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                                                                                                                                                        populares na mídia e a estetização da diferença.1

                                                                                                                                                                                                                                                           Janaína Vieira de Paula Jordão2
                                                                                                                                                                                                                                                            Universidade Federal de Goiás



Resumo

Temos visto a emergência da classe C, não só ao poder de consumo, como também à grande visibilidade na
mídia. Inúmeras publicações visam “apresentar” estes novos consumidores, com verdadeiros manuais do tipo
“entenda tudo sobre a nova classe média”. Mas, dentro destas conceituações, percebe-se a aproximação de
outros atributos que não têm necessária conexão com qualquer faixa econômica, como disponibilidade
sexual, mau-gosto, inteligência e religiosidade. Para buscar entender estas questões, foi feita uma breve
análise de alguns destes “manuais” e entrevistas de alguns formadores de opinião a meios de grande
veiculação. A partir daí, conceitos como dominação de Max Weber, distinção e violência simbólica de Pierre
Bourdieu, estigma de Erving Goffman e subcidadania de Jessé Souza foram trazidos para guiar os
questionamentos sobre essas legitimações de desigualdades que pairam sobre o imaginário da sociedade e
que vão repercutir tanto na grande mídia, quanto nas interações face-a-face.


Palavras-chave: Classe C; Mídia; Consumo; Dominação; Estigma.


                                                           Introdução
                                                           Temos acompanhado a estabilização da economia e o aumento do poder de consumo – seja
pelo maior poder aquisitivo ou pelo aumento do acesso ao crédito – da Classe C. Com isso,
aumentou também o investimento em programação de entretenimento e publicidade com o objetivo
de falar da e com esta “nova” e ampla classe consumidora.
                                                           Mas uma coisa que se pode observar, juntamente com todo esse movimento, é uma espécie
de conceituação que o discurso midiático tem feito da Classe C, que parece ultrapassar o aspecto
econômico, que é o fator fundamental de diferenciação de classe, nos termos de que estamos aqui

	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
   	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
1
  Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho 01 – COMUNICAÇÃO, CONSUMO E DIFERENÇA, do 2º Encontro de
GTs - Comunicon, realizado nos dias 15 e 16 de outubro de 2012.
2
  É doutoranda no programa de Pós-Graduação em Sociologia da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade
Federal de Goiás e professora no curso de Publicidade e Propaganda da Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia
da UFG. É bolsista da FAPEG - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás. janainavpj@gmail.com
 
	
  



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tratando: Classe, seguido de A/B/C/D/E. E isso, independentemente do critério que se use, se pela
Fundação Getúlio Vargas (FGV), que é formulado a partir da Pesquisa Nacional por Amostras de
Domicílio (PNAD), pelo IBGE; ou se pelo Critério Brasil, feito pela Associação Brasileira das
Empresas de Pesquisa (ABEP).
                                                           E é isto que este artigo vai buscar: entender, por meio de um breve mapeamento de algumas
publicações de grande circulação, quais são os outros padrões – além dos de renda – que estão,
segundo a mídia – caracterizando essa classes econômica, tendo em mente que
                                                                                                                    tentar apreender as regras do jogo da divulgação e da distinção segundo as quais as classes
                                                                                                                    sociais exprimem as diferenças de situação e de posição que as separam, não significa
                                                                                                                    reduzir todas as diferenças, e muito menos a totalidade destas diferenças, a começar por seu
                                                                                                                    aspecto econômico, a distinções simbólicas, e muito menos, reduzir as relações de força a
                                                                                                                    puras relações de sentido. Significa optar por acentuar explicitamente, com fins heurísticos, e
                                                                                                                    ao preço de uma abstração que deve revelar-se como tal, um perfil da realidade social que,
                                                                                                                    muitas vezes, passa despercebido, ou então, quando percebido, quase nunca aparece
                                                                                                                    enquanto tal. (BOURDIEU, 2007, p. 25).


                                                           Olhai as periguetes.
                                                           Em recente entrevista à Folha de S. Paulo, o estilista Alexandre Herchcovitch, falando sobre
os desejos do consumidor final no Brasil, afirmou:
                                                                                                                    Vamos cair na real, gente. O Brasil tem expertise de fazer roupa popular, de "periguete". A
                                                                                                                    gente também tem que olhar para isso. Pensei no banho hoje e queria falar: o que vendo mais
                                                                                                                    e menos? Não vendo tanto vestido de R$ 10 mil. O que vendo muito são meus produtos de
                                                                                                                    licenciamento, edredons de R$ 250, sapatos de R$ 129. Não vou deixar de fazer vestidos
                                                                                                                    caros porque tenho clientes que os querem. Hoje, quem quiser sobreviver no Brasil e
                                                                                                                    competir vai ter de fazer produtos para as classes C e D. (WHITEMAN, DINIZ, 2012)3
                                                           Ao passar os olhos sobre uma entrevista de um estilista, pode-se pensar que, quando ele fala
de periguetes, esteja caracterizando mulheres de determinado comportamento social ou sexual4, que
têm como emblema o uso de roupas mais extravagantes, ou que deixam o corpo à mostra. Mas,
numa leitura mais atenta, levando em conta o todo da entrevista - que foi publicado – pode-se
perceber de que ele não está falando sobre essas mulheres. Ele está falando sobre pessoas das
camadas populares, mais especificamente, das classes C e D. Ou seja, alinhavou o conceito de
periguete – uma mulher namoradeira – a um contexto de toda uma classe econômica.



	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
   	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
3
     WHITEMAN,         Vivian;     DINIZ,       Pedro.    Olhai     as    Periguetes.   2012.     Disponível                                                                                                                                               em
<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/47958-olhai-as-periguetes.shtml> Acesso em: 18 jun 2012.	
  
4
  Segundo o Dicionário Aurélio, periguete significa: moça ou mulher namoradeira.
                                                                                                                                                                                                                                                            2	
  
	
  
 
	
  



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                                                           O mesmo parece ocorrer em matéria do site Veja a respeito da “Classe C no horário nobre”.
Segundo a matéria, usualmente, grupos populares faziam parte de núcleos, em torno da trama
principal. Agora, duas novelas na Rede Globo têm a trama ambientada no cotidiano da nova classe
média: Cheias de Charme (19h) e Avenida Brasil (21h), esta última com 79% de seus personagens
dentro deste perfil.
                                                           Segundo análise feita pelo site de Veja,
                                                                                                                    As casas de personagens centrais como Carminha (Adriana Esteves), em Avenida Brasil,
                                                                                                                    primam por uma ostentação exagerada não necessariamente alinhada com o bom gosto
                                                                                                                    clássico. No horário nobre atual, também reina o combo jeans justo, blusa curta e acessórios
                                                                                                                    coloridos. A empregada doméstica Penha (Taís Araújo), de Cheias de Charme, é a maior
                                                                                                                    representante desse estereótipo da moda na periferia.5
                                                           A moda e o gosto “duvidoso” aparecem na análise da revista de forma constante, como se
pode observar abaixo.




	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
   	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
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  Zylberkan, Mariana. A classe C no horário nobre. Como – e por que – a Rede globo celebra a classe média emergente
em suas duas principais novelas. Veja, 20 de abril de 2012. Disponível em <
http://veja.abril.com.br/noticia/celebridades/a-globo-e-pop > Acesso em 16 de ago 2012.
                                                                                                                                                                                                                                                           3	
  
	
  
 
	
  



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                Roupas justas e decotes generosos, segundo a publicação, reproduzem o estilo de parte de
mulheres da classe C. Ora, não reproduzem o estilo de parte de mulheres, independentemente de
classe social? Mais uma vez, pode-se notar a assunção de determinada estética ao outro, o
“periguetismo” às classes populares.
                O questionamento do gosto e a expressa distinção entre cultura popular e legítima aparecem
na figura abaixo. Primeiro, coloca-se como característica comum à classe C o gosto pelo
exuberante. E em seguida, desqualifica o gosto pelo “gato de porcelana”, em uma clara ideia de que
o dinheiro não dá acesso ao bom gosto, que seria adquirido, por exemplo, em um curso de história
da arte.




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                                                           O que se parece sugerir é que, apesar de a classe C ter agora o poder de consumo, a cultura
hegemônica a desqualifica, como se trabalhasse em uma perspectiva distintiva, em que pode-se até
diminuir as distâncias de capital econômico entre as classes, porém a classe popular continuará
sendo o Outro, já que não traz consigo o mesmo capital cultural, adquirido pela educação e pelo
acesso aos bens culturais.
                                                           Este aspecto também pode ser percebido em uma entrevista concedida por Silvio de Abreu à
revista Veja.6 Ao ser questionado sobre a demora de a novela Insensato Coração, de Gilberto Braga
e Ricardo Linhares, conquistar grande audiência, o dramaturgo afirmou que “O público D/E tem
dificuldade de perceber as coisas. Eles precisam de tempo. O público A/B percebe com mais
propriedade porque tem raciocínio mais rápido”.

	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
   	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
6
 	
  MAIA, Maria Carolina. Para Silvio de Abreu, novelas demoraram a decolar porque o brasileiro tem pensamento lento.
Veja. 01 de julho de 2011. Disponível em < http://veja.abril.com.br/noticia/celebridades/para-silvio-de-abreu-
raciocinio-lento-das-classes-populares-prejudica-a-arrancada-das-novelas > Acesso em 16 de ago de 2012.
                                                                                                                                                                                                                                                           5	
  
	
  
 
	
  



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                                                           Este tipo de percepção também parece atravessar o imaginário dos criativos na publicidade.
O que se tem percebido, a partir de algumas análises7, é uma assunção de uma estética e estilos
específicos, em que narrativas mais complexas, cores frias e aspecto visual limpo, sem muitos
elementos, são reservados para os públicos mais favorecidos economicamente, enquanto as cores
quentes, muitos elementos e um estilo mais argumentativo são direcionados para os grupos
populares. Muitas vezes, na ausência de pesquisas de mercado, estes critérios são definidos pelos
anunciantes e suas agências, a partir de suas próprias impressões subjetivas, e também pela
observação do que a própria mídia veicula – e tenta explicar.
                                                           Aliás, o que não faltam são manuais para “apresentar” este novo consumidor à sociedade. O
que mais se vêem são matérias com os títulos “Classe C chega a 54% da população e tem renda
média de R$1.450,00”8; “Classe C quer cores, extravagância e fartura”9; “O que fazer para
conquistar as classes C, D e E”10.
                                                           Em dezembro de 2011, a Revista Veja lançou um especial de 22 páginas com o título “A
nova CLA$$E MÉDIA chegou e agora quer mais”11. Para “medir” (nos termos da revista) esse
movimento, a VEJA apresentou sua metodologia: entrevistas pela internet de 5.959 pessoas no mês
de outubro de 2011. E afirma ser o resultado “o mais completo painel dos humores da nova classe
média brasileira” (p. 173). Falando de um contingente de mais de 100 milhões de pessoas, o
especial, que traz matérias sobre profissão, dia-a-dia, eleições, consumo, casa própria, entre outros
assuntos, afirma que esses brasileiros, dos quais 32 milhões ascenderam das classes D e E, passaram
a consumir bens duráveis e também descobriram outras necessidades culturais, sociais e
econômicas “ao se desgarrar da subsistência pura e simples” (p. 173). Parece sugerir, a revista, que
pouco mais que a metade da população não tinha necessidades culturais, sociais e econômicas, antes
da ascensão financeira, e que, até então, a vida consistia em manter-se vivo. Mais à frente, afirma
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
   	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
7
   JORDÃO, Janaína Vieira de Paula. Comunicando o gosto: a publicidade para a Classe C. Trabalho apresentado no
Comunicon – I Congresso Internacional de Comunicação e Consumo – realizado na Escola Superior de Propaganda e
Marketing, ESPM, em 10 e 11 de outubro de 2011. Foram entrevistados 10 profissionais da área de criação de agências
de publicidade a respeito de escolhas estéticas para criação de peças voltadas para a Classe C.
8
  Matéria veiculada na Folha Online. Disponível em < http://www1.folha.uol.com.br/mercado/1065542-classe-c-chega-
a-54-da-populacao-e-tem-renda-media-de-r-1450.shtml > Acesso em 13 de abril de 2012.
9
    Matéria veiculada na Exame.com. Disponível em < http://exame.abril.com.br/pme/noticias/classe-c-quer-cores-
extravagancia-fartura-572254?page=2&slug_name=classe-c-quer-cores-extravagancia-fartura-572254 > Acesso em 13
de abril de 2012.
10
    Guia do Marketing. Disponível em < http://guiadomarketing.powerminas.com/o-que-fazer-para-conquistar-as-
classes-cd-e-e/ > Aceso em 13 de abril de 2012.
11
     VEJA. A nova CLA$$E MÉDIA chegou e agora quer mais. Edição 2247, ano 44, n. 50. Editora Abril: 14 de
dezembro de 2011.
                                                                                                                                                                                                                                                           6	
  
	
  
 
	
  



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que esses cidadãos produziam cultura, mesmo antes, mas agora têm meios para isso. Já deste
momento na leitura, já pode-se perceber o que o texto parece entender por cultura. A cultura parece
ser a que se produz: por exemplo, cinema, teatro, a cultura considerada legítima, esquecendo-se de
inúmeras manifestações culturais que permeiam a vida das pessoas, independentemente da situação
financeira e do status de produtor.
                                                           Já começam também a surgir publicações que se propõem a apresentar a Classe D, como é o
caso da Revista Época Negócios, que, na sua edição de junho de 2012, trouxe uma matéria em que
jornalistas elegeram uma cidade no sertão de Alagoas – Campo Alegre - como “o melhor símbolo
da vida à margem do capitalismo moderno”, em matéria intitulada: O lado D do Brasil: um mercado
ávido para ser descoberto”(p. 63)12. A primeira frase do texto é: “Todas as cidades do interior têm
seus loucos de estimação” (p. 64). E o restante do texto faz uma caracterização quase circense da
população apontando tipos: “Uma mulher de vestido cruza a rua correndo. Trata-se de outro
caricato personagem que povoa as ruas deste interior classe D” (p. 67).
                                                           Como se pode notar, mau-gosto na decoração da casa, ausência ou precariedade cultural,
maior expressão da disponibilidade sexual feminina são algumas das características que parecem
traçar um perfil – ou uma caricatura – das pessoas das classes economicamente emergente
brasileiras.


                                                           Questão de classe?
                                                           Nas várias tabelas e matérias publicadas pela revista Veja13, uma mirada mais de perto nos
permite notar algumas caracterizações à classe C que não lhe parecem ser específicas. Fala-se, por
exemplo, que a casa é importante para nós, brasileiros, independentemente do estrato econômico.
                                                                                                                    A diferença é que, se anteriormente quem tinha menor poder aquisitivo dava extremo valor à
                                                                                                                    posse de um teto, agora almeja mais e se empenha por um teto sob o qual viva com
                                                                                                                    qualidade e conforto. Ao se reinventar, a nova classe média brasileira assenhora-se de bens
                                                                                                                    que não podia ter até então (p. 192-193).

                                                           Essa não parece ser uma “diferença” que a nova classe média traz consigo. Parece ser uma
característica usual para qualquer pessoa dentro de uma cultura de consumo, que aumente o seu
padrão de vida, ou o seu poder de compra. Pelo menos, em termos metodológicos, tal afirmação
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
   	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
12
      TODESCHINI, Marcos. O lado D do Brasil: um mercado ávido para ser descoberto. Época Negócios. Junho 2012. P.
63 a 69.
13
  	
  VEJA. A nova CLA$$E MÉDIA chegou e agora quer mais. Edição 2247, ano 44, n. 50. Editora Abril: 14 de
dezembro de 2011.	
  
                                                                                                                                                                                                                                                           7	
  
	
  
 
	
  



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seria válida caso a pesquisa mostrasse que outras pessoas de diferentes classes econômicas agem de
forma diferente, o que não é o caso.
                                                           O mesmo ocorre com a religiosidade. Em versão digital, a Época Negócios disponibilizou
um teste intitulado: “Teste seu conhecimento sobre a classe D: responda dez perguntas e veja se
você entende este novo mercado.”14 Em pergunta específica sobre religião (a relação da classe D
com a religiosidade), a resposta certa afirma que a classe D não só pertence a uma igreja como é
frequentadora – muitas vezes, em mais de uma. O que chama atenção aqui é que se apontam dados
sobre religiosidade sem qualquer comparação com outras classes econômicas, mas que, da forma
como são mostrados, sugerem que esta classe específica é detentora de tal característica.
                                                           Aliás, a religiosidade parece estar sendo empurrada para as classes populares. Uma outra
pergunta do teste quer saber a justificativa das pessoas da Classe D para não pagarem a conta de
luz. As três respostas possíveis são: a) Não pago porque água e luz são coisas de Deus; b) Não pago
porque não tenho dinheiro; c) Não pago porque não posso parcelar. A resposta correta, segundo o
questionário é a). A justificativa: “Existia um efeito em cascata secular nos grandes morros: não
existia uma tradição de pagar contas de água e luz. Eles eram considerados direitos gratuitos.” Ora,
mas a justificativa da resposta em nada tem a ver com com a proposição correta. Hábito de não
pagar nem de longe tem relação com a crença de que tais serviços são obras do divino.
                                                           Um outro exemplo de caracterização forçada acontece em uma pergunta específica sobre o
papel das mulheres nos lares da classe D. Segundo o questionário, 35% delas sustentam suas casas,
e a justificativa é: “Apesar de ser uma classe que conserva muito traço de machismo, as mulheres
têm um papel importante. Quando não comandam o lar, organizam o consumo e as compras dentro
de casa”. E nas outras classes? Em que medida isso se diferencia? O teste não traz.
                                                           E voltemos às periguetes: roupas justas e decotes generosos reproduzem o estilo de parte de
mulheres da classe C, ou de parte de mulheres?
                                                           Este é um aspecto que chama a atenção: atribuir a estas fatias da população características
que poderiam ser facilmente pensadas também para outros estratos econômicos, ou a simples
ausência de comparação que comprove as afirmações. A questão é que essas conceituações têm sido
trabalhadas cotidianamente nas novelas, nas revistas (inclusive em suas análises, com conteúdo
jornalístico) e na publicidade. Conceituações que não se provam nem pelo menos bem
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
   	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
14
   Disponível em < http://epocanegocios.globo.com/Informacao/Visao/noticia/2012/06/teste-seus-conhecimentos-sobre-
classe-d.html > Acesso em 15 de ago 2012.
                                                                                                                                                                                                                                                           8	
  
	
  
 
	
  



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fundamentadas para se repetirem até terem o tom da verdade, da legitimidade, do conceito
hegemônico do que sejam essas pessoas que compõem a nova classe média brasileira.
                Se podemos considerar como premissa o pensamento de Gilberto Freyre sobre
características – romantizadas ou não – presentes na formação da cultura brasileira, o que parece é
que a mídia tem dito: os brasileiros são os outros. E esses outros são as classes C e D.


                Questão de classe.
                Existem várias perspectivas teóricas que buscam definir um conceito de classes. Até aqui,
neste trabalho, obviamente estamos falando expressamente da classe C, uma conceituação feita por
critérios econômicos, medidos por meio de renda e/ou posse de bens. Do ponto de vista teórico, o
que diferencia uma classe de outra vai depender de que corrente utilizarmos. Até pela extensão
deste trabalho, não vamos fazer um apanhado das teorias a respeito do tema, mesmo porque, de
fato, não é exatamente este o nosso objetivo, mas sim buscar entender as relações que se dão entre
grupos distintos, em que se determina quem é “nós” e quem são “eles”. Como entendemos – e
trataremos mais à frente – que esta definição ocorre por meio da dominação, no sentido weberiano,
aqui vamos trabalhar o conceito de classe segundo este mesmo autor.
                            “Falamos de “classe” quando 1) uma pluralidade de pessoas tem em comum um
                            compontente causal específico de suas oportunidades de vida, na medida em que 2) este
                            componente está representado, exclusivamente, por interesses econômicos, de posse de bens
                            e aquisitivos, e isto 3) em condições determinadas pelo mercado de bens ou de trabalho
                            (“situação de classe”) (WEBER, 2004, p. 176)

	
              A situação de classe compartilhada não transforma uma classe em comunidade, segundo o
autor, mas acaba por ser um condicionador comum do destino dos indivíduos. Ou seja, o viés
econômico é o fator causal das oportunidades de vida das pessoas, mas, que por isso, não dividem
somente esta semelhança que remete ao aspecto quantitativo. Uma vez que Weber fala em
oportunidades de vida, podemos entender que as pessoas dividem também certas experiências
pessoais, determinadas formas de aquisição de bens e de trabalho e, portanto, de limites, que
desenham sua situação de classe, ou situação no mercado.
                Ou seja, há mais a se observar, além do aspecto econômico. Aliás, segundo Souza (2006), é
justamente o fator economicista do conceito de classe social da tradição marxista que deixa de lado
a problemática simbólica e cultural decorrente do pertencimento a uma classe (visto somente como
lugar da produção ou na renda). Para o autor, isso faz com que não se percebam contradições e as

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“formas opacas e socioculturais de ‘racismo de classe’” (SOUZA, 2006, p. 133), que seriam mais
perceptíveis caso se levassem em conta causas culturais, políticas e morais, por exemplo. A questão
de classe, para este autor, é inclusive anterior à questão racial no caso brasileiro, uma vez que no
Brasil, um negro que pertença a classes superiores sofre um efeito de “embranquecimento”.
                Ainda em relação às classes, segundo Bourdieu (2007), a posição de um indivíduo em uma
estrutura social não deve ser levada em conta por uma perspectiva estática, como se estivesse em
posição superior, média ou inferior em um dado momento. É preciso considerar o trajeto social,
inclusive o sentido do trajeto, se ascendente ou descendente. Especialmente, num trabalho como
este em que estamos falando de uma classe em ascensão, em direção – ao menos economicamente -
a outra que ocupa lugar de prestígio.
                Prestígio, aliás, é, segundo Weber (2004), uma outra forma de distribuição de poder na
sociedade, juntamente com as classes e os partidos. O prestígio faz a parte positiva do que Weber
chama de estamentos, que não são configurados necessariamente pelo status econômico, mas
equivalem à honra (positiva ou negativa) que possui um grupo de pessoas. O estamento, sim, tem
caráter de comunidade, mas ainda que frequentemente se apresente de maneira amorfa, podendo ter
na sua constituição indivíduos de diferentes classes. A honra, portanto, pode estar ou não ligada a
uma situação de classe, e inclusive é um status que pode com o tempo ser adquirido por uma classe
específica, tanto por usar determinados trajes, comer alimentos proibidos aos outros, praticar
determinadas artes, quanto inclusive pela posse da propriedade, que pode adquirir um caráter
estamental.
                Fazendo um paralelo entre classes e estamentos, temos que “as ‘classes’ diferenciam-se
segundo as relações com a produção e aquisição de bens, os ‘estamentos’, segundo os princípios de
seu consumo de bens, que se manifestam em ‘conduções da vida’ específicas” (WEBER, 2004, p.
185). Tais conduções de vida fazem relação com toda e qualquer manifestação de estilização da
vida, segundo o autor, e o que se quer é manter o monopólio de bens ou oportunidades garantidas
pela diferenciação estamental. Segundo Weber, a honra estamental sempre se baseia em distância e
exclusividade. Esta honra,
                            como tal, está ameaçada em sua raiz, quando a mera aquisição econômica e o nu e cru poder
                            econômico, que ainda traz o timbre da sua origem extra-estamental, podem proporcionar
                            àquele que os conseguiu a mesma “honra”, ou até superior quanto ao efeito, que aquela que
                            pretendem para si os interessados estamentais em virtude de sua condução da vida – já que,
                            sendo quanto ao resto igual à honra estamental, a propriedade constitui, por toda parte, um
                            fator decisivo adicional, ainda que não reconhecido. Em toda diferenciação estamental, os
                                                                                                                      10	
  
	
  
 
	
  



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                            aquisitiva puramente econômica, como tal, e isto, em geral, tanto mais quanto mais se
                            sentem ameaçados (WEBER, 2004, p. 184).

                Isto é que o que se pode considerar como hipótese neste trabalho. Será que esta conceituação
depreciativa que se faz da classe C na mídia de massa não pode ter relação com uma proteção da
“honra” que vai além da condição econômica? As repetidas investidas na questão do mau gosto, na
disponibilidade sexual, na crença religiosa fácil (a ponto de sugerir que água e luz seriam dádivas
de Deus, quando a resposta trazia somente a questão habitual do não pagamento) não podem refletir
uma defesa de um território simbólico da cultura (ou do acesso aos bens culturais tidos como
legítimos), da educação e de uma racionalidade das classes dominantes?
                Segundo Bourdieu (2007), não há nada mais falso do que acreditar que ações simbólicas, na
lógica do sistema de atos e procedimentos expressivos, não signifiquem além delas mesmas: “na
verdade, elas exprimem sempre a posição social segundo uma lógica que é a mesma da estrutura
social, a lógica da distinção” (p. 17). Assim, os sistemas simbólicos exprimem os desvios que
definem a própria estrutura da sociedade enquanto sistema de significações.
                Ocorre, pois, uma bifurcação da cultura, em que, de um lado, estão as práticas culturais de
um valor distintivo que é mais forte à medida que elas são menos compartilhadas; e de outro, por
meio de um processo de desqualificação, estão as práticas relegadas ao divertimento popular
(CHARTIER, 1995).
                Obviamente, esta bifurcação não ocorre somente no aspecto do consumo cultural, mas
também do material. As roupas e os enfeites são, dentre todos os tipos de consumo, ao lado da
linguagem e da cultura, os que mais abrigam uma função expressiva e melhor realizam a função de
sociação e dissociação (BOURDIEU, 2007). E é interessante notar que as conceituações que a
mídia faz da classe C passam por esses dois elementos: as roupas justas e decotadas, moda “de parte
das mulheres da classe C” e o desdém pelos objetos de decoração utilizados na novela.
                            Deve-se levar em conta que a procura consciente ou inconsciente da distinção toma
                            inevitavelmente a forma de uma busca do refinamento e pressupõe o domínio das regras
                            desses jogos refinados que são o monopólio dos homens cultivados de uma sociedade
                            (BOURDIEU, 2007, p. 21).
                Pode se pensar que, se o jogo dos sentidos é comandado por alguém, isso se dá por meio da
dominação. Segundo Weber (2004), a grande maioria das comunidades econômicas têm uma
estrutura que implica em dominação. Segundo o autor, a dominação é um caso especial do poder e
seus detentores não estão necessariamente interessados em fatores econômicos, apesar de que isso
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muitas vezes possa vir a ser a consequência. Pode apresentar-se nas formas mais diversas, como
forma de impor ao comportamento de terceiros a vontade do dominador. Mas existem dois tipos
radicalmente opostos: a dominação movida por uma constelação de interesses (situação de
mercado), ou em virtude de autoridade (poder de mando). Entendemos que a dominação de que
estamos falando neste trabalho seja a movida por interesses, uma vez que ela é menos clara, não
tem regulamentos, mas, segundo Weber (2004, p. 191), justamente por isso, pode ser sentida como
algo muito mais opressivo do que a existência de uma autoridade expressamente regulamentada a
que se estabelecem deveres de obediência.
                                                           É a dominação através de uma imposição de um padrão estético e de conduta, em que mídia
parece classificar os gostos e comportamentos da classe C. Para Souza (2006), como na sociedade
moderna se vive na pressuposição de igualdade, a desigualdade deve ser legitimada, e, a partir daí,
quando uma realidade é institucionalizada e naturalizada no cotidiano, se esquecem suas origens.
                                                                                                                    A imposição da legitimidade é a forma acabada da violência simbólica, violência atenuada,
                                                                                                                    que só pode ser exercida com a cumplicidade de suas vítimas e que, assim, pode dar à
                                                                                                                    imposição arbitrária de necessidades arbitrárias a aparência de uma ação libertadora,
                                                                                                                    infocada a partir do mais íntimo daqueles que a sofrem (BOURDIEU, 2008, p. 183).

                                                           A necessidade da justificação da legitimidade surge, segundo Weber (200 , p. 197), em uma
situação de existência de contrastes acentuados de qualquer natureza entre pessoas, a partir da qual
a que se encontra em situação mais favorável possa considerar o contraste que o privilegia como
legítimo, impondo ao outro a culpa ou o merecimento da situação desfavorável em que se encontra.
Nem sempre isso é percebido como violência, ou como dominação, e por isso, muitas vezes aceita-
se essa lenda.15
                                                           Entendemos que essa possibilidade de aceitação (da violência simbólica e não na recepção
dos conteúdos midiáticos, onde os estudos culturais já bem trabalharam a questão da apropriação,
negociação e negação) se dê por dois motivos: um que está baseado em uma própria justificação
interna da legitimidade da dominação, que é a autoridade do costume, do tradicional, do “que foi
sempre assim”.16 E o outro porque




	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
   	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
15
  	
  Aliás, segundo Bourdieu (2008), a violência simbólica é tanto mais presente, quanto mais estiver mascarada. 	
  
16
      Segundo Weber (2004) são três os fundamentos da legitimidade de uma dominação: a autoridade do “eterno ontem”,
o carisma (do herói, do profeta, do demagogo…) e a legalidade, onde há a crença na validade dos estatutos legais e das
regras criadas.
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                            o desconhecimento coletivo que está na origem da moral da honra, como denegação coletiva
                            da verdade econômica da troca, só é possível porque, neste tipo de mentira do grupo para
                            consigo mesmo, nunca existe enganador, nem enganado (BOURDIEU, 2008, p. 212).
                E neste movimento contínuo de reverberação do conceito midiático do que seja a classe C,
ocorre o que Bourdieu (2008) chama de operação fundamental da alquimia social: transformar
relações arbitrárias em legítimas, e diferenças em distinções oficialmente reconhecidas. Se as
distinções entre pessoas e grupos se tornam legítimas, pode-se pensar que estes passam a se tornar
estigmatizados.
                Segundo Goffman (1988), a sociedade estabelece os meios de categorizar as pessoas.
Quando uma pessoa tem algum atributo que destoe das características tomadas como padrão, torna-
se estigmatizada, e assim, diminuída e desacreditada, como se não fosse completamente humana.
                            Com base nisso, fazemos vários tipos de discriminações, através das quais efetivamente, e
                            muitas vezes sem pensar, reduzimos suas chances de vida: construímos uma teoria do
                            estigma; uma ideologia para explicar a sua inferioridade e dar conta do perigo que ela
                            representa, racionalizando algumas vezes uma animosidade baseada em outras diferenças,
                            tais como as de classe social (GOFFMAN, 1988, p. 8).
                A manipulação dos estigmas acontece, segundo o autor, sempre que há normas de
identidade em uma sociedade. Ou seja, se estamos partindo de um padrão de bom gosto, de cultura
legítima, os desviantes passam a ser os estigmatizados. Assim, a sociedade diz para o estigmatizado
que ele é um ser humano normal, que faz parte de um grupo amplo, mas ao mesmo tempo é
diferente, e que não há como negar essa diferença. Daí, segundo Goffman (1988), surge a
possibilidade do sentimento de vergonha, quando o indivíduo percebe que um de seus atributos é
impuro, e imagina-se como um não-portador dele.

                            Há os membros da classe baixa que, de forma bastante perceptível, trazem a marca de seu
                            status na linguagem, aparência e gestos, e que, em referência às instituições públicas de
                            nossa sociedade, descobrem que são cidadãos de segunda classe (GOFFMAN, 1988, p.123).

                Ainda segundo o autor, isso repercute na interação face-a-face, em que há a insegurança do
estigmatizado sobre a recepção que o espera. Segundo Bourdieu (2008),

                            a vergonha corporal e qualquer outra espécie de vergonha cultural – aquela resultante de um
                            sotaque, de um falar ou gosto – encontram-se, com efeito, entre as formas mais insidiosas da
                            dominação porque levam a viver, segundo o modelo do pecado original e da indignidade
                            essencial, certas diferenças que, mesmo em relação às mais naturais na aparência, tais como
                            as que têm a ver com o corpo, são o produto de condicionamentos sociais, portanto, da
                            condição econômica e social (BOURDIEU, 2008, p. 185).



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                                                           Classe C de corpo ou alma.

                                                           É possível pensar em uma hipótese a respeito específico do “periguetismo”, que também faz
relação com o estigma da incapacidade intelectual. Segundo Souza (2006), o nascimento do
Ocidente teve uma especificidade que foi a produção de uma ética do trabalho baseada na oposição
alma x corpo, sendo a alma (a mente, o espírito) a virturde, e sendo o corpo o mal e o pecado, com
os seus “desejos insaciáveis”17. A alma deveria controlar o corpo como pressuposto de um trabalho
produtivo e sagrado, especialmente no que tange à ética protestante. Ainda segundo Souza (2006),
com o desenvolvimento do capitalismo, separam-se os indivíduos com conhecimento incorporado,
ou seja, com corpo e alma trespassados, dos que dispõem apenas do próprio corpo como
instrumento de trabalho. Mesmo depois da “decadência” da religião e passando o Estado e o
mercado a controlarem o acesso das pessoas aos bens e recursos escassos - entre financeiros a de
prestígio – legitima-se a separação entre classes com capital cultural (dominantes) e classes que
possuem somente o próprio corpo (dominadas). Esses últimos passam a ser considerados
dispensáveis, uma espécie de “lixo social” (p. 144), subcidadãos, a quem faltam condições para
concorrer em um mercado de trabalho que privilegia o conhecimento incorporado.
                                                           Nesta perspectiva, podemos pensar que os estigmatizados, os tidos como depreciados,
podem ser vistos somente como corpo. O corpo que é pecador, que tem desejos, e que deve ser
contido pela alma, pela mente. Na lógica da legitimação da desigualdade, isso faria sentido: sem a
inteligência, ou capital cultural, sobra o corpo, que, além de servir para o desenvolvimento dos
trabalhos braçais menos valorizados na sociedade, indomado, serve aos desejos. Assim, a mulher da
classe C é avaliada segundo uma conexão dupla de conceitos depreciativos: como corpo, por ser
mulher (e isso independentemente de classe social); e disponível, por ser corpo da classe C sem o
controle sublime da alma. Ou seja, periguete.




	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
   	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
17
   O surgimento de oposições é trabalhado por diferentes teóricos, divergindo a respeito de épocas e até de diferentes
atributos. Segundo Chartier (1995), há alguns autores que colocam o momento chave de oposição entre cultura erudita e
popular por volta de 1600-1650. E há historiadores que afirmam que em 1200, uma imposição de ordem teológica,
científica e filosófica separa as culturas eruditas das tradições folclóricas e quaisquer práticas tidas como supersticiosas,
sendo estas últimas a cultura dos humildes. O que se pode observar, independentemente da corrente escolhida, é que a
oposição sempre colocou em lados contrários classes sociais diferentes. Ou poderíamos pensar em uma oposição entre
religiosos e ateus, por exemplo, em diferentes estratos econômicos. Mas o que parece é que o fator econômico está
imbricado nas buscas de legitimação de diferenças socioculturais.
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                Considerações (ou questionamentos) finais.

                Será tudo isso um exagero, quando se trata de um grupo que está ascendendo
economicamente, e que está tendo bastante visibilidade na mídia, a ponto de ser definido por meio
de manuais e até ter papéis de destaque nas novelas de maior audiência? Talvez possa ser, se
pensarmos do ponto de vista de que, na novela, as situações funcionam muito mais intra-classes, e,
devido à emergência do tema, é dada uma espécie de protagonismo aos personagens. Mas, e no
âmbito residencial, só para citar um exemplo corriqueiro, onde uma trabalhadora doméstica convive
em uma interação face-a-face com sua patroa? Entendemos que a aderência de um conceito como
periguete a pessoas de sua classe social pode contribuir para minar ainda mais uma história de luta
pela cidadania, para tornar ainda mais profundas distinções e desigualdades que se encontram não
só neste tipo de relação e não só em referência a este atributo, em inúmeros setores da sociedade.
Seriam inúmeros os tipos de exemplos que poderiam ser trazidos. Mas o fundamental para este
artigo foi tentar percorrer um caminho tortuoso, delicado e cheio de armadilhas, para se vislumbrar
e trazer à tona uma das práticas que nós temos estabelecido há muito, mas especialmente agora
neste momento de “conceituação” da Classe C, que levam à separação entre “nós” e “eles”, de
forma a parecer natural que a vida de um valha mais do que a do outro.


Referências

BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2007.

______. A produção da crença: contribuição para uma economia dos bens simbólicos. Porto Alegre, RS:
Zouk, 2008.

CHARTIER, Roger. “Cultura popular”: revisitando um conceito historiográfico. Estudos Históricos, vol. 8,
n. 16, p. 179-192. Rio de Janeiro, 1995.

GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4. ed. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 1988.

SOUZA, Jessé. A invisibilidade da desigualdade brasileira. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.

WEBER, Max. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Volume 2. São Paulo:
Editora UnB, 2004.




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Representação midiática da Classe C e estereótipos de gênero e classe

  • 1.     PPGCOM  ESPM  –  ESCOLA  SUPERIOR  DE  PROPAGANDA  E  MARKETING  –  SÃO  PAULO  –  15  E  16  OUTUBRO  DE  2012   “Olhai as periguetes”: a representação das classes populares na mídia e a estetização da diferença.1 Janaína Vieira de Paula Jordão2 Universidade Federal de Goiás Resumo Temos visto a emergência da classe C, não só ao poder de consumo, como também à grande visibilidade na mídia. Inúmeras publicações visam “apresentar” estes novos consumidores, com verdadeiros manuais do tipo “entenda tudo sobre a nova classe média”. Mas, dentro destas conceituações, percebe-se a aproximação de outros atributos que não têm necessária conexão com qualquer faixa econômica, como disponibilidade sexual, mau-gosto, inteligência e religiosidade. Para buscar entender estas questões, foi feita uma breve análise de alguns destes “manuais” e entrevistas de alguns formadores de opinião a meios de grande veiculação. A partir daí, conceitos como dominação de Max Weber, distinção e violência simbólica de Pierre Bourdieu, estigma de Erving Goffman e subcidadania de Jessé Souza foram trazidos para guiar os questionamentos sobre essas legitimações de desigualdades que pairam sobre o imaginário da sociedade e que vão repercutir tanto na grande mídia, quanto nas interações face-a-face. Palavras-chave: Classe C; Mídia; Consumo; Dominação; Estigma. Introdução Temos acompanhado a estabilização da economia e o aumento do poder de consumo – seja pelo maior poder aquisitivo ou pelo aumento do acesso ao crédito – da Classe C. Com isso, aumentou também o investimento em programação de entretenimento e publicidade com o objetivo de falar da e com esta “nova” e ampla classe consumidora. Mas uma coisa que se pode observar, juntamente com todo esse movimento, é uma espécie de conceituação que o discurso midiático tem feito da Classe C, que parece ultrapassar o aspecto econômico, que é o fator fundamental de diferenciação de classe, nos termos de que estamos aqui                                                                                                                         1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho 01 – COMUNICAÇÃO, CONSUMO E DIFERENÇA, do 2º Encontro de GTs - Comunicon, realizado nos dias 15 e 16 de outubro de 2012. 2 É doutoranda no programa de Pós-Graduação em Sociologia da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás e professora no curso de Publicidade e Propaganda da Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia da UFG. É bolsista da FAPEG - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás. janainavpj@gmail.com
  • 2.     PPGCOM  ESPM  –  ESCOLA  SUPERIOR  DE  PROPAGANDA  E  MARKETING  –  SÃO  PAULO  –  15  E  16  OUTUBRO  DE  2012     tratando: Classe, seguido de A/B/C/D/E. E isso, independentemente do critério que se use, se pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), que é formulado a partir da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio (PNAD), pelo IBGE; ou se pelo Critério Brasil, feito pela Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa (ABEP). E é isto que este artigo vai buscar: entender, por meio de um breve mapeamento de algumas publicações de grande circulação, quais são os outros padrões – além dos de renda – que estão, segundo a mídia – caracterizando essa classes econômica, tendo em mente que tentar apreender as regras do jogo da divulgação e da distinção segundo as quais as classes sociais exprimem as diferenças de situação e de posição que as separam, não significa reduzir todas as diferenças, e muito menos a totalidade destas diferenças, a começar por seu aspecto econômico, a distinções simbólicas, e muito menos, reduzir as relações de força a puras relações de sentido. Significa optar por acentuar explicitamente, com fins heurísticos, e ao preço de uma abstração que deve revelar-se como tal, um perfil da realidade social que, muitas vezes, passa despercebido, ou então, quando percebido, quase nunca aparece enquanto tal. (BOURDIEU, 2007, p. 25). Olhai as periguetes. Em recente entrevista à Folha de S. Paulo, o estilista Alexandre Herchcovitch, falando sobre os desejos do consumidor final no Brasil, afirmou: Vamos cair na real, gente. O Brasil tem expertise de fazer roupa popular, de "periguete". A gente também tem que olhar para isso. Pensei no banho hoje e queria falar: o que vendo mais e menos? Não vendo tanto vestido de R$ 10 mil. O que vendo muito são meus produtos de licenciamento, edredons de R$ 250, sapatos de R$ 129. Não vou deixar de fazer vestidos caros porque tenho clientes que os querem. Hoje, quem quiser sobreviver no Brasil e competir vai ter de fazer produtos para as classes C e D. (WHITEMAN, DINIZ, 2012)3 Ao passar os olhos sobre uma entrevista de um estilista, pode-se pensar que, quando ele fala de periguetes, esteja caracterizando mulheres de determinado comportamento social ou sexual4, que têm como emblema o uso de roupas mais extravagantes, ou que deixam o corpo à mostra. Mas, numa leitura mais atenta, levando em conta o todo da entrevista - que foi publicado – pode-se perceber de que ele não está falando sobre essas mulheres. Ele está falando sobre pessoas das camadas populares, mais especificamente, das classes C e D. Ou seja, alinhavou o conceito de periguete – uma mulher namoradeira – a um contexto de toda uma classe econômica.                                                                                                                         3 WHITEMAN, Vivian; DINIZ, Pedro. Olhai as Periguetes. 2012. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/47958-olhai-as-periguetes.shtml> Acesso em: 18 jun 2012.   4 Segundo o Dicionário Aurélio, periguete significa: moça ou mulher namoradeira. 2    
  • 3.     PPGCOM  ESPM  –  ESCOLA  SUPERIOR  DE  PROPAGANDA  E  MARKETING  –  SÃO  PAULO  –  15  E  16  OUTUBRO  DE  2012     O mesmo parece ocorrer em matéria do site Veja a respeito da “Classe C no horário nobre”. Segundo a matéria, usualmente, grupos populares faziam parte de núcleos, em torno da trama principal. Agora, duas novelas na Rede Globo têm a trama ambientada no cotidiano da nova classe média: Cheias de Charme (19h) e Avenida Brasil (21h), esta última com 79% de seus personagens dentro deste perfil. Segundo análise feita pelo site de Veja, As casas de personagens centrais como Carminha (Adriana Esteves), em Avenida Brasil, primam por uma ostentação exagerada não necessariamente alinhada com o bom gosto clássico. No horário nobre atual, também reina o combo jeans justo, blusa curta e acessórios coloridos. A empregada doméstica Penha (Taís Araújo), de Cheias de Charme, é a maior representante desse estereótipo da moda na periferia.5 A moda e o gosto “duvidoso” aparecem na análise da revista de forma constante, como se pode observar abaixo.                                                                                                                         5  Zylberkan, Mariana. A classe C no horário nobre. Como – e por que – a Rede globo celebra a classe média emergente em suas duas principais novelas. Veja, 20 de abril de 2012. Disponível em < http://veja.abril.com.br/noticia/celebridades/a-globo-e-pop > Acesso em 16 de ago 2012. 3    
  • 4.     PPGCOM  ESPM  –  ESCOLA  SUPERIOR  DE  PROPAGANDA  E  MARKETING  –  SÃO  PAULO  –  15  E  16  OUTUBRO  DE  2012     Roupas justas e decotes generosos, segundo a publicação, reproduzem o estilo de parte de mulheres da classe C. Ora, não reproduzem o estilo de parte de mulheres, independentemente de classe social? Mais uma vez, pode-se notar a assunção de determinada estética ao outro, o “periguetismo” às classes populares. O questionamento do gosto e a expressa distinção entre cultura popular e legítima aparecem na figura abaixo. Primeiro, coloca-se como característica comum à classe C o gosto pelo exuberante. E em seguida, desqualifica o gosto pelo “gato de porcelana”, em uma clara ideia de que o dinheiro não dá acesso ao bom gosto, que seria adquirido, por exemplo, em um curso de história da arte. 4    
  • 5.     PPGCOM  ESPM  –  ESCOLA  SUPERIOR  DE  PROPAGANDA  E  MARKETING  –  SÃO  PAULO  –  15  E  16  OUTUBRO  DE  2012     O que se parece sugerir é que, apesar de a classe C ter agora o poder de consumo, a cultura hegemônica a desqualifica, como se trabalhasse em uma perspectiva distintiva, em que pode-se até diminuir as distâncias de capital econômico entre as classes, porém a classe popular continuará sendo o Outro, já que não traz consigo o mesmo capital cultural, adquirido pela educação e pelo acesso aos bens culturais. Este aspecto também pode ser percebido em uma entrevista concedida por Silvio de Abreu à revista Veja.6 Ao ser questionado sobre a demora de a novela Insensato Coração, de Gilberto Braga e Ricardo Linhares, conquistar grande audiência, o dramaturgo afirmou que “O público D/E tem dificuldade de perceber as coisas. Eles precisam de tempo. O público A/B percebe com mais propriedade porque tem raciocínio mais rápido”.                                                                                                                         6  MAIA, Maria Carolina. Para Silvio de Abreu, novelas demoraram a decolar porque o brasileiro tem pensamento lento. Veja. 01 de julho de 2011. Disponível em < http://veja.abril.com.br/noticia/celebridades/para-silvio-de-abreu- raciocinio-lento-das-classes-populares-prejudica-a-arrancada-das-novelas > Acesso em 16 de ago de 2012. 5    
  • 6.     PPGCOM  ESPM  –  ESCOLA  SUPERIOR  DE  PROPAGANDA  E  MARKETING  –  SÃO  PAULO  –  15  E  16  OUTUBRO  DE  2012     Este tipo de percepção também parece atravessar o imaginário dos criativos na publicidade. O que se tem percebido, a partir de algumas análises7, é uma assunção de uma estética e estilos específicos, em que narrativas mais complexas, cores frias e aspecto visual limpo, sem muitos elementos, são reservados para os públicos mais favorecidos economicamente, enquanto as cores quentes, muitos elementos e um estilo mais argumentativo são direcionados para os grupos populares. Muitas vezes, na ausência de pesquisas de mercado, estes critérios são definidos pelos anunciantes e suas agências, a partir de suas próprias impressões subjetivas, e também pela observação do que a própria mídia veicula – e tenta explicar. Aliás, o que não faltam são manuais para “apresentar” este novo consumidor à sociedade. O que mais se vêem são matérias com os títulos “Classe C chega a 54% da população e tem renda média de R$1.450,00”8; “Classe C quer cores, extravagância e fartura”9; “O que fazer para conquistar as classes C, D e E”10. Em dezembro de 2011, a Revista Veja lançou um especial de 22 páginas com o título “A nova CLA$$E MÉDIA chegou e agora quer mais”11. Para “medir” (nos termos da revista) esse movimento, a VEJA apresentou sua metodologia: entrevistas pela internet de 5.959 pessoas no mês de outubro de 2011. E afirma ser o resultado “o mais completo painel dos humores da nova classe média brasileira” (p. 173). Falando de um contingente de mais de 100 milhões de pessoas, o especial, que traz matérias sobre profissão, dia-a-dia, eleições, consumo, casa própria, entre outros assuntos, afirma que esses brasileiros, dos quais 32 milhões ascenderam das classes D e E, passaram a consumir bens duráveis e também descobriram outras necessidades culturais, sociais e econômicas “ao se desgarrar da subsistência pura e simples” (p. 173). Parece sugerir, a revista, que pouco mais que a metade da população não tinha necessidades culturais, sociais e econômicas, antes da ascensão financeira, e que, até então, a vida consistia em manter-se vivo. Mais à frente, afirma                                                                                                                         7 JORDÃO, Janaína Vieira de Paula. Comunicando o gosto: a publicidade para a Classe C. Trabalho apresentado no Comunicon – I Congresso Internacional de Comunicação e Consumo – realizado na Escola Superior de Propaganda e Marketing, ESPM, em 10 e 11 de outubro de 2011. Foram entrevistados 10 profissionais da área de criação de agências de publicidade a respeito de escolhas estéticas para criação de peças voltadas para a Classe C. 8 Matéria veiculada na Folha Online. Disponível em < http://www1.folha.uol.com.br/mercado/1065542-classe-c-chega- a-54-da-populacao-e-tem-renda-media-de-r-1450.shtml > Acesso em 13 de abril de 2012. 9 Matéria veiculada na Exame.com. Disponível em < http://exame.abril.com.br/pme/noticias/classe-c-quer-cores- extravagancia-fartura-572254?page=2&slug_name=classe-c-quer-cores-extravagancia-fartura-572254 > Acesso em 13 de abril de 2012. 10 Guia do Marketing. Disponível em < http://guiadomarketing.powerminas.com/o-que-fazer-para-conquistar-as- classes-cd-e-e/ > Aceso em 13 de abril de 2012. 11 VEJA. A nova CLA$$E MÉDIA chegou e agora quer mais. Edição 2247, ano 44, n. 50. Editora Abril: 14 de dezembro de 2011. 6    
  • 7.     PPGCOM  ESPM  –  ESCOLA  SUPERIOR  DE  PROPAGANDA  E  MARKETING  –  SÃO  PAULO  –  15  E  16  OUTUBRO  DE  2012     que esses cidadãos produziam cultura, mesmo antes, mas agora têm meios para isso. Já deste momento na leitura, já pode-se perceber o que o texto parece entender por cultura. A cultura parece ser a que se produz: por exemplo, cinema, teatro, a cultura considerada legítima, esquecendo-se de inúmeras manifestações culturais que permeiam a vida das pessoas, independentemente da situação financeira e do status de produtor. Já começam também a surgir publicações que se propõem a apresentar a Classe D, como é o caso da Revista Época Negócios, que, na sua edição de junho de 2012, trouxe uma matéria em que jornalistas elegeram uma cidade no sertão de Alagoas – Campo Alegre - como “o melhor símbolo da vida à margem do capitalismo moderno”, em matéria intitulada: O lado D do Brasil: um mercado ávido para ser descoberto”(p. 63)12. A primeira frase do texto é: “Todas as cidades do interior têm seus loucos de estimação” (p. 64). E o restante do texto faz uma caracterização quase circense da população apontando tipos: “Uma mulher de vestido cruza a rua correndo. Trata-se de outro caricato personagem que povoa as ruas deste interior classe D” (p. 67). Como se pode notar, mau-gosto na decoração da casa, ausência ou precariedade cultural, maior expressão da disponibilidade sexual feminina são algumas das características que parecem traçar um perfil – ou uma caricatura – das pessoas das classes economicamente emergente brasileiras. Questão de classe? Nas várias tabelas e matérias publicadas pela revista Veja13, uma mirada mais de perto nos permite notar algumas caracterizações à classe C que não lhe parecem ser específicas. Fala-se, por exemplo, que a casa é importante para nós, brasileiros, independentemente do estrato econômico. A diferença é que, se anteriormente quem tinha menor poder aquisitivo dava extremo valor à posse de um teto, agora almeja mais e se empenha por um teto sob o qual viva com qualidade e conforto. Ao se reinventar, a nova classe média brasileira assenhora-se de bens que não podia ter até então (p. 192-193). Essa não parece ser uma “diferença” que a nova classe média traz consigo. Parece ser uma característica usual para qualquer pessoa dentro de uma cultura de consumo, que aumente o seu padrão de vida, ou o seu poder de compra. Pelo menos, em termos metodológicos, tal afirmação                                                                                                                         12 TODESCHINI, Marcos. O lado D do Brasil: um mercado ávido para ser descoberto. Época Negócios. Junho 2012. P. 63 a 69. 13  VEJA. A nova CLA$$E MÉDIA chegou e agora quer mais. Edição 2247, ano 44, n. 50. Editora Abril: 14 de dezembro de 2011.   7    
  • 8.     PPGCOM  ESPM  –  ESCOLA  SUPERIOR  DE  PROPAGANDA  E  MARKETING  –  SÃO  PAULO  –  15  E  16  OUTUBRO  DE  2012     seria válida caso a pesquisa mostrasse que outras pessoas de diferentes classes econômicas agem de forma diferente, o que não é o caso. O mesmo ocorre com a religiosidade. Em versão digital, a Época Negócios disponibilizou um teste intitulado: “Teste seu conhecimento sobre a classe D: responda dez perguntas e veja se você entende este novo mercado.”14 Em pergunta específica sobre religião (a relação da classe D com a religiosidade), a resposta certa afirma que a classe D não só pertence a uma igreja como é frequentadora – muitas vezes, em mais de uma. O que chama atenção aqui é que se apontam dados sobre religiosidade sem qualquer comparação com outras classes econômicas, mas que, da forma como são mostrados, sugerem que esta classe específica é detentora de tal característica. Aliás, a religiosidade parece estar sendo empurrada para as classes populares. Uma outra pergunta do teste quer saber a justificativa das pessoas da Classe D para não pagarem a conta de luz. As três respostas possíveis são: a) Não pago porque água e luz são coisas de Deus; b) Não pago porque não tenho dinheiro; c) Não pago porque não posso parcelar. A resposta correta, segundo o questionário é a). A justificativa: “Existia um efeito em cascata secular nos grandes morros: não existia uma tradição de pagar contas de água e luz. Eles eram considerados direitos gratuitos.” Ora, mas a justificativa da resposta em nada tem a ver com com a proposição correta. Hábito de não pagar nem de longe tem relação com a crença de que tais serviços são obras do divino. Um outro exemplo de caracterização forçada acontece em uma pergunta específica sobre o papel das mulheres nos lares da classe D. Segundo o questionário, 35% delas sustentam suas casas, e a justificativa é: “Apesar de ser uma classe que conserva muito traço de machismo, as mulheres têm um papel importante. Quando não comandam o lar, organizam o consumo e as compras dentro de casa”. E nas outras classes? Em que medida isso se diferencia? O teste não traz. E voltemos às periguetes: roupas justas e decotes generosos reproduzem o estilo de parte de mulheres da classe C, ou de parte de mulheres? Este é um aspecto que chama a atenção: atribuir a estas fatias da população características que poderiam ser facilmente pensadas também para outros estratos econômicos, ou a simples ausência de comparação que comprove as afirmações. A questão é que essas conceituações têm sido trabalhadas cotidianamente nas novelas, nas revistas (inclusive em suas análises, com conteúdo jornalístico) e na publicidade. Conceituações que não se provam nem pelo menos bem                                                                                                                         14 Disponível em < http://epocanegocios.globo.com/Informacao/Visao/noticia/2012/06/teste-seus-conhecimentos-sobre- classe-d.html > Acesso em 15 de ago 2012. 8    
  • 9.     PPGCOM  ESPM  –  ESCOLA  SUPERIOR  DE  PROPAGANDA  E  MARKETING  –  SÃO  PAULO  –  15  E  16  OUTUBRO  DE  2012     fundamentadas para se repetirem até terem o tom da verdade, da legitimidade, do conceito hegemônico do que sejam essas pessoas que compõem a nova classe média brasileira. Se podemos considerar como premissa o pensamento de Gilberto Freyre sobre características – romantizadas ou não – presentes na formação da cultura brasileira, o que parece é que a mídia tem dito: os brasileiros são os outros. E esses outros são as classes C e D. Questão de classe. Existem várias perspectivas teóricas que buscam definir um conceito de classes. Até aqui, neste trabalho, obviamente estamos falando expressamente da classe C, uma conceituação feita por critérios econômicos, medidos por meio de renda e/ou posse de bens. Do ponto de vista teórico, o que diferencia uma classe de outra vai depender de que corrente utilizarmos. Até pela extensão deste trabalho, não vamos fazer um apanhado das teorias a respeito do tema, mesmo porque, de fato, não é exatamente este o nosso objetivo, mas sim buscar entender as relações que se dão entre grupos distintos, em que se determina quem é “nós” e quem são “eles”. Como entendemos – e trataremos mais à frente – que esta definição ocorre por meio da dominação, no sentido weberiano, aqui vamos trabalhar o conceito de classe segundo este mesmo autor. “Falamos de “classe” quando 1) uma pluralidade de pessoas tem em comum um compontente causal específico de suas oportunidades de vida, na medida em que 2) este componente está representado, exclusivamente, por interesses econômicos, de posse de bens e aquisitivos, e isto 3) em condições determinadas pelo mercado de bens ou de trabalho (“situação de classe”) (WEBER, 2004, p. 176)   A situação de classe compartilhada não transforma uma classe em comunidade, segundo o autor, mas acaba por ser um condicionador comum do destino dos indivíduos. Ou seja, o viés econômico é o fator causal das oportunidades de vida das pessoas, mas, que por isso, não dividem somente esta semelhança que remete ao aspecto quantitativo. Uma vez que Weber fala em oportunidades de vida, podemos entender que as pessoas dividem também certas experiências pessoais, determinadas formas de aquisição de bens e de trabalho e, portanto, de limites, que desenham sua situação de classe, ou situação no mercado. Ou seja, há mais a se observar, além do aspecto econômico. Aliás, segundo Souza (2006), é justamente o fator economicista do conceito de classe social da tradição marxista que deixa de lado a problemática simbólica e cultural decorrente do pertencimento a uma classe (visto somente como lugar da produção ou na renda). Para o autor, isso faz com que não se percebam contradições e as 9    
  • 10.     PPGCOM  ESPM  –  ESCOLA  SUPERIOR  DE  PROPAGANDA  E  MARKETING  –  SÃO  PAULO  –  15  E  16  OUTUBRO  DE  2012     “formas opacas e socioculturais de ‘racismo de classe’” (SOUZA, 2006, p. 133), que seriam mais perceptíveis caso se levassem em conta causas culturais, políticas e morais, por exemplo. A questão de classe, para este autor, é inclusive anterior à questão racial no caso brasileiro, uma vez que no Brasil, um negro que pertença a classes superiores sofre um efeito de “embranquecimento”. Ainda em relação às classes, segundo Bourdieu (2007), a posição de um indivíduo em uma estrutura social não deve ser levada em conta por uma perspectiva estática, como se estivesse em posição superior, média ou inferior em um dado momento. É preciso considerar o trajeto social, inclusive o sentido do trajeto, se ascendente ou descendente. Especialmente, num trabalho como este em que estamos falando de uma classe em ascensão, em direção – ao menos economicamente - a outra que ocupa lugar de prestígio. Prestígio, aliás, é, segundo Weber (2004), uma outra forma de distribuição de poder na sociedade, juntamente com as classes e os partidos. O prestígio faz a parte positiva do que Weber chama de estamentos, que não são configurados necessariamente pelo status econômico, mas equivalem à honra (positiva ou negativa) que possui um grupo de pessoas. O estamento, sim, tem caráter de comunidade, mas ainda que frequentemente se apresente de maneira amorfa, podendo ter na sua constituição indivíduos de diferentes classes. A honra, portanto, pode estar ou não ligada a uma situação de classe, e inclusive é um status que pode com o tempo ser adquirido por uma classe específica, tanto por usar determinados trajes, comer alimentos proibidos aos outros, praticar determinadas artes, quanto inclusive pela posse da propriedade, que pode adquirir um caráter estamental. Fazendo um paralelo entre classes e estamentos, temos que “as ‘classes’ diferenciam-se segundo as relações com a produção e aquisição de bens, os ‘estamentos’, segundo os princípios de seu consumo de bens, que se manifestam em ‘conduções da vida’ específicas” (WEBER, 2004, p. 185). Tais conduções de vida fazem relação com toda e qualquer manifestação de estilização da vida, segundo o autor, e o que se quer é manter o monopólio de bens ou oportunidades garantidas pela diferenciação estamental. Segundo Weber, a honra estamental sempre se baseia em distância e exclusividade. Esta honra, como tal, está ameaçada em sua raiz, quando a mera aquisição econômica e o nu e cru poder econômico, que ainda traz o timbre da sua origem extra-estamental, podem proporcionar àquele que os conseguiu a mesma “honra”, ou até superior quanto ao efeito, que aquela que pretendem para si os interessados estamentais em virtude de sua condução da vida – já que, sendo quanto ao resto igual à honra estamental, a propriedade constitui, por toda parte, um fator decisivo adicional, ainda que não reconhecido. Em toda diferenciação estamental, os 10    
  • 11.     PPGCOM  ESPM  –  ESCOLA  SUPERIOR  DE  PROPAGANDA  E  MARKETING  –  SÃO  PAULO  –  15  E  16  OUTUBRO  DE  2012     interessados reagem, por isso, com rigor específico, precisamente às pretensões da atividade aquisitiva puramente econômica, como tal, e isto, em geral, tanto mais quanto mais se sentem ameaçados (WEBER, 2004, p. 184). Isto é que o que se pode considerar como hipótese neste trabalho. Será que esta conceituação depreciativa que se faz da classe C na mídia de massa não pode ter relação com uma proteção da “honra” que vai além da condição econômica? As repetidas investidas na questão do mau gosto, na disponibilidade sexual, na crença religiosa fácil (a ponto de sugerir que água e luz seriam dádivas de Deus, quando a resposta trazia somente a questão habitual do não pagamento) não podem refletir uma defesa de um território simbólico da cultura (ou do acesso aos bens culturais tidos como legítimos), da educação e de uma racionalidade das classes dominantes? Segundo Bourdieu (2007), não há nada mais falso do que acreditar que ações simbólicas, na lógica do sistema de atos e procedimentos expressivos, não signifiquem além delas mesmas: “na verdade, elas exprimem sempre a posição social segundo uma lógica que é a mesma da estrutura social, a lógica da distinção” (p. 17). Assim, os sistemas simbólicos exprimem os desvios que definem a própria estrutura da sociedade enquanto sistema de significações. Ocorre, pois, uma bifurcação da cultura, em que, de um lado, estão as práticas culturais de um valor distintivo que é mais forte à medida que elas são menos compartilhadas; e de outro, por meio de um processo de desqualificação, estão as práticas relegadas ao divertimento popular (CHARTIER, 1995). Obviamente, esta bifurcação não ocorre somente no aspecto do consumo cultural, mas também do material. As roupas e os enfeites são, dentre todos os tipos de consumo, ao lado da linguagem e da cultura, os que mais abrigam uma função expressiva e melhor realizam a função de sociação e dissociação (BOURDIEU, 2007). E é interessante notar que as conceituações que a mídia faz da classe C passam por esses dois elementos: as roupas justas e decotadas, moda “de parte das mulheres da classe C” e o desdém pelos objetos de decoração utilizados na novela. Deve-se levar em conta que a procura consciente ou inconsciente da distinção toma inevitavelmente a forma de uma busca do refinamento e pressupõe o domínio das regras desses jogos refinados que são o monopólio dos homens cultivados de uma sociedade (BOURDIEU, 2007, p. 21). Pode se pensar que, se o jogo dos sentidos é comandado por alguém, isso se dá por meio da dominação. Segundo Weber (2004), a grande maioria das comunidades econômicas têm uma estrutura que implica em dominação. Segundo o autor, a dominação é um caso especial do poder e seus detentores não estão necessariamente interessados em fatores econômicos, apesar de que isso 11    
  • 12.     PPGCOM  ESPM  –  ESCOLA  SUPERIOR  DE  PROPAGANDA  E  MARKETING  –  SÃO  PAULO  –  15  E  16  OUTUBRO  DE  2012     muitas vezes possa vir a ser a consequência. Pode apresentar-se nas formas mais diversas, como forma de impor ao comportamento de terceiros a vontade do dominador. Mas existem dois tipos radicalmente opostos: a dominação movida por uma constelação de interesses (situação de mercado), ou em virtude de autoridade (poder de mando). Entendemos que a dominação de que estamos falando neste trabalho seja a movida por interesses, uma vez que ela é menos clara, não tem regulamentos, mas, segundo Weber (2004, p. 191), justamente por isso, pode ser sentida como algo muito mais opressivo do que a existência de uma autoridade expressamente regulamentada a que se estabelecem deveres de obediência. É a dominação através de uma imposição de um padrão estético e de conduta, em que mídia parece classificar os gostos e comportamentos da classe C. Para Souza (2006), como na sociedade moderna se vive na pressuposição de igualdade, a desigualdade deve ser legitimada, e, a partir daí, quando uma realidade é institucionalizada e naturalizada no cotidiano, se esquecem suas origens. A imposição da legitimidade é a forma acabada da violência simbólica, violência atenuada, que só pode ser exercida com a cumplicidade de suas vítimas e que, assim, pode dar à imposição arbitrária de necessidades arbitrárias a aparência de uma ação libertadora, infocada a partir do mais íntimo daqueles que a sofrem (BOURDIEU, 2008, p. 183). A necessidade da justificação da legitimidade surge, segundo Weber (200 , p. 197), em uma situação de existência de contrastes acentuados de qualquer natureza entre pessoas, a partir da qual a que se encontra em situação mais favorável possa considerar o contraste que o privilegia como legítimo, impondo ao outro a culpa ou o merecimento da situação desfavorável em que se encontra. Nem sempre isso é percebido como violência, ou como dominação, e por isso, muitas vezes aceita- se essa lenda.15 Entendemos que essa possibilidade de aceitação (da violência simbólica e não na recepção dos conteúdos midiáticos, onde os estudos culturais já bem trabalharam a questão da apropriação, negociação e negação) se dê por dois motivos: um que está baseado em uma própria justificação interna da legitimidade da dominação, que é a autoridade do costume, do tradicional, do “que foi sempre assim”.16 E o outro porque                                                                                                                         15  Aliás, segundo Bourdieu (2008), a violência simbólica é tanto mais presente, quanto mais estiver mascarada.   16 Segundo Weber (2004) são três os fundamentos da legitimidade de uma dominação: a autoridade do “eterno ontem”, o carisma (do herói, do profeta, do demagogo…) e a legalidade, onde há a crença na validade dos estatutos legais e das regras criadas. 12    
  • 13.     PPGCOM  ESPM  –  ESCOLA  SUPERIOR  DE  PROPAGANDA  E  MARKETING  –  SÃO  PAULO  –  15  E  16  OUTUBRO  DE  2012     o desconhecimento coletivo que está na origem da moral da honra, como denegação coletiva da verdade econômica da troca, só é possível porque, neste tipo de mentira do grupo para consigo mesmo, nunca existe enganador, nem enganado (BOURDIEU, 2008, p. 212). E neste movimento contínuo de reverberação do conceito midiático do que seja a classe C, ocorre o que Bourdieu (2008) chama de operação fundamental da alquimia social: transformar relações arbitrárias em legítimas, e diferenças em distinções oficialmente reconhecidas. Se as distinções entre pessoas e grupos se tornam legítimas, pode-se pensar que estes passam a se tornar estigmatizados. Segundo Goffman (1988), a sociedade estabelece os meios de categorizar as pessoas. Quando uma pessoa tem algum atributo que destoe das características tomadas como padrão, torna- se estigmatizada, e assim, diminuída e desacreditada, como se não fosse completamente humana. Com base nisso, fazemos vários tipos de discriminações, através das quais efetivamente, e muitas vezes sem pensar, reduzimos suas chances de vida: construímos uma teoria do estigma; uma ideologia para explicar a sua inferioridade e dar conta do perigo que ela representa, racionalizando algumas vezes uma animosidade baseada em outras diferenças, tais como as de classe social (GOFFMAN, 1988, p. 8). A manipulação dos estigmas acontece, segundo o autor, sempre que há normas de identidade em uma sociedade. Ou seja, se estamos partindo de um padrão de bom gosto, de cultura legítima, os desviantes passam a ser os estigmatizados. Assim, a sociedade diz para o estigmatizado que ele é um ser humano normal, que faz parte de um grupo amplo, mas ao mesmo tempo é diferente, e que não há como negar essa diferença. Daí, segundo Goffman (1988), surge a possibilidade do sentimento de vergonha, quando o indivíduo percebe que um de seus atributos é impuro, e imagina-se como um não-portador dele. Há os membros da classe baixa que, de forma bastante perceptível, trazem a marca de seu status na linguagem, aparência e gestos, e que, em referência às instituições públicas de nossa sociedade, descobrem que são cidadãos de segunda classe (GOFFMAN, 1988, p.123). Ainda segundo o autor, isso repercute na interação face-a-face, em que há a insegurança do estigmatizado sobre a recepção que o espera. Segundo Bourdieu (2008), a vergonha corporal e qualquer outra espécie de vergonha cultural – aquela resultante de um sotaque, de um falar ou gosto – encontram-se, com efeito, entre as formas mais insidiosas da dominação porque levam a viver, segundo o modelo do pecado original e da indignidade essencial, certas diferenças que, mesmo em relação às mais naturais na aparência, tais como as que têm a ver com o corpo, são o produto de condicionamentos sociais, portanto, da condição econômica e social (BOURDIEU, 2008, p. 185). 13    
  • 14.     PPGCOM  ESPM  –  ESCOLA  SUPERIOR  DE  PROPAGANDA  E  MARKETING  –  SÃO  PAULO  –  15  E  16  OUTUBRO  DE  2012     Classe C de corpo ou alma. É possível pensar em uma hipótese a respeito específico do “periguetismo”, que também faz relação com o estigma da incapacidade intelectual. Segundo Souza (2006), o nascimento do Ocidente teve uma especificidade que foi a produção de uma ética do trabalho baseada na oposição alma x corpo, sendo a alma (a mente, o espírito) a virturde, e sendo o corpo o mal e o pecado, com os seus “desejos insaciáveis”17. A alma deveria controlar o corpo como pressuposto de um trabalho produtivo e sagrado, especialmente no que tange à ética protestante. Ainda segundo Souza (2006), com o desenvolvimento do capitalismo, separam-se os indivíduos com conhecimento incorporado, ou seja, com corpo e alma trespassados, dos que dispõem apenas do próprio corpo como instrumento de trabalho. Mesmo depois da “decadência” da religião e passando o Estado e o mercado a controlarem o acesso das pessoas aos bens e recursos escassos - entre financeiros a de prestígio – legitima-se a separação entre classes com capital cultural (dominantes) e classes que possuem somente o próprio corpo (dominadas). Esses últimos passam a ser considerados dispensáveis, uma espécie de “lixo social” (p. 144), subcidadãos, a quem faltam condições para concorrer em um mercado de trabalho que privilegia o conhecimento incorporado. Nesta perspectiva, podemos pensar que os estigmatizados, os tidos como depreciados, podem ser vistos somente como corpo. O corpo que é pecador, que tem desejos, e que deve ser contido pela alma, pela mente. Na lógica da legitimação da desigualdade, isso faria sentido: sem a inteligência, ou capital cultural, sobra o corpo, que, além de servir para o desenvolvimento dos trabalhos braçais menos valorizados na sociedade, indomado, serve aos desejos. Assim, a mulher da classe C é avaliada segundo uma conexão dupla de conceitos depreciativos: como corpo, por ser mulher (e isso independentemente de classe social); e disponível, por ser corpo da classe C sem o controle sublime da alma. Ou seja, periguete.                                                                                                                         17 O surgimento de oposições é trabalhado por diferentes teóricos, divergindo a respeito de épocas e até de diferentes atributos. Segundo Chartier (1995), há alguns autores que colocam o momento chave de oposição entre cultura erudita e popular por volta de 1600-1650. E há historiadores que afirmam que em 1200, uma imposição de ordem teológica, científica e filosófica separa as culturas eruditas das tradições folclóricas e quaisquer práticas tidas como supersticiosas, sendo estas últimas a cultura dos humildes. O que se pode observar, independentemente da corrente escolhida, é que a oposição sempre colocou em lados contrários classes sociais diferentes. Ou poderíamos pensar em uma oposição entre religiosos e ateus, por exemplo, em diferentes estratos econômicos. Mas o que parece é que o fator econômico está imbricado nas buscas de legitimação de diferenças socioculturais. 14    
  • 15.     PPGCOM  ESPM  –  ESCOLA  SUPERIOR  DE  PROPAGANDA  E  MARKETING  –  SÃO  PAULO  –  15  E  16  OUTUBRO  DE  2012     Considerações (ou questionamentos) finais. Será tudo isso um exagero, quando se trata de um grupo que está ascendendo economicamente, e que está tendo bastante visibilidade na mídia, a ponto de ser definido por meio de manuais e até ter papéis de destaque nas novelas de maior audiência? Talvez possa ser, se pensarmos do ponto de vista de que, na novela, as situações funcionam muito mais intra-classes, e, devido à emergência do tema, é dada uma espécie de protagonismo aos personagens. Mas, e no âmbito residencial, só para citar um exemplo corriqueiro, onde uma trabalhadora doméstica convive em uma interação face-a-face com sua patroa? Entendemos que a aderência de um conceito como periguete a pessoas de sua classe social pode contribuir para minar ainda mais uma história de luta pela cidadania, para tornar ainda mais profundas distinções e desigualdades que se encontram não só neste tipo de relação e não só em referência a este atributo, em inúmeros setores da sociedade. Seriam inúmeros os tipos de exemplos que poderiam ser trazidos. Mas o fundamental para este artigo foi tentar percorrer um caminho tortuoso, delicado e cheio de armadilhas, para se vislumbrar e trazer à tona uma das práticas que nós temos estabelecido há muito, mas especialmente agora neste momento de “conceituação” da Classe C, que levam à separação entre “nós” e “eles”, de forma a parecer natural que a vida de um valha mais do que a do outro. Referências BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2007. ______. A produção da crença: contribuição para uma economia dos bens simbólicos. Porto Alegre, RS: Zouk, 2008. CHARTIER, Roger. “Cultura popular”: revisitando um conceito historiográfico. Estudos Históricos, vol. 8, n. 16, p. 179-192. Rio de Janeiro, 1995. GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1988. SOUZA, Jessé. A invisibilidade da desigualdade brasileira. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006. WEBER, Max. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Volume 2. São Paulo: Editora UnB, 2004. 15