Este documento descreve uma representação feita à Procuradoria Federal sobre possíveis irregularidades no processo de licenciamento ambiental e emissão de outorga para a construção da Barragem Duas Pontes no rio Camanducaia, São Paulo. A representação alega que o órgão responsável, o DAEE, tentou emitir a outorga para si mesmo e depois passou a afirmar que a outorga não era necessária, contrariando pareceres técnicos da ANA.
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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR PROCURADOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL –
SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE BRAGANÇA PAULISTA, ESTADO DE SÃO PAULO.
Representação
A ASSOCIAÇÃO RESGATE O CAMBUÍ, pessoa jurídica de direito privado,
na modalidade de associação civil de natureza filantrópica, inscrita no C.N.P.J.
sob o nº 05.815.240/0001-68, com sede e foro na Rua Conceição, 233, sala 916,
CEP 13016-050, Município de Campinas/SP, representada por suas advogadas
abaixo inscritas, com fundamento no artigo 6º da Lei 7.347/85, vem,
respeitosamente perante Vossa Excelência, expor e requer o quanto segue:
DA CONTEXTUALIZAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO:
Trata-se de representação para que sejam apuradas possíveis
irregularidades e ilegalidades relacionadas ao encaminhamento do
licenciamento ambiental e emissão de outorga para a Barragem Duas Pontes,
a ser implantada no rio Camanducaia (domínio da União), no município de
Amparo, Estado de São Paulo.
Tanto o processo de outorga junto à ANA (processo n. 02501.000256.2016)
quanto o de licenciamento ambiental - licença de instalação – pela CETESB
(processo de impacto n. 189/2013 e processo no e-ambiente n. 022015/2018-69),
obtidos por essa Representante estão sendo anexados a essa Representação
pelo link: https://1drv.ms/u/s!Ai9PERFku6cf-jPz4EeJCrg2_Hw2?e=F90G3R
A Barragem Duas Pontes faz parte do empreendimento em conjunto com
a Barragem Pedreira. No caso da última já se encontra em trâmite demanda
judicial que já é de conhecimento desse Ministério Público (ACP n.
5005.895.83.2019.4.03.6105, em trâmite perante a 6ª Vara da Justiça Federal, de
Campinas/SP), de modo que o histórico mais amplo já é de conhecimento.
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Informações sobre o empreendimento todo também podem ser encontradas
no site: https://www.daeepedreiraeduaspontes.com.br/index.php.
A área de implantação da Barragem Duas Pontes está parcialmente
inserida na Área de Proteção Ambiental – APA – Piracicaba Juqueri-Mirim,
criada pelo Decreto Estadual 26.882/97 (com ratificação da criação e
alteração de limites alterados pela Lei 7.438/91).
(i) Do histórico do processo de outorga.
A outorga de uso de recursos hídricos é instrumento da Política Nacional
de Recursos Hídricos - PNRH (Lei 9.433/97), sendo obrigatória nos casos dispostos
no artigo 12 da menciona lei:
Art. 12. Estão sujeitos a outorga pelo Poder Público os direitos dos seguintes
usos de recursos hídricos:
I - derivação ou captação de parcela da água existente em um corpo de
água para consumo final, inclusive abastecimento público, ou insumo de
processo produtivo;
II - extração de água de aqüífero subterrâneo para consumo final ou insumo
de processo produtivo;
III - lançamento em corpo de água de esgotos e demais resíduos líquidos ou
gasosos, tratados ou não, com o fim de sua diluição, transporte ou
disposição final;
IV - aproveitamento dos potenciais hidrelétricos;
V - outros usos que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da água
existente em um corpo de água. (g.n)
Nos casos de rios federais - como o Camanducaia - a competência seria
a ANA. Entretanto, essa Agência delegou, pela Resolução ANA 429/2004 (doc.
01), ao DAEE a competência para emissão de outorga para uso de recursos
hídricos no âmbito do PCJ.
Assim, diante da expressa obrigação da obtenção de outorga, em
09/09/2015 o DAEE apresentou, a ele próprio [DAEE], o Requerimento de outorga
para as duas barragens (Duas Pontes e Pedreira), conforme demonstra o anexo
(p. 3, proc. ANA). Contudo, sua diretoria entendeu que não havia previsão da
Resolução que permitisse a “auto outorga” (p. 91, proc. ANA).
Em 28/10/2015, após ser acionada pelo Ministério Público do Estado de
São Paulo, a ANA consultou a Procuradoria Federal e solicitou ao DAEE que
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realizasse o pedido de outorga dos dois empreendimentos à esta Agência, em
razão da competência dessa para emissão de outorga nesse caso (doc. 02).
A Procuradoria Federal recomendou que o DAEE solicitasse a outorga à
ANA, inicialmente por entender que havia NÃO dúvida que ela [outorga] é
obrigatória. (doc. 03). Além disso, entendeu que por se tratar de ato
discricionário, a emissão do “auto outorga” pelo DAEE poderia gerar discussões
relativas à ausência de imparcialidade. Portanto, a outorga pela ANA evitaria
desrespeito aos princípios que regem a atuação da administração pública,
insculpidos no artigo 37, da Constituição Federal.
Assim, entendendo que a delegação não retira a competência da
autoridade delegante, a Procuradoria Federal em seu parecer (doc.>>>)
concluiu que:
A obrigatoriedade da outorga inclusive, nunca havia sido questionada
pelo DAEE. Ao contrário, é tão clara sua obrigação que o DAEE fez o pedido por
três vezes; que o DAEE requereu e obteve a outorga da Barragem Pedreira; que
o Ministério Público Estadual questionou a ANA quanto à existência do pedido
de outorga e claro, que a própria ANA deu encaminhamento ao pedido e fez
todas as análises até hoje. Houvesse alguma dúvida quanto à obrigatoriedade
dessa outorga ou mesmo cabimento de qualquer tipo de dispensa, não haveria
razão para o processo ter caminhado até aqui.
Na mensagem abaixo fica claro que o DAEE não contesta a obrigação
da outorga (p. 94, proc. ANA):
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A questão é tão clara, que o próprio licenciador – CETESB – reconheceu
na emissão da Licença Ambiental Prévia a obrigatoriedade da outorga e
competência da ANA para sua emissão (doc. 04.2):
Assim, em continuidade, em 12/02/2016 o DAEE encaminhou o pedido de
outorga da barragem Duas Pontes à ANA (Processo de outorga n.
02501.000256/2016-77 – cópia integral anexa).
Em 05/08/2016, o Parecer Técnico nº 130/2016/COREG/SER da ANA
recomenda o indeferimento da outorga preventiva, “considerados os aspectos
de qualidade de água e enquadramento dos corpos d’água, previstos na
Resolução CONAMA 357 de 2005”. (g.n)
Em 15/08/2016 a Diretoria Colegiada da ANA acata a recomendação do
parecer e indefere o pedido de outorga, publicando a Resolução 935/2016 no
Diário Oficial da União do dia 18/08/2016. Essa Resolução constou com uma
incorreção formal quanto à espécie de pedido feita pelo DAEE, tendo sido
retificada nesse ponto pela Resolução 987/2016 (doc. 05), publicada em
22/08/2016, que manteve o indeferimento.
Em 28/02/2019, após estudos complementares, o DAEE apresentou novo
pedido de outorga de direito de uso de recursos hídricos à ANA (p. 1204, proc.
ANA).
Em 25/07/2019, o Parecer Técnico nº 57/2019/COREG/SRE, apesar das
complementações feitas pelo DAEE, mais uma vez recomenda o indeferimento
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do pedido de outorga, novamente pelas razões relativas à qualidade de água
e enquadramento de corpos hídricos.
Em 02/08/2019 o parecer de indeferimento foi aprovado pelo
Superintendente de Regulação da ANA, que encaminhou para apreciação e
providência da Diretoria Colegiada. (p. 2.850, proc. Ana):
Contudo, antes da apreciação pela Diretoria e provável emissão do ato
de indeferimento, possivelmente para evitar a publicação do indeferimento, no
dia 06/08/2019 o DAEE pediu desistência da outorga, indicando como motivo a
necessidade de “revisão dos estudos técnicos do empreendimento”:
Em 24/10/2019, o DAEE protocola novo pedido de outorga de uso para a
barragem Duas Pontes (p. 2854, proc. ANA). E, em 20/11/2019 o PARECER
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TÉCNICO Nº 83/2019/COREG/SER, pela TERCEIRA vez, recomenda o
indeferimento do novo pedido (p. 2.856, proc. ANA):
Vale ressaltar que os pareceres da ANA foram emitidos por diversos
profissionais técnicos especialistas em recursos hídricos. Ou seja, tratam-se de
questões de ordem técnicas.
Diante no mencionado parecer acima, em 12/12/2019, o
superintendente de regulação novamente acata seus termos técnicos,
recomendando à Diretoria Colegiada que emitisse o ato de indeferimento.
Entretanto, mais uma vez que, já sabendo do teor do parecer técnico e
antes da análise da Diretoria e provável emissão do indeferimento, em
18/12/2019, o DAEE desiste do pedido (p. 2.880, proc. ANA), mais uma vez, do
requerimento de outorga junto à ANA sob o seguinte fundamento:
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Mas, apesar de solicitar a desistência do pedido de outorga para realizar
novos estudos, parece não ter sido esse exatamente o motivo da desistência,
pois o DAEE não deu encaminhamento a nenhum novo estudo. Ao contrário,
passa a se posicionar contrário a necessidade de outorga.
Assim, buscando dar formalização ao seu NOVO entendimento de não
obrigatoriedade de outorga e para atender exigência do licenciamento
ambiental - como se verá abaixo - em 24/06/2020 o DAEE publica a Portaria
3.280/2020 (doc. 06), verbis:
Artigo 1º - Os dispositivos mencionados na Portaria DAEE nº 1.630, de 30 de
maio de 2017, passam a vigorar da seguinte maneira:
I – Ficam acrescentados os §§ 1º, 2º e 3º ao Artigo 10, com a seguinte
redação:
“§ 1°- São dispensados de obter as outorgas os usos, as obras e os serviços
executados ou contratados pelo DAEE, em corpos de água de domínio do
Estado ou naqueles de domínio da União, onde a Autarquia tem delegação
da Agência Nacional de Águas, para emissão de Outorgas, observada a
legislação ambiental.
§ 2° - O Superintendente do DAEE emitirá manifestação por Despacho,
tornando pública, as dispensas de outorgas a que se refere o parágrafo
anterior. [...] (g.n)
Em continuidade a essa verdadeira ilegalidade, inconstitucionalidade e
absurdo, na tentativa de dar “formalização” a uma suposta dispensa de
outorga foi publicado o Despacho abaixo no DOE (doc. 07):
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Ora, se conforme apontado pelo DAEE ele não emite outorgas para si
próprio, qual seria a lógica de simplesmente dispensar a outorga, em especial,
nesse contexto da barragem Amparo? Não há dúvidas que este caso a outorga
é OBRIGATÓRIA, conforme explanado acima, tanto o é que o próprio DAEE fez
três pedidos de outorga à ANA.
Ademais, as hipóteses de dispensa estão tratadas na Lei 9.433/97, em seu
artigo 12, §1º, verbis.
Art. 12 [...]
§ 1º Independem de outorga pelo Poder Público, conforme definido em
regulamento:
I - o uso de recursos hídricos para a satisfação das necessidades de
pequenos núcleos populacionais, distribuídos no meio rural;
II - as derivações, captações e lançamentos considerados insignificantes;
III - as acumulações de volumes de água consideradas insignificantes. (g.n)
A lei é taxativa nos usos que são dispensados. E nenhuma das hipóteses
de dispensa remete ao caso ora vivenciado!
A Lei 9.433/97 regulamenta o artigo 21, XIX da Constituição Federal, que
estabelece que compete à União “instituir sistema nacional de gerenciamento
de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso” (g.n),
respeitando a competência privativa da União para legislar sobre águas (artigo
22 da CF/88).
Apesar disso, o DAEE simplesmente decidiu inovar, para interesse próprio,
hipótese de dispensa de outorga, após ter recebido um indeferimento formal e
mais DUAS RECOMENDAÇÕES DE INDEFERIMENTO pelos técnicos da ANA
quanto à essa outorga.
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Ainda que se admita que as entidades estatais detém competência para
regulamentar as hipóteses de dispensa dispostas nos incisos II e III do artigo 12
da Lei 9.433/97, que tratam de situações de insignificância quanto ao uso do
recurso hídrico, é impossível enquadrar uma barragem que terá 55,88 milhões
de metros cúbicos (p. 517, proc. ANA) como um uso insignificante!!
A Portaria 3.280/2020 e Despacho do Superintendente (ambos do DAEE)
afrontam diretamente a Constituição Federal e a Lei Federal 9.433/97.
Ora, a outorga de uso de recursos hídricos existe justamente para
“assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água e o efetivo
exercício dos direitos de acesso à água” (artigo 11 da Lei 9.433/97). Portanto,
ela não pode ser dispensada pela simples “qualificação” do interessado. O
objetivo da dispensa é retirar essa obrigação dos usos em que a qualidade e
quantidade de uso não representam risco de acesso à água, o que os pareceres
técnicos da ANA deixam claro, não é o caso!
Ainda que a ANA tivesse delegado também essa competência de “auto
outorga” ao DAEE, em que pese isso afronte os princípios da administração
pública, fato é que não há dúvidas quanto à obrigatoriedade de um processo
interno no DAEE para que esse comprovasse tecnicamente a possibilidade da
emissão dessa outorga.
Do contrário, o que está se vendo é a adoção de atos direcionados do
DAEE para que se “formalize” ou dê “regularidade” à dispensa de outorga no
presente caso, mesmo diante de três pareceres técnicos da ANA
recomendando o indeferimento da outorga, por questões de qualidade da
água.
(ii) Do histórico do licenciamento ambiental.
Em paralelo ao pedido de outorga junto à ANA, o DAEE deu
encaminhamento ao licenciamento ambiental de todo o empreendimento
(barragens Pedreira e Duas Pontes). O EIA/RIMA foi elaborado em conjunto e o
início do licenciamento também.
Apesar de já saber do indeferimento do pedido de outorga pela ANA
para a barragem Duas Pontes – publicada em 18/08/2016 no DOU, o DAEE não
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levou referida informação para a reunião do CONSEMA, de modo que em
22/08/2016 (345ª reunião – doc. 08) foi aprovado o EIA/RIMA do
empreendimento (Deliberação CONSEMA 19/2016 – doc. 09). Rapidamente,
em 25/08/2016, a CETESB emitiu a licença prévia do empreendimento (doc. 04)
Ou seja, mesmo sabendo que a outorga não tinha sido deferida, o DAEE
nada mencionou. Diante do ocorrido, o Representante do Ministério Público do
Estado de São Paulo, Sr. Rodrigo Sanches, em 19/09/2016 encaminhou email ao
CONSEMA (doc. 10) e em 21/09/2016, durante a 346ª reunião (doc. 11) do
órgão, requereu a suspensão da aprovação do EIA/RIMA das barragens, em
razão da aprovação ter ocorrido mesmo diante do indeferimento da outorga
da ANA.
Contudo, o CONSEMA entendeu que não caberia revisão ou
reconsideração, tendo sido o ofício do Dr. Rodrigo Sanches encaminhado ao
gabinete da SMA para análise urgente (cf. ata 346ª).
Em 29/08/2020 foi encaminhado ofício (doc. p. 1.039, proc. ANA)
diretamente à CETESB (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo),
informando quanto ao indeferimento da outorga como explanado acima:
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Isso porque, a emissão de licença ambiental depende da outorga
preventiva, nos termos do artigo 4º, da Resolução 65/2006 do CNRH:
Art. 4. A manifestação prévia, requerida pelo empreendedor ou interessado,
quando prevista nas normas estaduais, deve ser apresentada ao órgão
ambiental licenciador para a obtenção da Licença Prévia.
Parágrafo único. Não havendo manifestação prévia ou ato correspondente,
a outorga de direito de uso de recursos hídricos deverá ser apresentada
para a obtenção da Licença de Instalação. (g.n)
No mesmo sentido dispõe o artigo 10, §1º da Resolução CONAMA 237/97:
Art. 10 – O procedimento de licenciamento ambiental obedecerá às
seguintes etapas:
(…)
§ 1º – No procedimento de licenciamento ambiental deverá constar,
obrigatoriamente, a certidão da Prefeitura Municipal, declarando que o
local e o tipo de empreendimento ou atividade estão em conformidade
com a legislação aplicável ao uso e ocupação do solo e, quando for o
caso, a autorização para supressão de vegetação e a outorga para o uso
da água, emitidas pelos órgãos competentes. (g.n)
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Além disso, os próprios procedimentos internos da CETESB exigem e
apresentação de outorga, conforme pode se observar pelas listas de
documentos a serem entregues para cada etapa de licenciamento. Ela é
obrigatória desde a licença prévia (docs. 12). E há uma razão muito importante
para ser assim. Não é mero cumprimento documental, mas ocorre que a
viabilidade ambiental do empreendimento é absolutamente prejudicada,
senão impossibilitada, diante da ausência da comprovação ainda que
preventiva da viabilidade hídrica, dentre outras questões.
Apesar de tudo isso, nada mudou e foi analisado efetivamente quanto à
reconsideração da aprovação do EIA/RIMA pelo CONSEMA ou mesmo da
emissão da licença prévia pela CETESB. De acordo com o Despacho do
Secretário de Meio Ambiente (doc. 13), em resposta a questionamento recente
sobre as medidas adotadas em relação à aprovação EIA/RIMA mesmo sem
outorga, por uma razão regimental não caberia reconsideração do ato de
aprovação do EIA/RIMA.
Mesmo se tratando de uma revisão necessária de um ato administrativo
emitido com vício?! Ora, o Ministério Público do Estado de São Paulo levantou
essa irregularidade, a própria ANA encaminhou ofício para a CETESB informando
do indeferimento da outorga, mas nem CONSEMA nem CETESB reviram seus
próprios atos.
Entretanto, mesmo diante de tamanho vício do ato administrativo, nada
foi feito, ao contrário, deu-se continuidade ao licenciamento ambiental SEM
OUTORGA.
Ocorre que, no início de 2018, o DAEE deu entrada no pedido de emissão
de Licença de Instalação junto à CETESB (doc. Ficha cadastral, Proc. CETESB)
para a barragem Duas Pontes, apresentando ao órgão apenas o novo
protocolo de pedido de outorga junto à ANA, já que o primeiro já tinha sido
indeferido.
Nesse ponto, vale observar que a exigência de número 1.13 da Licença
Prévia (doc. 04.2) era de que para continuidade do licenciamento, por ocasião
da solicitação da Licença Ambiental de Instalação, o DAEE deveria apresentar
a Outorga de Direito de Uso de Recursos Hídricos, emitida pela Agência
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Nacional de Águas – ANA, mas o DAEE não apresentou. Ou seja, a licença de
instalação não poderia ter sido concedida.
Em 12/06/2019, dentre outras exigências a CETESB aponta que não foi
apresentada a outorga de direito de uso de recursos hídricos emitida pela ANA
e concedeu prazo de 90 dias para que o DAEE regularizasse esse documento
(doc. OFÍCIO 188_2019_IE > PROC. CETESB).
Mas, contrariando toda a legislação, bem como o entendimento técnico
da ANA - por três oportunidades diferentes – pelo indeferimento da outorga, em
17/01/2020, o DAEE emitiu o OFÍCIO SUP_0115_2020 DAEE (doc. PROC CETESB),
no seguinte teor:
Ou seja, mesmo sendo inconteste a obrigatoriedade da outorga pela
Ana (inclusive, como constou na LP), o DAEE então muda, deliberadamente e
por interesse próprio, seu posicionamento para indicar que o empreendimento
é DISPENSADO de outorga?
Como se verificou no tópico anterior, esse ato fere diretamente a Lei
Federal 9.433/97 e a Constituição Federal/88 e ainda, a própria Resolução ANA
429/04, que não foi expressa quanto à delegação no caso de “auto outorga”.
E com isso, a CETESB indica não caber a ela a intervenção em
competência para outorga (2020-0549-PJM-PARECER, proc. CETESB). Ato
contínuo, emite a Licença de Instalação (LICENÇA DE INSTALAÇÃO - LI
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2617_2020_IE E ANEXOS, proc. CETESB), mesmo sem outorga da ANA, que se
tratava de exigência explícita dela própria [CETESB] na Licença Prévia (item
1.13).
A CETESB insere na licença de instalação (licença no proc. CETESB) a
obrigação de apresentação de outorga (nesse caso não indica mais da ANA),
para início das obras. Contudo, parece claro que as ações do DAEE no sentido
de “formalizar” seu entendimento de dispensa de outorga vão levar justamente
ao questionamento dessa exigência da CETESB na LI.
O DAEE já tomou as medidas para que seja “dispensado” da outorga!!!
E, de acordo com o ofício colacionado acima, a Ordem de Serviço do DAEE
daria liberação para início das obras. Veja resposta do DAEE a questionamento
que lhe foi endereçado após emissão da LI (doc. 14):
As irregularidades são patentes. Além disso, não restam dúvidas,
portanto, da urgência da presente Representação. Há risco claro de que as
obras comecem mesmo sem a obtenção da OBRIGATÓRIA outorga, que frise,
foi indeferida em razão de problemas relacionados à qualidade da água. De
acordo com o que se afirma na reportagem em anexo (doc. 15), as obras serão
iniciadas neste mês de agosto, uma vez que o DAEE já emitiu a Ordem de
Serviço necessária!!
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A urgência se reforça diante de já ter sido assinado o Termo de
Compromisso de Compensação Ambiental (doc. TERMO DE COMPROMISSO DE
COMPENSAÇÃO AMBIENTAL_TCCA_03_2020 > PROC. CETESB), publicado no dia
12/02/2020 no Diário Oficial do Estado de São Paulo.
Já se encontra em estágio avançado a análise para anuência prévia do
Ibama para supressão de vegetação. Isso pode ser observado pelos diversos
documentos disponíveis no PROC. CETESB, integralmente aqui juntado.
iii) Da qualidade da água
A motivação do indeferimento da outorga pela ANA pela Resolução
987/16 e dos outros dois posteriores pareceres dos técnicos da ANA contrários a
emissão da outorga são relacionados ao fato de que o uso pretendido para a
barragem não atende aos critérios de qualidade de água e enquadramento
dos corpos hídricos nos termos da Resolução 357/2005 do CONAMA.
O enquadramento dos corpos hídricos é um dos instrumentos da Lei
9.433/97 e vista, precisamente, “I - assegurar às águas qualidade compatível
com os usos mais exigentes a que forem destinadas e II - diminuir os custos de
combate à poluição das águas, mediante ações preventivas permanentes”
(artigo 9º da Lei 9.433/97). A Resolução CONAMA 357/05 é responsável por
indicar os critérios técnicos para classificação de cada corpo hídrico.
De acordo com o artigo 13 da Lei 9.433/97:
Art. 13. Toda outorga estará condicionada às prioridades de uso
estabelecidas nos Planos de Recursos Hídricos e deverá respeitar a classe
em que o corpo de água estiver enquadrado e a manutenção de
condições adequadas ao transporte aquaviário, quando for o caso.
Parágrafo único. A outorga de uso dos recursos hídricos deverá preservar o
uso múltiplo destes. (g.n)
Os três pareceres técnicos da ANA1 apontam que a construção da
barragem não comprova a capacidade de preservação da qualidade da
água com base no enquadramento do corpo hídrico.
1
1) Parecer Técnico nº 130/2016/COREG/SER;
2) Parecer Técnico nº 57/2019/COREG/SER Documento nº 02500.051475/2019;
3) PARECER TÉCNICO nº 83/2019/COREG/SRE
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Veja os apontamentos finais do último parecer emitido pelos técnicos da
ANA (PARECER TÉCNICO nº 83/2019/COREG/SER):
Ou seja, não há comprovação de que o barramento conseguirá atender
a qualidade de água esperada para esse corpo hídrico. E pior, de acordo com
o parecer técnico, a existência da barragem pode representar risco ao uso
múltiplo da água, “particularmente para o uso preponderante previsto,
abastecimento público e consumo humano”.
Ou seja, além de se estar diante de diversas irregularidades formais como
apontado acima quanto à ausência de outorga da ANA e consequente
continuidade do licenciamento ambiental, o que se vê, pelos pareceres, é que
a barragem pode representar degradação da qualidade ambiental, levando à
inviabilidade de uso da água para abastecimento e consumo humano.
Não há dispensa de outorga que possibilite que a qualidade da água
seja minimizada. Não havendo comprovação da qualidade da água, o
empreendimento pode estar sendo encaminhado sem que no futuro possa ser
utilizado para consumo humano.
iv) Do financiamento pela CAF.
Além das claras inúmeras irregularidades apontadas aqui, necessário que
se investigue se os atos adotados pelo DAEE para “formalizar” essa dispensa e
acelerar a emissão da licença de instalação pode estar relacionado aos
compromissos assumidos no aditivo do Contrato com a CAF (doc. 16).
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O contrato estabelece que os desembolsos deveriam ocorrer até
25/07/2020 (p.2). Chamam a atenção, dentre outras, as obrigações
relacionadas ao item “durante o período de desembolso” (p.4) abaixo:
Se o próprio contrato determina o cumprimento de diversas exigências,
dentre elas as que constam acima e essas não encontram-se comprovadas,
como pode os desembolsos continuarem acontecendo?
Sem considerar as demais exigências, a dispensa de outorga desenhada
pelo DAEE de maneira ilegal e inconstitucional foi suficiente para finalização dos
desembolsos?
DO PEDIDO
Ante o exposto, requer-se:
i) Seja recebida e distribuída a presente Representação;
ii) Sejam adotadas as medidas administrativas e judiciais cabíveis para
apuração dos diversos atos aqui elencados, em especial no que diz
respeito à dispensa pelo DAEE da outorga de uso de recursos
hídricos e da emissão da licença de instalação pela CETESB sem
existência de outorga da ANA – ente competente;
Termos em que, pede deferimento.
Campinas, 05 de agosto de 2020
DAIANE MARDEGAN BRUNA CAROLINA SIA GINO
OAB/SP 290.757 OAB/SP 275.634