1. PERSONAGEM
ANDRÉS
Segovia nasceu em Linares, An-
daluzia, em 21 de fevereiro de 1893,
de família muito pobre. A partir dos
três anos foi criado por tios que mo-
ravam em Granada, onde ouviu pe-
SEGOVIA la primeira vez o som do violão, vin-
do de um jardim. Durante a infân-
cia, fascinado pelo timbre do instru-
mento, procurou aprender seus mis-
térios. Um tocador de flamenco en-
sinou-lhe as técnicas básicas de
execução.
Não contente em tocar apenas al-
gumas peças do folclore espanhol,
Segovia decidiu aperfeiçoar sua téc-
nica. Na época, havia somente duas
escolas violonísticas conceituadas: a
de Francisco Tárrega (1852-1909) e
a de Miguel Llobet (1875-1938).
Embora não as renegando, Segovia
procurou um estilo próprio. A partir
do estudo das poucas partituras en-
tão existentes para violão, desenvol-
veu um método específico para a
execução do instrumento.
Com isso, o músico espanhol
acabou imprimido ao violão um to-
que único. Peter Sensier, estudioso
de sua obra, afirma: "Embora essa
técnica fosse aparentemente seme-
lhante à que se costumava usar, era
absolutamente pessoal no modo de
usar dedos e unhas para obter volu-
me de som e grande variedade de
colorido, tudo isso com muita eco-
nomia de movimentos".
Somente essa fantástica técnica
conseguiria derrubar preconceitos
generalizados contra o violão. Os
aficionados de música clássica tor-
ciam o nariz para esse instrumento
popular: "Ele era tocado apenas nos
cabarés pelos ciganos", dizia o mú-
sico espanhol.
Aos dezesseis anos, Segovia deu
seu primeiro concerto, em Granada.
Em pouco tempo, os limites do ter-
ritório espanhol tornaram-se estrei-
Com o talento de Segovia, o violão chegou às salas de concerto. tos para seu talento. Em abril de
1924, ele fez em Paris o primeiro re-
cital de violão clássico. Quatro anos
"As linhas de seu corpo gracioso
penetraram meu coração como es-
Andrés Segovia dedicou a vida ao
objeto dessa profunda paixão. Com
depois, foi a vez da plateia norte-
americana se encantar com os sons
sas mulheres que, enviadas pelo resultados revolucionários: após o prodigiosos que o vtríuose conseguia
céu, surgem de repente em nossa vi- mestre, a técnica de execução e o extrair daquele simples instrumento
da para se transformarem em nos- status do violão mudaram dramati- de seis cordas.
sas companheiras bem-amadas." camente . O repertório violonístico disponí-
2. PERSONAGEM
vel tomava-se pequeno para a capa- rio. A terceira, demonstrar a beleza je, um tal vacilo pode ser considera-
cidade de Segovia, que passou a in- de sua música. A quarta, introduzi- do — na verdade, será considerado
centivar os mais célebres músicos da lo nos conservatórios, nas escolas e — uma falta de força; na minha ida-
época a comporem peças para o ins- universidades" de, sinto a necessidade de provar
trumento. Ao mesmo tempo, adap- Esse músico — que começou to- que ainda sou capaz."
tava para o violão músicas compos- cando violão no tempo em que as Esse bom humor era permanen-
tas originalmente para alaúde bem cordas eram feitas de tripa animal e te, como mostram alguns de seus
como trabalhos de Bach e outros que, entre outras façanhas, foi o res- antológicos comentários:
clássicos. ponsável pelo emprego, hoje gene- Sobre o alaúde: "Um instrumento
Segovia expandiu enormemente ralizado, das cordas de náilon — en- morto. Apesar de Julian Bream".
o repertório e as possibilidades do velheceu preservando sua agilidade Sobre o flamenco: "Toco o flamen-
violão. Nas salas de concerto, sua como concertista. Mesmo após ter co para meu deleite, apenas para
plateia ouvia tanto peças de Chopin, completado noventa anos de idade, lembrar-me dos tempos em que se
Schumann e Mendelssohn quanto Segovia invariavelmente dedicava tocava bem o flamenco".
novas músicas, escritas especialmen- cinco horas diárias para o estudo do Sobre os instrumentos eletrônicos:
te para o instrumento, por contem- violão: "Isso agora, mais do que "Tiram toda a poesia do som".
porâneos como Mário Castelnuovo nunca, é necessário", brincava. Sobre o género pop: "Esse pessoal
Tedesco, Federico Moreno Torroba, "Quando eu era jovem, qualquer compõe em cima de ruídos — oop,
Manuel de Falia e o brasileiro Hei- vacilo em minha execução podia ser eeep, yeaye, ah uh — e ainda cha-
tor Villa-Lobos. atribuído à falta de maturidade. Ho- ma o resultado de música".
Mas nem tudo foi unanimidade
na carreira de Segovia. Alguns críti-
cos musicais, por exemplo, julgavam
que suas versões para as peças de
Bach soavam excessivamente ro-
mânticas, deturpando a concepção
barroca original. Discípulos de Tár-
rega também não apreciavam seu
modo inovador de tocar. Disse um
comentarista de Madri, depois de
ouvi-lo: "Esse estúpido jovem
esgota-se em esforços inúteis para
transformar a natureza misteriosa e
dionisíaca do violão em natureza
apolínea. O violão corresponde à
exaltação apaixonada do folclore an-
daluz, não ã precisão, à ordem, à es-
trutura da música clássica".
O público, ignorando todas essas
considerações negativas, lotava as
salas em que Segovia se apresenta-
v a — à espantosa média de cerca de
um concerto por semana. Essa mes-
ma fidelidade tornou um sucesso de
vendas cada um dos cinquenta LPs
registrados pelo violonista ao longo
de sua carreira.
Segovia notabilizou-se pela ma-
neira peculiar, inteligente e bem-hu-
morada de encarar a vida pessoal e
as relações do músico com sua arte.
"Consagrei minha vida a quatro
grandes tarefas", costumava dizer.
"A primeira, tirar o violão do gueto
do flamenco, do vinho e das mulhe-
res, onde parecia estar confinado. A
segunda, procurar-lhe um repertó- Segovia ampliou o repertório e reformulou a técnica do violão.