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O homem só.
Uma enorme mesa, com vários lugares, abundante em alimentos no café da manhã,
mas sem alegria de pessoas para ocupar os espaços vazios e se fartarem. Somente a cabeceira
está ocupada por um único homem que bebe uma xícara de café puro, sem açúcar.
O jornal posto ao seu lado direito permanece intacto assim como o mordomo, em pé,
recuado ao seu lado, aguardando instruções. O olhar do homem percorre todas as cadeiras
daquela mesa, como que querendo preencher os espaços.
_Obrigado Luiz. _ diz o homem ao velho mordomo, que se surpreende com a gentileza,
mas permanece na mesma postura serviçal. Levanta-se e sai deixando o jornal sobre a mesa
sem ser mexido.
Ao sair da mansão encontra o motorista bem alinhado ao lado de um carro importado,
já o aguardando com a porta traseira do lado direito aberta, mas antes de cumprimentar o
patrão é surpreendido pelo mesmo:
_Bom dia Antônio _ cumprimenta o patrão fazendo o rosto pálido do motorista corar.
_Bom dia senhor. Queira entrar por gentileza _ pede o motorista.
_Não, hoje eu dirijo. Se tiver algo importante por fazer aproveite. Já visitou seu neto?
_Não senhor.
_Então vá.
Antônio meio acanhado sorri, aceita a dica do patrão e se retira agradecendo-o.
O patrão entra no carro assumindo a direção e parte.
Após rodar um tempo pára em um semáforo. Observa uma menina transitando entre
os carros e fica perplexo ao notar que era a sua filha de sete anos, descalça, de roupas bem
surradas e com uma caixinha de balas oferecendo-as aos motoristas nos intervalos entre os
sinais verdes e vermelhos.
O coração do homem ficou destruído e não se conteve, saindo do carro e seguindo em
direção à criança:
_Filha. O que está fazendo aqui? _ pergunta o homem.
_Moço, o senhor quer comprar bala pra me ajudar?
_Eu sou o seu pai filha
_Não é não. Minha mãe disse que ele morreu.
O homem olhou chocado para a criança que não o reconheceu e se assustou ao ouvir
as buzinas soarem irritantes em seus ouvidos. Olhou novamente para a criança, mas ela
desaparecera.
Entrou no carro e circulou por alguns instantes pelas redondezas, mas não a avistou.
Aquela cena o consumiu de tal maneira como se suas forças tivessem sido roubadas.
De tanto rodar acabou se perdendo. Não sabia mais onde estava.
Passou a seguir uma carroça repleta de papelões. Em um dado momento, ao
emparelhar ao lado da carroça e pedir informação ao condutor, quase bate o carro.
Desce do carro e pára ao lado do velho homem.
_Pai? _ perguntou ao velho barbudo e maltrapilho que puxava a carroça.
_Não sei, não conheço nada dessa região. Tô só de passagem. _ responde o homem de
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_Pai sou eu, o seu filho. O que você está fazendo... Assim? Meu Deus, o que está
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_Pai, preciso muito falar contigo... Espere um pouco _ o homem corre na direção do
carro que desengatado começava a descer a rua.
Correu até o carro e puxou o freio de mão com o coração batendo
descontroladamente. Ao se virar para retomar a conversa, nem velho e nem carroça estavam
ali. Desapareceram.
Um descontrole momentâneo se fez presente e uma vontade de chorar lhe invadiu.
Baixou a cabeça no volante e tentou relaxar, pensando em tudo que havia lhe ocorrido
naquela manhã e dada à emoção adormeceu.
Tempos depois acordou e ao olhar no relógio viu que já passavam das 12 horas. Rodou
mais um tempo até conseguir se situar. Seguiu então para um restaurante que costumava
frequentar. Estacionou o carro ainda confuso com os acontecimentos daquela manhã. Entrou
no restaurante, cumprimentou os garçons e se acomodou em uma mesa próxima a uma
janela. Pediu uma garrafa de água e uma taça de vinho tinto seco antes de pedir o prato.
Enquanto degustava o vinho, olhando pela janela, observou uma senhora revirando
um cesto de lixo, procurando restos de alimentos. Aquilo o deixou intranquilo. Pediu então
para que um garçom fizesse um prato para viagem e entregasse à senhora que estava na
calçada revirando os lixos.
Minutos depois lá estava ele, se aproximando da senhora e estendendo-lhe a mão com
a refeição. Então ele vira-se para a janela e aponta para o homem que fez a boa ação. A
senhora levanta a cabeça e acena para o homem em sinal de agradecimento. O homem se
engasga com a bebida ao perceber que aquela senhora era...
_Mãe!
Levanta-se rapidamente da mesa e sai correndo pelo estabelecimento.
Ao chegar à calçada, não encontra a senhora e tão pouco o garçom.
Caminhou por toda a quadra, mas não viu um sinal se quer de ambos.
Ficou sem rumo, não sabia o que era tudo aquilo. Desorientado, acertou a conta no
restaurante e se retirou.
No estacionamento ao se aproximar do carro sentiu um forte cheiro de maconha e
avistou uma bela mulher usando boné sobre os longos cabelos negros, de calça jeans que lhe
definia bem os belos quadris e camiseta branca que davam belas formas ao par firme de
peitos, na frente de seu carro.
Abriu a porta do carro, baixou o vidro, virou a chave no contato até o capô oscilar, mas
a mulher ali encostada ficou, alheia a situação.
Ele calmo, põe a cabeça para fora da janela e ao tentar um contato sente algo frio e
duro encostar em sua nuca.
Pelo retrovisor avista somente o tecido da camisa que pelas cores vibrantes deduziu
ser de alguém jovem.
_Calma, fique tranquilo. Eu vou descer e vocês podem levar o carro _ fala o homem
tentando ter controle sobre a situação.
Fica calado _ responde o jovem arremessando a bituca de um cigarro de maconha.
_Mãe, é ele? _ pergunta o jovem à mulher encostada no capô do carro.
Ela se vira e o motorista toma um choque ao perceber que aquela era a sua mulher
que o observava com total indiferença.
Ao olhar para o jovem o susto foi ainda maior, pois era o seu filho adolescente.
_O que está acontecendo? Filho, que arma é essa? Você estava fumando maconha?_ e
então olha para a mulher _ Amor, o que significa isso?
_Fica quieto aí, pois eu não sou seu filho _ respondeu o jovem com o revólver
apontado para o homem enquanto a bela mulher se junta a ele.
_O que está acontecendo com vocês? _ pergunta o homem à dupla.
_Vamos embora filho. Não é ele. _ fala a mulher ao jovem.
O homem desce do carro assustando a mulher e o jovem, que automaticamente
empunha o revólver em sua direção.
_ Chega! Que diabo está acontecendo. Meus pais, meus filhos e minha mulher... Eu
pareço um estranho para vocês, mas conheço cada um de vocês.
_Vamos embora mãe _ respondeu o jovem puxando a mulher pelo braço.
_Não! _ disse o homem e ao avançar em direção ao jovem, esse aperta o gatilho e a
bala explode no peito.
_Aaaaaaaaahhhhhhhhhhh! _ grita o homem assustado e acorda chorando em um
quarto no trigésimo nono andar do hotel cinco estrelas The New York Palace em Nova Iorque.
Levanta-se, checa as horas e tenta ligar para a família, mas não consegue. Toma um
banho rápido, pega a mala e acerta as contas. Na saída um táxi já o aguarda e ele parte em
direção ao aeroporto, percurso, em virtude do horário, de aproximados quarenta minutos.
No caminho seus pensamentos afloraram e sentiu uma falta desmedida de seus pais,
mulher e filhos a quem negligenciava há anos, procurando supri-los sempre com bens
materiais.
Ele chega ao aeroporto às 19h13min, pouco mais de uma hora antes do embarque.
O vôo 111 da Swissair de 02/09/1998 parte do aeroporto John Fitzgerald Kennedy em
Nova Iorque às 20h18min horas, sentido Aeroporto Internacional de Genebra na Suíça, mas o
Mcdonell Douglas MD-11 não chegou ao seu destino, caindo no Oceano Atlântico próximo das
23 horas. Não houve sobrevivente.
Seus entes queridos não ouviram de sua boca, o quanto ele os amava e como queria
reparar o tempo em que esteve ausente.
Ele era uma entre as 229 vítimas daquele acidente, naquela quarta-feira.
Por Averlan Martins de Souza

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O homem só

  • 1. O homem só. Uma enorme mesa, com vários lugares, abundante em alimentos no café da manhã, mas sem alegria de pessoas para ocupar os espaços vazios e se fartarem. Somente a cabeceira está ocupada por um único homem que bebe uma xícara de café puro, sem açúcar. O jornal posto ao seu lado direito permanece intacto assim como o mordomo, em pé, recuado ao seu lado, aguardando instruções. O olhar do homem percorre todas as cadeiras daquela mesa, como que querendo preencher os espaços. _Obrigado Luiz. _ diz o homem ao velho mordomo, que se surpreende com a gentileza, mas permanece na mesma postura serviçal. Levanta-se e sai deixando o jornal sobre a mesa sem ser mexido. Ao sair da mansão encontra o motorista bem alinhado ao lado de um carro importado, já o aguardando com a porta traseira do lado direito aberta, mas antes de cumprimentar o patrão é surpreendido pelo mesmo: _Bom dia Antônio _ cumprimenta o patrão fazendo o rosto pálido do motorista corar. _Bom dia senhor. Queira entrar por gentileza _ pede o motorista. _Não, hoje eu dirijo. Se tiver algo importante por fazer aproveite. Já visitou seu neto? _Não senhor. _Então vá. Antônio meio acanhado sorri, aceita a dica do patrão e se retira agradecendo-o. O patrão entra no carro assumindo a direção e parte. Após rodar um tempo pára em um semáforo. Observa uma menina transitando entre os carros e fica perplexo ao notar que era a sua filha de sete anos, descalça, de roupas bem surradas e com uma caixinha de balas oferecendo-as aos motoristas nos intervalos entre os sinais verdes e vermelhos. O coração do homem ficou destruído e não se conteve, saindo do carro e seguindo em direção à criança: _Filha. O que está fazendo aqui? _ pergunta o homem. _Moço, o senhor quer comprar bala pra me ajudar? _Eu sou o seu pai filha _Não é não. Minha mãe disse que ele morreu.
  • 2. O homem olhou chocado para a criança que não o reconheceu e se assustou ao ouvir as buzinas soarem irritantes em seus ouvidos. Olhou novamente para a criança, mas ela desaparecera. Entrou no carro e circulou por alguns instantes pelas redondezas, mas não a avistou. Aquela cena o consumiu de tal maneira como se suas forças tivessem sido roubadas. De tanto rodar acabou se perdendo. Não sabia mais onde estava. Passou a seguir uma carroça repleta de papelões. Em um dado momento, ao emparelhar ao lado da carroça e pedir informação ao condutor, quase bate o carro. Desce do carro e pára ao lado do velho homem. _Pai? _ perguntou ao velho barbudo e maltrapilho que puxava a carroça. _Não sei, não conheço nada dessa região. Tô só de passagem. _ responde o homem de forma áspera. _Pai sou eu, o seu filho. O que você está fazendo... Assim? Meu Deus, o que está acontecendo? _ perguntou sem acreditar no que via. _Pai? Tenho filho não. Ele já morreu e faz tempo_ responde o velho. _Pai, preciso muito falar contigo... Espere um pouco _ o homem corre na direção do carro que desengatado começava a descer a rua. Correu até o carro e puxou o freio de mão com o coração batendo descontroladamente. Ao se virar para retomar a conversa, nem velho e nem carroça estavam ali. Desapareceram. Um descontrole momentâneo se fez presente e uma vontade de chorar lhe invadiu. Baixou a cabeça no volante e tentou relaxar, pensando em tudo que havia lhe ocorrido naquela manhã e dada à emoção adormeceu. Tempos depois acordou e ao olhar no relógio viu que já passavam das 12 horas. Rodou mais um tempo até conseguir se situar. Seguiu então para um restaurante que costumava frequentar. Estacionou o carro ainda confuso com os acontecimentos daquela manhã. Entrou no restaurante, cumprimentou os garçons e se acomodou em uma mesa próxima a uma janela. Pediu uma garrafa de água e uma taça de vinho tinto seco antes de pedir o prato. Enquanto degustava o vinho, olhando pela janela, observou uma senhora revirando um cesto de lixo, procurando restos de alimentos. Aquilo o deixou intranquilo. Pediu então para que um garçom fizesse um prato para viagem e entregasse à senhora que estava na calçada revirando os lixos. Minutos depois lá estava ele, se aproximando da senhora e estendendo-lhe a mão com a refeição. Então ele vira-se para a janela e aponta para o homem que fez a boa ação. A
  • 3. senhora levanta a cabeça e acena para o homem em sinal de agradecimento. O homem se engasga com a bebida ao perceber que aquela senhora era... _Mãe! Levanta-se rapidamente da mesa e sai correndo pelo estabelecimento. Ao chegar à calçada, não encontra a senhora e tão pouco o garçom. Caminhou por toda a quadra, mas não viu um sinal se quer de ambos. Ficou sem rumo, não sabia o que era tudo aquilo. Desorientado, acertou a conta no restaurante e se retirou. No estacionamento ao se aproximar do carro sentiu um forte cheiro de maconha e avistou uma bela mulher usando boné sobre os longos cabelos negros, de calça jeans que lhe definia bem os belos quadris e camiseta branca que davam belas formas ao par firme de peitos, na frente de seu carro. Abriu a porta do carro, baixou o vidro, virou a chave no contato até o capô oscilar, mas a mulher ali encostada ficou, alheia a situação. Ele calmo, põe a cabeça para fora da janela e ao tentar um contato sente algo frio e duro encostar em sua nuca. Pelo retrovisor avista somente o tecido da camisa que pelas cores vibrantes deduziu ser de alguém jovem. _Calma, fique tranquilo. Eu vou descer e vocês podem levar o carro _ fala o homem tentando ter controle sobre a situação. Fica calado _ responde o jovem arremessando a bituca de um cigarro de maconha. _Mãe, é ele? _ pergunta o jovem à mulher encostada no capô do carro. Ela se vira e o motorista toma um choque ao perceber que aquela era a sua mulher que o observava com total indiferença. Ao olhar para o jovem o susto foi ainda maior, pois era o seu filho adolescente. _O que está acontecendo? Filho, que arma é essa? Você estava fumando maconha?_ e então olha para a mulher _ Amor, o que significa isso? _Fica quieto aí, pois eu não sou seu filho _ respondeu o jovem com o revólver apontado para o homem enquanto a bela mulher se junta a ele. _O que está acontecendo com vocês? _ pergunta o homem à dupla. _Vamos embora filho. Não é ele. _ fala a mulher ao jovem. O homem desce do carro assustando a mulher e o jovem, que automaticamente empunha o revólver em sua direção.
  • 4. _ Chega! Que diabo está acontecendo. Meus pais, meus filhos e minha mulher... Eu pareço um estranho para vocês, mas conheço cada um de vocês. _Vamos embora mãe _ respondeu o jovem puxando a mulher pelo braço. _Não! _ disse o homem e ao avançar em direção ao jovem, esse aperta o gatilho e a bala explode no peito. _Aaaaaaaaahhhhhhhhhhh! _ grita o homem assustado e acorda chorando em um quarto no trigésimo nono andar do hotel cinco estrelas The New York Palace em Nova Iorque. Levanta-se, checa as horas e tenta ligar para a família, mas não consegue. Toma um banho rápido, pega a mala e acerta as contas. Na saída um táxi já o aguarda e ele parte em direção ao aeroporto, percurso, em virtude do horário, de aproximados quarenta minutos. No caminho seus pensamentos afloraram e sentiu uma falta desmedida de seus pais, mulher e filhos a quem negligenciava há anos, procurando supri-los sempre com bens materiais. Ele chega ao aeroporto às 19h13min, pouco mais de uma hora antes do embarque. O vôo 111 da Swissair de 02/09/1998 parte do aeroporto John Fitzgerald Kennedy em Nova Iorque às 20h18min horas, sentido Aeroporto Internacional de Genebra na Suíça, mas o Mcdonell Douglas MD-11 não chegou ao seu destino, caindo no Oceano Atlântico próximo das 23 horas. Não houve sobrevivente. Seus entes queridos não ouviram de sua boca, o quanto ele os amava e como queria reparar o tempo em que esteve ausente. Ele era uma entre as 229 vítimas daquele acidente, naquela quarta-feira. Por Averlan Martins de Souza