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Reitor
Carlos Antonio Levi da Conceição
Pró-Reitor de Planejamento,
Desenvolvimento e Finanças
Carlos Rangel Rodrigues
Decana do Centro de Letras e Artes
Flora de Paoli Faria
REALIZAÇÃO
Laboratório de Patrimônio Cultural e Cidades Contemporâneas – LAPA/PROURB
Projeto Gráfico: Maristela Carneiro – Algo+ Soluções Editoriais
Ficha Catalográfica: Eneida Oliveira
Os conceitos emitodos neste livro são de inteira responsabilidade dos autores
V393 Vazios urbanos: percursos contemporâneos / Organização
de Andréa de Lacerda Pessôa Borde. – Rio de Janeiro :
Rio Books, 2012.
1 cd.
ISBN: 978 – 85 – 61556 – 29 – 7
1. Urbanismo 2. Planejamento urbano 3. Patrimônio Cultural. 4.
Renovação Urbana. I. (Borde, Andréa de Lacerda Pessôa). Org.
			 	 CDD: 307.416 6
Diretora da Faculdade de Arquitetura
e Urbanismo
Denise Barcellos Pinheiro Machado
Coordenadora do Programa de Pós-
-Graduação em Urbanismo
Rachel Coutinho Marques da Silva
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
EXPRESSÕES CONTEMPORÂNEAS DOS VAZIOS URBANOS 		 4
Andréa de Lacerda Pessôa Borde	
PROJETOS URBANÍSTICOS E VAZIOS URBANOS: REVISITANDO O TEMA	 9
Carmen Beatriz Silveira e Lilian Fessler Vaz 	
REQUALIFICAÇÃO URBANÍSTICA DAS ÁREAS PERICENTRAIS NO RIO DE JANEIRO	
Cristovão Fernandes Duarte 	
INSTRUMENTOS PARA A REINSERÇÃO IMOBILIÁRIA NAS ÁREAS CENTRAIS E PERIFERIAS
	 IMEDIATAS DAS GRANDES CIDADES		
Fernanda Furtado	
TANTOS TETOS E TANTOS SEM-TETO1
: Relato analítico de uma experiência de readequação de 		
	 edifícios públicos 	ocupados. 	 73
Luciana Andrade	
VACÂNCIA E INTERVENÇÕES NO CENTRO ANTIGO DE SALVADOR - Tensões entre privatização urbana e
	 direito à cidade	 86
Angela Gordilho Souza	
A REGENERAÇÃO URBANA CONTEMPORÂNEA. Entre o espetáculo e as necessidades
	 socioantropológicas das cidades 	122
Evelyn Furquim Werneck Lima	
VAZIOS URBANOS E PATRIMÔNIO INDUSTRIAL: Interfaces com o ordenamento urbanístico
	 e o patrimônio cultural.	 142
Andréa da Rosa Sampaio	
VAZIOS NA PERIFERIA METROPOLITANA: Sobre a singularidade dos espaços-entre	 166
José Almir Farias Filho	
VAZIOS URBANOS CONTEMPORÂNEOS: Conceitos, permanências e alteridades	 191
Andréa de Lacerda Pessôa Borde
OlivroVaziosUrbanos: PercursosContemporâneos reúnepesquisadoresdoRiodeJaneiro,Niterói,
Salvador e Fortaleza em torno de uma série de questões que este fenômeno urbano vem desper-
tando nas últimas décadas em que se impôs como um dos elementos estruturadores da cidade con-
temporânea.Os textos aqui apresentados sublinham a estreita relação entre questões em voga em
nossas cidades e os três momentos do processo de formação dos vazios urbanos – o esvaziamento,
o vazio e o eventual preenchimento – enriquecendo, assim, os diálogos sobre os vazios urbanos em
sua dimensão contemporânea.
EXPRESSÕES CONTEMPORÂNEAS DOS VAZIOS URBANOS
Andréa de Lacerda Pessôa Borde
Edifício comercial na área
central em situação de vazio
urbano. Foto: Andréa Borde. 2011.
5
andréaBORDE
Este livro traz reflexões sobre a diversidade de situações de vazios urbanos observadas em
nossas cidades atualmente.Cada capítulo traduz, nas múltiplas abordagens privilegiadas na aná-
lise destas situações, a reconhecida experiência dos autores nas suas áreas de interesse especi-
ficas e na análise dos vazios urbanos tal como eles se apresentam na contemporaneidade. Per-
correr os caminhos aqui traçados permite vislumbrar as múltiplas dimensões que este fenômeno
urbano tem adquirido nas últimas décadas.
As áreas centrais – lugar onde muitos destes vazios esvaziados despontaram- são o recorte
espacial privilegiado para análise em alguns capítulos. Nestas áreas, dotadas de infraestrutura
urbana, a presença de terrenos e imóveis vazios, desocupados ou subutilizados, pode ser consi-
derada, no mínimo, paradoxal. Sobretudo, considerando-se a concomitância entre o processo de
formação de vazios urbanos nestas áreas centrais e o modelo de expansão em direção às áreas
periféricas sem infraestrutura de cidade.As áreas pericentrais – na periferia das áreas centrais – e
as periferias também são analisadas neste livro sublinhando as diferenças e similaridades entre
os vazios centrais e periféricos e apontando para a emergência de novos processos de formação
e de possibilidades de transformação dos vazios urbanos.
Quanto à transformação das situações de vazios urbanos, são analisadas as possibilidades
acenadas pelos instrumentos urbanísticos, pelos projetos de reinserção habitacional e de requa-
lificação urbana em áreas ou edifícios de interesse para o patrimônio cultural. No entanto, como
se pode observar na leitura dos capítulos dedicados à relação historicamente existente entre pro-
jetos urbanos e vazios urbanos, este são tanto formadores como potenciais transformadores de
situações de vazios urbanos. Para tanto são analisados os conceitos operatórios, a escala, a ges-
tão e o impacto destes projetos e suas interfaces com os vazios urbanos.
A leitura deste livro permite percorrer um caminho temático diversificado no campo do ur-
banismo – habitação, projetos urbanos, grandes projetos, patrimônio cultural, áreas centrais, ins-
trumentos urbanísticos, readequação de edifícios públicos ocupados, ordenamento urbanístico,
reutilização e espaços industriais, urbanização dispersa – no qual a questão dos vazios urbanos é
parte integrante dos debates contemporâneos. E é, justamente, com a construção contemporânea
do conceito de vazios urbanos que este livro encerra, por ora, os seus percursos contemporâneos.
Antes, porém, de nos debruçarmos sobre as ricas análises trazidas pelos autores gostaria
de fazer uma breve apresentação por capítulos uma vez que a seqüência dos mesmos não é um
percurso aleatório. O livro abre com um convite feito à Carmen Beatriz Silveira e Lilian Fessler
6
EXPRESSÕESCONTEMPORÂNEASDOSVAZIOSURBANOS
Vaz, autoras do Áreas centrais, projetos urbanísticos e vazios urbanos (1999), que tem sido refe-
rência para os estudos sobre o tema na cidade do Rio de Janeiro, para que dessem sequência
ao mesmo: será que no século XXI esta relação entre projetos urbanísticos e vazios urbanos se
mantém? É o que elas analisam em “Projetos Urbanísticos eVazios Urbanos: revisitando o tema”.
No artigo seguinte,“Requalificação Urbanística das Áreas Pericentrais do Rio de Janeiro”,
Cristóvão Fernandes Duarte elabora um rico painel do processo de modernização do centro ur-
bano tradicional carioca no século XX, tendo como foco o processo de esvaziamento da função
residencial e como perspectiva a requalificação urbanística dos bairros da periferia imediata da
área central carioca – as áreas pericentrais – virem a se constituir em uma oportunidade para a
construção de uma cidade mais justa e sustentável.
A reversão da iniqüidade social e urbana a partir da atuação sobre as situações de vazio
urbano é o tema dos dois artigos seguintes. No primeiro deles, “Instrumentos para a reinserção
imobiliária nas áreas centrais e periferias imediatas das grandes cidades”, Fernanda Furtado analisa
a possibilidade de reinserção social de terrenos e imóveis ociosos nas áreas centrais e pericentrais
das metrópoles brasileiras através da utilização de instrumentos da política urbana, voltados,
sobretudo, para a provisão de habitação popular. No segundo artigo, “Tantos tetos e tantos sem-
-teto: relato analítico de uma experiência de readequação de edifícios públicos ocupados”, Luciana
Andrade traz novos elementos para a discussão sobre os limites e possibilidades de reinserção
destes imóveis ociosos a partir de projetos de arquitetura e urbanismo destinados a adequá-los
ao uso habitacional.
Vacância urbana e questão habitacional estão, historicamente, relacionadas à implanta-
ção de grandes projetos no tecido consolidado das nossas cidades. Ângela Gordilho Souza, em
“Vacância e intervenções no centro antigo deSalvador: tensões entre privatização urbana e direito à
cidade”, opta por uma abordagem que privilegia o estudo da dinâmica emergente de produção e
gestão urbana privatista da cidade, direcionando seu foco para a análise dos impactos urbanísti-
cos das intervenções propostas para o CentroAntigo de Salvador, mas, sobretudo, para os novos
contornos da vacância urbana e impacto sobre a questão habitacional.
Mas o que foram a implantação das primeiras fábricas e indústrias nas cidades, em mea-
dos do século XIX e início do século XX, senão grandes projetos urbanos? Instalações que com
as mudanças operadas na estrutura produtiva, ao longo do século XX, foram perdendo seu
7
andréaBORDE
uso e função e, com o tempo, transformando-se em situações de vazios urbanos. Este será o
tema dos dois artigos seguintes. No primeiro deles, “A regeneração urbana contemporânea: en-
tre o espetáculo e as necessidades socioantropológicas”, Evelyn Furquim Werneck Lima avança
em conceitos já delineados em “Configurações urbanas cenográficas e o fenômeno da gentrifi-
cação” (2004) afim de analisar propostas nacionais e internacionais de reutilização de espaços
industriais em desuso e suas possíveis contribuições para futuros projetos. No segundo, “Vazios
Urbanos e Patrimônio Industrial: Interfaces com o Ordenamento Urbanístico e o Patrimônio Cul-
tural”, Andréa da Rosa Sampaio investiga as interconexões entre o processo de formação dos
vazios urbanos e o patrimônio industrial mediadas pelo ordenamento urbanístico da cidade do
Rio de Janeiro.
Os dois últimos artigos podem ser considerados, mais do que duas tentativas de colocar
um ponto final nestes percursos contemporâneos sobre os vazios urbanos, como dois caminhos
que apontam dois novos percursos a serem trilhados que se entrelaçam e se complementam.
Em “Vazios da periferia metropolitana: sobre a singularidade dos espaços-entre”, José Almir
Farias Filho, analisa as novas tipologias de vazio que emergem do processo contemporâneo de
urbanização dispersa, cuja fragmentação produz áreas construídas descontínuas, tendo como
foco as periferias metropolitanas de Fortaleza.
No último artigo, “Vazios Urbanos contemporâneos: conceitos, permanências e alteridades”,
trago uma releitura do primeiro capítulo da minha tese “Vazios Urbanos: Perspectivas Contem-
porâneas” (2006), dedicado ao segundo momento do processo de formação dos vazios urbanos
– o vazio – e à construção do conceito dos vazios urbanos a fim de compreender a dimensão con-
temporânea deste fenômeno.
Estes diálogos foram realizados no contexto do Grupo de Pesquisas do Diretório do CNPq
Laboratório de Patrimônio Cultural e Cidades Contemporâneas, do Programa de Pós-Gradua-
ção emUrbanismo daUniversidade Federal do Rio deJaneiro (LAPA/PROURB/UFRJ) com o apoio
da Pró-Reitoria de Planejamento, Desenvolvimento e Finanças (PR-3). O LAPA compreende pa-
trimônio cultural em seu campo ampliado de acordo com sua dimensão urbana e contemporâ-
nea e desenvolve estudos sobre processos de urbanização e produção arquitetônica e urbanística
contemporâneos a partir de uma leitura dinâmica de temas como patrimônio cultural, vazios ur-
banos, forma urbana, imaginário urbano, patrimônio edificado e conservação de bens culturais.
8
EXPRESSÕESCONTEMPORÂNEASDOSVAZIOSURBANOS
É na confluência destas instigantes reflexões propostas por estes autores de reconhecido
mérito em suas áreas de atuação que o LAPA se propõe a construir diálogos que permitam es-
tabelecer conexões entre as múltiplas dimensões levantadas nas abordagens privilegiadas para
análise deste fenômeno intrinsecamente contemporâneo da nossa urbanidade multifacetada.
Vamos a elas.
Andréa de Lacerda Pessôa Borde
andreaborde@gmail.com
Professora Adjunta da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e do Programa de Pós Graduação
em Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Arquiteta e Urbanista (FAU/UFRJ),
Mestre em Artes Visuais (EBA/UFRJ), Doutora em Urbanismo (PROURB/UFRJ), com Doutorado
Sanduíche em Projet Urbain et Architectural (DEA Paris Belleville/Paris VIII). Faz Pós-Doutorado
na Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Ur-
banismo da Universidade Federal da Bahia. É líder do grupo de pesquisa do Diretório do CNPq
LAPA (Laboratório de Patrimônio Cultural e Cidades Contemporâneas) onde coordena pesquisas
relacionadas aos vazios urbanos, à história urbana e ao patrimônio cultural. Publicou capítulos
de livros e artigos sobre estes temas. É Membro Titular do Conselho Municipal de Proteção ao
Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro e do Conselho Consultivo da Frente Mista Parlamentar em
Defesa da Cultura na área da Memória e do Patrimônio Cultural. Entre os prêmios recebidos des-
tacam-se a menção honrosa na categoria tese de doutorado no 5o Prêmio Brasileiro Política e
Planejamento Urbano e Regional (ANPUR 2007) e o Prêmio Capes deTese 2007.
PROJETOS URBANÍSTICOS E VAZIOS URBANOS: REVISITANDO O TEMA
Carmen Beatriz Silveira
Lilian Fessler Vaz
Introdução
As transformações em curso na cidade do Rio de Janeiro evocam reflexões e debates sobre os
chamados vazios urbanos. Para pensar nas questões da atualidade, referidas a esta temática,
propõe-se uma releitura do artigo “Áreas centrais, projetos urbanísticos e vazios urbanos”, da-
tado de 1999, que apresenta uma abordagem das intervenções urbanísticas em áreas centrais
e seus arredores, em particular a carioca, numa perspectiva histórica. O artigo, que sinteti-
zou estudos e preocupações daquele período que consistiram em fonte de questionamentos,
fundamentou-se em pesquisa sobre o processo de ocupação e as transformações na configura-
ção urbana da Área Central do Rio de Janeiro decorrentes de diversas intervenções propostas
e implementadas, sobretudo ao longo do século XX. Algumas consequências relevantes – as
projetadas e as imprevistas – foram reveladas por meio da identificação de diferentes fatores
observados na análise histórica.
Atualmente, na segunda década do século XXI, observa-se um novo cenário, de grandes
intervenções e projetos, bem como de priorização de ações em zonas antigas que incluem os
chamados vazios urbanos, o que expõe aspectos da política urbana que incita outros ques-
tionamentos. Tendo em vista as dificuldades relativas à retomada e ao aprofundamento da
pesquisa desenvolvida pelas autoras na década de 1990, nessa releitura, recuperam-se alguns
pontos relativos aos conceitos e à história, que procuram fundamentar um ângulo analítico
renovado, referente ao cenário acima aludido. Desse modo, este novo trabalho busca enrique-
cer e atualizar, parcialmente, o estudo anterior, em três itens. Nos dois primeiros manteve-se
grande parte do conteúdo do artigo supracitado, com a exposição das características básicas
das intervenções urbanas a partir de meados do século XIX em países ocidentais, por meio da
aproximação com alguns conceitos relacionados aos vazios urbanos e, finalmente, por uma
10
projetosurbanísticosevaziosurbanos
abordagem histórica a respeito da produção e da reprodução dos vazios urbanos naÁreaCentral
do Rio de Janeiro.
Com o propósito de apresentar algumas contribuições aos debates da atualidade sobre as
questões que envolvem essa temática, foram acrescentados, no terceiro item, alguns questiona-
mentos e perplexidades diante de projetos e intervenções recentes que propõem a requalifica-
ção de trechos da cidade. A despeito da relevância de ações públicas de reestruturação urbana,
assinala-se que em muitos casos, trata-se de ações que desrespeitam aspectos significativos da
história e da morfologia urbanas, assim como da vida de sua população. Para facilitar a expo-
sição dos argumentos e questionamentos propostos, apresenta-se um quadro que sintetiza as
intervenções ocorridas, com indicação dos seus objetivos enunciados e de suas conseqüências
no espaço urbano, dentre as quais destaca-se a expulsão da população moradora e, principal-
mente, a produção e a reprodução de vazios urbanos. Finaliza-se com uma breve reflexão sobre
os sentidos das intervenções e a forte imbricação entre os processos que geraram estas graves
consequências.
Notas sobre os modos de intervenção urbana
Dentre as muitas transformações em curso em metrópoles européias e norte-americanas, as ve-
rificadas nas centralidades de diferentes tipos – as áreas centrais com seus Central Business Dis-
tricts, centros históricos e periferias de usos mistos, assim como as ‘novas centralidades’ – têm
merecido estudos nas últimas décadas. No âmbito dessas transformações, são significativos os
projetos de intervenções que visam à revitalização ou à requalificação destas diferentes áreas,
até recentemente conhecidas como abordagens de capacitação das cidades para aumentar o seu
grau de competitividade no ranking mundial.
No caso europeu, há vários exemplos de projetos para revitalização dos centros existentes
assim como de criação de novas centralidades mediante a adoção do conceito de terrains vagues
(vazios industriais, portuários e ferroviários). Tanto os ‘vazios urbanos’ quanto os ‘projetos urba-
nos’ fazem parte da agenda das discussões recentes no campo da forma urbana. Busquets (1996)
destaca a importância dos vazios para a análise, os projetos e a gestão urbana contemporânea.O
11
carmemSILVEIRAelilianVAZ
autor comenta o grande número de projetos em grande escala, de propostas de infill, de recicla-
gem e reabilitação destes “espaços intersticiais”. Cabe, portanto, uma exploração neste campo
da relação entre as centralidades e os vazios, os projetos e as intervenções.
Neste artigo propõe-se analisar estas relações na cidade do Rio de Janeiro e tecer algumas
comparações com outros casos recentes. Há muitas décadas vêm sendo desenvolvidos diferen-
tes projetos para vazios no interior ou na proximidade da área central da cidade do Rio deJaneiro.
Ao examinar-se a história dos planos e projetos urbanísticos para a cidade, percebe-se que, em
grande parte, eles são apresentados para certas áreas consideradas deterioradas ou vazias, mui-
tas vezes decorrentes de intervenções urbanísticas anteriores (VAZ e SILVEIRA, 1998). Algumas
das áreas permanecem vazias, como intervenções inacabadas, apesar dos vários projetos que
preconizavam a sua recuperação, propostos ao longo de várias décadas. Recentemente, a este
quadro de vazios antigos vem se somando o esvaziamento de imóveis de diferentes usos, além
do esvaziamento demográfico de diversas zonas consolidadas. A área central1
vem passando
por diferentes modos de intervenção no seu processo de modernização. Simões Jr. (1994: 13-18)
identifica um modelo haussmaniano, um modelo modernista e um modelo de revitalização ao
longo da história. O primeiro, também designado de “embelezamento urbano”, tem como refe-
rencial a remodelação das cidades de Paris eViena, a partir de meados do século XIX; o segundo
– a “renovação urbana”, se apoia nos ideais do modernismo, em particular os expressos na Carta
de Atenas de 1933; e o terceiro – a “revitalização urbana” –, desencadeada nas últimas décadas,
rejeita os excessos do modernismo, recupera elementos históricos, simbólicos, sociais e ecológi-
cos do local, compatibilizando-os com a modernização.
Outros autores identificam como formas históricas de intervenção em áreas centrais a
“renovação urbana clássica” (cujo ponto principal consistiu no saneamento e reconstrução de
áreas encortiçadas); a renovação dos centros antigos, a preservação do patrimônio urbanístico
e a renovação urbana ecológica (AGSEB, 1994:14). Certamente a abordagem conceitual e o re-
ferencial empírico alteram a identificação e a denominação destas categorias, que podem vir a
se constituir em novos conceitos. Assim, por exemplo, a tensão entre a preservação do patrimô-
nio construído e a sua renovação fez surgir a expressão “renovação preservadora” (MESENTIER,
1992), que pressupõe políticas de preservação do patrimônio histórico edificado com desenvol-
vimento econômico, mediante uma visão crítica dessas propostas. Possivelmente as descrições
12
projetosurbanísticosevaziosurbanos
e reflexões das atuais propostas de intervenção sobre os vazios também levarão ao surgimento
de novos termos.
Apresentam-se, a seguir, algumas abordagens e respectivos referenciais empíricos que tra-
tam de tendências recentes de reestruturação assim como de projetos urbanísticos recentes para
as áreas centrais de metrópoles européias. Neste contexto acentua-se a tendência à formação
de urbanizações difusas, considerando-se que “a cidade já não é o centro de ‘concentração’, de
‘intercâmbio’, de ‘centralidade’, senão um elemento a mais em um amplo sistema difuso” (BUS-
QUETS, 1996). Outra tendência que tem sido estudada nesta última década é a da formação de
policentralidades. Essa última foi objeto de reflexão por autores como Gottdiener (1993), que,
estudando cidades norte-americanas já se referia a novos padrões de crescimento polinuclea-
do, e Soja (1994), que analisou essas reestruturações no caso da cidade de Los Angeles. Assim
como Soja, Pesch (1997) mostrou que, no contexto europeu das últimas décadas, estas tendên-
cias de reestruturação urbana e a emergência de novas centralidades fora da cidade, bem como
as grandes implantações nos vazios intersticiais nos obrigam a rever os conceitos de centro e de
periferia, e a própria relação centro/periferia2
. Segundo os autores, trata-se de termos que já não
correspondem aos fenômenos da cidade de poucas décadas atrás.
Pesch e outros autores vem buscando conciliar a abordagem geográfica e analítica com o olhar
urbanístico e projetual. Nessa direção, Busquets (1996), entre outros autores, afirma que no contexto
urbano ocidental recente pode-se identificar simultaneamente dois tipos de processos: por um lado,
ummovimentocentrífugo,deforçasquepressionamdocentroparaoexteriordacidade;eporoutro,
um movimento centrípeto, de forças que pressionam da periferia para o centro da cidade.A reflexão
de Lefebvre (1990) ressalta, igualmente, a existência de um deslocamento concomitante para as áre-
as periféricas e um retorno para os centros, no contexto da ‘produção do espaço’, conceito que ele já
havia introduzido desde os anos 1960. Essa idéia de um espaço que transforma usos e suas apropria-
ções, resultante de condições sociais e políticas no capitalismo, tem sido investigada por urbanistas
que adotam o conceito de vazios urbanos, como é o caso de Busquets.
Segundo este autor, se no movimento centrífugo as atividades comerciais, de serviços e
residenciais encontram terras disponíveis nas periferias, no centrípeto as atividades em busca
de localização no núcleo encontram os espaços intersticiais, que permaneceram vazios e/ou ob-
13
carmemSILVEIRAelilianVAZ
soletos no interior da cidade existente. São os vazios interiores, os terrains vagues. Derivando
de forças contraditórias, esses processos às vezes resultam de operações similares que apostam
na disponibilidade de solo urbano infraestruturado no exterior da cidade ou na reestruturação
de áreas no seu interior. Verifica-se então, nas grandes cidades, a ocorrência de uma série de
projetos e intervenções em grande escala, supondo atuações de infill (preenchimento de vazios,
recuperação do tecido urbano), de reciclagem, de reabilitação, de transformação de espaços in-
tersticiais que permaneceram certo tempo sem atividade, portanto como terrains vagues.
Em diversas cidades vêm se observando essas transformações e a implementação de pro-
jetos urbanos para grandes vazios, em áreas portuárias, ferroviárias, industriais, militares, entre
outras.Talvez o caso da cidade de Berlim seja o exemplo mais insólito da presença de vazios que
emergiram após a queda do muro, com a reunificação das duas Alemanhas, e, também, o exem-
plo mais conhecido de profusão de grandes projetos e de processos de intervenção e de ocupação
desses vazios. No entanto, dentre vários exemplos na Europa, naÁsia e nasAméricas, a cidade de
Barcelona costuma ser tomada como o exemplo precursor e paradigmático (...) de articulação e
valorização de algumas dezenas de terrains vagues no interior da cidade. Busquets apresenta três
blocos temáticos que exemplificam outras transformações urbanas recentes, esboçando algu-
mas características dos projetos urbanos em curso: (1) a obsolescência de grandes equipamentos
industriais; (2) a transformação dos velhos portos; (3) as estações ferroviárias e seus espaços de
serviços.
Quanto às áreas portuárias, deve-se ressaltar que a localização dos velhos portos tem, muitas
vezes, relação com a fundação da cidade e na sua origem cidade e porto constituíam duas peças
da mesma engrenagem. Por estes motivos, Busquets assinala a necessidade de reinterpretar essas
partes centrais dos portos como uma peça a mais da cidade futura. O autor exemplifica os casos
de Manhattan, São Francisco, Boston, Baltimore e Seattle nos EUA, onde há uma forte tendência
de utilização intensiva do “velho porto” para mercado, restaurantes, espaços de festivais lúdicos e
espetaculares marinas. Na Europa, identifica dois tipos distintos: as Docklands em Londres e o Kop
vanZuid em Rotterdam. Nestes processos de transformação portuária, destaca, ainda, um terceiro
modelo nas conurbações japonesas e em outras cidades asiáticas, que propõe o aproveitamento da
obsolescência do velho porto para a recriação de um novo solo e uma nova fachada urbana.
14
projetosurbanísticosevaziosurbanos
O esvaziamento da cidade tradicional e consolidada não apresenta apenas uma face, mas
várias: o das edificações industriais, das comerciais e das habitacionais, além dos conhecidos va-
zios das zonas periféricas, daquele das áreas monofuncionais (VAZ, 1998) e atualmente, o das
grandes intervenções e/ou implantações. Deve-se considerar, portanto, os novos e os velhos va-
zios, estes últimos produzidos pela ação pública articulada ao mercado. Leira (1999:28) refere-
-se à “dinâmica do abandono de áreas, dos edifícios vazios, dos vazios urbanos, dos vazios pe-
riféricos”, assinalando ainda que o processo de esvaziamento está presente em várias cidades
e é magnificado em São Paulo, em cuja gênese estaria essa dinâmica do abandono. São Paulo
“nunca teve tantos imóveis vagos, tantos edifícios para alugar”. Segundo o urbanista, para en-
frentar a questão na área central seria necessário não apenas a sua requalificação, mas também a
requalificação dos edifícios, uma exigência lógica contra o fenômeno especulativo da demolição
indiscriminada.
Com relação aos projetos para os vazios, Pesch (1997), aponta um paradoxo: quanto mais
as cidades parecem se dissolver na paisagem e nas redes telemáticas e a urbanidade se perder
num ambiente urbano difuso, mais as perdas procuram ser compensadas por grandes projetos.
Adrian (1997), observando também o contexto das cidades européias, refere-se ao adensamento
interior, isto é, ao processo de renovação de grandes áreas geralmente comandadas pelo capital,
e chama a atenção para o perigo de exclusão social que estas implantações trazem em seu bojo.
Sendo encaradas como conglomerados de objetos para renda, essas áreas e as atividades que
nela se desenvolvem excluem todos os que não tem renda suficiente para participar.
A esse respeito comentou Baudrillard (1996) que se constroem “cidades inteiras de es-
critórios ou de apartamentos destinadas a permanecer eternamente vazias diante da crise ou
da especulação”. Seriam as “ghost-towns”: cidades que se assemelham a imensas máquinas que
se reproduzem “a si mesmas ao infinito – fantasmas de um investimento desenfreado e de um
desinvestimento ainda mais rápido”. Numa alusão ao contexto da depressão econômica no norte
do estado de São Paulo ao final da segunda década do século XX, Monteiro Lobato já se referia
aos “palácios mortos das cidades mortas” (1995:22). A expressão de Lobato está associada a um
processo distinto, no entanto, afigura-se ilustrativa da compreensão dos espaços como proces-
sos socioeconômicos imbricados aos políticos. Na visão crítica e perspicaz de Pesch (1997:16),
verifica-se que os fracassos de alguns dos grandes projetos fizeram com que a preferência das
15
carmemSILVEIRAelilianVAZ
grandes e pequenas empresas retornasse (no caso inglês e norte-americano) para o desenvol-
vimento de centros comerciais em zonas tradicionais e de preservação histórica como Covent
Garden e Soho, que se tornaram os novíssimos modelos urbanísticos.
Rio de Janeiro: intervenções na Área Central e seu entorno até o final do século XX
Fundada na segunda metade do século XVI sobre um sitio marcado pela forte presença das
águas, dos morros, das florestas e dos pântanos, a ocupação urbana da cidade do Rio de Janeiro
se desenvolveu por intermédio da criação de solos urbanizáveis, com o arrasamento de morros
e aterros de áreas alagadiças. Tal processo se desencadeou no século XVII, quando a cidade co-
meçou a expandir-se pela várzea e perdurou por longo período. As condições do ambiente físico
disponível exigiram essa ação de produção de espaços adequados à urbanização. A cada novo
período de expansão da malha urbana tornava-se necessário um árduo trabalho de aterro em
diversos trechos da cidade.
A partir de meados do século XIX, contudo, concomitantemente ao crescente processo de
expansão, o agravamento das condições de vida urbana no antigo núcleo suscitou a realização
de grande número de projetos urbanísticos que tinham o propósito de alterar o uso e a ocupação
do solo, sobretudo no trecho correspondente a atual área central. A partir da virada do século,
encerrou-se então um longo período de permanência e iniciou-se um período de renovação urba-
na, a partir de diversas intervenções que passaram a transformar a fisionomia da cidade-capital
do país, mormente na área central e seus arredores.
O quadro exposto adiante sintetiza as formas de intervenção na área central da cidade do
Rio deJaneiro3
destacando-se algumas das suas conseqüências mais significativas para a sua con-
figuração espacial. Pode-se esboçar quatro fases, cada uma delas identificadas com processos
de intervenção expressando concepções básicas semelhantes: (1) séculos XVII / XIX – período de
ocupação / produção de espaços adequados à urbanização; (2) décadas 1900 / 1970 – período de
renovação urbana / destruição de trechos do tecido urbano e sua reconstrução; (3) décadas 1980
/ 1990 – período de preservação / revitalização urbanas; décadas de 2000/2010 – período de pre-
16
projetosurbanísticosevaziosurbanos
servação / revitalização urbana concomitantes com renovação / destruição de trechos do tecido
urbano e sua reconstrução .
Centrando a atenção a partir da primeira década do século XX, assinala-se que, além de
promover o desaparecimento de marcos e ambientes históricos e da moradia, as intervenções
não se completaram em vários trechos, isto é, muitas áreas desapropriadas e demolidas ainda
hoje permanecem desocupadas: os vazios intersticiais. Trata-se de vazios originados deste pro-
cesso histórico, cuja permanência decorre muitas vezes de questões de ordem jurídica, relativas à
propriedade4
ou à legislação urbanística, outras vezes em razão da perda da dinâmica urbana pré-
-existente. A reação a essa ação demolidora se instalou em meados dos anos 1970, quando sur-
giu um novo pensamento, pautado na preservação e revitalização da cidade. Esta nova concepção
de planejamento veio a consolidar-se nos anos 1980, impulsionando a implementação de planos e
ações tendo em vista a recuperação urbana. Em resumo, o século XX constituiu-se como um nítido
período de intervenções na área central em distintos trechos e em diversos momentos, fundamen-
tados em discursos sobre a cidade e sobre a intervenção na cidade igualmente diversos.
É interessante observar que, apesar do longo período de intervenções visando à expansão
física do centro, já desde as primeiras décadas iniciava-se o processo de esvaziamento de ativida-
des industriais, e, a partir de 1960, o esvaziamento de atividades políticas e administrativas com
a transferência da capital para Brasília, a criação do estado daGuanabara, e a posterior fusão com
o estado do Rio de Janeiro. Mesmo assim, a metrópole do Rio de Janeiro manteve a condição de
núcleo aglutinador de atividades terciárias e pólo irradiador de cultura, de modas – inclusive ur-
banísticas – e modos de vida. Esse esvaziamento foi se acentuando, atingindo seu ápice nos anos
1980, com a crise econômica, quando se materializaram as evidências da pobreza – degradação
do espaço físico de um modo geral, com o crescimento da população de rua, do comércio infor-
mal, da violência urbana (VAZ e SILVEIRA, 1998).
No presente estudo, evidenciam-se as principais transformações urbanas ocorridas na área
central que culminaram nos anos 1990, em que se preconizava a reconquista do centro do Rio
com a implementação de uma série de significativos projetos urbanísticos para áreas degradadas
e/ou para vazios urbanos. Na fase de implementação do Plano Estratégico, a revalorização da
área central visava a sua retomada como centralidade urbana, simultaneamente ao estímulo das
novas centralidades, decorrentes da descentralização das atividades antes exclusivas do centro.
17
carmemSILVEIRAelilianVAZ
No final da década de 1990, diversos projetos estavam em andamento, mas poucos esta-
vam finalizados, permanecendo a impressão de degradação do ambiente. Entre as dificuldades
detectadas, encontrava-se o progressivo deslocamento populacional da área central e dos bair-
ros mais antigos, consolidados, para as áreas de expansão urbana recentes.
A tendência de diminuição da população moradora na área central, mais especificamen-
te, deve-se, também, à legislação urbanística que proibiu o uso residencial no núcleo central e
tornou-o restritivo na sua periferia imediata (Decreto 322/1976, vigente até 1994, quando foi
promulgada lei municipal permitindo esse uso em toda a área central). Este fato e a atuação
do Estado, mediante projetos / intervenções urbanas que promoveram a expulsão progressi-
va da população residente na área central, constituíram causas fundamentais da degradação
e formação de vazios. A premissa de um centro de atividades exclusivamente vinculadas ao
setor terciário, de expansão quase ilimitada, embasou planos, projetos, decretos e ações do
poder público durante praticamente um século. A tradicional concepção de centro circundado
por áreas degradadas, sobre as quais o CBD deveria crescer, tantas vezes invocada para jus-
tificar intervenções, ironicamente, parece agora que se inverteu: a degradação e os vazios é
que avançam sobre o núcleo, e não o contrário, enquanto focos de centralidades emergem em
pontos distantes.
Esse processo de modernização, com suas transformações e permanências conduziu à con-
figuração atual da área central da metrópole do Rio de Janeiro e à percepção de algumas de suas
consequências que se apresentam como problemas: a presença dos vazios, a ausência da habita-
ção e a degradação dos espaços públicos.
Em relação aos vazios, estudo recente sobre a área central do Rio de Janeiro (Neves, 1996)
também relaciona a sua gênese às intervenções urbanas ocorridas nesta área.Vale registrar que
o autor relaciona a área de vazios com os terrenos ocupados por edifícios residenciais na II Região
Administrativa – II RA – ou bairro Centro. Considerando a área correspondente aos edifícios resi-
denciais verifica que em apenas 50% dos vazios identificados seria possível assentar uma popula-
ção correspondente à residente hoje no bairroCentro5
.Ainda no tocante às edificações, assinala-
-se o crescente número de escritórios vazios, por vezes edifícios inteiros.
Outro aspecto relevante que pode ser considerado nesta problemática envolvendo os va-
zios urbanos e os espaços públicos está presente na análise de Castro (1995: 7-9), relacionando o
18
projetosurbanísticosevaziosurbanos
poder público e o mercado. Ao mencionar a violência urbana que aumenta a insegurança, realça
a valorização dos “investimentos em atividades ‘protegidas’ como shopping centers e condomí-
nios fechados, ensejando o agravamento do apartheid e, obviamente, os lucros especulativos”.O
autor assinala, ainda, que “a superconcentração de atividades nos shoppings acarreta uma pre-
coce decadência de áreas comerciais bem servidas de infra-estrutura urbana e, em consequên-
cia, precipita novas carências nas áreas ‘beneficiadas’ pelos novos empreendimentos”. Ou seja,
além da descentralização de atividades antes exclusivas dos centros, os novos objetos urbanos
e arquitetônicos produzidos exclusivamente pelo mercado induzem ao esvaziamento das áreas
centrais, contribuindo para o surgimento de novos trechos em decadência.
Complexificam-se e ampliam-se os problemas relativos à área central, envolvendo não so-
mente a dimensão urbanística e da política urbana, mas também a econômica, a social e a cul-
tural. Aliados ao quadro acima esboçado, destaca-se o desinteresse do mercado imobiliário que,
até recentemente, atuava, preferencialmente, nas periferias e nas novas centralidades, optando
pelo retorno financeiro mais previsível a curto e a médio prazo. Face a esse contexto, predomi-
nam as incertezas quanto às possibilidades dos atuais investimentos do poder público, em ter-
mos de projetos urbanísticos, para reverter tal processo.
Reconhecendo a dimensão do problema exposto, com base na compreensão de que “a de-
gradação do centro contribui para a degradação do valor da polis” (Dupas, 1998), e da necessida-
de de preservar “o núcleo original gerador de simbologia da cidade” (Lima, 1998), considera-se
que somente um esforço em escala amplamente significativa, em termos de política e projetos
urbanísticos, poderá exercer um papel relevante para a revitalização da área central da metrópo-
le do Rio de Janeiro.
Cabe aqui colocar a apreensão quanto a uma nova onda de importação de modelos urba-
nísticos para a cidade, como ocorrido anteriormente (ver quadro-resumo, adiante), e consideran-
do-se ainda a prática internacional contemporânea de produção de projetos de grandes interven-
ções nos vazios urbanos.Tendo em vista que no Rio de Janeiro se apresentam os vazios que vem
sendo colocados em destaque em todo o mundo, como imensas áreas ferroviárias e outras, aban-
donadas, adjacentes aoCBD, é de se prever que estas áreas se tornem objetos de novos projetos.
Uma enorme zona portuária, da qual grande parte encontrava-se com atividades obsoletas, mas,
19
carmemSILVEIRAelilianVAZ
igualmente, com trechos ocupados por moradias populares, atualmente, é objeto de intervenção
do poder público municipal, abrangendo uma área de cinco milhões de metros quadrados.Quan-
do se recorre a uma perspectiva histórica, percebe-se um agravamento da questão dos vazios
urbanos na metrópole do Rio de Janeiro, ao observar-se que, como resultado das ações públicas
implementadas desde o início do século XX, vem sendo produzidos vazios justamente através de
muitos planos e projetos ambiciosos, visionários e pouco realistas.
A seguir apresenta-se, em breves comentários, um panorama da prática urbanística atual
na cidade.A atividade em questão vem sendo impulsionada pelo poder público municipal através
de diferentes programas e intensa divulgação. Destacam-se os conhecidos programas Rio-Cida-
de, e Favela-Bairro, que recolocaram a discussão dos espaços urbanos no cotidiano da população
devido às dezenas de intervenções pontuais de requalificação de eixos comerciais e de urbaniza-
ção de favelas.
Os projetos urbanísticos da Prefeitura para a área central do Rio de Janeiro, em curso nas
duas últimas administrações municipais da década de 1990, visavam intervenções destinadas a
contribuir para o desenvolvimento socioespacial dessa área. Por meio de grandes investimentos,
de consultorias com técnicos estrangeiros de renome6
, de alguns concursos públicos de projetos
urbanísticos pontuais, iniciativas das novas sub-prefeituras do centro e da zona portuária, pro-
gramas de diferentesSecretarias Municipais (Urbanismo, Habitação, DesenvolvimentoSocial) ou
ainda, através de instituições como a RFFSA (Rede Ferroviária FederalS.A.) e aCEF (Caixa Econô-
mica Federal), entre outras, além de parcerias com entidades privadas, o poder publico municipal
promoveu um conjunto considerável de projetos para a área central. Com o intuito de viabilizar
estas atuações, a Prefeitura aprovou a chamada “Lei do Centro”, lei 2236, de 14/10/94 que, entre
outros aspectos, propõe: permissão e estímulo ao uso residencial, valorização e conservação das
edificações e dos conjuntos arquitetônicos de interesse cultural e paisagístico.
Entre as várias intervenções realizadas algumas abrangeram trechos mais amplos da área
central e arredores7
, além de alguns projetos destinados ao incentivo do uso habitacional, como
o projeto de reabilitação de cortiços (Programa Novas Alternativas da SMH), projetos habitacio-
nais localizados8
, objetivando o preenchimento de vazios e a recomposição do tecido urbano da
periferia do centro.
20
projetosurbanísticosevaziosurbanos
Interessa salientar o grande desafio que representam essas ações urbanísticas, as quais
constituem iniciativas destinadas a reverter o esvaziamento da área central como um todo.Vale
evidenciar que se trata de proposta ambiciosa se levar-se em conta a sua pretensão de modificar
uma tendência de ocupação e desenvolvimento urbano que vem se estruturando ao longo da
história da cidade, sobretudo nos últimos cem anos, período em que as intervenções na área cen-
tral foram decisivas para a sua transformação socioespacial.Além de acompanhar o processo em
curso, propondo-se estudos criteriosos sobre os propósitos e os condicionamentos destas atu-
ações, torna-se necessário observar os seus resultados e suas conseqüências. Entretanto, pode
ser feita uma primeira constatação a respeito do quadro esboçado, destacando-se a ausência de
projetos mais específicos destinados a enfrentar os desafios maiores, isto é, os grandes vazios
ainda existentes.
Para finalizar, pode-se dizer que no Rio de Janeiro, atualmente, essa significativa produção
de projetos urbanísticos e de várias propostas e intervenções para a área central (desde os gran-
des programas, de inúmeras intervenções pontuais, passando pelas propostas e projetos médios
e pequenos, atomizando obras por toda a cidade) tem tido boa acolhida, em geral, mas também
tem recebido diversas críticas, principalmente no âmbito acadêmico. Estas visam diferentes es-
feras de atuação do poder público como o não atendimento a demandas sociais e ao privilegiar
de ações voltadas para o mercado, o que acompanha uma tendência mais ampla, de âmbito na-
cional e internacional. No que diz respeito especificamente à área central e arredores, a atuação
do poder público vem sendo, por um lado, ambiciosa e intensa e, por outro, cuidadosa, evitando,
de uma maneira geral, os enormes projetos das décadas passadas nem sempre bem sucedidos.
Mas a resposta do mercado continua também pontual, cuidadosa e reticente. Há que se aguardar
os desdobramentos futuros deste quadro, assim como aprofundar as pesquisas para uma melhor
compreensão do tema.
21
carmemSILVEIRAelilianVAZ
Cidade do Rio de Janeiro – Síntese Histórica das Intervenções na Área Central e Entorno
PERÍO-
DO
INTERVENÇÃO / PROJETO OBJETIVOS ENUNCIADOS TRANSFORMAÇÕES
Séculos
XVII/XIX
Desmonte de morros; aterros;
Aqueduto da Carioca.
Ocupação do território; criação de solo
urbanizável; construção de infra-estrutura
urbana.
Alteração do meio ambiente; expansão área ur-
bana; adensamento populacional.
Década
1900
Reforma urbana Pereira Passos
abertura de vias; criação do
Porto.
Saneamento, embelezamento; moderni-
zação, ordem urbana.
IníciodasintervençõesdeRenovaçãoUrbana:expul-
são da habitação, formação de favelas; destruição
patrimônio;áreacentralcomoáreadelazerecultura.
Década
1920
Arrasamento do morro do Cas-
telo.
Saneamento, “aeração e higiene”; abertu-
ra de vias, modernização.
Destruição de marcos e do tecido urbano, forma-
ção vazios e de favelas.
Década
1920/30
Renovação da área da Cinelân-
dia; mudança de uso na Lapa.
Modernização; área de lazer classes altas;
criaçãodelugaresdaboemia;sededejornais.
Início da verticalização; área central como área
de lazer e cultura de elite.
Década
1940
Estado Novo: abertura da ave-
nida Presidente Vargas; con-
trole de atividades urbanas.
Rodoviarismo, transporte individual; em-
belezamento e ordem urbana; ‘limpeza de
usos sujos’.
Expulsão da habitação, formação de vazios, des-
truição do patrimônio.
Década
1950
Arrasamento do morro de Santo
Antônio; degradação da Lapa.
Saneamento, abertura da Av. Norte/Sul
(não concretizada).
Destruição da primeira favela da cidade, forma-
ção de vazios.
Década
1950/60
Construção do Elevado da Peri-
metral.
Obra viária. Rompimento da relação do centro com o mar.
Década
1960
Renovação Estácio e Catumbi;
destruição casario da Lapa.
Obras viárias – acessos ao túnel S. Bárba-
ra.
Arrasamento dos bairros do Estácio e Catumbi,
expulsão da habitação.
Década
1970
Construção do metrô; Dec. 322/
1976, proibição uso residencial na
ACN;destruiçãocasariodaLapa.
Transporte de massa; ordenação do espa-
ço urbano.
Destruição de tecido urbano histórico, formação
de vazios, expulsão da moradia (Dec. 322/76).
Década
1980
Expansão metrô. Transporte de massa.
Destruição de tecido urbano histórico, formação
de vazios expulsão da moradia (Dec. 322/76).
Projeto Corredor Cultural; re-
forma de equipamentos cultu-
rais.
Preservação da arquitetura e do ambiente
cultural; incentivo à atividade comercial /
cultural.
Preservação Urbana substitui a Renovação: ma-
nutenção do patrimônio edificado. Expulsão da
moradia (Dec. 322/76).
Década
1990
Projetos: Rio Cidade; de ha-
bitação e cultura; Quadra da
Cultura da Lapa. Lei de Uso Re-
sidencial/ 1994.
Requalificação e revitalização; retomada
da centralidade; retorno do uso residen-
cial.
Ocupação de vazios; retomada da
relação do centro com o mar; retomada de ativi-
dades culturais.
Década
2000
Projetos: Distrito Cultural da
Lapa; Revitalização Praça Ti-
radentes, Área Portuária. In-
tervenções: Rua do Lavradio;
Programa Novas Alternativas.
Retomada da centralidade revitalização
da Área Central.
Retomada de atividades culturais;
retorno pontual do uso residencial.
Década
2010
Projetos: Lapa Legal, Porto
Maravilha, melhorias na mobi-
lidade urbana, construção de
novos eixos de transporte, tele-
férico no morro da Providência.
Revitalização da Zona Portuária; grandes
obras de mobilidade urbana; demolição
do Elevado da Perimetral; retomada da
relação da cidade com o mar.
Retomada das intervenções de Renovação Urba-
na; expulsão da habitação; destruição de edifica-
ções e de vias; descoberta e restauração de sítio
arqueológico.
22
projetosurbanísticosevaziosurbanos
Intervenções na Área Central e seu entorno no início do século XXI
No esforço de atualização do texto Áreas centrais, projetos urbanísticos e vazios urbanos (1999),
verifica-se a instauração de um novo momento de inflexão das ações do poder público relativas
a intervenções/projetos urbanos, principalmente a partir da década de 2010. Ao contrário do que
ocorria na Área Central e seu entorno – intervenções principalmente pontuais e cuidadosas –, o
que se observa, sobretudo nesta segunda década do século XXI é o seu inverso: trata-se, ago-
ra, de intervenções significativamente ampliadas, em sintonia com o momento atual de megae-
ventos, megainvestimentos e megaprojetos. Estes últimos anos, que vinham se caracterizando
como de euforia, com previsões otimistas para novas atividades econômicas, como aquelas liga-
das ao petróleo, promoviam, através da construção de edifícios corporativos e institucionais, um
desenvolvimento de atividades imobiliárias em zonas de grandes vazios.
No entanto, após a confirmação da escolha do Rio deJaneiro para sediar importantes even-
tos cuja abrangência transcende a escala nacional, como a Copa das Confederações e a Jornada
Mundial da Juventude, em 2013; a Copa do Mundo de Futebol (com outras cidades), em 2014; e
os Jogos Olímpicos, em 2016; as características da configuração espacial da cidade adquiriram
novos ângulos. Em seguida às efusivas comemorações e promessas de realização de previsões
assombrosas e de implementação de megaestruturas destinadas a adequar grande parte da cida-
de para a recepção destes megaeventos, ocorreram aumentos progressivos dos preços dos imó-
veis, mudanças do foco de atuação de grandes empresas de engenharia, que se voltaram para a
construção de edifícios corporativos, comerciais e residenciais, assim como a vinda de grandes
empresas e investidores estrangeiros à cidade. A Zona Portuária, para a qual há mais de vinte
anos são apresentados diferentes projetos de regeneração urbana, transformou-se recentemen-
te num grande canteiro de obras de grandes intervenções previstas no controvertido projeto de-
nominado Porto Maravilha.Com a venda deCertificados de PotencialAdicionalConstrutivo –CE-
PACs, grandes áreas de vazios tiveram seus gabaritos originalmente previstos aumentados até 50
pavimentos, em particular nas franjas da Área Central e da Zona Portuária.
23
carmemSILVEIRAelilianVAZ
Rio de Janeiro: Vazios e projetos na área urbana central
Neste mapa, de Andrea Borde, estão assinalados os grandes vazios centrais: as grandes espla-
nadas, o eixo da Av. Presidente Vargas e os portuários (no interior do projeto Porto Maravilha).
Fonte: Andréa Borde, 2010.
Para analisar este novo cenário, torna-se necessário lançar um olhar histórico sobre as in-
tervenções urbanas. Para sistematizar e objetivar os focos desta sucinta análise, apresenta-se
Neste mapa, de Andrea Borde, estão assinalados os grandes vazios centrais: as grandes esplanadas, o eixo da
Av. Presidente Vargas e os portuários (no interior do projeto Porto Maravilha.
Fonte: Andréa Borde, 2010.
24
projetosurbanísticosevaziosurbanos
o seguinte quadro sinóptico atualizado das intervenções urbanísticas na Área Central do Rio de
Janeiro e seu entorno, incluindo aZona Portuária, bem como de suas respectivas transformações
espaciais.
Numa rápida análise do quadro apresentado, destacam-se, na última coluna, as duas con-
seqüências/ transformações mais recorrentes das intervenções ao longo do século XX: a expul-
são da população moradora das regiões atingidas e a formação de vazios9. Sobre estes últimos
cabe assinalar que muitos eram espaços construídos e habitados, que podem ser vistos, portanto,
como vazios esvaziados (BORDE 2006). Dois deles, dentre os maiores, e junto à ACN, chamam a
atenção e surpreendem os visitantes estrangeiros: as esplanadas do Castelo e de Santo Antonio.
Esplanadas são geralmente amplos espaços públicos, grandes praças como, por exemplo, a Es-
planada dos Ministérios, em Brasília e a Esplanada das Mesquitas, em Jerusalém, ou alargamen-
tos de vias diante de edifícios marcantes ou apenas espaços de passeio para pedestres, bares e
restaurantes. As esplanadas da cidade do Rio de Janeiro, ao contrário, são apenas terrenos apla-
nados, vazios cujo uso costuma ser o estacionamento de veículos. Há certamente, imbricações de
ordem jurídica que explicam estes e outros vazios urbanos cariocas, embora não os justifiquem.
A existência, e principalmente a permanência destes vazios por décadas, em áreas das mais
valorizadas da cidade gera perplexidade e suscita alguns questionamentos. Como compreender
o processo de produção destes vazios? O conceito urbanístico de terrains vagues, anteriormente
abordado, seria dotado de potencial analítico que proporcionasse uma compreensão desses ‘va-
zios interiores’ nas cidades?O processo de produção do espaço urbano nas sociedades moldadas
pelo capitalismo que gera cidades constituídas por áreas socialmente segregadas e fragmenta-
das, não gera falsos vazios como espaços disponíveis para a sua realização? Os chamados vazios
não constituem espaços livres, muitas vezes produzidos para justificar ações de destruição do
tecido social, historicamente construído, configurando-se como ações que desrespeitam a mor-
fologia urbana e, tantas vezes a população moradora?
Identifica-se nesta breve abordagem, diferentes enfoques sobre estes espaços. Nos am-
bientes de negócios, principalmente os imobiliários, os vazios são vistos como possibilidades
econômicas: economistas, corretores e outros agentes do ramo imobiliário não reconhecem ne-
les nada além do que pode vir a ser neles construído e o seu valor monetário, desconsiderando,
25
carmemSILVEIRAelilianVAZ
muitas vezes, a existência de antigas edificações. Nesta concepção, os vazios da cidade do Rio de
Janeiro permaneceram como potencialidades construtivas embaladas desde as primeiras déca-
das do século XX pela crença da expansão horizontal da área central, que incluiria a ocupação de
bairros como Lapa, Estácio, Cidade Nova e os da Zona Portuária: Saúde, Gamboa, Santo Cristo e
(VAZ e SILVEIRA 1994).
Esta crença, fundamentada numa concepção positivista, que preconizava um progresso
contínuo da sociedade e seus espaços, mostrou-se equivocada nas últimas décadas do séculoXX,
ao mesmo tempo em que outros modos de compreender a cidade e o seu planejamento substitu-
íam o racionalismo e o funcionalismo modernista. Com o projeto Corredor Cultural na década de
1980, a preservação de conjuntos de prédios e, principalmente, de ambientes históricos e cultu-
rais tornou-se possível; com a difusão de autores dos campos da História e da Cultura, estas duas
dimensões adquiriram importância e foram incorporadas ao pensamento urbanístico.
Giulio Carlo Argan (1993: 260) foi além, ao demonstrar que a cidade é, inteira, uma cons-
trução histórica e que não haveria razão para que alguns trechos da cidade fossem considerados
históricos e outros não. Ele criticou o conceito de centro histórico, que teria uma funcionalidade,
mas seria um falso conceito, uma formalidade que permitiria a escolha de quais espaços cons-
truídos antigos deveriam ser preservados e quais seriam condenados à eliminação e substituídos
por novos. Pode-se fazer uma analogia com os vazios urbanos, espaços construídos que foram
selecionados com base em planos e projetos por vezes otimistas/exagerados/sonhadores, por
vezes vinculados a interesses pragmáticos, para serem destruídos, total ou parcialmente, e ocu-
pados por novas edificações e usos. Entretanto, conforme se verificou, muitos dos planos não se
viabilizaram, deixando aqueles espaços condenados à condição de vazios, no seu sentido estrito.
Oconceitodeterrainvague,mencionadonoiníciodesteartigo,foidesenvolvidoinicialmente
por Ignasi de Sola-Morales, que introduziu uma reflexão singular na temática dos vazios urbanos.
Os espaços urbanos que teriam atingido um nível de obsolescência, tornando-se “espaços devo-
lutos e residuais”, seriam dotados de um significado substantivo, esvaziados no seu uso e ocupa-
ção, mas plenos de memória. Nessa abordagem, os terrains vagues, que poderiam parecer lugares
abandonados e, de certa maneira, esquecidos, desconectados dos ambientes produtivos da cidade,
seriam lugares em que a memória prevaleceria sobre o presente (apud BAPTISTA, 2007:10).
26
projetosurbanísticosevaziosurbanos
Os vazios, nestas condições de não-existências, apenas potencialidades construtivas,
têm toda a subjetividade que os impregna solenemente ignorada ou esquecida, lembrada ape-
nas pelos antigos moradores, que, ao contrário, os vêem como lugares preenchidos de signi-
ficados. Cabe aqui lembrar que lugares são espaços vividos aos quais foram atribuídos signifi-
cados. Andreas Huyssen (2000) demonstrou, a partir dos imensos vazios que dividiam a cidade
de Berlim, que justamente estes espaços eram plenos de história e de memórias. Histórias e
memórias de pessoas, que não deveriam ser apagadas ou esquecidas. Um exemplo de inter-
venção que atentou para o significado dessa realidade intangível, repleta de implicações polí-
ticas, culturais e ideológicas, como se tornou o vazio de Berlim, foram os projetos do arquiteto
Álvaro Siza para Kreuzberg, mediante uma recusa ao apagamento da memória. No entanto, a
sua sensibilidade em relação ao tema perdeu-se nas políticas urbanas subsequentes (BAPTIS-
TA, 2007:10).
Retomando a nossa perspectiva histórica em relação à metrópole do Rio de Janeiro, sinte-
tizada no quadro sinóptico, reitera-se a constatação de que as transformações em conseqüência
das intervenções urbanas havidas no Rio de Janeiro resultaram não somente na formação de va-
zios, mas também na expulsão da população moradora. A nossa abordagem pretendeu revelar
duas faces de uma mesma moeda: os vazios não eram apenas terrenos devolutos; eram espaços
que foram esvaziados de suas construções e de seus moradores, foram ‘liberados’ para novas
ocupações mais adequadas aos interesses hegemônicos.Trata-se do olhar produtivista/economi-
cista que, historicamente, insiste em ignorar a dimensão humana e a subjetividade que permeia
os espaços velhos, pobres, decadentes, condenando seus habitantes à expulsão e ao abandono
de seus abrigos, condenados à destruição.
Cabe, portanto, expor a preocupação com o futuro da população atualmente moradora em
áreas a serem revitalizadas, como o expressaram Maria Lais P. Silva, Luciana Andrade e Juliana
Canedo (2012).
As intervenções recentes propostas para a Área Portuária do Rio de Janeiro estão inseridas
em uma lógica onde se enunciam supostos vazios urbanos que justificam ações de grande im-
pacto no intuito de ‘revitalizar’ áreas da cidade. Este discurso desconsidera a cidade preexistente
nestas regiões e tem como objetivo sobrepor uma nova forma de viver e habitar a cidade, às
27
carmemSILVEIRAelilianVAZ
custas de seus antigos moradores. Esta nova forma de viver a cidade está mais relacionada com
os interesses do turismo e das classes mais altas da sociedade, e permite que milhares de pessoas
sejam removidas do local onde moram, para dar lugar a uma outra população.
A análise histórica associada a algumas reflexões recentes que conectam os muitos vazios
urbanos cariocas, os seus significados, os planos urbanísticos megalomaníacos e as populações
removidas, suscita perplexidade na seguinte indagação: como podem os responsáveis pelos pro-
jetos de intervenção urbana que visam reverter o esvaziamento de certas áreas, insistir e ignorar
o processo de urbanização, a história das intervenções e as suas consequências, e propor solu-
ções com a reprodução dos mesmos métodos que geraram os vazios centrais, agora em doses
ainda maiores, intensificadas pelo incremento do potencial construtivo adotado?
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Notas de fim
1
Compreende-seaáreacentralconstituídadeumnúcleoedeumanelperiférico,conformeexplicitadoemtextoanterior:“Opro-
cesso decentralizaçãourbanaquedeuorigemàÁreaCentralresultounumaorganizaçãoespacialcompostabasicamentededuas
frações imediata), formando uma franja de usos diversificados e separando o CBD dos demais bairros”. VAZ e SILVEIRA (1993),
apoiado no conceito deCORRÊA (1989): o centro de gestão de toda a estrutura urbana ou metropolitana, isto é, o núcleo central
(core,CentralBussinessDistrictouCBD,ÁreaCentraldeNegóciosouACN);eazonaperiféricaaocentro(frame,zonadetransição,
de obsolescência ou deteriorada, periferia
2
Centro é utilizado aqui no sentido de oposição à periferia, como cidade interior, a cidade com seu centro e bairros, sem os subúr-
bios e periferias.
29
carmemSILVEIRAelilianVAZ
3
Convém esclarecer que por área central da cidade do Rio de Janeiro compreende-se o centro comercial, financeiro, cultural e de
informações, e os seus arredores, onde se localizam áreas de pequeno comércio, de indústrias de pequeno porte e residenciais.
Nela se encontra, além do núcleo verticalizado, áreas preservadas pelo patrimônio cultural, de uso misto, assim como áreas anti-
gasdeterioradasearrasadas,eaindagrandesvazios,compondoumterritóriosingular,apósoqualseseguemosbairrosdaszonas
portuária, industriais e residenciais.
4
Como as desapropriações e intervenções foram realizadas por diferentes instâncias do poder público – federal, estadual e muni-
cipal, conforme o status da cidade no momento histórico (Distrito Federal, Estado da Guanabara ou capital do Estado e sede do
Município do Rio de Janeiro) – os terrenos remanescentes, atuais vazios pertencem também a diferentes órgãos e instâncias do
poder.Outros ainda são disputados na justiça.
5
De acordo com essa pesquisa, o poder público é proprietário de cerca de 56% desses vazios. O exame dessas observações re-
serva, ao poder público, um significativo papel ainda a ser desempenhado no equacionamento do problema dos vazios. Sendo,
simultaneamente “produtor” e detentor de porção significativa destes espaços na II RA, há que se avaliar as possibilidades de
realizaçãodeprojetoseintervençõescomointuitodereverteroprocessodeformaçãodevazios,contribuindoefetivamentepara
a revitalização da área central.
6
Como é o caso de Nuno Portas (Porto),Jordi Borja eOriol Bohigas (Barcelona).
7
Como o caso do Projeto Sás e doTeleporto (proximidades do edifício da Prefeitura); do Waterfront , litoral, desde o Aeroporto
SantosDumontatéaIgrejadaCandelária;doRioMar,comareurbanizaçãodaorlamarítimacentro/sul;daRevitalizaçãodaPraça
Tiradentes eArredores; do Rio-Cidade (Avenidas PresidenteVargas e Rio Branco e adjacências) e outras intervenções de recupe-
ração de pequenas praças e trechos de rua. (Azevedo eG. daCunha, 1997).
8
Projetos para o Morro daSaúde, a Enseada daGamboa e o Morro daConceição.
9
Ressalta-se que estes dois fatos geralmente estão associados, porém a relação entre eles ainda necessita ser estudada.
30
projetosurbanísticosevaziosurbanos
Carmen Beatriz Silveira
carmensilv@uol.com.br
Pesquisadora bolsista do PDCFMA/FIOCRUZ/RJ, é arquiteta (UFRGS), Mestre em Ciências (IGEO-
-PPGG/UFRJ) e doutora em Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ). Atuou em consulto-
rias de planejamento urbano e em pesquisas urbanas na UFRJ. Atualmente, coordena projetos
em assentamentos urbanos irregulares por meio de abordagens transdisciplinares que envolvem
educação popular e promoção da saúde. É autora e co-autora de capítulos de livros e artigos em
periódicos relativos à moradia, à história urbana, à memória e ao habitat saudável, em áreas cen-
trais e periféricas da cidade do Rio de Janeiro.
Lilian FesslerVaz
lilianfv@gmail.com
Professora do PROURB/FAU/UFRJ, Pesquisadora doCNPq,Arquiteta (FAU/UFRJ), Mestre em Pla-
nejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ), Doutora em Arquitetura e Urbanismo (FAU/USP),
com pós-doutorado em EstudosCulturais (MSH, Paris).Atua em ensino e pesquisa sobre questões
urbanas, tendo publicado livros sobre história de bairros e sobre história da habitação carioca. É
autora de vários artigos e capítulos de livros e artigos em periódicos sobre habitação popular, áre-
as centrais, bairros, culturas urbanas e história urbana do Rio de Janeiro.
REQUALIFICAÇÃO URBANÍSTICA DAS ÁREAS PERICENTRAIS NO
RIO DE JANEIRO
Cristovão Fernandes Duarte
Introdução
O processo de modernização das cidades brasileiras se fez de costas para suas antigas centrali-
dades. Símbolos de um passado colonial que se almejava superar, os centros históricos de nossas
cidades foram representados como um entrave ao progresso e ao desenvolvimento urbano, nos
marcos do liberalismo econômico implantado no país a partir do século XX. No bojo dos des-
dobramentos tecnológicos da Revolução Industrial em marcha nos países centrais e alavancado
pelo surto desenvolvimentista que se abateu sobre nossas cidades, produziu-se um quadro de
“destruição criativa”, destinado a substituir as antigas estruturas que compunham a sintaxe es-
pacial do tecido urbano tradicional.
O presente trabalho discute o processo de modernização do centro urbano tradicional da
cidade do Rio de Janeiro ao longo do século XX, enfatizando o esvaziamento da função residen-
cial resultante daquelas transformações. Na sequência, busca-se evidenciar a problemática atual
dos bairros pericentrais da cidade, apontando, prospectivamente, sua requalificação urbanística
como um campo aberto de possibilidades com vistas a construção de uma cidade mais justa e
mais sustentável.
Entre os fatores que contribuíram de forma decisiva para o abandono da área central como
lugar de moradia da população carioca, destacamos: a expansão urbana verificada a partir da
primeira metade do século passado em direção aos bairros daZonaSul (praias litorâneas) e Norte
(subúrbios servidos pelos ramais ferroviários) e, mais recentemente, em direção à zona oeste; a
consolidação do processo de especialização funcional da área central como centro financeiro e
empresarial da cidade; a promulgação do Decreto 322, em 1976, que consolidava o zoning fun-
cional através da regulamentação do uso do solo urbano e proibia a função residencial na área
32
REQUALIFICAÇÃOURBANÍSTICADASÁREASPERICENTAISDORIODEJANEIRO
central da cidade; o processo de segregação sócio-espacial resultante da supremacia dos inte-
resses da especulação imobiliária nas decisões sobre as transformações urbanas; e, concomitan-
temente a tudo isso, a opção pelo transporte motorizado (com ênfase no automóvel particular)
que permitiu o espraiamento da cidade e a dispersão do tecido urbano em direção à zona oeste
e à Baixada Fluminense.
Os impactos negativos do processo de perda da população residente estenderam-se para
além dos limites oficiais do bairro central, atingindo áreas pericentrais que interagiam e depen-
diam diretamente das dinâmicas socioeconômicas verificadas no interior do centro urbano. Des-
ta forma, os bairros que circundam a área central da cidade do Rio de Janeiro foram sendo pouco
a pouco transformados num cinturão de pobreza a volta do núcleo histórico. Imersos, por assim
dizer, numa “zona de sombra”, esses bairros vivenciaram um grave processo de estagnação e
obsolescência urbana, desprovidos de investimentos públicos e alijados da dinâmica imobiliária
da cidade. Este é o caso dos bairros da Saúde, Gamboa, Santo Cristo, Cidade Nova, Lapa e São
Cristóvão, todos situados no entorno imediato do centro de comércio e negócios da cidade. Não
foram incluídos nesta etapa do estudo os bairros de SantaTeresa, Glória, Estácio e Catumbi que,
embora possam ser considerados como pericentrais, demandariam um estudo mais específico,
tanto por suas características urbanísticas particulares como por sua relativa autonomia com re-
lação à área central da cidade.
A formação histórica das áreas pericentrais
Durante os três primeiros séculos de existência a cidade manteve seus limites basicamente de-
finidos pelos acidentes geográficos da região. De fato, até o início do século XIX a malha urba-
na encontrava-se circunscrita pelos morros que a confrontavam a sul, com o alinhamento dos
morros do Castelo, Santo Antônio e Senado, e a norte, com o encadeamento dos morros de São
Bento, Conceição, Livramento e Providência. A leste os limites correspondiam à orla da Baía de
Guanabara e a oeste aos terrenos pantanosos do Mangal deSão Diogo que impediam a expansão
da malha urbana então existente. Cabe igualmente referir que nas encostas dos morros da face
norte da cidade, debruçadas sobre a Baía, surgiram, ainda no correr do século XVII, as primeiras
ruas e edificações dos futuros bairros da Saúde, Gamboa e Santo Cristo (VAZ, 1987: 19). Nesta
33
cristóvãoDUARTE
estreita faixa litorânea entre a Baía e os morros da Conceição, Livramento e Providência, isola-
da geograficamente da área central, se consolidaria a zona portuária da cidade. O isolamento
natural logo se tornaria convenientemente funcional para a cidade, ocultando da cena urbana
atividades consideradas menos nobres como o trabalho braçal dos estivadores do cais do porto,
o embarque e desembarque de mercadorias, o tráfico negreiro (ali ficavam também localizados
o Mercado e o Cemitério de Escravos), além da prostituição, atraída pelos marinheiros das mais
diversas procedências sempre presentes nos portos das cidades. Como conseqüência imediata
dos condicionantes acima descritos, a zona portuária se consolidou como uma região tradicional-
mente destinada à moradia da classe trabalhadora. Por este motivo, os bairros da Saúde, Gam-
boa e Santo Cristo são identificados pelo presente trabalho como áreas pericentrais e não como
integrantes do núcleo urbano propriamente dito.
A chegada da família real em 1808 marca o início de grandes transformações na cidade.
Tornada sede do Império Português, a cidade do Rio deJaneiro experimenta um vertiginoso surto
de crescimento. Sua população, que somava cerca de sessenta mil habitantes em 1802, atinge
duzentos mil em 1849, ultrapassando ao final do século XIX a casa dos quinhentos mil habitantes
(BERNARDES, 1992, p. 47). A densificação do núcleo urbano tradicional e a crise habitacional
obrigariam a procura de novas áreas para expansão da cidade.
Entre as primeiras decisões reais destaca-se a Abertura dos Portos às Nações Amigas, em
1808, que produziu um incremento às atividades portuárias e, consequentemente, a ampliação
do processo de urbanização e desenvolvimento da Saúde, daGamboa, do Saco doAlferes (Santo
Cristo) e da praia Formosa (atual Av. Francisco Bicalho).
A localização do Palácio Real naQuinta da BoaVista emSãoCristóvão impôs a necessidade
de melhoramentos no acesso entre a cidade e a residência real, atravessando o Mangal de São
Diogo. Para tanto foram feitos sucessivos aterros e benfeitorias na região. De arrabalde distan-
te, situado para além dos limites da cidade, São Cristóvão se transforma, sobretudo a partir da
segunda metade do século XIX, em nova fronteira de expansão urbana e de modernização da
cidade, recebendo grandes melhoramentos de infraestrutura e transportes (DUARTE, 2012).
A meio caminho entre o centro urbano e São Cristóvão, os novos terrenos resultantes dos
aterros realizados propiciaram o surgimento das primeiras casas do futuro bairro daCidade Nova.
34
REQUALIFICAÇÃOURBANÍSTICADASÁREASPERICENTAISDORIODEJANEIRO
Até finais do século XIX, a Cidade Nova assiste a construção da Fábrica do Gás e a canalização
do Mangue, realizadas pelo Barão de Mauá e que impulsionaram a ocupação do novo bairro.
Essa região, surgida sobre terrenos alagadiços e pantanosos, onde era possível encontrar con-
dições mais acessíveis de moradia, logo ficaria caracterizada como mais um bairro proletário,
atraindo também imigrantes que chegavam à cidade. Ali, em torno da Praça Onze de Junho
(antigo Largo do Rocio Pequeno) surgirá uma comunidade de sambistas e compositores po-
pulares responsável pela consagração do samba carioca como expressão maior da cultura da
cidade. Não por outra razão, a Cidade Nova é hoje considerada, juntamente com o bairro do
Estácio que lhe é contíguo, o “berço do samba”. Caberia ainda fazer referência à Vila Mimosa,
famosa zona de prostituição da cidade que permaneceria na Cidade Nova até sua transferência
para a Praça da Bandeira, nos anos 90.
Em expansão e à procura de novas áreas, a cidade encontraria nas imediações da Igreja de
Nossa Senhora do Carmo da Lapa do Desterro outra região a ser ocupada. A despeito da proxi-
midade com relação ao centro tradicional da cidade, até finais do dezoito a ocupação da Lapa
encontrava-se bastante rarefeita. Contribuíram para isso o fato da região apresentar terrenos
sujeitos a alagamentos em função da proximidade da Lagoa do Boqueirão (aterrada em 1783
para a construção do Passeio Público) e por se encontrar cercada pelos morros do Desterro (atual
bairro de SantaTeresa), SantoAntonio e Senado. No início do séculoXIX, vencidas as resistências
iniciais, começa efetivamente o processo de ocupação da Lapa. A abertura das ruas do Rezende,
do Lavradio e dos Inválidos inauguram a ligação da malha urbana existente com esta nova área
de expansão da cidade (DUARTE, 2009).
Os sobrados e palacetes que ainda hoje compõem a morfologia arquitetônica da Lapa da-
tam da segunda metade do século dezenove, quando, de fato, se consolida o processo de urba-
nização daquela região. Paradoxalmente, o processo de densificação do conjunto edificado da
Lapa coincide, nas ultimas décadas doXIX, com o início do movimento de evasão das elites em di-
reção à zona sul da cidade, margeando a orla da baía de Guanabara. Bairros mais distantes como
Catete, Flamengo e Botafogo, ainda com uma ocupação incipiente, passam a representar uma
nova opção de moradia, possibilitando a construção de belas casas em amplos terrenos, longe do
burburinho do velho e saturado centro.
35
cristóvãoDUARTE
O século XX encontra a área central da cidade densificada e expandida em direção aos no-
vos bairros que a circundam. Elevada agora à condição de Distrito Federal desde a Proclamação
da República (1889), a cidade viverá um tempo de grandes transformações urbanas, em especial
no que se refere à remodelação urbanística da área central e a modernização da Zona Portuária
da cidade, implementadas durante a administração do Prefeito Pereira Passos (1902-1906). Fren-
te aos objetivos do presente estudo interessa destacar de forma sucinta os impactos daquelas
transformações sobre as relações estabelecidas entre o centro histórico e as áreas pericentrais.
A Zona Portuária foi radicalmente transformada por vultuosos investimentos infraestrutu-
rais.Uma grande faixa de aterro preencheu o espaço entre a antiga orla sinuosa e o cais retificado
do novo porto da cidade. Sobre a área de aterro foi implantada uma nova malha viária de amplas
ruas e avenidas retilíneas, circunscrevendo quadras estreitas e compridas preponderantemente
subordinadas ás atividades portuárias e à circulação de veículos de carga. Nessas quadras cons-
truíram-se galpões industriais e armazéns destinados ao processamento e estocagem de mer-
cadorias. O gigantismo assumido pelo novo traçado viário mantém-se ainda hoje perfeitamente
legível na planta cadastral urbana, contrastando fortemente com o tecido urbano preexistente.
Comrelaçãoaocentrohistórico,adestruiçãomodernizadoradePereiraPassos,batizadapela
população da cidade com a expressão “bota-abaixo”, tinha como pressuposto apagar a imagem do
passado colonial, rasgando o tecido urbano para criação de novos corredores de circulação como
a Avenida Central e remodelando o espaço urbano segundo o ideário estético do Ecletismo. Em
paralelo, as intervenções promoveram a expulsão dos pobres ainda presentes no centro histórico
da cidade, agravando a crise de moradia já instalada. Numerosos cortiços, que funcionavam como
habitações coletivas de aluguel foram demolidos em nome da higiene pública.
Expulsos do antigo centro, os pobres se deslocaram primeiramente para a zona portuária
e para a Cidade Nova, área já tradicionalmente ocupadas pelas classes trabalhadoras. Ressalte-
-se ainda, como conseqüência direta deste processo, o incremento do processo de favelização
dos morros da Providência, Santo Antônio e São Carlos, nas proximidades do centro histórico
(ABREU, 2003).
Para que se “fechasse” o arco de pobreza em torno do centro, restava a Lapa com seus ricos
sobrados e palacetes, ocupados até então por famílias abastadas. Não tardaria, entretanto, que
36
REQUALIFICAÇÃOURBANÍSTICADASÁREASPERICENTAISDORIODEJANEIRO
se processasse a substituição dos antigos proprietários. O aumento da oferta de linhas regulares
de transportes públicos entre o centro e bairros mais afastados, bem como a abertura daAvenida
Beira-Mar em direção às praias do Flamengo e de Botafogo, reforçariam ainda mais a tendência
de evasão do núcleo central. Assim, em pouco tempo, as nobres moradias da Lapa se converte-
ram em casas de cômodos para alugar, cujos rendimentos mensais não poderiam ser considera-
dos desprezíveis (BARBOSA, 1992: 322).
Ao longo das duas primeiras décadas do século XX a Lapa vai se transformando num bairro
de gente pobre, ocupando (e superlotando) casas de gente rica. Para usar uma licença poética,
trata-se de um surpreendente caso de “travestimento arquitetônico1
”, ou seja, a aparência nobre
e elegante das edificações contrastava com as péssimas condições de moradia a que se encontra-
vam submetidos os novos habitantes.
Juntamente com a pobreza recaiu sobre a Lapa o estigma da malandragem e da contraven-
ção. De fato, abrigados e protegidos pela segregação sócio-espacial imposta ao bairro, prolife-
raram por suas ruas prostíbulos, casas de jogo, tabernas, nitgh-clubs com shows de strip-tease e
toda sorte de ofertas possíveis para a vida boêmia e desregrada que atraía os novos e notívagos
freqüentadores da Lapa (KUSHNIR, 2001).
O período republicano representou ainda a perda de prestígio do bairro imperial de São
Cristóvão. Para Freitas (2003), a Reforma Passos marca justamente o momento em que São Cris-
tóvão inicia sua decadência como área residencial, sendo cada vez mais procurado para a insta-
lação de indústrias, principalmente em função da proximidade com o centro da cidade e com o
novo Porto da Cidade, inaugurado em 1909.
O processo de industrialização do bairro de São Cristóvão se consolidaria mais forte-
mente a partir da implantação do Estado Novo, em 1937, com a promulgação do Decreto-Lei
6.000/37, que cria a primeira Zona Industrial da cidade (estendendo-se por uma faixa continua
que vai do Bairro de São Cristóvão até o bairro da Pavuna, na zona norte carioca). Considere-
-se ainda que a abertura em 1940 da Avenida Brasil, via expressa de entrada e saída da cidade,
significou também o eixo principal de escoamento da produção do parque industrial recém-
-instalado no bairro.
Desta forma, ao final da primeira metade do séculoXX a área central da cidade encontrava-
-se cercada por um cinturão de pobreza formado pelos bairros da Zona Portuária, a Cidade Nova
37
cristóvãoDUARTE
e a Lapa. Até mesmo São Cristóvão, que fora um bairro residencial da classe mais abastada, vai
perdendo sua antiga condição e se transformando num bairro industrial, atravessado por um pe-
sado fluxo de veículos de carga pesada, de passageiros e de passeio.
O recorte temporal adotado nesta primeira parte do trabalho chegou até a metade
do século XX, quando se verifica um claro ponto de inflexão na dinâmica urbana vivida
pela área central. A inauguração da Avenida Presidente Vargas, em 1944, representou um
marco decisivo para a afirmação da lógica rodoviarista que se abateria sobre a área central
nas décadas subsequente, acelerando de modo inequívoco o processo de especialização
monofuncional da área central como centro financeiro e empresarial da cidade e a evasão
da população residente.
Áreas central do Rio de Janeiro,
vista a partir do Morro do Pinto.
Foto: Cristóvão Duarte, 2011.
38
REQUALIFICAÇÃOURBANÍSTICADASÁREASPERICENTAISDORIODEJANEIRO
Segunda metade do século XX: estagnação e obsolescência das áreas pericentrais
Não faz parte do escopo do presente trabalho uma contextualização histórica minuciosa das
transformações urbanísticas ocorridas na região no decorrer da segunda metade do século XX.
Indicaremos tão somente as ocorrências mais significativas, enfatizando sempre que possível o
processo geral de obsolescência vivenciado pelos bairros pericentrais da cidade.
Ressalte-se que boa parte deste período coincide com a vigência do regime autoritário,
implantado a partir do Golpe Militar de 64 e que se estenderia até meados da década de 80. Isso
significa que as decisões tomadas pelos poderes instituídos prescindiram do debate e da parti-
cipação da sociedade. Convém lembrar que, todas as vezes que se atenta contra a Democracia
se atenta também contra a cidade. Não por acaso, os anos que se seguiram ao Golpe Militar (em
particular a década de 70) ficariam marcados pelo recrudescimento da especulação imobiliária e
pela destruição do patrimônio cultural edificado de nossas cidades.
Cabe igualmente mencionar os efeitos produzidos pela mudança da capital federal para Bra-
sília em 1960 e a fusão dos estados daGuanabara e Rio deJaneiro em 1975, acarretando um período
derelativadesorganizaçãoadministrativa,alémdaperdadocapitalpolíticoeeconômicodacidade.
Como foi dito anteriormente, a abertura da Avenida Presidente Vargas pode ser conside-
rada como uma das mais significativas intervenções sofridas pela área central, cujos impactos
se estenderiam ao longo das décadas seguintes. Com cerca de 90 metros de largura e mais de
4 quilômetros de extensão, esta via arterial promoveu a interligação dos corredores da Avenida
Brasil e Francisco Bicalho à Avenida Rio Branco (antiga Avenida Central), possibilitando elevados
índices de fluidez ao tráfego motorizado. De acordo com Claudia Brack Duarte:
“A abertura desta via rápida para escoamento do trânsito motorizado pretendeu alterar a
ocupação daquela área, de uso misto para zona de serviços. Pretendia-se que a expansão
do centro financeiro se desse ao longo da nova artéria” (2012: 25).
Sua construção implicou na demolição de mais de 500 edificações, incluindo a Praça Onze,
a sede da Prefeitura, seis igrejas, além da supressão 1.700 m2 doCampo de Santana.Ainda
segundo a autora acima citada:
39
cristóvãoDUARTE
“Os lotes densamente ocupados por habitações e pequenos comércios foram substituídos
por grandes áreas para uso comercial e de serviços, ainda à espera de ocupação até os dias
de hoje” (Ibid.)
São bem conhecidos os efeitos devastadores produzidos pela abertura da Avenida Presi-
dente Vargas sobre o bairro da Cidade Nova. Desde então o bairro permaneceria aguardando
por uma intervenção pública ou privada capaz de devolver a antiga vitalidade urbana da área.
Contudo, as intervenções que se seguiram contribuíram apenas para o agravamento daquela
situação. A abertura do Túnel Santa Bárbara em 1963 e seu prolongamento através do viaduto
construído, produziram uma radical alteração na paisagem urbana, além da destruição do tecido
urbano na divisa entre os bairros da Cidade Nova e do Centro. No final dos anos setenta as obras
do Metrô aprofundaram significativamente o grau de destruição do tecido urbano. Em meio aos
novos terrenos resultantes das desapropriações do Metrô e da própria municipalidade (muitos
ainda desocupados) surgiram, nos anos que se seguiram, torres isoladas como a nova sede dos
Correios e Telégrafos (anos 70), o Centro Administrativo da Prefeitura do Rio de Janeiro (1982),
o empreendimento do Teleporto (1995), a Universidade Corporativa da Petrobrás (2008), entre
outros. A impressão de terra desvastada permaneceu associada à nova imagem do bairro, como
se naquele solo revolvido por tantas ondas de “destruição criativa” não fosse mais possível nascer
vida urbana, tal como havia um dia ali existido.
Outra intervenção, digna de nota, foi a construção do Sambódromo na Rua Marquês de
Sapucaí, inaugurado em 1984. Projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, a estrutura longilínea
das arquibancadas foi alinhada paralelamente ao viaduto do túnel Santa Bárbara. O conjunto
arquitetônico produz, em razão de sua escala monumental, forte impacto na paisagem urbana
sem, contudo, estabelecer um diálogo com o seu entorno. O projeto, por assim dizer, dá as cos-
tas para o bairro à sua volta, tendo sido concebido totalmente voltado para o seu interior, onde
ocorrem os desfiles durante o período do Carnaval e, ao longo do ano, atividades de ensino nas
escolas projetadas sob as arquibancadas. Na falta de um tratamento de desenho urbano visando
à qualificação das áreas limítrofes que promovessem a integração do espaço público com as no-
vas estruturas projetadas, foram criadas à volta do projeto áreas indefinidas e descontínuas, sem
legibilidade e, portanto, sem vitalidade.
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REQUALIFICAÇÃOURBANÍSTICADASÁREASPERICENTAISDORIODEJANEIRO
Em meio a tantos problemas, deve ser referida a criação, em 1991, da Área de Proteção
do Ambiente Cultural (APAC) da Cidade Nova, assegurando proteção legal ao conjunto arqui-
tetônico remanescente do final do século XIX e início do XX. A proteção legal, no entanto, não
tem se traduzido em uma política de efetiva preservação da ambiência cultural, uma vez que
o acervo edificado encontra-se em precário estado de conservação ou já parcialmente desca-
racterizado.
No caso da Zona Portuária a segunda metade do novecentos é inaugurada com as
obras do Elevado da Perimetral, construído em várias etapas entre o final dos anos 50 e ini-
cio dos 70. Trata-se de uma ligação expressa entre a Avenida Brasil, a Ponte Rio Niterói e o
Aeroporto Santos Dumont. Excetuando-se as alças de subida e descida no bairro da Saúde,
próximo à Praça Mauá, o elevado não estabelece nenhuma outra ligação com os bairros por-
tuários da Gamboa e Santo Cristo. Junto ao Largo da Igrejinha de Santo Cristo, deságua tam-
bém o fluxo motorizado carreado da zona sul da cidade pelo viaduto do túnel Santa Bárbara,
já referido anteriormente.
A decadência das atividades portuárias e a obsolescência das infraestruturas existentes co-
meçam a se fazer notar a partir dos anos 70, sobretudo, em razão dos efeitos produzidos pela
“contêinerização” do transporte internacional de mercadorias. Calados mais profundos para re-
ceber navios cada vez maiores e mais pesados, bem como a construção de áreas retroportuárias
para empilhamento e transporte de contêineres foram exigências que alteraram de forma radical
a operação das atividades portuárias, bem como a relação tradicionalmente estabelecida entre
porto e cidade (VASCONCELLOS e SILVA, 2009). Acrescente-se ainda a crescente subutilização
dos armazéns e galpões existentes na Zona Portuária.
Carlos nos fornece uma cronologia comentada bastante completa sobre a história da for-
mação urbana da Zona Portuária. Sobre a fase de estagnação e obsolescência vivida pela região,
o autor afirma que:
“A falta de investimentos públicos em infraestrutura urbana, combinada com uma legisla-
ção de uso e ocupação do solo urbano permissiva aos usos incompatíveis com o residencial,
foram fatores decisivos para a deliberada degradação da qualidade de vida nos bairros da
Saúde, Gamboa e Santo Cristo” (CARLOS, 2012).
41
cristóvãoDUARTE
Ainda segundo Carlos (Ibid.), a criação da Área de Proteção dos bairros da Saúde, Santo
Cristo,Gamboa eCentro (criada em 1984 e regulamentada em 1988), representou uma vitória do
movimento comunitário liderado pela associação de Moradores da Saúde (AMAS) que conseguiu
barrar o projeto de “revitalização” elaborado pela Associação Comercial do Rio de Janeiro no iní-
cio dos anos 1980, cuja proposta consistia na completa renovação urbana dos bairros portuários
por intermédio da liberação dos gabaritos permitidos para novas edificações.
Enquanto isso, SãoCristóvão, precocemente tornado o primeiro bairro industrial da cidade
(e também o mais poluído), inicia seu processo de desindustrialização. Ao longo das décadas de
50 e 60, no entanto, assiste à progressiva transferência das grandes indústrias de São Cristóvão e
arredores para a periferia urbana, em função da oferta de terrenos mais baratos para a constru-
ção de instalações industriais ao longo do eixo da Avenida Brasil.
Como herança do processo de industrialização e em função de sua localização, às margens
de um importante entroncamento viário, São Cristóvão se consolidará como um bairro de pas-
sagem, especializado no comércio de autopeças, acessórios, motores, serviços automotivos e
oficinas mecânicas.
Outra marca irremediavelmente ligada à imagem de São Cristovão consiste na presença
ostensiva dos viadutos da Linha Vermelha, implantados sobre os eixos da Rua Figueira de Melo
e da Rua Bela. Construídos em 1992, como ligação expressa entre a zona sul e o aeroporto do
Galeão, os novos viadutos podem ser considerados como um desastre urbanístico e ambiental,
tendo comprometido de forma significativa as condições de vida em suas imediações.
Por fim, no que concerne ao bairro da Lapa, o que se assistiu ao longo dos anos 60 e 80 foi
a progressiva degradação do acervo edificado, piorando ainda mais a já difícil condição de vida
de seus habitantes. O período de abandono e o descaso por parte das administrações municipais
pode ser descrito como uma espécie de silenciosa hibernação da Lapa. Parece plausível admitir
que a materialidade do casco histórico da Lapa, constituída pelos robustos palacetes da virada
do século XX, não obstante o precário estado de conservação, tenha representado uma força de
resistência aos impulsos “renovadores” do mercado imobiliário e a eventuais planos de interven-
ção urbanística por parte da municipalidade. Dessa forma, o patrimônio histórico edificado da
Lapa pode, não apenas sobreviver, mas abrigar (protegendo) em seu interior famílias pobres e de
extrato de renda mediano.
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REQUALIFICAÇÃOURBANÍSTICADASÁREASPERICENTAISDORIODEJANEIRO
Durante esse período a vida noturna e cultural da Lapa resistiu em meio à decadência do
bairro, sobretudo, através dos bares e restaurantes tradicionais como o “Nova Capela”, o “Bar
Brasil” e a “CasaCosmopolita”, dos espaços culturais alternativos como oCircoVoador (instalado
no bairro em 1982) e a Fundição Progresso (poupada da demolição em 1987 pelos organizadores
do CircoVoador e transformada em centro cultural) e de vários grupos de teatro que se instalam
em imóveis vazios cedidos pelo Governo do Estado.
A partir dos anos 90 ocorre, como se costuma falar, uma “redescoberta da Lapa” e de
seus predicados simbólicos associados à boemia e a cultura popular carioca. A associação mer-
cadológica (bem sucedida do ponto de vista empresarial) entre diversão e cultura, fez surgir
novas casas de shows, bares e restaurantes, transformando a fisionomia e o cotidiano do bairro
(DUARTE, 2009). Ressalte-se, no entanto, que além dos preços praticados pelos novos bares e
restaurante serem proibitivos para população local, também a crescente valorização do preço
da terra repercute sobre os antigos contratos de locação promovendo uma “expulsão branca”
dos moradores tradicionais da Lapa. Os efeitos deste processo sobre o bairro e seus moradores
serão retomados mais adiante ao discutirmos alternativas para a requalificação urbanística dos
bairros estudados.
As transformações urbanísticas acima apresentadas nos dão conta dos processos gradativos
de rebaixamento da qualidade de vida e deterioração do patrimônio histórico edificado vivenciados
pelas áreas pericentrais no decorrer da segunda metade do século passado.A hipótese de trabalho
aqui adotada indica que tais fenômenos estão profundamente relacionados com o “sombreamen-
to” daquelas áreas acarretado pelo duplo processo de esvaziamento da função residencial e espe-
cialização monofuncional da área central como centro financeiro e empresarial da cidade.
Os problemas decorrentes deste tipo de segregação espacial dos usos do solo urbano são
bem conhecidos. Tornada hegemônica, isto é, assumindo o comando das ações, o conjunto das
atividades de comércio, finanças e serviços passa a ditar a forma de gestão do espaço urbano.
Prevalecem os interesses econômicos imediatos, em detrimento de outros usos possíveis do es-
paço. De hegemônica, as atividades do setor terciário se tornam exclusivas, afastando da área o
uso residencial.
No que se refere à legislação urbana da cidade, o Decreto 322/76, promulgado durante o
período da Ditadura Militar, não propõe uma reversão dos processos acima descritos.Antes, pelo
43
cristóvãoDUARTE
contrário, ao pretender regulamentar (legitimando) as tendências do mercado, o Decreto apenas
reforça e acentua aqueles processos.
Desfaz-se, assim, o complexo e delicado equilíbrio entre as funções urbanas, responsá-
vel pelos índices de vitalidade verificados nos tecidos urbanos tradicionais (JACOBS: 2001).
Os horários da atividade comercial condicionam o ritmo dos usos do espaço. O movimento
da vida urbana começa quando as lojas abrem ao público e cessa quando elas fecham. Fora
do horário comercial, essas áreas totalmente infraestruturadas e equipadas, permanecem
desertas ou sub-utilizadas. A sensação de insegurança gerada re-alimenta o processo de es-
vaziamento a que estão sujeitas essas áreas em tais circunstâncias, repercutindo nas áreas
do seu entrono imediato.
Entre os efeitos percebidos, destaca-se uma acentuada desvalorização do preço da terra
das áreas pericentrais que, alijadas da dinâmica imobiliária da cidade, experimentam um período
de falta de investimentos e descaso por parte da administração pública. Com o intuito de carac-
terizar este quadro de obsolescência das estruturas materiais, degradação da qualidade de vida e
estagnação econômica, utilizamos a metáfora do “sombreamento”, inspirada na contraposição
identificada por Milton Santos entre áreas opacas, representadas pelos espaços da lentidão onde
vivem os pobres, em contraposição às áreas luminosas, espaços racionalizados e racionalizado-
res, espaços da fluidez e da competitividade, ajustados aos propósitos mais perversos da globa-
lização (1999, pp. 245-6).
Desde meados do século passado os vetores de expansão da cidade já haviam saltado por
sobre a envolvente imediata à área central, seguindo pela orla litorânea em direção à zona sul,
no caso das classes mais abastadas, e em direção à zona norte pelos ramais suburbanos da linha
férrea. Os bairros pericentrais, relegados à condição de locais de moradia das classes de menor
poder aquisitivo, passam a figurar, então, como uma espécie de solução de continuidade do pro-
cesso de urbanização e desenvolvimento da cidade.
O período de obsolescência e estagnação econômica, verificado na segunda metade do
século XX, e o consequente rebaixamento do valor da terra nas “zonas de sombra” acentuará o
processo de substituição de antigos moradores dos bairros pericentrais por novos moradores de
extratos sociais ainda mais desfavorecidos.
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  • 1.
  • 2. Reitor Carlos Antonio Levi da Conceição Pró-Reitor de Planejamento, Desenvolvimento e Finanças Carlos Rangel Rodrigues Decana do Centro de Letras e Artes Flora de Paoli Faria REALIZAÇÃO Laboratório de Patrimônio Cultural e Cidades Contemporâneas – LAPA/PROURB Projeto Gráfico: Maristela Carneiro – Algo+ Soluções Editoriais Ficha Catalográfica: Eneida Oliveira Os conceitos emitodos neste livro são de inteira responsabilidade dos autores V393 Vazios urbanos: percursos contemporâneos / Organização de Andréa de Lacerda Pessôa Borde. – Rio de Janeiro : Rio Books, 2012. 1 cd. ISBN: 978 – 85 – 61556 – 29 – 7 1. Urbanismo 2. Planejamento urbano 3. Patrimônio Cultural. 4. Renovação Urbana. I. (Borde, Andréa de Lacerda Pessôa). Org. CDD: 307.416 6 Diretora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Denise Barcellos Pinheiro Machado Coordenadora do Programa de Pós- -Graduação em Urbanismo Rachel Coutinho Marques da Silva UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
  • 3. EXPRESSÕES CONTEMPORÂNEAS DOS VAZIOS URBANOS 4 Andréa de Lacerda Pessôa Borde PROJETOS URBANÍSTICOS E VAZIOS URBANOS: REVISITANDO O TEMA 9 Carmen Beatriz Silveira e Lilian Fessler Vaz REQUALIFICAÇÃO URBANÍSTICA DAS ÁREAS PERICENTRAIS NO RIO DE JANEIRO Cristovão Fernandes Duarte INSTRUMENTOS PARA A REINSERÇÃO IMOBILIÁRIA NAS ÁREAS CENTRAIS E PERIFERIAS IMEDIATAS DAS GRANDES CIDADES Fernanda Furtado TANTOS TETOS E TANTOS SEM-TETO1 : Relato analítico de uma experiência de readequação de edifícios públicos ocupados. 73 Luciana Andrade VACÂNCIA E INTERVENÇÕES NO CENTRO ANTIGO DE SALVADOR - Tensões entre privatização urbana e direito à cidade 86 Angela Gordilho Souza A REGENERAÇÃO URBANA CONTEMPORÂNEA. Entre o espetáculo e as necessidades socioantropológicas das cidades 122 Evelyn Furquim Werneck Lima VAZIOS URBANOS E PATRIMÔNIO INDUSTRIAL: Interfaces com o ordenamento urbanístico e o patrimônio cultural. 142 Andréa da Rosa Sampaio VAZIOS NA PERIFERIA METROPOLITANA: Sobre a singularidade dos espaços-entre 166 José Almir Farias Filho VAZIOS URBANOS CONTEMPORÂNEOS: Conceitos, permanências e alteridades 191 Andréa de Lacerda Pessôa Borde
  • 4. OlivroVaziosUrbanos: PercursosContemporâneos reúnepesquisadoresdoRiodeJaneiro,Niterói, Salvador e Fortaleza em torno de uma série de questões que este fenômeno urbano vem desper- tando nas últimas décadas em que se impôs como um dos elementos estruturadores da cidade con- temporânea.Os textos aqui apresentados sublinham a estreita relação entre questões em voga em nossas cidades e os três momentos do processo de formação dos vazios urbanos – o esvaziamento, o vazio e o eventual preenchimento – enriquecendo, assim, os diálogos sobre os vazios urbanos em sua dimensão contemporânea. EXPRESSÕES CONTEMPORÂNEAS DOS VAZIOS URBANOS Andréa de Lacerda Pessôa Borde Edifício comercial na área central em situação de vazio urbano. Foto: Andréa Borde. 2011.
  • 5. 5 andréaBORDE Este livro traz reflexões sobre a diversidade de situações de vazios urbanos observadas em nossas cidades atualmente.Cada capítulo traduz, nas múltiplas abordagens privilegiadas na aná- lise destas situações, a reconhecida experiência dos autores nas suas áreas de interesse especi- ficas e na análise dos vazios urbanos tal como eles se apresentam na contemporaneidade. Per- correr os caminhos aqui traçados permite vislumbrar as múltiplas dimensões que este fenômeno urbano tem adquirido nas últimas décadas. As áreas centrais – lugar onde muitos destes vazios esvaziados despontaram- são o recorte espacial privilegiado para análise em alguns capítulos. Nestas áreas, dotadas de infraestrutura urbana, a presença de terrenos e imóveis vazios, desocupados ou subutilizados, pode ser consi- derada, no mínimo, paradoxal. Sobretudo, considerando-se a concomitância entre o processo de formação de vazios urbanos nestas áreas centrais e o modelo de expansão em direção às áreas periféricas sem infraestrutura de cidade.As áreas pericentrais – na periferia das áreas centrais – e as periferias também são analisadas neste livro sublinhando as diferenças e similaridades entre os vazios centrais e periféricos e apontando para a emergência de novos processos de formação e de possibilidades de transformação dos vazios urbanos. Quanto à transformação das situações de vazios urbanos, são analisadas as possibilidades acenadas pelos instrumentos urbanísticos, pelos projetos de reinserção habitacional e de requa- lificação urbana em áreas ou edifícios de interesse para o patrimônio cultural. No entanto, como se pode observar na leitura dos capítulos dedicados à relação historicamente existente entre pro- jetos urbanos e vazios urbanos, este são tanto formadores como potenciais transformadores de situações de vazios urbanos. Para tanto são analisados os conceitos operatórios, a escala, a ges- tão e o impacto destes projetos e suas interfaces com os vazios urbanos. A leitura deste livro permite percorrer um caminho temático diversificado no campo do ur- banismo – habitação, projetos urbanos, grandes projetos, patrimônio cultural, áreas centrais, ins- trumentos urbanísticos, readequação de edifícios públicos ocupados, ordenamento urbanístico, reutilização e espaços industriais, urbanização dispersa – no qual a questão dos vazios urbanos é parte integrante dos debates contemporâneos. E é, justamente, com a construção contemporânea do conceito de vazios urbanos que este livro encerra, por ora, os seus percursos contemporâneos. Antes, porém, de nos debruçarmos sobre as ricas análises trazidas pelos autores gostaria de fazer uma breve apresentação por capítulos uma vez que a seqüência dos mesmos não é um percurso aleatório. O livro abre com um convite feito à Carmen Beatriz Silveira e Lilian Fessler
  • 6. 6 EXPRESSÕESCONTEMPORÂNEASDOSVAZIOSURBANOS Vaz, autoras do Áreas centrais, projetos urbanísticos e vazios urbanos (1999), que tem sido refe- rência para os estudos sobre o tema na cidade do Rio de Janeiro, para que dessem sequência ao mesmo: será que no século XXI esta relação entre projetos urbanísticos e vazios urbanos se mantém? É o que elas analisam em “Projetos Urbanísticos eVazios Urbanos: revisitando o tema”. No artigo seguinte,“Requalificação Urbanística das Áreas Pericentrais do Rio de Janeiro”, Cristóvão Fernandes Duarte elabora um rico painel do processo de modernização do centro ur- bano tradicional carioca no século XX, tendo como foco o processo de esvaziamento da função residencial e como perspectiva a requalificação urbanística dos bairros da periferia imediata da área central carioca – as áreas pericentrais – virem a se constituir em uma oportunidade para a construção de uma cidade mais justa e sustentável. A reversão da iniqüidade social e urbana a partir da atuação sobre as situações de vazio urbano é o tema dos dois artigos seguintes. No primeiro deles, “Instrumentos para a reinserção imobiliária nas áreas centrais e periferias imediatas das grandes cidades”, Fernanda Furtado analisa a possibilidade de reinserção social de terrenos e imóveis ociosos nas áreas centrais e pericentrais das metrópoles brasileiras através da utilização de instrumentos da política urbana, voltados, sobretudo, para a provisão de habitação popular. No segundo artigo, “Tantos tetos e tantos sem- -teto: relato analítico de uma experiência de readequação de edifícios públicos ocupados”, Luciana Andrade traz novos elementos para a discussão sobre os limites e possibilidades de reinserção destes imóveis ociosos a partir de projetos de arquitetura e urbanismo destinados a adequá-los ao uso habitacional. Vacância urbana e questão habitacional estão, historicamente, relacionadas à implanta- ção de grandes projetos no tecido consolidado das nossas cidades. Ângela Gordilho Souza, em “Vacância e intervenções no centro antigo deSalvador: tensões entre privatização urbana e direito à cidade”, opta por uma abordagem que privilegia o estudo da dinâmica emergente de produção e gestão urbana privatista da cidade, direcionando seu foco para a análise dos impactos urbanísti- cos das intervenções propostas para o CentroAntigo de Salvador, mas, sobretudo, para os novos contornos da vacância urbana e impacto sobre a questão habitacional. Mas o que foram a implantação das primeiras fábricas e indústrias nas cidades, em mea- dos do século XIX e início do século XX, senão grandes projetos urbanos? Instalações que com as mudanças operadas na estrutura produtiva, ao longo do século XX, foram perdendo seu
  • 7. 7 andréaBORDE uso e função e, com o tempo, transformando-se em situações de vazios urbanos. Este será o tema dos dois artigos seguintes. No primeiro deles, “A regeneração urbana contemporânea: en- tre o espetáculo e as necessidades socioantropológicas”, Evelyn Furquim Werneck Lima avança em conceitos já delineados em “Configurações urbanas cenográficas e o fenômeno da gentrifi- cação” (2004) afim de analisar propostas nacionais e internacionais de reutilização de espaços industriais em desuso e suas possíveis contribuições para futuros projetos. No segundo, “Vazios Urbanos e Patrimônio Industrial: Interfaces com o Ordenamento Urbanístico e o Patrimônio Cul- tural”, Andréa da Rosa Sampaio investiga as interconexões entre o processo de formação dos vazios urbanos e o patrimônio industrial mediadas pelo ordenamento urbanístico da cidade do Rio de Janeiro. Os dois últimos artigos podem ser considerados, mais do que duas tentativas de colocar um ponto final nestes percursos contemporâneos sobre os vazios urbanos, como dois caminhos que apontam dois novos percursos a serem trilhados que se entrelaçam e se complementam. Em “Vazios da periferia metropolitana: sobre a singularidade dos espaços-entre”, José Almir Farias Filho, analisa as novas tipologias de vazio que emergem do processo contemporâneo de urbanização dispersa, cuja fragmentação produz áreas construídas descontínuas, tendo como foco as periferias metropolitanas de Fortaleza. No último artigo, “Vazios Urbanos contemporâneos: conceitos, permanências e alteridades”, trago uma releitura do primeiro capítulo da minha tese “Vazios Urbanos: Perspectivas Contem- porâneas” (2006), dedicado ao segundo momento do processo de formação dos vazios urbanos – o vazio – e à construção do conceito dos vazios urbanos a fim de compreender a dimensão con- temporânea deste fenômeno. Estes diálogos foram realizados no contexto do Grupo de Pesquisas do Diretório do CNPq Laboratório de Patrimônio Cultural e Cidades Contemporâneas, do Programa de Pós-Gradua- ção emUrbanismo daUniversidade Federal do Rio deJaneiro (LAPA/PROURB/UFRJ) com o apoio da Pró-Reitoria de Planejamento, Desenvolvimento e Finanças (PR-3). O LAPA compreende pa- trimônio cultural em seu campo ampliado de acordo com sua dimensão urbana e contemporâ- nea e desenvolve estudos sobre processos de urbanização e produção arquitetônica e urbanística contemporâneos a partir de uma leitura dinâmica de temas como patrimônio cultural, vazios ur- banos, forma urbana, imaginário urbano, patrimônio edificado e conservação de bens culturais.
  • 8. 8 EXPRESSÕESCONTEMPORÂNEASDOSVAZIOSURBANOS É na confluência destas instigantes reflexões propostas por estes autores de reconhecido mérito em suas áreas de atuação que o LAPA se propõe a construir diálogos que permitam es- tabelecer conexões entre as múltiplas dimensões levantadas nas abordagens privilegiadas para análise deste fenômeno intrinsecamente contemporâneo da nossa urbanidade multifacetada. Vamos a elas. Andréa de Lacerda Pessôa Borde andreaborde@gmail.com Professora Adjunta da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e do Programa de Pós Graduação em Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Arquiteta e Urbanista (FAU/UFRJ), Mestre em Artes Visuais (EBA/UFRJ), Doutora em Urbanismo (PROURB/UFRJ), com Doutorado Sanduíche em Projet Urbain et Architectural (DEA Paris Belleville/Paris VIII). Faz Pós-Doutorado na Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Ur- banismo da Universidade Federal da Bahia. É líder do grupo de pesquisa do Diretório do CNPq LAPA (Laboratório de Patrimônio Cultural e Cidades Contemporâneas) onde coordena pesquisas relacionadas aos vazios urbanos, à história urbana e ao patrimônio cultural. Publicou capítulos de livros e artigos sobre estes temas. É Membro Titular do Conselho Municipal de Proteção ao Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro e do Conselho Consultivo da Frente Mista Parlamentar em Defesa da Cultura na área da Memória e do Patrimônio Cultural. Entre os prêmios recebidos des- tacam-se a menção honrosa na categoria tese de doutorado no 5o Prêmio Brasileiro Política e Planejamento Urbano e Regional (ANPUR 2007) e o Prêmio Capes deTese 2007.
  • 9. PROJETOS URBANÍSTICOS E VAZIOS URBANOS: REVISITANDO O TEMA Carmen Beatriz Silveira Lilian Fessler Vaz Introdução As transformações em curso na cidade do Rio de Janeiro evocam reflexões e debates sobre os chamados vazios urbanos. Para pensar nas questões da atualidade, referidas a esta temática, propõe-se uma releitura do artigo “Áreas centrais, projetos urbanísticos e vazios urbanos”, da- tado de 1999, que apresenta uma abordagem das intervenções urbanísticas em áreas centrais e seus arredores, em particular a carioca, numa perspectiva histórica. O artigo, que sinteti- zou estudos e preocupações daquele período que consistiram em fonte de questionamentos, fundamentou-se em pesquisa sobre o processo de ocupação e as transformações na configura- ção urbana da Área Central do Rio de Janeiro decorrentes de diversas intervenções propostas e implementadas, sobretudo ao longo do século XX. Algumas consequências relevantes – as projetadas e as imprevistas – foram reveladas por meio da identificação de diferentes fatores observados na análise histórica. Atualmente, na segunda década do século XXI, observa-se um novo cenário, de grandes intervenções e projetos, bem como de priorização de ações em zonas antigas que incluem os chamados vazios urbanos, o que expõe aspectos da política urbana que incita outros ques- tionamentos. Tendo em vista as dificuldades relativas à retomada e ao aprofundamento da pesquisa desenvolvida pelas autoras na década de 1990, nessa releitura, recuperam-se alguns pontos relativos aos conceitos e à história, que procuram fundamentar um ângulo analítico renovado, referente ao cenário acima aludido. Desse modo, este novo trabalho busca enrique- cer e atualizar, parcialmente, o estudo anterior, em três itens. Nos dois primeiros manteve-se grande parte do conteúdo do artigo supracitado, com a exposição das características básicas das intervenções urbanas a partir de meados do século XIX em países ocidentais, por meio da aproximação com alguns conceitos relacionados aos vazios urbanos e, finalmente, por uma
  • 10. 10 projetosurbanísticosevaziosurbanos abordagem histórica a respeito da produção e da reprodução dos vazios urbanos naÁreaCentral do Rio de Janeiro. Com o propósito de apresentar algumas contribuições aos debates da atualidade sobre as questões que envolvem essa temática, foram acrescentados, no terceiro item, alguns questiona- mentos e perplexidades diante de projetos e intervenções recentes que propõem a requalifica- ção de trechos da cidade. A despeito da relevância de ações públicas de reestruturação urbana, assinala-se que em muitos casos, trata-se de ações que desrespeitam aspectos significativos da história e da morfologia urbanas, assim como da vida de sua população. Para facilitar a expo- sição dos argumentos e questionamentos propostos, apresenta-se um quadro que sintetiza as intervenções ocorridas, com indicação dos seus objetivos enunciados e de suas conseqüências no espaço urbano, dentre as quais destaca-se a expulsão da população moradora e, principal- mente, a produção e a reprodução de vazios urbanos. Finaliza-se com uma breve reflexão sobre os sentidos das intervenções e a forte imbricação entre os processos que geraram estas graves consequências. Notas sobre os modos de intervenção urbana Dentre as muitas transformações em curso em metrópoles européias e norte-americanas, as ve- rificadas nas centralidades de diferentes tipos – as áreas centrais com seus Central Business Dis- tricts, centros históricos e periferias de usos mistos, assim como as ‘novas centralidades’ – têm merecido estudos nas últimas décadas. No âmbito dessas transformações, são significativos os projetos de intervenções que visam à revitalização ou à requalificação destas diferentes áreas, até recentemente conhecidas como abordagens de capacitação das cidades para aumentar o seu grau de competitividade no ranking mundial. No caso europeu, há vários exemplos de projetos para revitalização dos centros existentes assim como de criação de novas centralidades mediante a adoção do conceito de terrains vagues (vazios industriais, portuários e ferroviários). Tanto os ‘vazios urbanos’ quanto os ‘projetos urba- nos’ fazem parte da agenda das discussões recentes no campo da forma urbana. Busquets (1996) destaca a importância dos vazios para a análise, os projetos e a gestão urbana contemporânea.O
  • 11. 11 carmemSILVEIRAelilianVAZ autor comenta o grande número de projetos em grande escala, de propostas de infill, de recicla- gem e reabilitação destes “espaços intersticiais”. Cabe, portanto, uma exploração neste campo da relação entre as centralidades e os vazios, os projetos e as intervenções. Neste artigo propõe-se analisar estas relações na cidade do Rio de Janeiro e tecer algumas comparações com outros casos recentes. Há muitas décadas vêm sendo desenvolvidos diferen- tes projetos para vazios no interior ou na proximidade da área central da cidade do Rio deJaneiro. Ao examinar-se a história dos planos e projetos urbanísticos para a cidade, percebe-se que, em grande parte, eles são apresentados para certas áreas consideradas deterioradas ou vazias, mui- tas vezes decorrentes de intervenções urbanísticas anteriores (VAZ e SILVEIRA, 1998). Algumas das áreas permanecem vazias, como intervenções inacabadas, apesar dos vários projetos que preconizavam a sua recuperação, propostos ao longo de várias décadas. Recentemente, a este quadro de vazios antigos vem se somando o esvaziamento de imóveis de diferentes usos, além do esvaziamento demográfico de diversas zonas consolidadas. A área central1 vem passando por diferentes modos de intervenção no seu processo de modernização. Simões Jr. (1994: 13-18) identifica um modelo haussmaniano, um modelo modernista e um modelo de revitalização ao longo da história. O primeiro, também designado de “embelezamento urbano”, tem como refe- rencial a remodelação das cidades de Paris eViena, a partir de meados do século XIX; o segundo – a “renovação urbana”, se apoia nos ideais do modernismo, em particular os expressos na Carta de Atenas de 1933; e o terceiro – a “revitalização urbana” –, desencadeada nas últimas décadas, rejeita os excessos do modernismo, recupera elementos históricos, simbólicos, sociais e ecológi- cos do local, compatibilizando-os com a modernização. Outros autores identificam como formas históricas de intervenção em áreas centrais a “renovação urbana clássica” (cujo ponto principal consistiu no saneamento e reconstrução de áreas encortiçadas); a renovação dos centros antigos, a preservação do patrimônio urbanístico e a renovação urbana ecológica (AGSEB, 1994:14). Certamente a abordagem conceitual e o re- ferencial empírico alteram a identificação e a denominação destas categorias, que podem vir a se constituir em novos conceitos. Assim, por exemplo, a tensão entre a preservação do patrimô- nio construído e a sua renovação fez surgir a expressão “renovação preservadora” (MESENTIER, 1992), que pressupõe políticas de preservação do patrimônio histórico edificado com desenvol- vimento econômico, mediante uma visão crítica dessas propostas. Possivelmente as descrições
  • 12. 12 projetosurbanísticosevaziosurbanos e reflexões das atuais propostas de intervenção sobre os vazios também levarão ao surgimento de novos termos. Apresentam-se, a seguir, algumas abordagens e respectivos referenciais empíricos que tra- tam de tendências recentes de reestruturação assim como de projetos urbanísticos recentes para as áreas centrais de metrópoles européias. Neste contexto acentua-se a tendência à formação de urbanizações difusas, considerando-se que “a cidade já não é o centro de ‘concentração’, de ‘intercâmbio’, de ‘centralidade’, senão um elemento a mais em um amplo sistema difuso” (BUS- QUETS, 1996). Outra tendência que tem sido estudada nesta última década é a da formação de policentralidades. Essa última foi objeto de reflexão por autores como Gottdiener (1993), que, estudando cidades norte-americanas já se referia a novos padrões de crescimento polinuclea- do, e Soja (1994), que analisou essas reestruturações no caso da cidade de Los Angeles. Assim como Soja, Pesch (1997) mostrou que, no contexto europeu das últimas décadas, estas tendên- cias de reestruturação urbana e a emergência de novas centralidades fora da cidade, bem como as grandes implantações nos vazios intersticiais nos obrigam a rever os conceitos de centro e de periferia, e a própria relação centro/periferia2 . Segundo os autores, trata-se de termos que já não correspondem aos fenômenos da cidade de poucas décadas atrás. Pesch e outros autores vem buscando conciliar a abordagem geográfica e analítica com o olhar urbanístico e projetual. Nessa direção, Busquets (1996), entre outros autores, afirma que no contexto urbano ocidental recente pode-se identificar simultaneamente dois tipos de processos: por um lado, ummovimentocentrífugo,deforçasquepressionamdocentroparaoexteriordacidade;eporoutro, um movimento centrípeto, de forças que pressionam da periferia para o centro da cidade.A reflexão de Lefebvre (1990) ressalta, igualmente, a existência de um deslocamento concomitante para as áre- as periféricas e um retorno para os centros, no contexto da ‘produção do espaço’, conceito que ele já havia introduzido desde os anos 1960. Essa idéia de um espaço que transforma usos e suas apropria- ções, resultante de condições sociais e políticas no capitalismo, tem sido investigada por urbanistas que adotam o conceito de vazios urbanos, como é o caso de Busquets. Segundo este autor, se no movimento centrífugo as atividades comerciais, de serviços e residenciais encontram terras disponíveis nas periferias, no centrípeto as atividades em busca de localização no núcleo encontram os espaços intersticiais, que permaneceram vazios e/ou ob-
  • 13. 13 carmemSILVEIRAelilianVAZ soletos no interior da cidade existente. São os vazios interiores, os terrains vagues. Derivando de forças contraditórias, esses processos às vezes resultam de operações similares que apostam na disponibilidade de solo urbano infraestruturado no exterior da cidade ou na reestruturação de áreas no seu interior. Verifica-se então, nas grandes cidades, a ocorrência de uma série de projetos e intervenções em grande escala, supondo atuações de infill (preenchimento de vazios, recuperação do tecido urbano), de reciclagem, de reabilitação, de transformação de espaços in- tersticiais que permaneceram certo tempo sem atividade, portanto como terrains vagues. Em diversas cidades vêm se observando essas transformações e a implementação de pro- jetos urbanos para grandes vazios, em áreas portuárias, ferroviárias, industriais, militares, entre outras.Talvez o caso da cidade de Berlim seja o exemplo mais insólito da presença de vazios que emergiram após a queda do muro, com a reunificação das duas Alemanhas, e, também, o exem- plo mais conhecido de profusão de grandes projetos e de processos de intervenção e de ocupação desses vazios. No entanto, dentre vários exemplos na Europa, naÁsia e nasAméricas, a cidade de Barcelona costuma ser tomada como o exemplo precursor e paradigmático (...) de articulação e valorização de algumas dezenas de terrains vagues no interior da cidade. Busquets apresenta três blocos temáticos que exemplificam outras transformações urbanas recentes, esboçando algu- mas características dos projetos urbanos em curso: (1) a obsolescência de grandes equipamentos industriais; (2) a transformação dos velhos portos; (3) as estações ferroviárias e seus espaços de serviços. Quanto às áreas portuárias, deve-se ressaltar que a localização dos velhos portos tem, muitas vezes, relação com a fundação da cidade e na sua origem cidade e porto constituíam duas peças da mesma engrenagem. Por estes motivos, Busquets assinala a necessidade de reinterpretar essas partes centrais dos portos como uma peça a mais da cidade futura. O autor exemplifica os casos de Manhattan, São Francisco, Boston, Baltimore e Seattle nos EUA, onde há uma forte tendência de utilização intensiva do “velho porto” para mercado, restaurantes, espaços de festivais lúdicos e espetaculares marinas. Na Europa, identifica dois tipos distintos: as Docklands em Londres e o Kop vanZuid em Rotterdam. Nestes processos de transformação portuária, destaca, ainda, um terceiro modelo nas conurbações japonesas e em outras cidades asiáticas, que propõe o aproveitamento da obsolescência do velho porto para a recriação de um novo solo e uma nova fachada urbana.
  • 14. 14 projetosurbanísticosevaziosurbanos O esvaziamento da cidade tradicional e consolidada não apresenta apenas uma face, mas várias: o das edificações industriais, das comerciais e das habitacionais, além dos conhecidos va- zios das zonas periféricas, daquele das áreas monofuncionais (VAZ, 1998) e atualmente, o das grandes intervenções e/ou implantações. Deve-se considerar, portanto, os novos e os velhos va- zios, estes últimos produzidos pela ação pública articulada ao mercado. Leira (1999:28) refere- -se à “dinâmica do abandono de áreas, dos edifícios vazios, dos vazios urbanos, dos vazios pe- riféricos”, assinalando ainda que o processo de esvaziamento está presente em várias cidades e é magnificado em São Paulo, em cuja gênese estaria essa dinâmica do abandono. São Paulo “nunca teve tantos imóveis vagos, tantos edifícios para alugar”. Segundo o urbanista, para en- frentar a questão na área central seria necessário não apenas a sua requalificação, mas também a requalificação dos edifícios, uma exigência lógica contra o fenômeno especulativo da demolição indiscriminada. Com relação aos projetos para os vazios, Pesch (1997), aponta um paradoxo: quanto mais as cidades parecem se dissolver na paisagem e nas redes telemáticas e a urbanidade se perder num ambiente urbano difuso, mais as perdas procuram ser compensadas por grandes projetos. Adrian (1997), observando também o contexto das cidades européias, refere-se ao adensamento interior, isto é, ao processo de renovação de grandes áreas geralmente comandadas pelo capital, e chama a atenção para o perigo de exclusão social que estas implantações trazem em seu bojo. Sendo encaradas como conglomerados de objetos para renda, essas áreas e as atividades que nela se desenvolvem excluem todos os que não tem renda suficiente para participar. A esse respeito comentou Baudrillard (1996) que se constroem “cidades inteiras de es- critórios ou de apartamentos destinadas a permanecer eternamente vazias diante da crise ou da especulação”. Seriam as “ghost-towns”: cidades que se assemelham a imensas máquinas que se reproduzem “a si mesmas ao infinito – fantasmas de um investimento desenfreado e de um desinvestimento ainda mais rápido”. Numa alusão ao contexto da depressão econômica no norte do estado de São Paulo ao final da segunda década do século XX, Monteiro Lobato já se referia aos “palácios mortos das cidades mortas” (1995:22). A expressão de Lobato está associada a um processo distinto, no entanto, afigura-se ilustrativa da compreensão dos espaços como proces- sos socioeconômicos imbricados aos políticos. Na visão crítica e perspicaz de Pesch (1997:16), verifica-se que os fracassos de alguns dos grandes projetos fizeram com que a preferência das
  • 15. 15 carmemSILVEIRAelilianVAZ grandes e pequenas empresas retornasse (no caso inglês e norte-americano) para o desenvol- vimento de centros comerciais em zonas tradicionais e de preservação histórica como Covent Garden e Soho, que se tornaram os novíssimos modelos urbanísticos. Rio de Janeiro: intervenções na Área Central e seu entorno até o final do século XX Fundada na segunda metade do século XVI sobre um sitio marcado pela forte presença das águas, dos morros, das florestas e dos pântanos, a ocupação urbana da cidade do Rio de Janeiro se desenvolveu por intermédio da criação de solos urbanizáveis, com o arrasamento de morros e aterros de áreas alagadiças. Tal processo se desencadeou no século XVII, quando a cidade co- meçou a expandir-se pela várzea e perdurou por longo período. As condições do ambiente físico disponível exigiram essa ação de produção de espaços adequados à urbanização. A cada novo período de expansão da malha urbana tornava-se necessário um árduo trabalho de aterro em diversos trechos da cidade. A partir de meados do século XIX, contudo, concomitantemente ao crescente processo de expansão, o agravamento das condições de vida urbana no antigo núcleo suscitou a realização de grande número de projetos urbanísticos que tinham o propósito de alterar o uso e a ocupação do solo, sobretudo no trecho correspondente a atual área central. A partir da virada do século, encerrou-se então um longo período de permanência e iniciou-se um período de renovação urba- na, a partir de diversas intervenções que passaram a transformar a fisionomia da cidade-capital do país, mormente na área central e seus arredores. O quadro exposto adiante sintetiza as formas de intervenção na área central da cidade do Rio deJaneiro3 destacando-se algumas das suas conseqüências mais significativas para a sua con- figuração espacial. Pode-se esboçar quatro fases, cada uma delas identificadas com processos de intervenção expressando concepções básicas semelhantes: (1) séculos XVII / XIX – período de ocupação / produção de espaços adequados à urbanização; (2) décadas 1900 / 1970 – período de renovação urbana / destruição de trechos do tecido urbano e sua reconstrução; (3) décadas 1980 / 1990 – período de preservação / revitalização urbanas; décadas de 2000/2010 – período de pre-
  • 16. 16 projetosurbanísticosevaziosurbanos servação / revitalização urbana concomitantes com renovação / destruição de trechos do tecido urbano e sua reconstrução . Centrando a atenção a partir da primeira década do século XX, assinala-se que, além de promover o desaparecimento de marcos e ambientes históricos e da moradia, as intervenções não se completaram em vários trechos, isto é, muitas áreas desapropriadas e demolidas ainda hoje permanecem desocupadas: os vazios intersticiais. Trata-se de vazios originados deste pro- cesso histórico, cuja permanência decorre muitas vezes de questões de ordem jurídica, relativas à propriedade4 ou à legislação urbanística, outras vezes em razão da perda da dinâmica urbana pré- -existente. A reação a essa ação demolidora se instalou em meados dos anos 1970, quando sur- giu um novo pensamento, pautado na preservação e revitalização da cidade. Esta nova concepção de planejamento veio a consolidar-se nos anos 1980, impulsionando a implementação de planos e ações tendo em vista a recuperação urbana. Em resumo, o século XX constituiu-se como um nítido período de intervenções na área central em distintos trechos e em diversos momentos, fundamen- tados em discursos sobre a cidade e sobre a intervenção na cidade igualmente diversos. É interessante observar que, apesar do longo período de intervenções visando à expansão física do centro, já desde as primeiras décadas iniciava-se o processo de esvaziamento de ativida- des industriais, e, a partir de 1960, o esvaziamento de atividades políticas e administrativas com a transferência da capital para Brasília, a criação do estado daGuanabara, e a posterior fusão com o estado do Rio de Janeiro. Mesmo assim, a metrópole do Rio de Janeiro manteve a condição de núcleo aglutinador de atividades terciárias e pólo irradiador de cultura, de modas – inclusive ur- banísticas – e modos de vida. Esse esvaziamento foi se acentuando, atingindo seu ápice nos anos 1980, com a crise econômica, quando se materializaram as evidências da pobreza – degradação do espaço físico de um modo geral, com o crescimento da população de rua, do comércio infor- mal, da violência urbana (VAZ e SILVEIRA, 1998). No presente estudo, evidenciam-se as principais transformações urbanas ocorridas na área central que culminaram nos anos 1990, em que se preconizava a reconquista do centro do Rio com a implementação de uma série de significativos projetos urbanísticos para áreas degradadas e/ou para vazios urbanos. Na fase de implementação do Plano Estratégico, a revalorização da área central visava a sua retomada como centralidade urbana, simultaneamente ao estímulo das novas centralidades, decorrentes da descentralização das atividades antes exclusivas do centro.
  • 17. 17 carmemSILVEIRAelilianVAZ No final da década de 1990, diversos projetos estavam em andamento, mas poucos esta- vam finalizados, permanecendo a impressão de degradação do ambiente. Entre as dificuldades detectadas, encontrava-se o progressivo deslocamento populacional da área central e dos bair- ros mais antigos, consolidados, para as áreas de expansão urbana recentes. A tendência de diminuição da população moradora na área central, mais especificamen- te, deve-se, também, à legislação urbanística que proibiu o uso residencial no núcleo central e tornou-o restritivo na sua periferia imediata (Decreto 322/1976, vigente até 1994, quando foi promulgada lei municipal permitindo esse uso em toda a área central). Este fato e a atuação do Estado, mediante projetos / intervenções urbanas que promoveram a expulsão progressi- va da população residente na área central, constituíram causas fundamentais da degradação e formação de vazios. A premissa de um centro de atividades exclusivamente vinculadas ao setor terciário, de expansão quase ilimitada, embasou planos, projetos, decretos e ações do poder público durante praticamente um século. A tradicional concepção de centro circundado por áreas degradadas, sobre as quais o CBD deveria crescer, tantas vezes invocada para jus- tificar intervenções, ironicamente, parece agora que se inverteu: a degradação e os vazios é que avançam sobre o núcleo, e não o contrário, enquanto focos de centralidades emergem em pontos distantes. Esse processo de modernização, com suas transformações e permanências conduziu à con- figuração atual da área central da metrópole do Rio de Janeiro e à percepção de algumas de suas consequências que se apresentam como problemas: a presença dos vazios, a ausência da habita- ção e a degradação dos espaços públicos. Em relação aos vazios, estudo recente sobre a área central do Rio de Janeiro (Neves, 1996) também relaciona a sua gênese às intervenções urbanas ocorridas nesta área.Vale registrar que o autor relaciona a área de vazios com os terrenos ocupados por edifícios residenciais na II Região Administrativa – II RA – ou bairro Centro. Considerando a área correspondente aos edifícios resi- denciais verifica que em apenas 50% dos vazios identificados seria possível assentar uma popula- ção correspondente à residente hoje no bairroCentro5 .Ainda no tocante às edificações, assinala- -se o crescente número de escritórios vazios, por vezes edifícios inteiros. Outro aspecto relevante que pode ser considerado nesta problemática envolvendo os va- zios urbanos e os espaços públicos está presente na análise de Castro (1995: 7-9), relacionando o
  • 18. 18 projetosurbanísticosevaziosurbanos poder público e o mercado. Ao mencionar a violência urbana que aumenta a insegurança, realça a valorização dos “investimentos em atividades ‘protegidas’ como shopping centers e condomí- nios fechados, ensejando o agravamento do apartheid e, obviamente, os lucros especulativos”.O autor assinala, ainda, que “a superconcentração de atividades nos shoppings acarreta uma pre- coce decadência de áreas comerciais bem servidas de infra-estrutura urbana e, em consequên- cia, precipita novas carências nas áreas ‘beneficiadas’ pelos novos empreendimentos”. Ou seja, além da descentralização de atividades antes exclusivas dos centros, os novos objetos urbanos e arquitetônicos produzidos exclusivamente pelo mercado induzem ao esvaziamento das áreas centrais, contribuindo para o surgimento de novos trechos em decadência. Complexificam-se e ampliam-se os problemas relativos à área central, envolvendo não so- mente a dimensão urbanística e da política urbana, mas também a econômica, a social e a cul- tural. Aliados ao quadro acima esboçado, destaca-se o desinteresse do mercado imobiliário que, até recentemente, atuava, preferencialmente, nas periferias e nas novas centralidades, optando pelo retorno financeiro mais previsível a curto e a médio prazo. Face a esse contexto, predomi- nam as incertezas quanto às possibilidades dos atuais investimentos do poder público, em ter- mos de projetos urbanísticos, para reverter tal processo. Reconhecendo a dimensão do problema exposto, com base na compreensão de que “a de- gradação do centro contribui para a degradação do valor da polis” (Dupas, 1998), e da necessida- de de preservar “o núcleo original gerador de simbologia da cidade” (Lima, 1998), considera-se que somente um esforço em escala amplamente significativa, em termos de política e projetos urbanísticos, poderá exercer um papel relevante para a revitalização da área central da metrópo- le do Rio de Janeiro. Cabe aqui colocar a apreensão quanto a uma nova onda de importação de modelos urba- nísticos para a cidade, como ocorrido anteriormente (ver quadro-resumo, adiante), e consideran- do-se ainda a prática internacional contemporânea de produção de projetos de grandes interven- ções nos vazios urbanos.Tendo em vista que no Rio de Janeiro se apresentam os vazios que vem sendo colocados em destaque em todo o mundo, como imensas áreas ferroviárias e outras, aban- donadas, adjacentes aoCBD, é de se prever que estas áreas se tornem objetos de novos projetos. Uma enorme zona portuária, da qual grande parte encontrava-se com atividades obsoletas, mas,
  • 19. 19 carmemSILVEIRAelilianVAZ igualmente, com trechos ocupados por moradias populares, atualmente, é objeto de intervenção do poder público municipal, abrangendo uma área de cinco milhões de metros quadrados.Quan- do se recorre a uma perspectiva histórica, percebe-se um agravamento da questão dos vazios urbanos na metrópole do Rio de Janeiro, ao observar-se que, como resultado das ações públicas implementadas desde o início do século XX, vem sendo produzidos vazios justamente através de muitos planos e projetos ambiciosos, visionários e pouco realistas. A seguir apresenta-se, em breves comentários, um panorama da prática urbanística atual na cidade.A atividade em questão vem sendo impulsionada pelo poder público municipal através de diferentes programas e intensa divulgação. Destacam-se os conhecidos programas Rio-Cida- de, e Favela-Bairro, que recolocaram a discussão dos espaços urbanos no cotidiano da população devido às dezenas de intervenções pontuais de requalificação de eixos comerciais e de urbaniza- ção de favelas. Os projetos urbanísticos da Prefeitura para a área central do Rio de Janeiro, em curso nas duas últimas administrações municipais da década de 1990, visavam intervenções destinadas a contribuir para o desenvolvimento socioespacial dessa área. Por meio de grandes investimentos, de consultorias com técnicos estrangeiros de renome6 , de alguns concursos públicos de projetos urbanísticos pontuais, iniciativas das novas sub-prefeituras do centro e da zona portuária, pro- gramas de diferentesSecretarias Municipais (Urbanismo, Habitação, DesenvolvimentoSocial) ou ainda, através de instituições como a RFFSA (Rede Ferroviária FederalS.A.) e aCEF (Caixa Econô- mica Federal), entre outras, além de parcerias com entidades privadas, o poder publico municipal promoveu um conjunto considerável de projetos para a área central. Com o intuito de viabilizar estas atuações, a Prefeitura aprovou a chamada “Lei do Centro”, lei 2236, de 14/10/94 que, entre outros aspectos, propõe: permissão e estímulo ao uso residencial, valorização e conservação das edificações e dos conjuntos arquitetônicos de interesse cultural e paisagístico. Entre as várias intervenções realizadas algumas abrangeram trechos mais amplos da área central e arredores7 , além de alguns projetos destinados ao incentivo do uso habitacional, como o projeto de reabilitação de cortiços (Programa Novas Alternativas da SMH), projetos habitacio- nais localizados8 , objetivando o preenchimento de vazios e a recomposição do tecido urbano da periferia do centro.
  • 20. 20 projetosurbanísticosevaziosurbanos Interessa salientar o grande desafio que representam essas ações urbanísticas, as quais constituem iniciativas destinadas a reverter o esvaziamento da área central como um todo.Vale evidenciar que se trata de proposta ambiciosa se levar-se em conta a sua pretensão de modificar uma tendência de ocupação e desenvolvimento urbano que vem se estruturando ao longo da história da cidade, sobretudo nos últimos cem anos, período em que as intervenções na área cen- tral foram decisivas para a sua transformação socioespacial.Além de acompanhar o processo em curso, propondo-se estudos criteriosos sobre os propósitos e os condicionamentos destas atu- ações, torna-se necessário observar os seus resultados e suas conseqüências. Entretanto, pode ser feita uma primeira constatação a respeito do quadro esboçado, destacando-se a ausência de projetos mais específicos destinados a enfrentar os desafios maiores, isto é, os grandes vazios ainda existentes. Para finalizar, pode-se dizer que no Rio de Janeiro, atualmente, essa significativa produção de projetos urbanísticos e de várias propostas e intervenções para a área central (desde os gran- des programas, de inúmeras intervenções pontuais, passando pelas propostas e projetos médios e pequenos, atomizando obras por toda a cidade) tem tido boa acolhida, em geral, mas também tem recebido diversas críticas, principalmente no âmbito acadêmico. Estas visam diferentes es- feras de atuação do poder público como o não atendimento a demandas sociais e ao privilegiar de ações voltadas para o mercado, o que acompanha uma tendência mais ampla, de âmbito na- cional e internacional. No que diz respeito especificamente à área central e arredores, a atuação do poder público vem sendo, por um lado, ambiciosa e intensa e, por outro, cuidadosa, evitando, de uma maneira geral, os enormes projetos das décadas passadas nem sempre bem sucedidos. Mas a resposta do mercado continua também pontual, cuidadosa e reticente. Há que se aguardar os desdobramentos futuros deste quadro, assim como aprofundar as pesquisas para uma melhor compreensão do tema.
  • 21. 21 carmemSILVEIRAelilianVAZ Cidade do Rio de Janeiro – Síntese Histórica das Intervenções na Área Central e Entorno PERÍO- DO INTERVENÇÃO / PROJETO OBJETIVOS ENUNCIADOS TRANSFORMAÇÕES Séculos XVII/XIX Desmonte de morros; aterros; Aqueduto da Carioca. Ocupação do território; criação de solo urbanizável; construção de infra-estrutura urbana. Alteração do meio ambiente; expansão área ur- bana; adensamento populacional. Década 1900 Reforma urbana Pereira Passos abertura de vias; criação do Porto. Saneamento, embelezamento; moderni- zação, ordem urbana. IníciodasintervençõesdeRenovaçãoUrbana:expul- são da habitação, formação de favelas; destruição patrimônio;áreacentralcomoáreadelazerecultura. Década 1920 Arrasamento do morro do Cas- telo. Saneamento, “aeração e higiene”; abertu- ra de vias, modernização. Destruição de marcos e do tecido urbano, forma- ção vazios e de favelas. Década 1920/30 Renovação da área da Cinelân- dia; mudança de uso na Lapa. Modernização; área de lazer classes altas; criaçãodelugaresdaboemia;sededejornais. Início da verticalização; área central como área de lazer e cultura de elite. Década 1940 Estado Novo: abertura da ave- nida Presidente Vargas; con- trole de atividades urbanas. Rodoviarismo, transporte individual; em- belezamento e ordem urbana; ‘limpeza de usos sujos’. Expulsão da habitação, formação de vazios, des- truição do patrimônio. Década 1950 Arrasamento do morro de Santo Antônio; degradação da Lapa. Saneamento, abertura da Av. Norte/Sul (não concretizada). Destruição da primeira favela da cidade, forma- ção de vazios. Década 1950/60 Construção do Elevado da Peri- metral. Obra viária. Rompimento da relação do centro com o mar. Década 1960 Renovação Estácio e Catumbi; destruição casario da Lapa. Obras viárias – acessos ao túnel S. Bárba- ra. Arrasamento dos bairros do Estácio e Catumbi, expulsão da habitação. Década 1970 Construção do metrô; Dec. 322/ 1976, proibição uso residencial na ACN;destruiçãocasariodaLapa. Transporte de massa; ordenação do espa- ço urbano. Destruição de tecido urbano histórico, formação de vazios, expulsão da moradia (Dec. 322/76). Década 1980 Expansão metrô. Transporte de massa. Destruição de tecido urbano histórico, formação de vazios expulsão da moradia (Dec. 322/76). Projeto Corredor Cultural; re- forma de equipamentos cultu- rais. Preservação da arquitetura e do ambiente cultural; incentivo à atividade comercial / cultural. Preservação Urbana substitui a Renovação: ma- nutenção do patrimônio edificado. Expulsão da moradia (Dec. 322/76). Década 1990 Projetos: Rio Cidade; de ha- bitação e cultura; Quadra da Cultura da Lapa. Lei de Uso Re- sidencial/ 1994. Requalificação e revitalização; retomada da centralidade; retorno do uso residen- cial. Ocupação de vazios; retomada da relação do centro com o mar; retomada de ativi- dades culturais. Década 2000 Projetos: Distrito Cultural da Lapa; Revitalização Praça Ti- radentes, Área Portuária. In- tervenções: Rua do Lavradio; Programa Novas Alternativas. Retomada da centralidade revitalização da Área Central. Retomada de atividades culturais; retorno pontual do uso residencial. Década 2010 Projetos: Lapa Legal, Porto Maravilha, melhorias na mobi- lidade urbana, construção de novos eixos de transporte, tele- férico no morro da Providência. Revitalização da Zona Portuária; grandes obras de mobilidade urbana; demolição do Elevado da Perimetral; retomada da relação da cidade com o mar. Retomada das intervenções de Renovação Urba- na; expulsão da habitação; destruição de edifica- ções e de vias; descoberta e restauração de sítio arqueológico.
  • 22. 22 projetosurbanísticosevaziosurbanos Intervenções na Área Central e seu entorno no início do século XXI No esforço de atualização do texto Áreas centrais, projetos urbanísticos e vazios urbanos (1999), verifica-se a instauração de um novo momento de inflexão das ações do poder público relativas a intervenções/projetos urbanos, principalmente a partir da década de 2010. Ao contrário do que ocorria na Área Central e seu entorno – intervenções principalmente pontuais e cuidadosas –, o que se observa, sobretudo nesta segunda década do século XXI é o seu inverso: trata-se, ago- ra, de intervenções significativamente ampliadas, em sintonia com o momento atual de megae- ventos, megainvestimentos e megaprojetos. Estes últimos anos, que vinham se caracterizando como de euforia, com previsões otimistas para novas atividades econômicas, como aquelas liga- das ao petróleo, promoviam, através da construção de edifícios corporativos e institucionais, um desenvolvimento de atividades imobiliárias em zonas de grandes vazios. No entanto, após a confirmação da escolha do Rio deJaneiro para sediar importantes even- tos cuja abrangência transcende a escala nacional, como a Copa das Confederações e a Jornada Mundial da Juventude, em 2013; a Copa do Mundo de Futebol (com outras cidades), em 2014; e os Jogos Olímpicos, em 2016; as características da configuração espacial da cidade adquiriram novos ângulos. Em seguida às efusivas comemorações e promessas de realização de previsões assombrosas e de implementação de megaestruturas destinadas a adequar grande parte da cida- de para a recepção destes megaeventos, ocorreram aumentos progressivos dos preços dos imó- veis, mudanças do foco de atuação de grandes empresas de engenharia, que se voltaram para a construção de edifícios corporativos, comerciais e residenciais, assim como a vinda de grandes empresas e investidores estrangeiros à cidade. A Zona Portuária, para a qual há mais de vinte anos são apresentados diferentes projetos de regeneração urbana, transformou-se recentemen- te num grande canteiro de obras de grandes intervenções previstas no controvertido projeto de- nominado Porto Maravilha.Com a venda deCertificados de PotencialAdicionalConstrutivo –CE- PACs, grandes áreas de vazios tiveram seus gabaritos originalmente previstos aumentados até 50 pavimentos, em particular nas franjas da Área Central e da Zona Portuária.
  • 23. 23 carmemSILVEIRAelilianVAZ Rio de Janeiro: Vazios e projetos na área urbana central Neste mapa, de Andrea Borde, estão assinalados os grandes vazios centrais: as grandes espla- nadas, o eixo da Av. Presidente Vargas e os portuários (no interior do projeto Porto Maravilha). Fonte: Andréa Borde, 2010. Para analisar este novo cenário, torna-se necessário lançar um olhar histórico sobre as in- tervenções urbanas. Para sistematizar e objetivar os focos desta sucinta análise, apresenta-se Neste mapa, de Andrea Borde, estão assinalados os grandes vazios centrais: as grandes esplanadas, o eixo da Av. Presidente Vargas e os portuários (no interior do projeto Porto Maravilha. Fonte: Andréa Borde, 2010.
  • 24. 24 projetosurbanísticosevaziosurbanos o seguinte quadro sinóptico atualizado das intervenções urbanísticas na Área Central do Rio de Janeiro e seu entorno, incluindo aZona Portuária, bem como de suas respectivas transformações espaciais. Numa rápida análise do quadro apresentado, destacam-se, na última coluna, as duas con- seqüências/ transformações mais recorrentes das intervenções ao longo do século XX: a expul- são da população moradora das regiões atingidas e a formação de vazios9. Sobre estes últimos cabe assinalar que muitos eram espaços construídos e habitados, que podem ser vistos, portanto, como vazios esvaziados (BORDE 2006). Dois deles, dentre os maiores, e junto à ACN, chamam a atenção e surpreendem os visitantes estrangeiros: as esplanadas do Castelo e de Santo Antonio. Esplanadas são geralmente amplos espaços públicos, grandes praças como, por exemplo, a Es- planada dos Ministérios, em Brasília e a Esplanada das Mesquitas, em Jerusalém, ou alargamen- tos de vias diante de edifícios marcantes ou apenas espaços de passeio para pedestres, bares e restaurantes. As esplanadas da cidade do Rio de Janeiro, ao contrário, são apenas terrenos apla- nados, vazios cujo uso costuma ser o estacionamento de veículos. Há certamente, imbricações de ordem jurídica que explicam estes e outros vazios urbanos cariocas, embora não os justifiquem. A existência, e principalmente a permanência destes vazios por décadas, em áreas das mais valorizadas da cidade gera perplexidade e suscita alguns questionamentos. Como compreender o processo de produção destes vazios? O conceito urbanístico de terrains vagues, anteriormente abordado, seria dotado de potencial analítico que proporcionasse uma compreensão desses ‘va- zios interiores’ nas cidades?O processo de produção do espaço urbano nas sociedades moldadas pelo capitalismo que gera cidades constituídas por áreas socialmente segregadas e fragmenta- das, não gera falsos vazios como espaços disponíveis para a sua realização? Os chamados vazios não constituem espaços livres, muitas vezes produzidos para justificar ações de destruição do tecido social, historicamente construído, configurando-se como ações que desrespeitam a mor- fologia urbana e, tantas vezes a população moradora? Identifica-se nesta breve abordagem, diferentes enfoques sobre estes espaços. Nos am- bientes de negócios, principalmente os imobiliários, os vazios são vistos como possibilidades econômicas: economistas, corretores e outros agentes do ramo imobiliário não reconhecem ne- les nada além do que pode vir a ser neles construído e o seu valor monetário, desconsiderando,
  • 25. 25 carmemSILVEIRAelilianVAZ muitas vezes, a existência de antigas edificações. Nesta concepção, os vazios da cidade do Rio de Janeiro permaneceram como potencialidades construtivas embaladas desde as primeiras déca- das do século XX pela crença da expansão horizontal da área central, que incluiria a ocupação de bairros como Lapa, Estácio, Cidade Nova e os da Zona Portuária: Saúde, Gamboa, Santo Cristo e (VAZ e SILVEIRA 1994). Esta crença, fundamentada numa concepção positivista, que preconizava um progresso contínuo da sociedade e seus espaços, mostrou-se equivocada nas últimas décadas do séculoXX, ao mesmo tempo em que outros modos de compreender a cidade e o seu planejamento substitu- íam o racionalismo e o funcionalismo modernista. Com o projeto Corredor Cultural na década de 1980, a preservação de conjuntos de prédios e, principalmente, de ambientes históricos e cultu- rais tornou-se possível; com a difusão de autores dos campos da História e da Cultura, estas duas dimensões adquiriram importância e foram incorporadas ao pensamento urbanístico. Giulio Carlo Argan (1993: 260) foi além, ao demonstrar que a cidade é, inteira, uma cons- trução histórica e que não haveria razão para que alguns trechos da cidade fossem considerados históricos e outros não. Ele criticou o conceito de centro histórico, que teria uma funcionalidade, mas seria um falso conceito, uma formalidade que permitiria a escolha de quais espaços cons- truídos antigos deveriam ser preservados e quais seriam condenados à eliminação e substituídos por novos. Pode-se fazer uma analogia com os vazios urbanos, espaços construídos que foram selecionados com base em planos e projetos por vezes otimistas/exagerados/sonhadores, por vezes vinculados a interesses pragmáticos, para serem destruídos, total ou parcialmente, e ocu- pados por novas edificações e usos. Entretanto, conforme se verificou, muitos dos planos não se viabilizaram, deixando aqueles espaços condenados à condição de vazios, no seu sentido estrito. Oconceitodeterrainvague,mencionadonoiníciodesteartigo,foidesenvolvidoinicialmente por Ignasi de Sola-Morales, que introduziu uma reflexão singular na temática dos vazios urbanos. Os espaços urbanos que teriam atingido um nível de obsolescência, tornando-se “espaços devo- lutos e residuais”, seriam dotados de um significado substantivo, esvaziados no seu uso e ocupa- ção, mas plenos de memória. Nessa abordagem, os terrains vagues, que poderiam parecer lugares abandonados e, de certa maneira, esquecidos, desconectados dos ambientes produtivos da cidade, seriam lugares em que a memória prevaleceria sobre o presente (apud BAPTISTA, 2007:10).
  • 26. 26 projetosurbanísticosevaziosurbanos Os vazios, nestas condições de não-existências, apenas potencialidades construtivas, têm toda a subjetividade que os impregna solenemente ignorada ou esquecida, lembrada ape- nas pelos antigos moradores, que, ao contrário, os vêem como lugares preenchidos de signi- ficados. Cabe aqui lembrar que lugares são espaços vividos aos quais foram atribuídos signifi- cados. Andreas Huyssen (2000) demonstrou, a partir dos imensos vazios que dividiam a cidade de Berlim, que justamente estes espaços eram plenos de história e de memórias. Histórias e memórias de pessoas, que não deveriam ser apagadas ou esquecidas. Um exemplo de inter- venção que atentou para o significado dessa realidade intangível, repleta de implicações polí- ticas, culturais e ideológicas, como se tornou o vazio de Berlim, foram os projetos do arquiteto Álvaro Siza para Kreuzberg, mediante uma recusa ao apagamento da memória. No entanto, a sua sensibilidade em relação ao tema perdeu-se nas políticas urbanas subsequentes (BAPTIS- TA, 2007:10). Retomando a nossa perspectiva histórica em relação à metrópole do Rio de Janeiro, sinte- tizada no quadro sinóptico, reitera-se a constatação de que as transformações em conseqüência das intervenções urbanas havidas no Rio de Janeiro resultaram não somente na formação de va- zios, mas também na expulsão da população moradora. A nossa abordagem pretendeu revelar duas faces de uma mesma moeda: os vazios não eram apenas terrenos devolutos; eram espaços que foram esvaziados de suas construções e de seus moradores, foram ‘liberados’ para novas ocupações mais adequadas aos interesses hegemônicos.Trata-se do olhar produtivista/economi- cista que, historicamente, insiste em ignorar a dimensão humana e a subjetividade que permeia os espaços velhos, pobres, decadentes, condenando seus habitantes à expulsão e ao abandono de seus abrigos, condenados à destruição. Cabe, portanto, expor a preocupação com o futuro da população atualmente moradora em áreas a serem revitalizadas, como o expressaram Maria Lais P. Silva, Luciana Andrade e Juliana Canedo (2012). As intervenções recentes propostas para a Área Portuária do Rio de Janeiro estão inseridas em uma lógica onde se enunciam supostos vazios urbanos que justificam ações de grande im- pacto no intuito de ‘revitalizar’ áreas da cidade. Este discurso desconsidera a cidade preexistente nestas regiões e tem como objetivo sobrepor uma nova forma de viver e habitar a cidade, às
  • 27. 27 carmemSILVEIRAelilianVAZ custas de seus antigos moradores. Esta nova forma de viver a cidade está mais relacionada com os interesses do turismo e das classes mais altas da sociedade, e permite que milhares de pessoas sejam removidas do local onde moram, para dar lugar a uma outra população. A análise histórica associada a algumas reflexões recentes que conectam os muitos vazios urbanos cariocas, os seus significados, os planos urbanísticos megalomaníacos e as populações removidas, suscita perplexidade na seguinte indagação: como podem os responsáveis pelos pro- jetos de intervenção urbana que visam reverter o esvaziamento de certas áreas, insistir e ignorar o processo de urbanização, a história das intervenções e as suas consequências, e propor solu- ções com a reprodução dos mesmos métodos que geraram os vazios centrais, agora em doses ainda maiores, intensificadas pelo incremento do potencial construtivo adotado? Referências Bibliográficas ARGAN,GiulioCarlo (1993). História da arte como história da cidade.São Paulo: Martins Fontes. AZEVEDO,Sueli eG. daCUNHA, M. Ernestina. Projetos recentes para aÁreaCentral do Rio deJaneiro. Palestra apresentada no Seminário “Renovação e reestruturação de áreas centrais metropolitanas” – PROURB FAU/UFRJ. Rio de Janeiro, setem- bro de 1997. ADRIAN, Hanns (1997). Wohin geht die Stadtplanung ? (Para onde caminha o planejamento urbano?) In: Die alte Stadt.Viertel- jahreszeitschrift fürStadtgeschichte,Stadtsoziologie und Denkmalplege, 24.Jahrgang, 1/97, pp. 48-58. AGSEB–ArbeitsgruppeStadterneuerungBerlin(1994).TendenzenderStadterneuerung.In:Berlin,StädtebauundArchitektur31. BAPTISTA, Luís Santiago (2007). Vazios Urbanos: desafios do “Terrain Vague” à Arquitectura Contemporânea. Editorial. Arq./a., Lisboa, julho/agosto, pp. 8-11. BAUDRILLARD,Jean (1996).A violência do objeto. In:Arquitetura eUrbanismo nº. 64, fev/mar, pp. 69-71. BORDE, Andrea L. P. (2006).Vazios urbanos: perspectivas contemporâneas. Rio de Janeiro: PROURB/FAU/UFRJ.Tese de douto- rado PROURB/FAU/UFRJ, 226p. BORDE,AndreaL.P.(2010)VaziosprojetuaisdaáreaurbanacentraldoRiodeJaneiro;oavessodosprojetosurbanos? In:Arquite- tura,Cidade, Paisagem eTerritório: percursos e perspectivas, v1,Anais do Encontro Nacional daAssociação Nacional de Pesquisa e Pós-graduaçao emArquitetura eUrbanismo; Rio deJaneiro. BUSQUETS, Joan (1996). Nuevos fenómenos urbanos y nuevo tipo de proyecto urbanístico. In: Presente y Futuros. Arquitetura en las ciudades. Comitè d’Organització del Congres UIA, Barcelona 96, Col. Legi d’Arquitectes de Catalunya, Centre de cultura contemporània de Barcelona yACTAR, Barcelona, pp. 280-287.
  • 28. 28 projetosurbanísticosevaziosurbanos CASTRO,ArmandodeBarros(1995).Globalizaçãoecriseurbana–provocativasmetodológicas.In:SãoPauloemperspectiva.Vol. 9, nº 2, abr/jun, pp. 7-9. CORREA, Roberto Lobato (1989).O EspaçoUrbano. EditoraÁtica. DUPAS,Gilberto, BARRETO Jule e LIMA, JorgeCunha (1998).A era da ansiedade. In:URBS,Viva oCentro,São Paulo, ano 1, nº 9, set/out. GOTTDIENER, Mark (1993).A produção social do espaço urbano. São Paulo, EDUSP. HUYSSEN,Andreas (2000).Seduzidos pela memória:arquitetura, monumentos, mídia. Rio deJaneiro,Aeroplano Editora. LEIRA, Eduardo (1999). Entrevista in: revistaURBS,São Paulo, maio/jun 1999, pp 28/32. PESCH, Franz (1997). DieStadt als Entwurf – eine Näherung (A cidade como projeto – uma aproximação). In: Die alteStadt.Vier- teljahreszeitschrift fürStadtgeschichte,Stadtsoziologie und Denkmalplege, 24.Jahrgang, 1/97, pp. 5-17. PREFEITURADACIDADEDORIODEJANEIRO(1996)LeiMunicipalnº2.236,de14deoutubrode1994.DiárioOficialdoMunicípio do Rio deJaneiro, de 26 de abril de 1995. PREFEITURA DACIDADE DO RIO DEJANEIRO (1996). Plano estratégico para a cidade do Rio deJaneiro. Edição resumida. SILVA, Maria L. P.,ANDRADE, Luciana daS.,CANEDO, Juliana (2012) In:VAZ, Lilian F., REZENDE,Vera F. e MACHADO, Denise P. Centros urbanos.Transformações e permanências. Rio deJaneiro, PROURB [casa8], pp 135/160. SIMÕESJR (1994).Revitalização deCentrosUrbanos. In: Polis no 19, 1994. SOJA, Edward (1994). O desenvolvimento metropolitano pós-moderno nos EUA: virando Los Angeles pelo avesso. In: SANTOS, M.,SOUZA,M.A.eSILVEIRA,M.L.(orgs).Território,globalizaçãoefragmentação.SãoPaulo,HUCITEC/ANPUR,1994,pp154/168. VAZ, Lilian F. e SILVEIRA, Carmen Beatriz (1999). Áreas centrais, projetos urbanísticos e vazios urbanos. Rev.Território, vol 7, jul/ dez 1999, pp 51/66. VAZ,LilianF,eSILVEIRA,CarmenBeatriz(1998).TransformaçõesepermanênciasnaáreacentraldoRiodeJaneiro. RevistaArqui- tetura. IAB/RJ, Rio deJaneiro, junho, 1998, ano 29, nº 81. VAZ,LilianF.eSILVEIRA,CarmenBeatriz(1994).AÁreaCentraldoRiodeJaneiro:PercepçõeseIntervenções–umavisãosintéticano decorrerdoséculoXX.CadernosIPPUR/UniversidadeFederaldoRiodeJaneiro,anoVIII,nº2/3,set./dez. Notas de fim 1 Compreende-seaáreacentralconstituídadeumnúcleoedeumanelperiférico,conformeexplicitadoemtextoanterior:“Opro- cesso decentralizaçãourbanaquedeuorigemàÁreaCentralresultounumaorganizaçãoespacialcompostabasicamentededuas frações imediata), formando uma franja de usos diversificados e separando o CBD dos demais bairros”. VAZ e SILVEIRA (1993), apoiado no conceito deCORRÊA (1989): o centro de gestão de toda a estrutura urbana ou metropolitana, isto é, o núcleo central (core,CentralBussinessDistrictouCBD,ÁreaCentraldeNegóciosouACN);eazonaperiféricaaocentro(frame,zonadetransição, de obsolescência ou deteriorada, periferia 2 Centro é utilizado aqui no sentido de oposição à periferia, como cidade interior, a cidade com seu centro e bairros, sem os subúr- bios e periferias.
  • 29. 29 carmemSILVEIRAelilianVAZ 3 Convém esclarecer que por área central da cidade do Rio de Janeiro compreende-se o centro comercial, financeiro, cultural e de informações, e os seus arredores, onde se localizam áreas de pequeno comércio, de indústrias de pequeno porte e residenciais. Nela se encontra, além do núcleo verticalizado, áreas preservadas pelo patrimônio cultural, de uso misto, assim como áreas anti- gasdeterioradasearrasadas,eaindagrandesvazios,compondoumterritóriosingular,apósoqualseseguemosbairrosdaszonas portuária, industriais e residenciais. 4 Como as desapropriações e intervenções foram realizadas por diferentes instâncias do poder público – federal, estadual e muni- cipal, conforme o status da cidade no momento histórico (Distrito Federal, Estado da Guanabara ou capital do Estado e sede do Município do Rio de Janeiro) – os terrenos remanescentes, atuais vazios pertencem também a diferentes órgãos e instâncias do poder.Outros ainda são disputados na justiça. 5 De acordo com essa pesquisa, o poder público é proprietário de cerca de 56% desses vazios. O exame dessas observações re- serva, ao poder público, um significativo papel ainda a ser desempenhado no equacionamento do problema dos vazios. Sendo, simultaneamente “produtor” e detentor de porção significativa destes espaços na II RA, há que se avaliar as possibilidades de realizaçãodeprojetoseintervençõescomointuitodereverteroprocessodeformaçãodevazios,contribuindoefetivamentepara a revitalização da área central. 6 Como é o caso de Nuno Portas (Porto),Jordi Borja eOriol Bohigas (Barcelona). 7 Como o caso do Projeto Sás e doTeleporto (proximidades do edifício da Prefeitura); do Waterfront , litoral, desde o Aeroporto SantosDumontatéaIgrejadaCandelária;doRioMar,comareurbanizaçãodaorlamarítimacentro/sul;daRevitalizaçãodaPraça Tiradentes eArredores; do Rio-Cidade (Avenidas PresidenteVargas e Rio Branco e adjacências) e outras intervenções de recupe- ração de pequenas praças e trechos de rua. (Azevedo eG. daCunha, 1997). 8 Projetos para o Morro daSaúde, a Enseada daGamboa e o Morro daConceição. 9 Ressalta-se que estes dois fatos geralmente estão associados, porém a relação entre eles ainda necessita ser estudada.
  • 30. 30 projetosurbanísticosevaziosurbanos Carmen Beatriz Silveira carmensilv@uol.com.br Pesquisadora bolsista do PDCFMA/FIOCRUZ/RJ, é arquiteta (UFRGS), Mestre em Ciências (IGEO- -PPGG/UFRJ) e doutora em Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ). Atuou em consulto- rias de planejamento urbano e em pesquisas urbanas na UFRJ. Atualmente, coordena projetos em assentamentos urbanos irregulares por meio de abordagens transdisciplinares que envolvem educação popular e promoção da saúde. É autora e co-autora de capítulos de livros e artigos em periódicos relativos à moradia, à história urbana, à memória e ao habitat saudável, em áreas cen- trais e periféricas da cidade do Rio de Janeiro. Lilian FesslerVaz lilianfv@gmail.com Professora do PROURB/FAU/UFRJ, Pesquisadora doCNPq,Arquiteta (FAU/UFRJ), Mestre em Pla- nejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ), Doutora em Arquitetura e Urbanismo (FAU/USP), com pós-doutorado em EstudosCulturais (MSH, Paris).Atua em ensino e pesquisa sobre questões urbanas, tendo publicado livros sobre história de bairros e sobre história da habitação carioca. É autora de vários artigos e capítulos de livros e artigos em periódicos sobre habitação popular, áre- as centrais, bairros, culturas urbanas e história urbana do Rio de Janeiro.
  • 31. REQUALIFICAÇÃO URBANÍSTICA DAS ÁREAS PERICENTRAIS NO RIO DE JANEIRO Cristovão Fernandes Duarte Introdução O processo de modernização das cidades brasileiras se fez de costas para suas antigas centrali- dades. Símbolos de um passado colonial que se almejava superar, os centros históricos de nossas cidades foram representados como um entrave ao progresso e ao desenvolvimento urbano, nos marcos do liberalismo econômico implantado no país a partir do século XX. No bojo dos des- dobramentos tecnológicos da Revolução Industrial em marcha nos países centrais e alavancado pelo surto desenvolvimentista que se abateu sobre nossas cidades, produziu-se um quadro de “destruição criativa”, destinado a substituir as antigas estruturas que compunham a sintaxe es- pacial do tecido urbano tradicional. O presente trabalho discute o processo de modernização do centro urbano tradicional da cidade do Rio de Janeiro ao longo do século XX, enfatizando o esvaziamento da função residen- cial resultante daquelas transformações. Na sequência, busca-se evidenciar a problemática atual dos bairros pericentrais da cidade, apontando, prospectivamente, sua requalificação urbanística como um campo aberto de possibilidades com vistas a construção de uma cidade mais justa e mais sustentável. Entre os fatores que contribuíram de forma decisiva para o abandono da área central como lugar de moradia da população carioca, destacamos: a expansão urbana verificada a partir da primeira metade do século passado em direção aos bairros daZonaSul (praias litorâneas) e Norte (subúrbios servidos pelos ramais ferroviários) e, mais recentemente, em direção à zona oeste; a consolidação do processo de especialização funcional da área central como centro financeiro e empresarial da cidade; a promulgação do Decreto 322, em 1976, que consolidava o zoning fun- cional através da regulamentação do uso do solo urbano e proibia a função residencial na área
  • 32. 32 REQUALIFICAÇÃOURBANÍSTICADASÁREASPERICENTAISDORIODEJANEIRO central da cidade; o processo de segregação sócio-espacial resultante da supremacia dos inte- resses da especulação imobiliária nas decisões sobre as transformações urbanas; e, concomitan- temente a tudo isso, a opção pelo transporte motorizado (com ênfase no automóvel particular) que permitiu o espraiamento da cidade e a dispersão do tecido urbano em direção à zona oeste e à Baixada Fluminense. Os impactos negativos do processo de perda da população residente estenderam-se para além dos limites oficiais do bairro central, atingindo áreas pericentrais que interagiam e depen- diam diretamente das dinâmicas socioeconômicas verificadas no interior do centro urbano. Des- ta forma, os bairros que circundam a área central da cidade do Rio de Janeiro foram sendo pouco a pouco transformados num cinturão de pobreza a volta do núcleo histórico. Imersos, por assim dizer, numa “zona de sombra”, esses bairros vivenciaram um grave processo de estagnação e obsolescência urbana, desprovidos de investimentos públicos e alijados da dinâmica imobiliária da cidade. Este é o caso dos bairros da Saúde, Gamboa, Santo Cristo, Cidade Nova, Lapa e São Cristóvão, todos situados no entorno imediato do centro de comércio e negócios da cidade. Não foram incluídos nesta etapa do estudo os bairros de SantaTeresa, Glória, Estácio e Catumbi que, embora possam ser considerados como pericentrais, demandariam um estudo mais específico, tanto por suas características urbanísticas particulares como por sua relativa autonomia com re- lação à área central da cidade. A formação histórica das áreas pericentrais Durante os três primeiros séculos de existência a cidade manteve seus limites basicamente de- finidos pelos acidentes geográficos da região. De fato, até o início do século XIX a malha urba- na encontrava-se circunscrita pelos morros que a confrontavam a sul, com o alinhamento dos morros do Castelo, Santo Antônio e Senado, e a norte, com o encadeamento dos morros de São Bento, Conceição, Livramento e Providência. A leste os limites correspondiam à orla da Baía de Guanabara e a oeste aos terrenos pantanosos do Mangal deSão Diogo que impediam a expansão da malha urbana então existente. Cabe igualmente referir que nas encostas dos morros da face norte da cidade, debruçadas sobre a Baía, surgiram, ainda no correr do século XVII, as primeiras ruas e edificações dos futuros bairros da Saúde, Gamboa e Santo Cristo (VAZ, 1987: 19). Nesta
  • 33. 33 cristóvãoDUARTE estreita faixa litorânea entre a Baía e os morros da Conceição, Livramento e Providência, isola- da geograficamente da área central, se consolidaria a zona portuária da cidade. O isolamento natural logo se tornaria convenientemente funcional para a cidade, ocultando da cena urbana atividades consideradas menos nobres como o trabalho braçal dos estivadores do cais do porto, o embarque e desembarque de mercadorias, o tráfico negreiro (ali ficavam também localizados o Mercado e o Cemitério de Escravos), além da prostituição, atraída pelos marinheiros das mais diversas procedências sempre presentes nos portos das cidades. Como conseqüência imediata dos condicionantes acima descritos, a zona portuária se consolidou como uma região tradicional- mente destinada à moradia da classe trabalhadora. Por este motivo, os bairros da Saúde, Gam- boa e Santo Cristo são identificados pelo presente trabalho como áreas pericentrais e não como integrantes do núcleo urbano propriamente dito. A chegada da família real em 1808 marca o início de grandes transformações na cidade. Tornada sede do Império Português, a cidade do Rio deJaneiro experimenta um vertiginoso surto de crescimento. Sua população, que somava cerca de sessenta mil habitantes em 1802, atinge duzentos mil em 1849, ultrapassando ao final do século XIX a casa dos quinhentos mil habitantes (BERNARDES, 1992, p. 47). A densificação do núcleo urbano tradicional e a crise habitacional obrigariam a procura de novas áreas para expansão da cidade. Entre as primeiras decisões reais destaca-se a Abertura dos Portos às Nações Amigas, em 1808, que produziu um incremento às atividades portuárias e, consequentemente, a ampliação do processo de urbanização e desenvolvimento da Saúde, daGamboa, do Saco doAlferes (Santo Cristo) e da praia Formosa (atual Av. Francisco Bicalho). A localização do Palácio Real naQuinta da BoaVista emSãoCristóvão impôs a necessidade de melhoramentos no acesso entre a cidade e a residência real, atravessando o Mangal de São Diogo. Para tanto foram feitos sucessivos aterros e benfeitorias na região. De arrabalde distan- te, situado para além dos limites da cidade, São Cristóvão se transforma, sobretudo a partir da segunda metade do século XIX, em nova fronteira de expansão urbana e de modernização da cidade, recebendo grandes melhoramentos de infraestrutura e transportes (DUARTE, 2012). A meio caminho entre o centro urbano e São Cristóvão, os novos terrenos resultantes dos aterros realizados propiciaram o surgimento das primeiras casas do futuro bairro daCidade Nova.
  • 34. 34 REQUALIFICAÇÃOURBANÍSTICADASÁREASPERICENTAISDORIODEJANEIRO Até finais do século XIX, a Cidade Nova assiste a construção da Fábrica do Gás e a canalização do Mangue, realizadas pelo Barão de Mauá e que impulsionaram a ocupação do novo bairro. Essa região, surgida sobre terrenos alagadiços e pantanosos, onde era possível encontrar con- dições mais acessíveis de moradia, logo ficaria caracterizada como mais um bairro proletário, atraindo também imigrantes que chegavam à cidade. Ali, em torno da Praça Onze de Junho (antigo Largo do Rocio Pequeno) surgirá uma comunidade de sambistas e compositores po- pulares responsável pela consagração do samba carioca como expressão maior da cultura da cidade. Não por outra razão, a Cidade Nova é hoje considerada, juntamente com o bairro do Estácio que lhe é contíguo, o “berço do samba”. Caberia ainda fazer referência à Vila Mimosa, famosa zona de prostituição da cidade que permaneceria na Cidade Nova até sua transferência para a Praça da Bandeira, nos anos 90. Em expansão e à procura de novas áreas, a cidade encontraria nas imediações da Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Lapa do Desterro outra região a ser ocupada. A despeito da proxi- midade com relação ao centro tradicional da cidade, até finais do dezoito a ocupação da Lapa encontrava-se bastante rarefeita. Contribuíram para isso o fato da região apresentar terrenos sujeitos a alagamentos em função da proximidade da Lagoa do Boqueirão (aterrada em 1783 para a construção do Passeio Público) e por se encontrar cercada pelos morros do Desterro (atual bairro de SantaTeresa), SantoAntonio e Senado. No início do séculoXIX, vencidas as resistências iniciais, começa efetivamente o processo de ocupação da Lapa. A abertura das ruas do Rezende, do Lavradio e dos Inválidos inauguram a ligação da malha urbana existente com esta nova área de expansão da cidade (DUARTE, 2009). Os sobrados e palacetes que ainda hoje compõem a morfologia arquitetônica da Lapa da- tam da segunda metade do século dezenove, quando, de fato, se consolida o processo de urba- nização daquela região. Paradoxalmente, o processo de densificação do conjunto edificado da Lapa coincide, nas ultimas décadas doXIX, com o início do movimento de evasão das elites em di- reção à zona sul da cidade, margeando a orla da baía de Guanabara. Bairros mais distantes como Catete, Flamengo e Botafogo, ainda com uma ocupação incipiente, passam a representar uma nova opção de moradia, possibilitando a construção de belas casas em amplos terrenos, longe do burburinho do velho e saturado centro.
  • 35. 35 cristóvãoDUARTE O século XX encontra a área central da cidade densificada e expandida em direção aos no- vos bairros que a circundam. Elevada agora à condição de Distrito Federal desde a Proclamação da República (1889), a cidade viverá um tempo de grandes transformações urbanas, em especial no que se refere à remodelação urbanística da área central e a modernização da Zona Portuária da cidade, implementadas durante a administração do Prefeito Pereira Passos (1902-1906). Fren- te aos objetivos do presente estudo interessa destacar de forma sucinta os impactos daquelas transformações sobre as relações estabelecidas entre o centro histórico e as áreas pericentrais. A Zona Portuária foi radicalmente transformada por vultuosos investimentos infraestrutu- rais.Uma grande faixa de aterro preencheu o espaço entre a antiga orla sinuosa e o cais retificado do novo porto da cidade. Sobre a área de aterro foi implantada uma nova malha viária de amplas ruas e avenidas retilíneas, circunscrevendo quadras estreitas e compridas preponderantemente subordinadas ás atividades portuárias e à circulação de veículos de carga. Nessas quadras cons- truíram-se galpões industriais e armazéns destinados ao processamento e estocagem de mer- cadorias. O gigantismo assumido pelo novo traçado viário mantém-se ainda hoje perfeitamente legível na planta cadastral urbana, contrastando fortemente com o tecido urbano preexistente. Comrelaçãoaocentrohistórico,adestruiçãomodernizadoradePereiraPassos,batizadapela população da cidade com a expressão “bota-abaixo”, tinha como pressuposto apagar a imagem do passado colonial, rasgando o tecido urbano para criação de novos corredores de circulação como a Avenida Central e remodelando o espaço urbano segundo o ideário estético do Ecletismo. Em paralelo, as intervenções promoveram a expulsão dos pobres ainda presentes no centro histórico da cidade, agravando a crise de moradia já instalada. Numerosos cortiços, que funcionavam como habitações coletivas de aluguel foram demolidos em nome da higiene pública. Expulsos do antigo centro, os pobres se deslocaram primeiramente para a zona portuária e para a Cidade Nova, área já tradicionalmente ocupadas pelas classes trabalhadoras. Ressalte- -se ainda, como conseqüência direta deste processo, o incremento do processo de favelização dos morros da Providência, Santo Antônio e São Carlos, nas proximidades do centro histórico (ABREU, 2003). Para que se “fechasse” o arco de pobreza em torno do centro, restava a Lapa com seus ricos sobrados e palacetes, ocupados até então por famílias abastadas. Não tardaria, entretanto, que
  • 36. 36 REQUALIFICAÇÃOURBANÍSTICADASÁREASPERICENTAISDORIODEJANEIRO se processasse a substituição dos antigos proprietários. O aumento da oferta de linhas regulares de transportes públicos entre o centro e bairros mais afastados, bem como a abertura daAvenida Beira-Mar em direção às praias do Flamengo e de Botafogo, reforçariam ainda mais a tendência de evasão do núcleo central. Assim, em pouco tempo, as nobres moradias da Lapa se converte- ram em casas de cômodos para alugar, cujos rendimentos mensais não poderiam ser considera- dos desprezíveis (BARBOSA, 1992: 322). Ao longo das duas primeiras décadas do século XX a Lapa vai se transformando num bairro de gente pobre, ocupando (e superlotando) casas de gente rica. Para usar uma licença poética, trata-se de um surpreendente caso de “travestimento arquitetônico1 ”, ou seja, a aparência nobre e elegante das edificações contrastava com as péssimas condições de moradia a que se encontra- vam submetidos os novos habitantes. Juntamente com a pobreza recaiu sobre a Lapa o estigma da malandragem e da contraven- ção. De fato, abrigados e protegidos pela segregação sócio-espacial imposta ao bairro, prolife- raram por suas ruas prostíbulos, casas de jogo, tabernas, nitgh-clubs com shows de strip-tease e toda sorte de ofertas possíveis para a vida boêmia e desregrada que atraía os novos e notívagos freqüentadores da Lapa (KUSHNIR, 2001). O período republicano representou ainda a perda de prestígio do bairro imperial de São Cristóvão. Para Freitas (2003), a Reforma Passos marca justamente o momento em que São Cris- tóvão inicia sua decadência como área residencial, sendo cada vez mais procurado para a insta- lação de indústrias, principalmente em função da proximidade com o centro da cidade e com o novo Porto da Cidade, inaugurado em 1909. O processo de industrialização do bairro de São Cristóvão se consolidaria mais forte- mente a partir da implantação do Estado Novo, em 1937, com a promulgação do Decreto-Lei 6.000/37, que cria a primeira Zona Industrial da cidade (estendendo-se por uma faixa continua que vai do Bairro de São Cristóvão até o bairro da Pavuna, na zona norte carioca). Considere- -se ainda que a abertura em 1940 da Avenida Brasil, via expressa de entrada e saída da cidade, significou também o eixo principal de escoamento da produção do parque industrial recém- -instalado no bairro. Desta forma, ao final da primeira metade do séculoXX a área central da cidade encontrava- -se cercada por um cinturão de pobreza formado pelos bairros da Zona Portuária, a Cidade Nova
  • 37. 37 cristóvãoDUARTE e a Lapa. Até mesmo São Cristóvão, que fora um bairro residencial da classe mais abastada, vai perdendo sua antiga condição e se transformando num bairro industrial, atravessado por um pe- sado fluxo de veículos de carga pesada, de passageiros e de passeio. O recorte temporal adotado nesta primeira parte do trabalho chegou até a metade do século XX, quando se verifica um claro ponto de inflexão na dinâmica urbana vivida pela área central. A inauguração da Avenida Presidente Vargas, em 1944, representou um marco decisivo para a afirmação da lógica rodoviarista que se abateria sobre a área central nas décadas subsequente, acelerando de modo inequívoco o processo de especialização monofuncional da área central como centro financeiro e empresarial da cidade e a evasão da população residente. Áreas central do Rio de Janeiro, vista a partir do Morro do Pinto. Foto: Cristóvão Duarte, 2011.
  • 38. 38 REQUALIFICAÇÃOURBANÍSTICADASÁREASPERICENTAISDORIODEJANEIRO Segunda metade do século XX: estagnação e obsolescência das áreas pericentrais Não faz parte do escopo do presente trabalho uma contextualização histórica minuciosa das transformações urbanísticas ocorridas na região no decorrer da segunda metade do século XX. Indicaremos tão somente as ocorrências mais significativas, enfatizando sempre que possível o processo geral de obsolescência vivenciado pelos bairros pericentrais da cidade. Ressalte-se que boa parte deste período coincide com a vigência do regime autoritário, implantado a partir do Golpe Militar de 64 e que se estenderia até meados da década de 80. Isso significa que as decisões tomadas pelos poderes instituídos prescindiram do debate e da parti- cipação da sociedade. Convém lembrar que, todas as vezes que se atenta contra a Democracia se atenta também contra a cidade. Não por acaso, os anos que se seguiram ao Golpe Militar (em particular a década de 70) ficariam marcados pelo recrudescimento da especulação imobiliária e pela destruição do patrimônio cultural edificado de nossas cidades. Cabe igualmente mencionar os efeitos produzidos pela mudança da capital federal para Bra- sília em 1960 e a fusão dos estados daGuanabara e Rio deJaneiro em 1975, acarretando um período derelativadesorganizaçãoadministrativa,alémdaperdadocapitalpolíticoeeconômicodacidade. Como foi dito anteriormente, a abertura da Avenida Presidente Vargas pode ser conside- rada como uma das mais significativas intervenções sofridas pela área central, cujos impactos se estenderiam ao longo das décadas seguintes. Com cerca de 90 metros de largura e mais de 4 quilômetros de extensão, esta via arterial promoveu a interligação dos corredores da Avenida Brasil e Francisco Bicalho à Avenida Rio Branco (antiga Avenida Central), possibilitando elevados índices de fluidez ao tráfego motorizado. De acordo com Claudia Brack Duarte: “A abertura desta via rápida para escoamento do trânsito motorizado pretendeu alterar a ocupação daquela área, de uso misto para zona de serviços. Pretendia-se que a expansão do centro financeiro se desse ao longo da nova artéria” (2012: 25). Sua construção implicou na demolição de mais de 500 edificações, incluindo a Praça Onze, a sede da Prefeitura, seis igrejas, além da supressão 1.700 m2 doCampo de Santana.Ainda segundo a autora acima citada:
  • 39. 39 cristóvãoDUARTE “Os lotes densamente ocupados por habitações e pequenos comércios foram substituídos por grandes áreas para uso comercial e de serviços, ainda à espera de ocupação até os dias de hoje” (Ibid.) São bem conhecidos os efeitos devastadores produzidos pela abertura da Avenida Presi- dente Vargas sobre o bairro da Cidade Nova. Desde então o bairro permaneceria aguardando por uma intervenção pública ou privada capaz de devolver a antiga vitalidade urbana da área. Contudo, as intervenções que se seguiram contribuíram apenas para o agravamento daquela situação. A abertura do Túnel Santa Bárbara em 1963 e seu prolongamento através do viaduto construído, produziram uma radical alteração na paisagem urbana, além da destruição do tecido urbano na divisa entre os bairros da Cidade Nova e do Centro. No final dos anos setenta as obras do Metrô aprofundaram significativamente o grau de destruição do tecido urbano. Em meio aos novos terrenos resultantes das desapropriações do Metrô e da própria municipalidade (muitos ainda desocupados) surgiram, nos anos que se seguiram, torres isoladas como a nova sede dos Correios e Telégrafos (anos 70), o Centro Administrativo da Prefeitura do Rio de Janeiro (1982), o empreendimento do Teleporto (1995), a Universidade Corporativa da Petrobrás (2008), entre outros. A impressão de terra desvastada permaneceu associada à nova imagem do bairro, como se naquele solo revolvido por tantas ondas de “destruição criativa” não fosse mais possível nascer vida urbana, tal como havia um dia ali existido. Outra intervenção, digna de nota, foi a construção do Sambódromo na Rua Marquês de Sapucaí, inaugurado em 1984. Projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, a estrutura longilínea das arquibancadas foi alinhada paralelamente ao viaduto do túnel Santa Bárbara. O conjunto arquitetônico produz, em razão de sua escala monumental, forte impacto na paisagem urbana sem, contudo, estabelecer um diálogo com o seu entorno. O projeto, por assim dizer, dá as cos- tas para o bairro à sua volta, tendo sido concebido totalmente voltado para o seu interior, onde ocorrem os desfiles durante o período do Carnaval e, ao longo do ano, atividades de ensino nas escolas projetadas sob as arquibancadas. Na falta de um tratamento de desenho urbano visando à qualificação das áreas limítrofes que promovessem a integração do espaço público com as no- vas estruturas projetadas, foram criadas à volta do projeto áreas indefinidas e descontínuas, sem legibilidade e, portanto, sem vitalidade.
  • 40. 40 REQUALIFICAÇÃOURBANÍSTICADASÁREASPERICENTAISDORIODEJANEIRO Em meio a tantos problemas, deve ser referida a criação, em 1991, da Área de Proteção do Ambiente Cultural (APAC) da Cidade Nova, assegurando proteção legal ao conjunto arqui- tetônico remanescente do final do século XIX e início do XX. A proteção legal, no entanto, não tem se traduzido em uma política de efetiva preservação da ambiência cultural, uma vez que o acervo edificado encontra-se em precário estado de conservação ou já parcialmente desca- racterizado. No caso da Zona Portuária a segunda metade do novecentos é inaugurada com as obras do Elevado da Perimetral, construído em várias etapas entre o final dos anos 50 e ini- cio dos 70. Trata-se de uma ligação expressa entre a Avenida Brasil, a Ponte Rio Niterói e o Aeroporto Santos Dumont. Excetuando-se as alças de subida e descida no bairro da Saúde, próximo à Praça Mauá, o elevado não estabelece nenhuma outra ligação com os bairros por- tuários da Gamboa e Santo Cristo. Junto ao Largo da Igrejinha de Santo Cristo, deságua tam- bém o fluxo motorizado carreado da zona sul da cidade pelo viaduto do túnel Santa Bárbara, já referido anteriormente. A decadência das atividades portuárias e a obsolescência das infraestruturas existentes co- meçam a se fazer notar a partir dos anos 70, sobretudo, em razão dos efeitos produzidos pela “contêinerização” do transporte internacional de mercadorias. Calados mais profundos para re- ceber navios cada vez maiores e mais pesados, bem como a construção de áreas retroportuárias para empilhamento e transporte de contêineres foram exigências que alteraram de forma radical a operação das atividades portuárias, bem como a relação tradicionalmente estabelecida entre porto e cidade (VASCONCELLOS e SILVA, 2009). Acrescente-se ainda a crescente subutilização dos armazéns e galpões existentes na Zona Portuária. Carlos nos fornece uma cronologia comentada bastante completa sobre a história da for- mação urbana da Zona Portuária. Sobre a fase de estagnação e obsolescência vivida pela região, o autor afirma que: “A falta de investimentos públicos em infraestrutura urbana, combinada com uma legisla- ção de uso e ocupação do solo urbano permissiva aos usos incompatíveis com o residencial, foram fatores decisivos para a deliberada degradação da qualidade de vida nos bairros da Saúde, Gamboa e Santo Cristo” (CARLOS, 2012).
  • 41. 41 cristóvãoDUARTE Ainda segundo Carlos (Ibid.), a criação da Área de Proteção dos bairros da Saúde, Santo Cristo,Gamboa eCentro (criada em 1984 e regulamentada em 1988), representou uma vitória do movimento comunitário liderado pela associação de Moradores da Saúde (AMAS) que conseguiu barrar o projeto de “revitalização” elaborado pela Associação Comercial do Rio de Janeiro no iní- cio dos anos 1980, cuja proposta consistia na completa renovação urbana dos bairros portuários por intermédio da liberação dos gabaritos permitidos para novas edificações. Enquanto isso, SãoCristóvão, precocemente tornado o primeiro bairro industrial da cidade (e também o mais poluído), inicia seu processo de desindustrialização. Ao longo das décadas de 50 e 60, no entanto, assiste à progressiva transferência das grandes indústrias de São Cristóvão e arredores para a periferia urbana, em função da oferta de terrenos mais baratos para a constru- ção de instalações industriais ao longo do eixo da Avenida Brasil. Como herança do processo de industrialização e em função de sua localização, às margens de um importante entroncamento viário, São Cristóvão se consolidará como um bairro de pas- sagem, especializado no comércio de autopeças, acessórios, motores, serviços automotivos e oficinas mecânicas. Outra marca irremediavelmente ligada à imagem de São Cristovão consiste na presença ostensiva dos viadutos da Linha Vermelha, implantados sobre os eixos da Rua Figueira de Melo e da Rua Bela. Construídos em 1992, como ligação expressa entre a zona sul e o aeroporto do Galeão, os novos viadutos podem ser considerados como um desastre urbanístico e ambiental, tendo comprometido de forma significativa as condições de vida em suas imediações. Por fim, no que concerne ao bairro da Lapa, o que se assistiu ao longo dos anos 60 e 80 foi a progressiva degradação do acervo edificado, piorando ainda mais a já difícil condição de vida de seus habitantes. O período de abandono e o descaso por parte das administrações municipais pode ser descrito como uma espécie de silenciosa hibernação da Lapa. Parece plausível admitir que a materialidade do casco histórico da Lapa, constituída pelos robustos palacetes da virada do século XX, não obstante o precário estado de conservação, tenha representado uma força de resistência aos impulsos “renovadores” do mercado imobiliário e a eventuais planos de interven- ção urbanística por parte da municipalidade. Dessa forma, o patrimônio histórico edificado da Lapa pode, não apenas sobreviver, mas abrigar (protegendo) em seu interior famílias pobres e de extrato de renda mediano.
  • 42. 42 REQUALIFICAÇÃOURBANÍSTICADASÁREASPERICENTAISDORIODEJANEIRO Durante esse período a vida noturna e cultural da Lapa resistiu em meio à decadência do bairro, sobretudo, através dos bares e restaurantes tradicionais como o “Nova Capela”, o “Bar Brasil” e a “CasaCosmopolita”, dos espaços culturais alternativos como oCircoVoador (instalado no bairro em 1982) e a Fundição Progresso (poupada da demolição em 1987 pelos organizadores do CircoVoador e transformada em centro cultural) e de vários grupos de teatro que se instalam em imóveis vazios cedidos pelo Governo do Estado. A partir dos anos 90 ocorre, como se costuma falar, uma “redescoberta da Lapa” e de seus predicados simbólicos associados à boemia e a cultura popular carioca. A associação mer- cadológica (bem sucedida do ponto de vista empresarial) entre diversão e cultura, fez surgir novas casas de shows, bares e restaurantes, transformando a fisionomia e o cotidiano do bairro (DUARTE, 2009). Ressalte-se, no entanto, que além dos preços praticados pelos novos bares e restaurante serem proibitivos para população local, também a crescente valorização do preço da terra repercute sobre os antigos contratos de locação promovendo uma “expulsão branca” dos moradores tradicionais da Lapa. Os efeitos deste processo sobre o bairro e seus moradores serão retomados mais adiante ao discutirmos alternativas para a requalificação urbanística dos bairros estudados. As transformações urbanísticas acima apresentadas nos dão conta dos processos gradativos de rebaixamento da qualidade de vida e deterioração do patrimônio histórico edificado vivenciados pelas áreas pericentrais no decorrer da segunda metade do século passado.A hipótese de trabalho aqui adotada indica que tais fenômenos estão profundamente relacionados com o “sombreamen- to” daquelas áreas acarretado pelo duplo processo de esvaziamento da função residencial e espe- cialização monofuncional da área central como centro financeiro e empresarial da cidade. Os problemas decorrentes deste tipo de segregação espacial dos usos do solo urbano são bem conhecidos. Tornada hegemônica, isto é, assumindo o comando das ações, o conjunto das atividades de comércio, finanças e serviços passa a ditar a forma de gestão do espaço urbano. Prevalecem os interesses econômicos imediatos, em detrimento de outros usos possíveis do es- paço. De hegemônica, as atividades do setor terciário se tornam exclusivas, afastando da área o uso residencial. No que se refere à legislação urbana da cidade, o Decreto 322/76, promulgado durante o período da Ditadura Militar, não propõe uma reversão dos processos acima descritos.Antes, pelo
  • 43. 43 cristóvãoDUARTE contrário, ao pretender regulamentar (legitimando) as tendências do mercado, o Decreto apenas reforça e acentua aqueles processos. Desfaz-se, assim, o complexo e delicado equilíbrio entre as funções urbanas, responsá- vel pelos índices de vitalidade verificados nos tecidos urbanos tradicionais (JACOBS: 2001). Os horários da atividade comercial condicionam o ritmo dos usos do espaço. O movimento da vida urbana começa quando as lojas abrem ao público e cessa quando elas fecham. Fora do horário comercial, essas áreas totalmente infraestruturadas e equipadas, permanecem desertas ou sub-utilizadas. A sensação de insegurança gerada re-alimenta o processo de es- vaziamento a que estão sujeitas essas áreas em tais circunstâncias, repercutindo nas áreas do seu entrono imediato. Entre os efeitos percebidos, destaca-se uma acentuada desvalorização do preço da terra das áreas pericentrais que, alijadas da dinâmica imobiliária da cidade, experimentam um período de falta de investimentos e descaso por parte da administração pública. Com o intuito de carac- terizar este quadro de obsolescência das estruturas materiais, degradação da qualidade de vida e estagnação econômica, utilizamos a metáfora do “sombreamento”, inspirada na contraposição identificada por Milton Santos entre áreas opacas, representadas pelos espaços da lentidão onde vivem os pobres, em contraposição às áreas luminosas, espaços racionalizados e racionalizado- res, espaços da fluidez e da competitividade, ajustados aos propósitos mais perversos da globa- lização (1999, pp. 245-6). Desde meados do século passado os vetores de expansão da cidade já haviam saltado por sobre a envolvente imediata à área central, seguindo pela orla litorânea em direção à zona sul, no caso das classes mais abastadas, e em direção à zona norte pelos ramais suburbanos da linha férrea. Os bairros pericentrais, relegados à condição de locais de moradia das classes de menor poder aquisitivo, passam a figurar, então, como uma espécie de solução de continuidade do pro- cesso de urbanização e desenvolvimento da cidade. O período de obsolescência e estagnação econômica, verificado na segunda metade do século XX, e o consequente rebaixamento do valor da terra nas “zonas de sombra” acentuará o processo de substituição de antigos moradores dos bairros pericentrais por novos moradores de extratos sociais ainda mais desfavorecidos.