados traduz-se numa de Novas Oportunidades”
23 05
26. trabalhos de casa que agora dizem já conseguir acompanhar e condições de promoção do sucesso escolar das crianças. Foi
na relação que mantêm com os professores e outros actores possível verificar que, na maioria, a mudança da situação de
educativos que revelam agora conseguir melhor desenvolver.18 auto-estima e auto-eficácia do pai ou mãe que completaram o
processo de RVCC – B2 são facilitadores expressos nas relações
“(…) e eu hoje entendo isso e não quero de forma alguma que com os filhos ou com os professores, que a organização da
aconteça isso aos meus filhos, que é o facto de ter que começar vida familiar entre conflito – mal ou bem resolvido – negociação
a trabalhar cedo afasta-nos a nossa mente (…) graças ao RVCC, ou criação de novas formas de gestão do tempo trouxeram
a abrir esta caixa e a soltar toda esta informação que estava acrescidamente vantagens qualitativas para as aprendizagens
guardada, que está cá há muitos anos... e deixa-me muito mais das crianças e que o interesse e empenho no sucesso escolar
à vontade e isso sem dúvida nenhuma ajuda os meus filhos no dos filhos passou pelo maior envolvimentos nos trabalhos
processo escolar (…) sempre achei que era importante andar de casa e o estabelecimento de maiores relações com os
na escola, acredito que hoje dou muito mais importância a esse professores e com a escola dos filhos. Também a literacia se
facto (…)” desenvolveu na família, em termos de apoio escolar ou de lazer
(E19; Sexo masculino; Meio Rural; Região Centro) passando a ser prática corrente no universo familiar.
Sabendo que os primeiros sintomas de insucesso escolar No entanto, embora o sistema tenha mostrado estas
aparecem nos primeiros anos de escolaridade tendo na sua potencialidades nem todas as famílias atingiram estes
génese, como já referimos, a ausência de literacia na família objectivos. A maior parte do número que não revelou ter havido
foi possível verificar, através das entrevistas realizadas que não mudanças ou aqueles em que estas mudanças ficaram muito
só a literacia entrou na família confirmando a nossa hipótese aquém do que outros conseguiram permitem-nos agora, uma
de partida como adquiriu, em alguns casos, o envolvimento vez que já conhecemos em detalhe as potencialidades do
dos pais introduzindo-a como actividade do quotidiano não sistema, identificar necessidades de formação que podem ser
só nos trabalhos de casa e respectivo aprofundamento, como respondidas quer nos processos de RVCC e nos cursos EFA,
actividade colectiva de lazer.19 quer através das escolas do 1º ciclo na relação de parceria
educativa que estabelecem com os pais dos seus alunos.
“A Playstation é de trás para a frente, de frente para trás, lê tudo,
mesmo em inglês, não faz mal, (...) Lê, a nível de computador,
de Playstation, isso tudo, ele lê. (...) jogos didácticos... na
internet o jogo da forca... há aí um jogo de perguntas, que tem
as respostas, A, B, C e D, e então a gente anda lá entretidos a
ver quem é que erra mais... e sudoku (...)”
(E39; Sexo masculino; Meio Suburbano; Região LVT)
9. Conclusões Prévias
O objectivo deste estudo centrava-se na compreensão das
mudanças ocorridas no interior das famílias, portadoras de
18 O capítulo, neste livro, de Joana Ferreira e Carolina Cardoso “Os adultos no
contexto do processo de RVCC: Uma abordagem das representações e práticas
do processo de escolarização” aprofunda os resultados do estudo acerca deste
contributo.
19 O capítulo, neste livro, de Carolina Cardoso e Joana Ferreira “Os adultos no
contexto do processo de RVCC: Uma abordagem das representações e práticas da
leitura e da escrita” aprofunda os resultados do estudo acerca deste contributo.
24