1. 5.1 Escravidão no Ceará
É contundente a afirmativa de que não houve tráfico direto de mão-de-obra
escrava da África para o Ceará. A ausência de relações com o tráfico atlântico
tem comumente justificado a fragilidade dos estudos sobre a escravidão, por
conseguinte sobre a composição étnica do contingente Negro transferido
compulsoriamente para as fazendas de gado ou para os escassos plantéis
encravados nas pequenas fazendas de cana-de-açúcar cearenses. Ademais, a
expansão inexpressiva dessa empresa tem trazido plausibilidade ao
argumento, defendido pela historiografia de uma época, de que o Ceará sofre
pouca influência da cultura africana. O pensamento historiográfico,
representado pelos intelectuais do Instituto Antropológico, Histórico e
Geográfico139
, concentra mais reflexão sobre a abolição, feito no qual a
província se adiantou, antecipando-a para 1884, do que para o
aprofundamento das razões do baixo contingente da mão-de-obra cativa negra.
Conforme esses intelectuais, dentre eles Pedro Alberto de Oliveira Silva (1979;
1984; 1987); Oswaldo Riedel (1888); Alcântara Pinto (1984); G. Nobre (1987)
apenas para citar alguns, o número reduzido de escravos Negros no Ceará se
deve pelos menos a cinco razões, a saber: a) o povoamento tardio da capitania
cearense; b) a sua dependência da capitania do Pernambuco; c) a mão-de-
obra cativa indígena abundante; d) uma atividade econômica centrada na
pecuária favorecida pelas condições ambientais; e e) o preço do cativo
Africano, incompatível com o numerário do colonizador. Na verdade, a
escassez de dinheiro teria sido um fator de introdução do comércio colonial
atlântico, centrado na exportação de gêneros agrícolas e importação de
mercadorias européias, excluindo assim o tráfico negreiro. Hodiernamente,
esses aspectos são retomados pelos historiadores dedicados ao estudo da
história cearense, em especial Francisco José Pinheiro (2000) e Eurípedes
2. Antônio Funes (2000), o primeiro insistindo na compreensão histórica dos
grupos indígenas a partir da dicotomia dominador/dominado e o segundo
produzindo, igualmente, uma crítica a historiografia oficial tendente a associar o
Negro no Ceará apenas através da lógica perversa da escravidão140
.
Pedro Alberto de Oliveira Silva (1979) em As origens da escravidão no
Ceará, nota que «até o século XVII a região ainda não estava integrada ao
domínio efetivo dos Portugueses»141
. As primeiras tentativas de povoamento
foram coetâneas do combate aos Franceses no Maranhão, campanha
empreendida por Pero Coelho de Souza no início do século XVII e da qual
Martin Soares Moreno fez parte. Este último foi personagem central no
processo de colonização e de combate ao avanço dos Franceses e
Holandeses na faixa litorânea cearense. Por esses e por muitos outros feitos,
foi Martin Soares Moreno nomeado por El-rei capitão-mor do Ceará142
, quando
no Ceará o processo de ocupação não passava de tentativas frustradas143
.
A invasão de Pernambuco pelos Holandeses também teria atrasado o processo
de colonização do Ceará144
, sentencia Pedro Alberto de Oliveira. Houve
tentativas de colonização pelo interior, mas uma ocupação mais conseqüente
só foi possível «após a expulsão daqueles invasores, em 1654». A «saída dos
Holandeses trouxe ao território cearense muitas famílias das capitanias
vizinhas, que aqui se fixaram com seus cabedais»145
, portanto a sua ocupação
se deu tardiamente se compararmos com as outras regiões açucareiras.
Obviamente que esse processo não foi diferente do das outras capitanias com
o apresamento do autóctone indígena e com a catequese dos jesuítas, que aos
poucos o submetia aos interesses do colonizador.
O povoamento tardio da região, associada à dependência do Ceará em relação
à capitania de Pernambuco, foi um dos fatores que mais inviabilizaram a
introdução do cativo Africano em terras cearenses, por conseguinte incidindo
3. no seu precário desenvolvimento econômico. Contudo, talvez não tenha sido a
chegada tardia do colonizador, e sim o tipo de ocupação que capitania
conheceu que melhor viabiliza uma explicação dos motivos para o inexpressivo
contingente Africano no Ceará. Eurípedes Antônio Funes (2000) em Uma Nova
História do Cearáargumenta nesse sentindo ao propor que
‘A ocupação de terras cearenses foi diferente do processo ocorrido em outras
áreas do Nordeste açucareiro. Foi um processo mais lento, com suas fronteiras
sendo rompidas pelo gado que possibilitou uma configuração social
diferenciada das sociedades do engenho, exigindo pouca mão-de-obra,
contando desde o início com a força de trabalho do nativo e um estilo de vida
que não foge ao padrão encontrado para outras regiões tidas como periféricas.
Isso, de certa forma, refletia o poder aquisitivo dos proprietários cujo modus
vivendi, em sua maioria, estava dentro de um padrão de riqueza bastante
relativo, marcado pela simplicidade, beirando a rusticidade, o que acabava
refletindo no dia-a-dia do escravo146
.’Se a capitania cearense não utilizou a
mão-de-obra africana nos primórdios do seu povoamento foi em virtude de uma
conjuntura econômica em formação que se servia da escravidão dos «negros
da terra», pois o “indígena e seus descendentes, servindo como escravo,
agregado ou aldeado, foi a mão-de-obra dominante na Capitania durante todo
o período colonial”147
. Para Francisco José Pinheiro (2000), as vilas como
substitutos das aldeias exerceram um papel importante no agenciamento da
mão-de-obra indígena uma vez que,
‘Com a expulsão dos jesuítas, a administração dos povos indígenas passou
para a órbita laica e os povos nativos foram igualados aos demais moradores.
Uma nova legislação foi então adotada em relação aos povos nativos, sob
determinação do diretório pombalino, em que formalmente garantia-se a
liberdade destes; no entanto, foi nomeado um diretor que se transformou, na
4. prática, em feitor para controlar a força de trabalho no âmbito da vila148
.’Além
do fator econômico, para P. Alberto de Oliveira Silva (1979), os condicionantes
ambientais contribuíram fortemente para uma forma específica de povoamento
no Ceará.
‘Pode-se mesmo afirmar que a geografia da capitania determinou suas
fronteiras, condicionou sua forma de povoamento e concorreu para que o
criatório fosse a única, senão a principal, atividade econômica que se poderia
desenvolver nela, dentro do contexto histórico econômico da época. Os rios e a
pecuária foram as bases de seu desenvolvimento e a razão de sua existência
histórica por longos anos149
.’Assim, o desinteresse pela importação de
Africanos podia ser justificado pelas condições econômicas aqui em gestação,
«que não exigiam muito do trabalho escravo para uma pecuária extensiva e
uma agricultura de subsistência»150
. Certamente, a mão-de-obra era premente
ao colono, que não dispondo de capital para aquisição do escravo Africano
recorreu à escravidão do indígena. Assim sendo, o diminuto número de
escravos Negros no Ceará durante o século XVII prende-se a essa realidade.
Ao que tudo indica essa realidade não sofreu alteração durante todo período da
história colonial, pois fosse o indígena escravo ou servo, essa possibilidade por
si só, teria desestimulado o investimento na entrada de Africanos. Contudo,
houve tentativas esporádicas a partir de meados do século XVIII, que teriam
levado à entrada de Negros na Capitania. A primeira entrada organizada e
mais conseqüente foi
‘durante a curta existência da ‘Companhia do Ouro das Minas de S. José dos
Cariris’, iniciada em 1756, e que explorou ouro na região sul da capitania.
Foram introduzidos, para os trabalhos de mineração, sessenta e nove escravos
Negros, entre ladinos e boçais, Africanos e crioulos. Os Negros da ‘Costa’ eram
mais valiosos que os ‘Angola’, esses constituíam a maioria do plantel. O preço
5. médio deles variava entre 80$000 e 120$000 rs. Após a extinção da
Companhia, 1758, voltaram eles para o poder de seus senhores não se tendo
notícia de sues destinos151
.’A possibilidade de existir ouro na região sul do
Ceará levou à compra de Negros da Costa, considerados mais afeitos ao
trabalho de mineração. Como a empresa mineradora não logrou mais do que
dois anos, resta questionar se o destino que foi dado aos Africanos teria sido o
retorno aos seus senhores como afirma P.Alberto Oliveira Silva. Eu diria,
provavelmente não, pois como se explicaria o considerável número de Pretos e
Mulatos na população de Crato, em 1804, à época, a principal vila da região?
Então, os sessenta e nove cativos introduzidos, em 1758, teriam incrementado
a população livre na vila nos 50 anos seguintes?
Quadro 06: População das principais vilas cearenses
Fonte: Revista do Instituto do Ceará, t. XXIX, p. 279152
.
A população de Crato em 1804 perfazia um total de 20.661 habitantes, dentre
os quais 67% eram Pretos e Pardos. Desse percentual, os escravos mal
excediam 5%. Comparando com as outras vilas, Crato não só apresenta uma
população geral muito superior às demais como ela era a que mais absorvia
Pretos e Pardos livres. Chama atenção o fato de que, exceto S. João do
Príncipe, a população branca não supera a de Pretos e Pardos. Além disso,
observa-se que em Sobral os Pardos e Pretos cativos são ligeiramente
superiores aos Brancos e em Campo Maior ou Quixeramobim a população
cativa e livre (Pretos e Pardos) era superior ao contingente Branco.
Esse quadro é importante para ilustrar a tese de E. A. Funes (2000) ao
sentenciar que houve um «aumento significativo de uma população livre negra
6. e descendente, fruto de um crescimento vegetativo, mas, também, de uma
busca de terras cearenses por pessoas de cor que advêm de outras regiões
limítrofes». A migração talvez seja plausível para o caso de Crato e mesmo
para Sobral, localizadas em regiões limítrofes a Pernambuco e Piauí,
respectivamente153
. Então, como explicar a existência de Pretos e Pardos livres
em número superior nas vilas localizadas no sertão central como São João do
Príncipe e Campo Maior? Em toda a história da escravidão negra no Ceará ela
parece ter se mesclado com o trabalho assalariado, daí não se poder perceber
o Negro apenas pela «lógica perversa da Escravidão» para retomar as
palavras de Funes, pois uma vez que se efetivou a apropriação das terras
cearenses pelo colonizador, «os Negros também foram ocupando estes
espaços, não só como cativos, mas como trabalhadores livres, como
proprietários»154
.
Prevaleceu no Ceará a importação de escravos Africanos pelos entrepostos do
Recife e São Luís e em menor escala pelos portos de Salvador e Rio de
Janeiro. Em sendo mais próximo de Pernambuco pela facilidade de navegação
e pelo acesso terrestre, os cearenses vão preferencialmente aí se abastecer de
cativos155
. Então foram majoritariamente procedentes de Angola e do Congo,
os cativos utilizados na pecuária e na agricultura de subsistência. Nota O.
Riedel (1988) que
‘Parece fora de dúvida ter sido predominante, no Ceará o cativo embarcado em
Angola, Não quer isso significar, no entanto, grupo étnico específico ao qual
aquele escravo obrigatoriamente devesse pertencer. Angola seria, além de
topônimo, designação coletiva englobando povos bantos ou por estes
aculturados, trazidos para Recife e São Luís donde seriam distribuídos para o
Nordeste e Norte brasileiros156
. ’O Ceará vai conhecer um aumento de sua
população escrava justamente com o cultivo de algodão no século XIX, mas
7. até a abolição não vai exceder a 40 mil cativos. O aumento de produção
algodoeira para exportação vai requerer necessariamente mais mão-de-obra, o
que estimula em 1808 a Câmara de Fortaleza a pedir autorização real, para
proceder à importação de escravos da África, no que não foi atendida157
.
Diante desse fato, o Ceará prossegue importando pequenas quantidades de
cativos Negros de Pernambuco. Então, «no período de 1813-1817, entraram na
capitania, via Pernambuco, trezentos e sessenta e dois cativos, número
relativamente pequeno se levarmos em conta a produção agrícola crescente e
a intensidade do comércio que era mantido com aquela capitania irmã e
mesmo com o exterior»158
.
A pecuária foi a principal atividade econômica do Ceará desde o princípio de
seu povoamento no século XVII e até o século XIX, quando o cultivo do
algodão passou a ser impulsionado. As primeiras terras distribuídas aos
sesmeiros outra finalidade não tinham senão a de abrigar os gados vacum e
cavalar. As fazendas de gados, que se constituíram a partir das sesmarias,
dispensavam a mão-de-obra escrava em grandes proporções. Mesmo os
engenhos de cana, estabelecidos no sul do Ceará, produzindo mel e rapadura,
não absorveu grande quantidade de cativos. Esse argumento é o mais
comumente identificado pelos intelectuais membros do Instituto para justificar
«a pouca expressividade» ou «rarefação» da escravidão negra no Ceará.
Houve tentativas de importação direta de portos africanos quando justamente a
economia algodoeira deu sinais de expansão e quando algumas vilas
começaram a adquirir importância econômica no século XIX. Como os pedidos
para estabelecer tráfico direto com a África foram sistematicamente recusados
pelos monarcas portugueses, «o Ceará continuou importando seus escravos,
Africanos, Crioulos e Mestiços de Pernambuco ou do Maranhão»159
, pelo
menos até 1840, e a utilizar o trabalho assalariado tanto na pecuária como nas
8. lavouras de algodão.
‘Com o surto da lavoura algodoeira, ainda em meados do século XVIII,
acentuou-se uma demanda de mão-de-obra configurando-se uma maior
presença do trabalhador livre, como também do escravo Africano. No século
XIX, na década de 1860, período de novo incremento da cotonicultura, a
entrada de escravos para o Ceará já não acontece, tendo em vista que a
importação de peças escravas já havia praticamente deixado de ocorrer na
década de 1840. A partir de 1850, a província cearense passou a exportar
Negros cativos dentro do processo do tráfico interprovincial160
.’Destarte, o
comércio que o Ceará estabeleceu com Portugal, no século XIX, impulsionou a
importação de manufaturas européias e portuguesas em troca de algodão e de
couros. Assim, no ano de 1821, a balança comercial foi favorável ao Ceará,
uma vez que auferiu superávit das exportações, saindo de seus portos seis
navios com mais de 22 mil arrobas de algodão e entrando somente 3 navios
com gêneros importados da Europa e da Ásia161
. A produção do algodão e o
capital adquirido com sua exportação faziam aumentar o interesse pelo cativo
Africano, mas não foi sua importação que veio resolver o problema da carência
de braços endêmica na estrutura econômica cearense. O comércio colonial,
que excluía o tráfico negreiro foi incrementado «graças à força de trabalho do
nativo, do homem pobre livre – em especial do Negro e mestiço liberto – e do
cativo nacional e Africano»162
. Isso corrobora de certa maneira o argumento de
Sylvia Porto Alegre (1985) ao supor que
‘Na cultura do algodão, o emprego de escravos era pouco vantajoso, devido ao
ciclo vegetativo curto, que implicava em longos períodos de ociosidade forçada
da mão-de-obra. Além disso, no sertão nordestino, grande parte do cultivo de
algodão desenvolveu-se através da pequena produção, associada à plantação
de gêneros alimentícios, dentro de um complexo vinculado à pecuária
9. extensiva e às relações de latifúndio/minifúndio163
. ’Em linhas gerais, pode-se
afirmar que o escravo Africano ou de origem africana, entrado nas fazendas de
gado e nos algodoais cearenses, foi proveniente dos centros importadores
Brasileiros que traficavam diretamente com a África como Pernambuco,
Maranhão, Bahia e até Rio de Janeiro. Tendo ou não comercializado com a
África, o fato é que o Ceará não estava excluído do circuito do tráfico, pois
comprava cativos tanto para o trabalho agro-pastoril como para os serviços
domésticos, dinâmica não muito diferente do resto do país, embora os
adquirissem de praças locais. Talvez ainda se pudesse conjecturar que a sua
vinculação ao tráfico atlântico não foi esporádica na medida em que a capitania
se constituiu em grande fornecedor de carne-seca, gênero alimentício
largamente introduzido nas embarcações para a manutenção da tripulação e
dos escravos importados164
.
Há relatos de que a costa cearense serviu de receptáculo de navios com
cativos que seriam levados para outras regiões do país. Esse fato não fugiu à
observação do Barão de Studart, ao constatar que em 1772, «arribou em
Fortaleza um bergantim (...) com um carregamento de escravos Negros vindos
da Costa da Guiné»165
. Essas passagens esporádicas seriam indícios de que o
Ceará teria entrado no circuito do tráfico negreiro atlântico? Ao se referir a isso,
Luis Felipe de Alencastro (2000) salienta que, «Por causa do sistema de
ventos, das correntes e do comércio predominantes no Atlântico Sul, e mesmo
depois dessa data, a costa Leste-Oeste (a Amazônia propriamente dita, o
Maranhão, o Pará, o Piauí e o Ceará) permanece dissociada do miolo negreiro
do Brasil, enquanto Angola se agrega fortemente a ele»166
.
A escassez de braços para o trabalho, intensificada provavelmente pela recusa
do indígena em se submeter ao trabalho servil, inicialmente, agenciado pelos
Jesuítas e depois pelos diretores das vilas de Índios167
, torna a importação de
10. Africanos premente. Daí as demandas da classe política dirigente local,
dirigidas aos reis portuguesesi, requerendo o estabelecimento do tráfico com a
África, no que nunca foi atendida. Em 1818, foi o governador Sampaio que
requereu «autorização para importar escravos da África, privilégio que havia
sido concedido à capitania do Pará»168
. É fato que o cativo Negro foi sendo
introduzida na medida em que economia crescia. Um surto de crescimento foi
visível, sobretudo, em meados do século XVIII. Contudo, o escravo servia
menos como força produtiva do que como bem econômico, uma vez que era
estimado em grande valor monetário.
‘A economia cearense cresceu muito na segunda metade do século XVIII,
apesar das secas, que ocorriam sistematicamente, desorganizando a
produção. Naquelas zonas polarizadas do comércio, houve maior concentração
de capital e coincidentemente maior presença de escravo Negro. Esses cativos
representavam mais bens econômicos do que força produtiva. (…) Grande
parte da riqueza acumulada naquele período de prosperidade deve ter sido
empregada na compra de escravos de origem africana, os mais valiosos. Isso
ocorreu para ter aumentado, então a presença deles no Ceará (…)169
.’As
dificuldades de importação direta da África coincidem com a falta de uma
classe comercial de traficantes, como existia em Pernambuco e Bahia, para
citar apenas dois centros importantes do Nordeste, organizada para essa
finalidade, e via de regra, detentora de cabedal para investir no tráfico atlântico.
Como se pode verificar, o Ceará jamais estabeleceu relações comerciais com
centros exportadores de cativos na África, conquanto para tal feito muitos
pedidos de autorização tenham sido endereçados aos monarcas portugueses
no século XIX, pelas autoridades políticas locais. Decerto, poder-se-ia
perguntar se existia no Ceará um grupo investido na produção de bens de
troca, que requeresse a mão-de-obra cativa e se esse tinha cabedal suficiente
11. para efetuar compra de cativos no continente africano.
Na verdade, a realidade econômica cearense era outra: a pecuária, detentora
de pouco contingente de trabalhadores e a lavoura não-extensiva,
predominando os pequenos e médios plantéis. Ao lado de tudo isso, uma
população empobrecida, vítima que era das estiagens. Por conseguinte, o seu
tão propalado reduzido número de cativos era devido às circunstâncias
inerentes à instituição escravista, como o alto valor do cativo no mercado do
tráfico, os altos custos requisitados para seu transporte, bem como em virtude
de uma estrutura econômica frágil, assentada basicamente no criatório e nas
pequenas propriedades algodoeiras, apenas para citar as razões mais
visíveis170
. Assim se explicaria o tardio interesse pelo comércio negreiro em
terras africanas, o que não prescinde do entendimento de que essa instituição
esteve aí fortemente arraigada nas relações sociais, e quando em atividade em
nada se diferenciou do resto do país.
Notes
139.
Esse instituto desde o final de século XIX exerce um importante papel no
pensamento cearense. A sua revista anual tem se ocupado desde então com
discussões sobre os principais fenômenos da sociedade brasileira, mas
especialmente da sociedade cearense.
140.
E. A. Funes, Negros no Ceará, In Uma nova história do Ceará, Fortaleza,
Edições Demócrito Rocha, 2000, p. 103.
141.
P. A. de O. Silva, As origens da escravidão no Ceará, Revista do Instituto do
Ceará, Fortaleza, 1979, p. 325.
142.
Martin Soares Moreno veio para o Brasil, integrando a campanha de Pero
Coelho de Sousa com a finalidade de “servindo naquela entrada, aprendesse a
língua dos índios e seus costumes, dando-se com eles e fazendo-lhes seu mui
familiar”. In Três Documentos do Ceará Colonial, Fortaleza, 1967, p. 161.
143.
R. Girão (1967) o comentador da relação do Ceará que compõe a série Três
Documentos do Ceará Colonial, recuperando o comentário de Martin Soares
12. Moreno no final do parágrafo, diz que “nem dois anos, portanto, se conservou o
fundador do São Sebastião no Ceará. (...) A ausência do Tenente Moreno
acarretaria quase o desmoronamento do insulado fortim da barra do Ceará.
Quando a este retornou, passados oito anos, ou seja, em 23 de dezembro de
1621, com todos os desencantos o viu muito desacomodado de recolhimento,
reduzido a uma estacada de varas que estão caindo, com as suas cabanas de
palha, sem donde pudesse recolher uma pequena pólvora. Fortaleza, 1967, p
166.
144.
P. A. de O. Silva, op. cit., p. 326.
145.
Ibid, p.327.
146.
E. A. Funes, Negros no Ceará, in Uma nova história do Ceará, Fortaleza,
Demócrito Rocha, 2000, p 106.
147.
P. A. de O. Silva, A escravidão no Ceará: o trabalho escravo e a abolição,
Revista do Instituto do Ceará, Fortaleza, 1987, p. 141.
148.
F. J. Pinheiro, Mundos em confronto: povos nativos e europeus na disputa pelo
território, in Uma nova história do Ceará, Fortaleza, Demócrito Rocha, 2000, p.
46.
149.
Ibid, p. 325.
150.
P. A. de O. Silva, As origens da escravidão no Ceará, in Revista do Instituto do
Ceará, Fortaleza, Instituto do Ceará, 1979, p. 332
151.
Ibid, p. 332.
152.
E. A. Funes, Negros no Ceará, In Uma nova história do Ceará, Fortaleza,
Edições Demócrito Rocha, 2000, p. 104.
153.
A migração é um evento recorrente nas narrativas de formação de algumas
comunidades negras cearenses contemporâneas. Por exemplo, a comunidade
negra de Bastiões foi fundada por duas negras fugidas da Bahia, que ao
chegarem em Pernambuco negociaram uma sorte de terra com um dito
Sebastião e seus filhos. Depois de adquirida a terra na Serra de Bastiões,
assim chamada em homenagem ao antigo proprietário e seus filhos, as negras
vieram povoá-la. Hoje, são os seus descendentes que narram esse feito,
impingindo à terra em que habitam um sentido vinculado à construção da sua
diferenciação étnica.
13. 154.
E. A. Funes, Negros no Ceará, In Uma nova história do Ceará, Fortaleza,
Edições Demócrito Rocha, 2000, p. 104.
155.
O. Riedel, Perspectiva antropológica do escravo no Ceará, Fortaleza, EUFC,
1988, p. 35.
156.
Ibid, p. 34-35.
157.
Para Oswaldo Riedel (1987) houve em 1800, «uma tentativa frustrada de ser
estabelecido tráfico negreiro direto da África para o Ceará. Pois esta Capitania,
por Ordem Régia, deixara, em fins de 1799, de depender administrativamente
da de Pernambuco. Mas a Rainha não concedeu o privilégio postulado e o
Ceará foi obrigado a continuar importando seus escravos, Africanos, Crioulos e
Mestiços de Pernambuco o do Maranhão. Com o tempo foram escasseando os
primeiros. “A conseqüência foi a preponderância de Crioulos e híbridos, já na
terceira década do século passado». Fortaleza, Revista do Instituto do Ceará,
1987, p. 100.
158.
P. A. de O. Silva, A escravidão no Ceará na primeira metade século
XIX, Fortaleza, Revista do Instituto do Ceará, 1984, p. 65.
159.
O. Riedel, O Escravo no Ceará, Fortaleza, Revista do Instituto do Ceará, 1987,
p. 100.
160.
E. A. Funes, Negros no Ceará, In Uma nova história do Ceará, Fortaleza,
Edições Demócrito Rocha, 2000, p. 105.
161.
G. Studart (1895) oferece um primeiro balanço das exportações do Ceará,
referente ao ano de 1821, indicando que houve excesso de exportação sobre a
importação. Ora, os gêneros obtidos por Portugal, giraram em torno de
156:121$800 e o que Ceará importou, custou 48:824$580, havendo um
excesso de exportação, observando-se assim que o Ceará vendeu mais do que
comprou. Além dos produtos provenientes do Reino, dentre estes os tecidos de
algodão, encontram-se os de origem asiática como as especiarias, as armas de
fogo e as drogas. R G. Studart. Commercio da praça de Lisboa com o Ceará,
1821, Fortaleza, Revista do Instituto do Ceará, 1895, PP. 141 e 142.
162.
E. A. Funes, Negros no Ceará, In Uma nova história do Ceará, Fortaleza,
Edições Demócrito Rocha, 2000, p. 106.
163.
14. S. P.Alegre, “Fome de Braços - Questão Nacional. Notas sobre o trabalho livre
no Nordeste no século XIX”, Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, 1985/1986,
v. 16/17, p. 117.
164.
M. Florentino menciona que para alimentar a tripulação e os escravos os
navios zarpavam com oito sacas de feijão, treze de arroz, cento e dez de
farinha, cento e trinta arrobas de carne-seca, oito pipas de aguardente e cento
e sessenta alqueires de sal.
165.
P. A.de O.Silva, op. cit., 1979, p. 331.
166.
Luis Felipe de Alencastro, O trato dos Viventes, São Paulo, Companhia das
Letras, 2000, p. 20.
167.
Com o diretório pombalino, as vilas passaram a exercer o papel de controle da
vida das populações indígenas, papel este antes conferido às missões
jesuíticas. Como política de estado, o diretório previa dentre outros aspectos, o
ordenamento do trabalho indígena, o comércio e a instituição de impostos.
Conforme I. B. P da Silva (2006) «a transformação das aldeias em vilas de
índios foi um processo bastante complexo. Não se resumiu a uma mudança
formal, nem simplesmente se reduziu a uma mudança na estrutura de poder,
afeita somente à esfera da elite dominante. Foi um processo social de amplo
alcance, já que marcado por intervenções diretas e profundas na vida daquelas
populações, fossem índias ou não». Vilas de índios no Ceará Grande,
Campinas, Pontes, 2006, p. 80. Já para P. A. de O. Silva (1984) «os índios
moradores nas vilas viviam em estado semi-servil, sem quase nenhum direito,
inclusive o de mudar-se do lugar em que residia e o de ir e vir como uma
pessoa livre». A escravidão no Ceará: o trabalho escravo e a abolição,
Fortaleza, Revista do Instituto do Ceará, 1984, p. 141.
168.
P. A de O. Silva, op. cit., 1984, p. 65.
169.
P. A. de O. Silva, A escravidão no Ceará: o trabalho escravo e a abolição,
Revista do Instituto do Ceará, Fortaleza, 1987, p. 142.
170.
Ibid, p. 144.