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Encaminhado para Revista Estudos Históricos número 43 a espera de aprovação, data
de envio, 30 dezembro 2008.
Memória e ritmos temporais:
o pluralismo coerente da duração no interior das dinâmicas da cultura urbano-
contemporânea
Ana Luiza Carvalho da Rocha
Cornelia Eckert
Em sua célebre obra A dialética da duração, Gaston Bachelard (1989a) postula uma
prudência metodológica para o estudo da memória e nos mostra o caminho da noção de ritmo como
noção temporal fundamental. Diante de questionamentos que compõem o debate sobre a
complexidade da vida em um pluralismo de durações – do passado, o que permanece? O que dura?
– assim responde o autor: “Apenas aquilo que tem razões para recomeçar” (Bachelard, 1989a: 8). O
enigma das representações do tempo é apreendido enquanto reordenação dos tempos vividos,
contendo as descontinuidades e rupturas que acabam por engendrar uma representação das
referências sócio-culturais, históricas e simbólicas que pontuam a ritmicidade de um cotidiano
sempre reinventado.
Com tal pressuposto, nossa meta neste artigo é problematizar a memória no contexto das
sociedades complexas. Nas cidades modernas – lócus investigados como favoráveis à amnése
coletiva –, é sobretudo na cadência das interações e nas reverberações das relações de sociabilidade
que a memória coletiva, enunciada por Maurice Halbwachs (1950), é inscrita. Da força dos sentidos
das variações das formas sociais, perscruta-se na espessura das memórias geracionais a construção
de uma reordenação de temporalidades narradas e performatizadas pelos citadinos como referentes
aos arranjos de interações. Assim, é nessa cadência que os indivíduos e grupos “ritmam” uma
“hierarquia de instantes” (Bachelard, 1989a: 25).
Essa continuidade psíquica da condição citadina não é um dado, mas uma obra, sugere
Gaston Bachelard (1989a: 51) ao nos ensinar sobre a dialética do ser na duração, e é a partir dela
que os arranjos da vida social na cidade devem ser pensados desde a perspectiva das durações de
instantes descontínuos. Estes orientam a experiência humana de seus habitantes, os quais, além de
serem atores e autores, também assumem o lugar de narradores da vida urbana.
Tendo por foco contemporâneo o dilema da pesquisa antropológica da memória em
contextos urbanos, indagamo-nos sobre a complexidade do trabalho do antropólogo em suas
análises do mundo contemporâneo ao lidar com o paradoxo da estabilidade e da descontinuidade de
1
sistemas sociais; logo, com a sua feição temporal.
Se o estudo das sociedades complexas trouxe problemas para a matriz disciplinar da
Antropologia, tendo em vista uma tradição de pesquisa e de estudos criada a partir de uma
experiência com sociedades simples (de pequena escala e cultura, relativamente homogênea), ele
certamente contribuiu para ampliar seus recursos metodológicos na análise das sociedades/culturas
humanas. A noção de “sociedades complexas” empregada pela comunidade científica – embora
preserve os traços de sua matriz sociológica de origem – também expressa uma preocupação
eminentemente antropológica com a heterogeneidade cultural, que deve ser entendida pela ótica da
coexistência, conflituosa ou não, no mundo contemporâneo, de uma pluralidade de tradições cujas
bases procedem da determinação das práticas e da idealização de valores dominantes.
A grande metrópole contemporânea é, portanto, expressão aguda e nítida de um modo de
vida singular, em que universalismos e particularismos se entrelaçam e se constrangem. Abordar o
tema das sociedades complexas é lidar com a questão da constituição de múltiplos universos
simbólicos a partir dos quais os atores sociais se movimentam, ou seja, com o problema da
dinâmica cultural propriamente dito em sociedades urbano-industriais.
Nesse ponto, a Antropologia contemporânea brasileira tem apontado para o fato de que, nas
modernas sociedades industriais, encontram-se sobrepostas diferentes estruturas espaço-temporais
que reúnem, a um só tempo, dimensões e instâncias desindividualizadoras tanto quanto processos
de individualização, estes vinculados a contextos sócio-culturais específicos, aos quais foram
acomodados no fluxo do tempo, na memória e no patrimônio de seu corpo coletivo.
Gilberto Velho (1981) – na linha dos estudos de Ruth Cardoso e Eunice R. Durham sobre
industrialização, urbanização e as imigrações e migrações nos grandes centros urbanos do Brasil
contemporâneo1
–, foi um dos primeiros antropólogos a chamar a atenção para esse fenômeno
temporal nas sociedades complexas (Velho, 1973, 1981)2
ao apontar, para o caso das grandes
metrópoles brasileiras, a presença da permanente contradição entre as particularizações de
experiências de certos segmentos, categorias, grupos e até indivíduos, e a universalização de outras
experiências que se expressam culturalmente através de conjuntos de símbolos homogeneizadores.
Ao reconhecer que nas modernas sociedades complexas, como no caso do Brasil, a
construção de identidades e a elaboração de projetos sociais se constituem dentro de um contexto
em que diferentes “mundos” ou esferas da vida social que se interpenetram de forma solidária e/ou
agonística, os antropólogos urbanos, no Brasil, nos convidam a pensar a experiência de vida nas
1
Ver por exemplo, DURHAM (1984, 2004) e CARDOSO (1986).
2
Além deste autor pode-se sugerir a leitura de outros antropólogos que seguem a trilha dos estudos e pesquisas
inaugurados por Ruth Cardoso e Eunice R. Durham, sobre os processos de urbanização, industrialização e migração na
sociedade brasileira e as dinâmicas sociais e culturais deles decorrentes, tais como, mais recentemente, CALDEIRA
(2001), a obra organizada por MAGNANI & TORRES (2000) e os livros clássicos de OLIVEN (1974, 1993).
2
grandes metrópoles nos moldes dos estudos sobre memória e patrimônio desde as formas de
sociabilidade, das trajetórias sociais, dos itinerários urbanos e do cotidiano dos habitantes de uma
grande cidade. Mais ainda, nos desafiam a abandonar a perspectiva de que tais fenômenos resultem
da pura causalidade da matéria de um passado, numa interpretação mais ou menos substancialista
da realidade social.
Os temas da ambigüidade da fragmentação-totalização de universos simbólicos nas
modernas sociedades urbano-industriais é o que nos tem provocado a refletir sobre as feições do
tempo no arranjo das formas de vida social nas grandes cidades brasileiras, tendo em vista que
numa tal sociedade os mapas de orientação para a vida social são particularmente ambíguos,
tortuosos e contraditórios. Retiramos disso uma importante conclusão para os estudos sobre
memória coletiva e patrimônio no mundo contemporâneo: a de que a ambigüidade das experiências
de fragmentação-totalização de universos simbólicos nas modernas sociedades urbano-industriais
não são apenas realidades sociológicas, senão que se configuram no interior dos “hábitos-ritmos”
(Eckert e Rocha, 2005a), por meios dos quais os habitantes das grandes metrópoles vivem seus
territórios, compondo, em tais espaços, suas biografias, suas formas de sociabilidade, suas
trajetórias sociais, seus itinerários e percursos.
Por um lado, nas cidades moderno-contemporâneas, são inúmeras e distintas as tradições
narrativas – por meio das quais se tece a vida urbana – que geram determinados sistemas simbólicos
que reúnem seus habitantes em determinados territórios de identidade e pertencimentos. Por outro,
tais identidades e pertencimentos transformam-se ao longo do tempo no interior de um mesmo
território. Estamos com isso reforçando a idéia da relevância de uma hermenêutica dos fenômenos
sociais que configuram as formas de vida urbana nas cidades brasileiras, irredutíveis a uma razão de
ordem econômica, e jamais prisioneira da cronologia de fatos exteriores (monumentais ou não) à
vida vivida por seus habitantes.
De acordo com o que vamos abordar neste artigo, apresentamos as metrópoles
contemporâneas como uma unidade teleológica, tendo em vista que o viver urbano é plural,
comportando diferentes dimensões espaço-temporais irredutíveis – seja aos fluxos de consciência
de seus habitantes, seja a uma consciência histórica para além do vivido de seus habitantes; não
podendo sequer ser pensadas “como rastro da Razão na história”, nos termos de Paul Ricoeur
(1994:348).
O tema da duração e as dinâmicas das formas sociais na cultura contemporânea
Segundo Georg Simmel, o desafio para a sociologia residiria na construção de um
pensamento que conseguisse dar conta das formas de sociação através das quais a matéria da vida
3
humana se perpetua e se conserva, sem para isso reduzi-las à matéria dos seus conteúdos (língua,
hábitos, costumes, tradições, etc. Para este autor, trata-se de compreender que, aos olhos do cientista
social, tais “formas não se reduzem a uma realidade imediata” (Simmel, 1981), ainda que
contemplem obras reais e concretas das quais resultem as sociedades e culturas humanas. Esta
assertiva de Georg Simmel nos faz refletir sobre o lugar da representação para a construção dos
pensamentos sociológico e antropológico, uma vez que tais pensamentos compreendem a vida
social por meio das formas pelas quais o ser social se dá a ver, ou seja, desde suas figurações.
O trabalho de Simmel é importante aqui para que possamos fazer nossa a sua perspectiva de
uma “sociologia das formas”. Sua orientação de um paradigma estético nos permite colocar
simultaneamente em alto relevo o tema do caráter temporal de toda a experiência humana e seus
efeitos na configuração de uma unidade coletiva, os quais não podem prescindir da da forma para
atingir a dimensão de uma matéria não perecível, apesar de sua contínua transfiguração de um
conteúdo em outro.
Mais do que observações de ordem epistemológica – em que Simmel reconhece a forma
participando do próprio processo de construção das categorias de análise e interpretação do
pensamento antropológico –, para nós, resgatar os comentários do autor acerca do fato das formas
de “sociação” carregarem em si mesma os dilemas da permanência ou não dos grupos humanos no
tempo e no espaço, nos é significante para consolidar o campo de pesquisa denominado de
“etnografia da duração” (Eckert e Rocha, 2005a) para o caso dos estudos de memória e patrimônio.
Aderindo a uma “sociologia formista” podemos, então podemos, então, avançar numa reflexão em
torno dos processos de manutenção da identidade do ser social e da sua conservação, ou não, como
unidade coletiva, desde o ponto de vista da transfiguração de uma forma em outra.
Nesse sentido, sustenta Simmel, toda a forma (de “sociação”) atribui um valor à vida
coletiva no transcorrer das suas alterações; ressaltando que a sociedade não está fechada numa
duração limitada. Inspirado nesta perspectiva é que Michel Maffesoli propõe o “paradigma estético”
(Maffesoli, 1985) como ponto de vista para interpretar os fenômenos sociais, e, nesse sentido, o
lugar estratégico da cultura e todo o seu cortejo de símbolos são parte do jogo interpretativo das
sociedades humanas. Saímos, assim, da engenharia social para a sociologia como uma forma de
arte, ou a um “esteticismo metodológico” como denomina Michel Maffesoli (1985: 35).
Para a epistemologia simmeliana, todo o ser é uma mistura de estabilidade e de mobilidade,
polaridade entre a vida objetiva e a vida subjetiva. Nessa dialética, se abstrairmos todas as
modificações de uma forma de sociação, o que vemos no ser social é tudo aquilo que é duradouro
nele; podemos ler na figura do ser a história de sua vida e ver o que constitui sua essência espiritual.
Para Georg Simmel, o que escutamos de alguém quando ele fala é um momento da sua vida em
4
movimento, é o desenrolar de seu ser (Simmel 1981: 231). Precisamente neste ponto, podemos
evocar os comentários de Michel Maffesoli (1985: 36) sobre a obra de Simmel, em particular
quando se refere à sinergia dos elementos diversos que fundam o social, na tensão entre o
minúsculo e a forma, a priori o empirismo, o arquétipo e o estereótipo.
Transladando a perspectiva do formismo simmeliano para o nosso caso da pesquisa
antropológica com a etnografia da duração, diríamos que o desafio será, portanto, o de descrever e
registrar as leis próprias de tais formas de associação que, sobrepostas e consolidadas, mantêm o ser
social nos termos de uma unidade de sentido, dado que a natureza dos fenômenos da cultura não
contempla a mesma matéria dos fenômenos físicos. Os laços invisíveis que unem as formas que
afetam os indivíduos, que os mantém unidos ou que os separa – o domínio da sociologia.
Na perspectiva do trabalho etnográfico, podemos aceitar o desafio de ultrapassar a mera
tradução do fato social na perspectiva de compreender as formas sociais a partir do que a unidade
coletiva apresenta como “efeitos de agregação” (Boudon apud Simmel, 1984), e suas cadeias de
sociação de ações recíprocas entre indivíduos e grupos sociais.
A duração das formas sociais e a relevância dos estudos do imaginário
As reflexões sintetizadas acima nos permitem situar o lugar dos estudos de antropologia da
imagem e do imaginário no corpo de uma pesquisa que se proponha a introduzir o fenômeno
temporal para a compreensão das dinâmicas da cultura moderno-contemporâneas. Em especial, o
tema da “consolidação temporal” (Bachelard, 1989b) para o caso dos estudos sobre memória
coletiva e patrimônio humano na perspectiva das formas de sociabilidade, das trajetórias e
itinerários dos grupos urbanos e de suas narrativas biográficas – é onde, do ponto de vista de uma
antropologia urbana, nos situamos.
É ainda com Georg Simmel3
que adentramos o tema do imaginário no que o autor se refere,
ainda que de forma indireta, à força das imagens e seus “processos psíquicos na (con)formação do
sentido de unidade para as formas de sociação entre indivíduos”.
As imagens figurativas, ou não – imagens como “objetos mentais” –, possibilitam as formas
sociais de duração no tempo como unidade coletiva, apesar do fluxo ininterrupto dos indivíduos
e/ou grupos que delas participam.
Sob este ângulo, a sociologia simmeliana – para nós que estamos interessadas numa
etnografia da duração –, nos permite pensar o lugar do símbolo constitutivo de toda a imagem para
a construção da “unidade psicológica” que toda a forma de sociação provoca. Obviamente, estamos
3
Referimo-nos aqui aos capítulos « Comment les formes sociales se maintiennent », « La Sociologia du sens » e « Le
problême de la sociologie » In: SIMMEL (1981, Parte II).
5
partindo do que Georg Simmel denomina de “psiquismo coletivo” por meio do qual o ser social se
dá a ver como unidade de conjunto. Impossível não associar tal “psiquismo” – que, segundo o autor,
permite que a unidade de um grupo seja restituída em tudo o que lhe é desconhecido, por
extrapolação, a partir de fragmentos conhecidos (Simmel, 1984: 83) – à dimensão simbólica da
imagem e ao seu princípio organizador que toda forma contempla, no plano da imaginação criadora.
Para atingirmos esse grau de reflexão, nos apoiamos em Gilbert Durand (1984: 25) e no que
este autor resgata dos estudos piagetianos da representação que sustentam a idéia de uma “coerência
funcional” entre o pensamento simbólico e o sentido conceitual, e da qual resulta a unidade e a
solidariedade de todas as formas de representação. Com esse procedimento, colocamos em interface
o que Georg Simmel (1984:80) denomina, em seus estudos da filosofia da história, como sendo os
conteúdos observáveis da forma, com o que Gilbert Durand (1984: 24) denomina da “significação
imaginária” da forma ao tratar da transformação e da mise en forme das sensações pela atividade
psíquica.
Interessante se constatar que raramente Georg Simmel (1981) se vale da palavra “símbolo”
para expressar esta capacidade que tem a “forma” de se depreender de seu conteúdo imediato, pela
via da eficácia do imaginário que comporta toda a (re)presentação4.
O que se torna, entretanto, importante a ser retido para o que estamos abordando neste artigo
é que em Georg Simmel a figuração da “unidade coletiva” numa forma não representa adesão a
certo tipo de conhecimento sociológico e no qual o papel da imagem seria reduzido ao seu caráter
de positividade. Ao contrário, sem vincular a figuração da forma do ser social às amarras do
imperialismo do visível e do tangível – ou até mesmo ao dogmatismo das ditas descrições realistas
–, o pensamento simmeliano abre espaço para o reconhecimento de que a imaginação atribui vida à
existência material de uma unidade coletiva, em seu desafio de permanência e continuidade.
Nos termos simmelianos, a passagem de uma forma do social para outra traz à tona a
importância da crítica a certo tipo de individualismo metodológico nos moldes positivistas que
insistem em enquadrar a vida histórica em dados que lhe são externos, ignorando seus critérios de
coerência interna. Isso posto, o conteúdo dos traços observáveis de um fato social ou histórico não
determina em si mesmo a unidade de seus traços – e, nesse ponto, algo que nos interessa ressaltar
para os estudos da “etnografia da duração” –; o autor conclui que podemos evocar a identidade de
um fenômeno mesmo quando observamos nele traços de contradições formais, uma vez que é
precisamente o desafio de permanecer igual a si-mesmo nas situações mais diversas que faz com
4
Conforme Simmel (1984: 62) reconhece-se desde a obra de Kant que “a atividade mental, num grau jamais pensado, é
dotada da capacidade de colocar em forma os dados da representação”. Nesse sentido, é agrupando formas e exercendo
sua atividade de colocá-las umas em relação às outras que o espírito pode “classificar, definir e discriminar os dados da
experiência para tirar deles as composições as mais diversas” (tradução livre das autoras).
6
que um fenômeno possa criar para si uma unidade (Simmel, 1984:80).
Nesse ponto, o autor contrapõe-se à doxa cientificista da segregação e classificação de
imagens no interior da inteligência lógica do discurso sociológico, ao aderir às estruturas figurativas
e às peripécias semânticas que compõem os efeitos de agregação dos quais a vida social é tributária
para a interpretação da vida social. Em suas preocupações com os fenômenos históricos – diríamos
nós, fenômenos temporais –, Georg Simmel reconhece a substituição incessante de uma forma do
ser por outra, de tal jeito que o mundo social nos dá a imagem de um perpetuum mobile de formas
(Simmel apud Freund, 1992:38). A forma acaba por assumir, finalmente, o princípio da
diferenciação que introduz a descontinuidade no fluxo contínuo do vivido do corpo social (ao
afirmar uma forma, nego outras), visto que nenhuma forma pode ser absolutamente comparável a
outra, além de que a afirmação de uma forma eliminaria outras.
A etnografia da duração, patrimônio e a cidade como objeto temporal
Os comentários anteriores sobre a obra de Georg Simmel nos permitem, agora, adentrar o
tema da duração em Gaston Bachelard e suas propriedades para se falar sobre as cidades moderno-
contemporâneas como um “objeto temporal” (Eckert e Rocha, 2005a). Atendendo-se à idéia
bachelardiana de que o tempo é hesitação tanto quanto a continuidade substancial da matéria, a qual
só intervém tardiamente, a compreensão da dinâmica dos processos culturais nas modernas
sociedades complexas, por meio da prática de uma “etnografia da duração” (Eckert e Rocha,
2005a), exige do antropólogo sua aderência aos estudos da memória e do patrimônio em outros
moldes5
.
Em nossas pesquisas “no” e “do” mundo urbano contemporâneo, enfocamos as
problemáticas tanto do patrimônio quanto da memória como fenômenos que presidem precisamente
a esfera dos estudos sobre a consolidação temporal. Isto é, referimo-nos às condições temporais nas
quais um corpo social atinge sua perpetuidade como substância “coletiva”, em meio às
descontinuidades dos instantes por ele vividos. Temos consciência de que essa perspectiva rompe
com abordagens antropológicas mais convencionais sobre ambos os temas ao se reconhecer, em tais
fenômenos, a importância singular da vacuidade e da hesitação como matérias conformadoras da
tessitura da vida social, tal qual postula Gaston Bachelard, em suas obras L´intuition de l´instant
(1932) e La dialéctique de la durée (1989a): a idéia da continuidade do tempo não é um dado em si
mesmo, mas “uma obra humana” (Bachelard, 1989a:51). Através da idéia da continuidade e
5
Partimos aqui de artigos produzidos no sentido de problematizar a dimensão bergsoniana do tempo e suas influências
na obra de Maurice Halbwbachs (1920, 1925, 1950) Sobre a importância de se superar os vícios de uma hermenêutica
redutora para a interpretação dos estudos da memória e do patrimônio em sociedades complexas, moderno-
contemporâneas. Ver a respeito o artigo das autoras (2002/1).
7
sucessão temporal no bojo da descontinuidade, em que o tempo revela-se hesitação, a “dialética da
duração” bachelardiana nos provoca a ler o patrimônio bem como a memória como integrando as
polêmicas descontinuidade/continuidade e fragmentação/universalização nas grandes metrópoles
contemporâneas, e em especial nos grandes centros urbanos do Brasil.
Se aceitarmos que tempo é vibração e hesitação, por sua feição lacunar e, ao mesmo tempo,
se concordarmos que a vida é movimento e construção produtiva, criadora de estruturas dinâmicas,
toda a interpretação das estruturas espaço-temporais das formas de vida social, nas modernas
sociedades urbano-industriais, tem por desafios ultrapassar a perspectiva de uma simples tradução
desta oscilação dos instantes em falhas do tempo. Mais especificamente, etnografando os itinerários
dos grupos urbanos e suas formas de sociabilidade, reconhecemos cada vez mais que é o tempo
lacunar, (con)figurador das ditas modernas sociedades complexas, aquele que nos provoca a
reconhecer, em última instância, a matéria sutil da duração da vida humana num determinado
território – as grandes metrópoles.
Para nós, é essa “realidade imediata” do ser social, tensionada de esquecimentos e de
lembranças no interior da configuração de suas formas, que tem se oferecido como parâmetro
interpretativo para os estudos de uma rythmanalyse6
das dinâmicas da cultura e suas feições do
tempo para a compreensão da vida social nas sociedades complexas. Sob esse ângulo, a realização
da “etnografia da duração” para a prática da antropologia urbana na contemporaneidade traz, assim,
o desafio do estudo da unidade dos traços das grandes metrópoles. Investimos no registro das
imagens de conjunto (“coleções etnográficas”7
) através das quais a vida social se dá a ver nos
grandes centros urbano-industriais para pensar, com elas e por meio delas, as ritmicidades que
regulam os arranjos dos tempos vividos e dos tempos pensados, dos tempos subjetivos e dos tempos
do mundo em seus territórios. Dos efeitos de agregação dos indivíduos aos efeitos de composição
de tais formas sociais no contexto metropolitano, por meio dos recursos audiovisuais na captura das
vivências dos habitantes das grandes metrópoles buscamos compartilhar, com eles, os momentos
singulares em que a matéria do tempo, na sinergia entre lembranças e esquecimentos, traduz a vida
urbana em raios ondulatórios e em superposições temporais.
Refletindo sobre a estrutura ondulatória das formas de vida social, cuja regularidade de
freqüência lhe garante força de existência nas grandes metrópoles contemporâneas, são as narrativas
dos habitantes de Porto Alegre/RS que tem nos conduzido a sustentar que, no plano dos jogos da
memória, a matéria do ser social se movimenta, ininterruptamente, sem no entanto se dispersar no
6
Segundo Bachelard (1963:133): "A ritmanálise procura em toda parte ocasiões para ritmos [...]. Ela nos previne assim
sobre o perigo que há em viver no contratempo, desconhecendo a necessidade fundamental das dialéticas temporais".
7
Projeto de pesquisa Cnpq de Ana Luiza Carvalho da Rocha, 1997-2008.
8
interior do desacordo rítmico que constitui a própria vida.8
Ao se reunir coleções etnográficas de
antigas imagens históricas dos acervos da cidade e o registro audiovisual dos itinerários urbanos;
das narrativas biográficas e das trajetórias sociais atuais dos seus moradores e a etnografia de rua
em seus territórios de vida, estamos procedendo em um ato interpretativo que nos permite observar
que matéria das formas de vida urbana, desde suas radiações, reúne, em seu fluxo,
passado/presente/futuro.
Percebemos, então, que memória e patrimônio não se constituem como matéria congelada
no espaço, numa duração uniforme e inerte, indiferente ao tempo. Ao contrário, a matéria das
antigas lembranças de uma vida vivida, pela participação da imaginação criadora, vibra no interior
do tempo pensado de seus testemunhos e relatos, para se perpetuar, no plano da memória, em certos
lugares da ambiência contemporânea de Porto Alegre.
Reunindo-se a epistemologia simmeliana à perspectiva da dialética da duração
bachelardiana, podemos abordar, então, a cidade como objeto temporal, no sentido de que é
somente porque a vida social nas grandes metrópoles contemporâneas atinge sucessivos graus de
regularidade rítmica, no interior de um tempo que vibra, e por meio de e no ritmo da imaginação
criadora de seus habitantes, que sua forma adquire unidade. Pensar o patrimônio (material ou
imaterial, pouco importa) no contexto das sociedades complexas é, nesse ponto de vista, um convite
a se pensar as formas de vida social que aí transcorrem fora de dogmatismos, os quais têm a
pretensão de enquadrar a vida social em categorias tais como desenvolvimento e modernização.
A poeira do tempo, as artes do dizer e as artes do fazer no estudo das formas do social
Para se aderir à idéia de uma etnografia da duração como parte do desafio de se
compreender as metrópoles contemporâneas, torna-se necessário para o antropólogo urbano adotar
uma verdadeira prudência metodológica, nos termos da poética bachelardiana, no momento de sua
adesão a “uma metafísica da poeira” (Bachelard, 1989). Estamos tratando de uma etnografia sutil
dos arranjos conferidos às ordenações temporais vividas e representadas pelos habitantes dos
grandes centros urbanos, estes cada vez menores e invisíveis, concebendo-as no decorrer da
dissolução do tempo, numa série de rupturas, em que a matéria das ações passadas destes habitantes
se desenvolve e se manifesta segundo seus distintos universos simbólicos, sob a forma de ritmos, os
quais conservam a substância do viver a sua cidade, o seu bairro, a sua rua, o seu edifício.
As inúmeras obras de Pierre Sansot9
nos inspiram a pensar o tema da “etnografia da
8
Novamente a referência são os comentários de Bachelard (1989: 130-135), em que o autor, referindo-se às relações
entre a matéria e o tempo, afirma ser “le rythme régulier qui apparaît sous forme d´attribut matériel determiné”, isto é,
“l´aspect matériel est la confusion réalisée”.
9
Cf. Sansot (1986, 1992, 1997, 2003).
9
duração” como parte dos estudos da poética que expressam as “formas sensíveis da vida social”, na
tentativa de dar prosseguimento à discussão de Georg Simmel sobre “sobre como as formas se
mantêm” (1981). Nessa dimensão de aproximação da vida social, os habitantes comuns de uma
grande cidade tornam-se heróis de suas próprias estórias. A cidade, seus bairros, praças e ruas, sob a
perspectiva da “festa das palavras” (Sansot, 1986a: 46), tornam-se, assim, um desafio ao etnógrafo
do mundo urbano-contemporâneo.
A vida urbana, então, seguindo-se os estudos de Pierre Sansot (1991b:74; 1990b:60), pode
ser compreendida desde o plano de uma memória coletiva tenaz e perseverante, em que o social se
dá a ver para além dos particularismos de classe, de etnias, etc. A sedimentação de uma memória
coletiva no corpo destas falas – as falas do “zé ninguém”, das “pessoas do povo” –, em sua
capacidade de fabular, tem o poder de inventar, nos jogos de sociação que se configuram na ordem
do cotidiano, uma fisionomia para ser do social (Rocha, 1994). As “artes de dizer” se associam às
“artes de fazer” (De Certeau, 1992), impedindo que os laços sociais nos quais toda a existência de
uma forma para o corpo social encontra sentido, impedindo-a de cair no esquecimento, e se
dissolver no tempo. A proposta do autor, em convergência com a proposta simmeliana, é a de
estudar as realidades sociais tais quais elas se apresentam, e se possível, desde a linguagem através
das quais tais realidades sociais se designam no mundo. Na linguagem ordinária tecida nas poéticas
das conversações banais do dia-a-dia, numa grande cidade, permite-se, segundo Pierre Sansot, a
afinidade dos habitantes de uma grande cidade entre si e com suas práticas sociais comuns, em sua
polifonia e polissemia (Sansot, 1973:10).
A palavra criadora carrega, assim, a força dinâmica da memória, pois nela se depositam não
só as motivações de uma unidade coletiva, mas devaneios, imaginários e recordações, tornando os
lugares da cidade espaços afetivos, através dos quais as formas de vida cotidiana encontram
formalização, como nos ensina a obra de Michel de Certeau e a sua “fala dos passos perdidos” (De
Certeau, 1992). Convergindo com esta perspectiva, temos a de Pierre Sansot. Este parte dos
postulados da poética da cidade, das artes da conversação e das formas sensíveis de vida social,
concebendo os jogos performáticos dos gestos, da importância do corpo, da mise-en-scène da vida
social para o estudo das vidas das formas a partir de etnografia de sua expressão simbólica no
minúsculo, da restauração das práticas sociais e culturais ordinárias de seus habitantes em seus
territórios de vida.
Finalmente, desponta para nós o fenômeno da narrativa como pertinente para os estudos da
duração, lembrando-nos do que Georg Simmel já comentava sobre a reconstituição dos estados de
consciência dos atores históricos – ser e estar – mediados pela formação das imagens subjetivas.
Não sendo por isto “coisas” (destacadas de suas raízes), mas fenômenos. Os relatos dos habitantes
10
das grandes cidades sobre as transformações de seus territórios de vida participam, desta forma, dos
processos de transposição e simbolização importantes para o estabelecimento da “identidade de
essência” entre o eu e o outro (Simmel, 1984: 88)
Para enfrentar o desafio de compreender as obras da cultura humana reunidas nas grandes
metrópoles em constante “criação destrutiva” e “destruição criativa” (Harvey, 1996), Georg Simmel
propõe que, ao invés de se pensar os fenômenos sociais desde o conteúdo que eles carregam,
pensemos as suas formas, pois é através delas que a sociedade se manifesta como um conjunto de
ações recíprocas vividas na vida cotidiana. Para o autor não se tratava de pensar a vida social a
partir de suas instituições, normas e regras formalistas – a sociedade como fato moral ou escolha
racional –, mas como rede de trocas sociais e afetuais sempre renovadas para além do seu impulso
inicial de fundação, num processo incansável de configuração. Para enfrentar o desafio de se
trabalhar esta dimensão dos estudos da memória e do patrimônio, sob a lógica da etnografia da
duração, torna-se fundamental considerar a decomposição das paisagens urbanas (tratando-se a
memória como estudo da temporalidade e não da historicidade) como parte dos arranjos e
enquadres da descontinuidade do tempo no coração dos relatos de seus habitantes.
Nos termos da sociologia figurativa de Pierre Sansot, como já comentamos, as formas
figuram os efeitos de agregação que derivam das sociações diversas entre os indivíduos, sendo que
a exterioridade da forma traz consigo esta relação dialética sensível entre o presente e o ausente,
num percurso em que somente o símbolo pode reunir entre si os seres e as coisas. Por outro lado,
também já nos referimos anteriormente, a partir dos estudos de Gilbert Durand (1984), à adesão de
nossa pesquisa ao campo do imaginário como adensamento do visível em que toda a forma expressa
os sentidos que sua figuração evoca.
Vale retomar a idéia de Georg Simmel acerca dos estudos das formas do social para a
compreensão do instante em que os processos de sociação emergem. Seguindo-se a epistemologia
simmeliana, podemos pensar, assim, que os laços sociais no interior das grandes metrópoles
contemporâneas perseguem os fluxos da experiência vivida de seus habitantes, ganhando formas
que persistem para além dos seus conteúdos de origem. É precisamente nesse ponto que, como
explicitamos anteriormente, retomamos o método formista de Simmel como um convite às
reflexões bachelardianas sobre “tempo e duração” no sentido de que ambos, articulados com os
estudos de Paul Ricoeur sobre “tempo e narrativa”, fornecem importantes chaves interpretativas
para a compreensão do fenômeno temporal no interior das modernas sociedades complexas urbano-
industriais.
A prática do trabalho de campo e o pluralismo coerente da duração
11
Transpondo-se os estudos de Paul Ricoeur (1994) sobre o lugar da narrativa no processo de
restauração do tempo para o caso da compreensão dos fenômenos da duração no mundo
contemporâneo, podemos avançar no argumento sobre a importância dos estudos da forma e do
imaginário para a interpretação das modernas sociedades complexas como experiência diegética.
Segundo o autor, “o tempo torna-se humano na medida em que está articulado na forma narrativa”,
sendo no interior dele que as ações dos indivíduos e/ou grupos apresentam-se como “totalidades
altamente organizadas” no interior de uma sucessão (Ricoeur, 1994: 15).
Não por acaso selecionamos este pequeno comentário, em particular, para ressaltar as
aproximações da pesquisa antropológica das grandes metrópoles contemporânea por meio da
“etnografia da duração” com os estudos oriundos do campo da narrativa (histórica ou literária).
Neste sentido, em outro artigo (Eckert e Rocha, 2003), pudemos constatar que a experiência do
etnógrafo nas grandes metrópoles se traduz no desafio de se integrar às diversas formas espaço-
temporais que assumem as “artes de contar” para seus habitantes, enquanto tradição da narrativa
etnográfica. Um procedimento de mão dupla que o obriga a refletir, ao mesmo tempo, sobre as
diferentes camadas de experiências temporais que deve percorrer o antropólogo (de si e do outro)
até a elaboração de sua obra etnográfica (Eckert e Rocha, 2005a).
Abrimos, agora, espaço para pensarmos a narrativa, acoplada aos estudos da duração e do
imaginário, como tendo importante papel para os processos simbólicos de enquadramentos espaço-
temporais, nos quais toda a forma do ser social se torna possível. O fenômeno da narrativa pode se
tornar a chave interpretativa da memória e do patrimônio “no” e “do” mundo urbano
contemporâneo, ao nos dar as pistas por meio das quais a forma de um arranjo do ser social se
transfigura organicamente em outra, desde o isomorfismo de seus símbolos convergentes em torno
de vastas “constelações de imagens” (Durand, 1984). O que significa dizer, em outras palavras, que
a (trans)figuração de uma forma em outra nos mostra a ação recíproca entre os laços de sociação de
indivíduos e os seus efeitos de agregação para a estabilidade instável de determinadas estruturas de
figuração do ser social nas grandes metrópoles atuais, e os jogos de esquecimento e lembrança que
delas decorrem.
Na compreensão da unidade orgânica incompreensível entre ordem e desordem para o caso
do mundo urbano contemporâneo, são as narrativas dos habitantes dos grandes centros urbanos
industriais que têm nos revelado a interdependência entre as formas e as estruturas dos arranjos
sociais como sendo fenômenos que integram os procedimentos de uma “etnografia da duração”.
Principalmente considerando-se os temas da continuidade e da permanência dos grupos humanos
como seres coletivos, na concepção simmeliana, o plano da narrativa nos revela que a forma
sociológica que assume a cidade moderna (Simmel, 1979) se apresenta como uma modalidade suis
12
generis de conformação da vida social. Isto é, os grandes centros urbanos apresentam-se não apenas
como território em que as formas do ser do social se manifestam em suas condições de fugacidade e
de efemeridade, seguindo um processo ininterrupto de destruição criativa, mas também um
território de enquadramento rítmico de experiências espaço-temporais heterogêneas e díspares.
Sob outro ângulo, “etnografar” a duração diante do fenômeno da destruição criativa nas
grandes metrópoles contemporâneas desemboca no desafio da recondução, por parte do etnógrafo,
do ser-no-tempo dos indivíduos e/ou grupos por eles pesquisados para além do debate acerca do
caráter datável, público e documentado dos tempos por eles vividos. Ou seja, implica considerar,
em suas preocupações etnográficas, as preocupações ordinárias dos habitantes das grandes cidades,
na ordem do vivido, para atingir a capacidade de "contar" suas estórias com a ajuda desse tempo.10
Em especial, do ponto de vista do etnógrafo, a experiência diegética representa, para a
realização da etnografia da duração, compreender a passagem do espaço figurado da narrativa
documental – isto é, os dados etnográficos colhidos no registro das trajetórias sociais, dos itinerários
urbanos e das narrativas biográficas dos seus habitantes –, para o espaço de representação da
narrativa etnográfica tendo em vista, nas palavras de Paul Ricoeur (1994), a “tríplice mímese” por
meio das quais fazemos concordar tudo aquilo que no tempo se apresenta como discordância.
Transladando os comentários do autor para os cânones da tradição da Antropologia urbana,
diríamos que o fenômeno da duração recoloca os estudos de narrativa como parte integrante da
pesquisa etnográfica nas modernas sociedades contemporâneas. Ou seja, dar conta da “tríplice
mímese” abarcaria: a mímese (1), isto é, da pré-figuração, referida à experiência temporal imediata
vivida pelos indivíduos (sujeitos da pesquisa), e que precede o relato etnográfico; a mímese (2), da
configuração, situada na experiência temporal da tessitura da narrativa etnográfica propriamente
dita, e a mímese (3), da reconfiguração, isto é, da experiência temporal que sucede a obra
etnográfica, e sob a qual nem o etnógrafo, nem os sujeitos de sua pesquisa podem responder por ela
integralmente.
Nos moldes de uma etnografia da duração, significa explorar inúmeros dispositivos de
"domesticação" simbólica do tempo como modalidade de enquadramento do ser do social no teatro
da vida urbana. Estão em jogo, de um lado, as motivações simbólicas do etnógrafo em sua
experiência temporal nos territórios da vida urbana; por outro, os dispositivos simbólicos evocados
pelos indivíduos e/ou grupos ao longo dos relatos de suas vidas vividas, na origem das quais está
toda a razão de ser da obra etnográfica (considerando-se, evidentemente, as discordâncias do tempo
no relato dos próprios sujeitos de pesquisa). Importante ressaltar que em tal contexto hermenêutico,
o ato de narrar exige, da parte do etnógrafo, o domínio das motivações simbólicas de controle do
10
Ver a respeito o artigo das autoras (1998).
13
tempo tanto por parte do outro, quanto de si, se considerado o tempo como um fenômeno granular e
cumulativo, o qual não pode prescindir da narrativa para se consolidar.
Neste ponto, é notável que Georg Simmel (1979) reconheça nas descontinuidades das
formas de vida social na cidade moderna, uma adjudicação de sentido para a configuração do seu
corpo coletivo. Podemos, portanto, interpretar que é na contingência da fuga do tempo que a
matéria dos laços sociais se eternizam. Nos termos de Simmel, diríamos que é através de uma
constante reconciliação entre uma cultura objetiva e uma cultura subjetiva que o viver humano
constrói para si uma unidade – uma reconciliação que se dá a ver no tempo e no espaço, e que
podemos descrever no interior da vida metropolitana. Aliando-se a epistemologia simmeliana à
fenomenologia bachelardiana da duração e aos estudos durandianos do imaginário – e estes, por sua
vez, aos estudos da narrativa em Paul Ricoeur (1994) – para o desenvolvimento da pesquisa sobre o
fenômeno da duração em sociedades complexas, vamos novamente encontrar, sob o ângulo da
intriga, o reconhecimento do caráter granular e descontínuo que abarca toda a experiência humana
do tempo e suas exigências de enquadramento pela via do muthos.
Com Paul Ricoeur (1994) reconhecemos que uma ação humana só pode ser narrada porque
ela encontra-se, desde suas origens, articulada em signos, regras, normas; desde sempre
“simbolicamente mediatizada”. E retornamos aqui às mesmas constatações de Georg Simmel
(1984) para o caso das suas inquietações em torno da duração das formas do ser social, isto é, da
identidade entre o “eu” e o “não-eu”. Prosseguindo-se, com Paul Ricoeur (1994), reconhecemos
que toda a ação narrada refere-se, ao menos, a dois movimentos distintos, ao que "de fato
aconteceu" e a tudo aquilo que é da ordem da interpretação – o que converge com a idéia
bachelardiana das diferenças entre o “tempo pensado e o tempo do mundo” para o caso dos seus
estudos da consolidação temporal (Bachelard, 1989). Finalmente, ainda com os estudos de Paul
Ricoeur (1994) sobre a tessitura da intriga para o fenômeno da experiência temporal na forma
narrativa, podemos observar que toda narração contempla uma ordenação temporal determinada –
convergindo para o estudo durandiano das estruturas antropológicas do imaginário e das suas
modalidades simbólicas de controle do tempo (Durand, 1984).
Sob esse ângulo, a pesquisa com antropologia urbana no contexto das sociedades complexas
não pode prescindir do estudo do imaginário, da imaginação e da inteligência coletiva de sua
comunidade, que a faz contínua desde seu interior descontínuo. A compreensão da “duração”
naquilo que se transforma, tanto quanto o mutável no corpo de uma duração, permite ao
antropólogo, pesquisando a memória coletiva e o patrimônio etnológico de uma grande metrópole,
adentrar os diversos territórios onde a vida social se processa, abdicando-se de submetê-la a uma
razão instrumental, para aderir à sua causalidade formal. Trata-se, assim, de ultrapassar todo o
14
dogmatismo que se apóia na minimização da força do sensível na tessitura das formas de
organização da vida urbana, para poder ver uma forma perdurar – no interior de suas
transfigurações – de uma maneira, aparentemente aleatória em outra.
A metrópole contemporânea aparece, assim, como lugar tanto de desmistificação
(explicações do tipo causalista ou histórica) quanto de re-coleção (restauração) de sentido. Os
dispositivos simbólicos que aparecem como força do sensível que transmuta os laços materiais e
concretos de sociação entre os indivíduos numa unidade coletiva, por sua dinâmica, é um convite à
viagem, à deambulação do sentido que conforma a prática da etnografia, tendo em vista ser a vida
social profundamente aberta e dinâmica.
Na contemporaneidade, a decomposição de prédios, a destruição de ruas, a mutação da
paisagem de um bairro, enquanto experiências dramáticas para os habitantes de uma grande cidade,
conservam a possibilidade do relato, da história, revelando-se uma situação de conhecimento em
ação a ser reconhecido e interpretado. Se a memória de uma cidade é, por um lado, monumental,
por outro, ela é vivida no percurso cotidiano das ruas e praças. Resgatar os itinerários dessas
memórias como espaços de encenações da vida coletiva de um grande centro urbano significa
colocá-los no bojo da própria gênese do seu patrimônio etnológico.
Sob esse ponto de vista, os grandes centros urbanos tornam-se, assim, um mundo tecido a
partir dos laços simbólicos de seus habitantes. Laços urdidos pelos atos de consciência de seus
moradores, segundo suas distintas tradições tanto quanto pela consciência homogeneizadora das
temporalidades históricas e progressistas. Mas, acima de tudo, laços desde o caráter simbólico das
ações sociais, o qual nos conduz à aceitação do papel fundamental da vida dos símbolos na
construção das cidades moderno-contemporâneas como espaço de atualização de utopias e distopias
e, em decorrência, e da importância dos mitos na configuração da vida cotidiana de suas
comunidades urbanas.
O viver a cidade como experiência diegética narrada
Neste artigo, advogamos que todo o esforço interpretativo das modernas metrópoles
contemporâneas transparece no ato de se restaurar (através das imagens fotográficas, videográficas,
literárias e sonoras) as memórias narradas de uma cidade não apenas pela voz de seus habitantes,
mas pelos quadros sociais em que se depositam seus acervos, seus museus, seus álbuns de família,
etc. A proposta é a exploração dos "cenários da memória" dos habitantes da cidade como condição
que integra as ações e gestos de preservação patrimonial de seus territórios, alertando-se para a
importância do ato compreensivo da experiência mnésica e fabulatória dos grupos urbanos em
itinerância para se pensar a construção de suas alteridades na vida coletiva nas grandes
15
aglomerações do país.
Conforme mencionamos no tópico anterior, no ato de narração e de re-narração se enraíza o
desafio da prática da etnografia da duração e que abarca o ato de compartilhar com o próprio
narrador – habitante das grandes metrópoles – os jogos de esquecimento e lembranças dos fatos, dos
acontecimentos, das situações e dos instantes por ele vividos nos seus territórios. O processo de
morte e renascimento de uma cidade, os ritos de destruição e reconstrução, o suplício de sua matéria
terrestre são assim um campo fértil de análise das representações simbólicas acerca do tempo no
mundo urbano contemporâneo.11
Retornando ao tema da fenomenologia bachelardiana do tempo,
trata-se aqui de um ato de pensar em tripla potência (pensar um pensamento que se apresenta
pensando as intensidades descontínuas dos instantes).
Por essa razão, a “etnografia da duração” (Eckert e Rocha, 2005a) não consiste em uma
etnografia da lembrança-vestígio dos dados imediatos da consciência dos moradores de um grande
centro urbano em contínua construção/destruição/deformação. Antes pelo contrário, tal etnografia se
afirma como um ato de produção de etnografias mediado pela fabulação tanto por parte do
etnógrafo quanto por parte dos seus sujeitos de pesquisa, o que faz com que cada episódio banal
evocado por eles em presença do etnógrafo se propague, em seu registro documental, como matéria
viva das tradições da cidade.
Em termos de procedimentos metodológicos da “etnografia de rua” (Eckert e Rocha,
2003b), temos a imersão do etnógrafo na “memória dos passos perdidos” (De Certeau, 1992) dos
moradores das grandes cidades como topos significativo da re-recriação de tradições urbanas. As
paisagens urbanas despontando como espaços fantásticos onde os moradores de um grande centro
urbano, habitando suas lembranças passadas, fazem das imagens imateriais de seu acervo
patrimonial um conhecimento em ato da cidade (Eckert e Rocha, 2007b).
O percurso intelectual traçado acima resulta no reconhecimento da “gênese recíproca”,
(Durand, 1984) no plano do imaginário, que faz toda a forma do ser oscilar da construção de uma
duração, em sua luta contra a matéria perecível do tempo, à sua completa dissolução e morte, e
vice-versa. Inserimos, por esta via, numa alusão ao conceito de “trajeto antropológico” em Gilbert
Durand (1984: 24), as preocupações simmelianas com a manutenção das formas sociais no campo
dos estudos do imaginário. Nesta perspectiva, a pesquisa etnográfica da memória coletiva e
patrimônio no contexto das sociedades complexas nos remeteria a pensar o trajeto antropológico de
tais formas de sociação, reconhecendo-se a anterioridade “tanto cronológica quanto ontológica”
(Durand, 1984: 24) dos símbolos por meio dos quais o ser social atinge uma duração.
Sem dúvida que pensar o símbolo e suas motivações na manutenção das formas sociais nos
11
A esse respeito, citamos aqui inúmeros artigos produzidos pelas autoras (2006, 2007a, 2007b).
16
grandes centros urbanos nos remete às distintas regiões da linguagem (linguagem ordinária de seus
habitantes, discursividades do poder, etc.). Contrariamente a uma etnografia da lembrança do
passado, o estudo da “etnografia da duração” aceita como suposto que a matéria das lembranças, ou
reminiscências de um tempo vivido, adquire uma substância somente se ela se “temporaliza” sob
forma de ondulações do próprio ato que encerra o “tempo pensado” (Bachelard, 1989). Enfocando-
se as tradições populares, as práticas culturais cotidianas nos bairros e as festas e rituais coletivos
nos espaços públicos e privados, o que se busca não são os traços autênticos de signos culturais de
uma cultura urbana, pois se admite que a redução do "traço" mnésico a um signo cultural acaba por
destituir o patrimônio etnológico de uma comunidade do seu poder de fabulação, de re-invenção da
vida coletiva.
Isso posto, para finalizarmos nossas reflexões sobre a “etnografia da duração”, seu
“paradigma estético” e os estudos da forma e do imaginário, temos que retomar brevemente a
fenomenologia bachelardiana para situarmos o que aqui estamos denominando de “experiência
diegética” para pesquisa em sociedades complexas. O termo “diegético” (oriundo dos estudos de
narrativa), em contrapartida ao de mímese, anteriormente empregado, para se abordar compreensão
da duração no mundo urbano contemporâneo, não é casual. Nos termos da antropologia urbana,
empregar o termo diegése para ressaltar o tempo da trama (do tempo pensado), em relação ao tempo
real (tempo do mundo) que constrange a ritmicidade da vida vivida pelos moradores nas grandes
metrópoles, é simplesmente um recurso empregado para se reforçar a idéia da cidade moderna
como lugar de fabulação de múltiplas narrativas por parte de seus habitantes. As formas do ser
social nos grandes centros urbanos, seus “efeitos de agregação”, como experiência diegética,
condensam tramas cujas particularidades, limites e coerências só podem ser apreendidas, no tempo
e no espaço, desde os enquadramentos moventes e as linhas de forças criadas no fluxo itinerante de
seus moradores.
Em especial, pensar as cidades desde a sua perspectiva de conjunto de acontecimentos
narrados numa determinada dimensão espaço-temporal, nos incita a retomar a poética do devaneio
(Bachelard, 1993), enlaçando-a à poética do espaço (Bachelard, 1989b), para projetá-las
diretamente no interior de uma dialética da duração (Bachelard, 1989a). A intenção é a de
interpretar a experiência espaço-temporal que compreende a matéria a partir da qual se configuram
as grandes metrópoles contemporâneas. Nos termos de uma “etnografia da duração” a nossa
tentativa é sensibilizar o antropólogo em seu trabalho de campo para a ação fabulatória dos jogos da
memória de seus habitantes e de suas próprias, apostando tanto em sua capacidade de deformar
quanto de (com)formar como elemento interpretativo de sua regularidade e durabilidade12
.
12
Este esforço foi parcialmente sistematizado por uma das autoras, e dele resultou sua tese de doutorado, defendida em
17
Vamos encerrar nossa argumentação retornando à afirmação da significação imaginária que
configura toda a forma do ser social, atribuindo-lhe uma unidade onde se corre o risco da
descontinuidade. Nesse sentido, poderíamos pensar que se, em termos simmelianos, a vida social é
forma tributária dos “efeitos de agregação” dos laços de sociação dos habitantes entre si, em
determinados territórios; valendo-nos dos estudos de Pierre Sansot sobre a poética das cidades, tal
“agregação” não ocorreria ao acaso, mas segundo “certas zonas matriciais”, dada na congruência de
símbolos estruturados em termos de uma forma-forte. “Etnografar” tais formas de agregação e seus
arranjos representaria o desafio interpretativo do antropólogo de atuar numa “recoleção” de sentidos
com a intenção de interpretar seus espaços de vida coletiva.
Pensar, portanto, a noção da forma sociológica como reunião do inteligível e do sensível,
para o estudo da duração no mundo urbano contemporâneo, exige que se pense as figurações de tais
“efeitos de agregação” de que fala Georg Simmel, desde a perspectiva do “dinamismo
transformador” que são inerentes a tais formas (suas estruturas), pelo fato de configurarem como
parte das figurações do imaginário (Simmel, 1981, 1984). Se Georg Simmel (1998), em seus
estudos sobre Roma, Florença e Veneza, admite que é por intermédio da forma que o “espírito se
torna visível” (e ele alude, sem dúvida, às comunidades urbanas que habitaram, e habitam, estas
cidades), para a epistemologia bachelardiana é o onirismo intelectual que permite a condição da
integridade do conhecimento da duração como consolidação de estruturas espaço-temporais
diversas. O pensamento que discorre sobre a forma de uma duração (a qual por sua vez se expressa
num pensamento que reflete sobre si mesmo), portanto, é conhecimento, ao mesmo tempo, de si e
do mundo (Bachelard, 1993).
Não se trata apenas de adicionar ao social as concepções de imaginação e imaginário, mas,
ao contrário, segundo os estudos de Gilbert Durand (1979, 1975, 1984, 1992), trata-se de pensar
certos princípios arqueológicos que orientam a composição das formas decorrentes dos ditos
“efeitos de agregação” resultantes da interação dos indivíduos, no jogo do social. Segundo tais
formas, a vida social assume, até certo ponto, o papel de “zona matricial de idéias”. As formas de
sociação orientar-se-iam segundo constelações de imagens, seguindo-se determinados núcleos
organizadores de sentido, cujos simbolismos todo antropólogo precisa compreender (Durand,
1984).
Apoiando-nos nos fundamentos do novo espírito antropológico durandiano, insistimos neste
ponto13
. Isto é, que as formas do social nas modernas sociedades complexas podem ser pensadas
através de sua convergência em torno de múltiplos núcleos de sentido, e segundo a classificação dos
1994, em Paris: conforme Rocha (1994).
13
Ver a respeito o artigo das autoras (2007b).
18
símbolos por elas constelados. Tal convergência se opera através das homologias (“equivalência
morfológica”). Novamente, a “forma” aqui retornaria ao centro do nosso argumento, ou seja, do
valor estético dos elementos que ordena o fenômeno da duração nas grandes metrópoles
contemporâneas – “obra criada para responder a todas as finalidades da vida humana” (Simmel,
1998).
Entretanto, eufemizando a eterna agonia da matéria terrestre, nas grandes cidades, são os
moradores aqueles que são capazes de recriar regras de ação e novas condutas para enfrentar as
situações propostas por um ambiente urbano em constante mutação. A operação de “reconstituição
do passado” de uma cidade é, portanto, um processo ontológico que remonta às fontes
arqueológicas do nascimento de uma comunidade urbana, pois, por esta operação, seu corpo social
coloca em jogo, através de um dispositivo simbólico, o desafio de sua inserção espaço-temporal no
mundo.14
Sem dúvida, essa perspectiva de se “etnografar” o ato de viver o tempo no mundo urbano
contemporâneo, aderindo ao ritmo de sua própria matéria ondulatória, choca-se com o processo de
construção e demarcação de uma nova temporalidade e épistémè, do qual muitos de nós,
antropólogos, para o pior ou o melhor, somos herdeiros bastardos. Ou seja, da épistémè clássica,
responsável pela “desfiguração da visão do homem” (Simmel, 1998: 12) no Ocidente judeu-cristão
e pela gênese da concepção de pessoa moderna pela via da dessacralização do fenômeno da
memória. Nesse sentido, pensar as modernas sociedades contemporâneas é refletir sobre as grandes
metrópoles como fenômenos presididos por condições temporais específicas através das quais um
corpo coletivo atinge sua perpetuidade como substância em meio às descontinuidades de instantes
por ele vividos.
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BACHELARD, Gaston. La dialectique de la durée. Paris: PUF. 1989a.
BACHELARD, Gaston. La poétique de l´espace. Paris: PUF. 1989b.
14
Novamente, ver a respeito a publicação que reúne inúmeros artigos das autoras (2005a).
19
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  • 1. Encaminhado para Revista Estudos Históricos número 43 a espera de aprovação, data de envio, 30 dezembro 2008. Memória e ritmos temporais: o pluralismo coerente da duração no interior das dinâmicas da cultura urbano- contemporânea Ana Luiza Carvalho da Rocha Cornelia Eckert Em sua célebre obra A dialética da duração, Gaston Bachelard (1989a) postula uma prudência metodológica para o estudo da memória e nos mostra o caminho da noção de ritmo como noção temporal fundamental. Diante de questionamentos que compõem o debate sobre a complexidade da vida em um pluralismo de durações – do passado, o que permanece? O que dura? – assim responde o autor: “Apenas aquilo que tem razões para recomeçar” (Bachelard, 1989a: 8). O enigma das representações do tempo é apreendido enquanto reordenação dos tempos vividos, contendo as descontinuidades e rupturas que acabam por engendrar uma representação das referências sócio-culturais, históricas e simbólicas que pontuam a ritmicidade de um cotidiano sempre reinventado. Com tal pressuposto, nossa meta neste artigo é problematizar a memória no contexto das sociedades complexas. Nas cidades modernas – lócus investigados como favoráveis à amnése coletiva –, é sobretudo na cadência das interações e nas reverberações das relações de sociabilidade que a memória coletiva, enunciada por Maurice Halbwachs (1950), é inscrita. Da força dos sentidos das variações das formas sociais, perscruta-se na espessura das memórias geracionais a construção de uma reordenação de temporalidades narradas e performatizadas pelos citadinos como referentes aos arranjos de interações. Assim, é nessa cadência que os indivíduos e grupos “ritmam” uma “hierarquia de instantes” (Bachelard, 1989a: 25). Essa continuidade psíquica da condição citadina não é um dado, mas uma obra, sugere Gaston Bachelard (1989a: 51) ao nos ensinar sobre a dialética do ser na duração, e é a partir dela que os arranjos da vida social na cidade devem ser pensados desde a perspectiva das durações de instantes descontínuos. Estes orientam a experiência humana de seus habitantes, os quais, além de serem atores e autores, também assumem o lugar de narradores da vida urbana. Tendo por foco contemporâneo o dilema da pesquisa antropológica da memória em contextos urbanos, indagamo-nos sobre a complexidade do trabalho do antropólogo em suas análises do mundo contemporâneo ao lidar com o paradoxo da estabilidade e da descontinuidade de 1
  • 2. sistemas sociais; logo, com a sua feição temporal. Se o estudo das sociedades complexas trouxe problemas para a matriz disciplinar da Antropologia, tendo em vista uma tradição de pesquisa e de estudos criada a partir de uma experiência com sociedades simples (de pequena escala e cultura, relativamente homogênea), ele certamente contribuiu para ampliar seus recursos metodológicos na análise das sociedades/culturas humanas. A noção de “sociedades complexas” empregada pela comunidade científica – embora preserve os traços de sua matriz sociológica de origem – também expressa uma preocupação eminentemente antropológica com a heterogeneidade cultural, que deve ser entendida pela ótica da coexistência, conflituosa ou não, no mundo contemporâneo, de uma pluralidade de tradições cujas bases procedem da determinação das práticas e da idealização de valores dominantes. A grande metrópole contemporânea é, portanto, expressão aguda e nítida de um modo de vida singular, em que universalismos e particularismos se entrelaçam e se constrangem. Abordar o tema das sociedades complexas é lidar com a questão da constituição de múltiplos universos simbólicos a partir dos quais os atores sociais se movimentam, ou seja, com o problema da dinâmica cultural propriamente dito em sociedades urbano-industriais. Nesse ponto, a Antropologia contemporânea brasileira tem apontado para o fato de que, nas modernas sociedades industriais, encontram-se sobrepostas diferentes estruturas espaço-temporais que reúnem, a um só tempo, dimensões e instâncias desindividualizadoras tanto quanto processos de individualização, estes vinculados a contextos sócio-culturais específicos, aos quais foram acomodados no fluxo do tempo, na memória e no patrimônio de seu corpo coletivo. Gilberto Velho (1981) – na linha dos estudos de Ruth Cardoso e Eunice R. Durham sobre industrialização, urbanização e as imigrações e migrações nos grandes centros urbanos do Brasil contemporâneo1 –, foi um dos primeiros antropólogos a chamar a atenção para esse fenômeno temporal nas sociedades complexas (Velho, 1973, 1981)2 ao apontar, para o caso das grandes metrópoles brasileiras, a presença da permanente contradição entre as particularizações de experiências de certos segmentos, categorias, grupos e até indivíduos, e a universalização de outras experiências que se expressam culturalmente através de conjuntos de símbolos homogeneizadores. Ao reconhecer que nas modernas sociedades complexas, como no caso do Brasil, a construção de identidades e a elaboração de projetos sociais se constituem dentro de um contexto em que diferentes “mundos” ou esferas da vida social que se interpenetram de forma solidária e/ou agonística, os antropólogos urbanos, no Brasil, nos convidam a pensar a experiência de vida nas 1 Ver por exemplo, DURHAM (1984, 2004) e CARDOSO (1986). 2 Além deste autor pode-se sugerir a leitura de outros antropólogos que seguem a trilha dos estudos e pesquisas inaugurados por Ruth Cardoso e Eunice R. Durham, sobre os processos de urbanização, industrialização e migração na sociedade brasileira e as dinâmicas sociais e culturais deles decorrentes, tais como, mais recentemente, CALDEIRA (2001), a obra organizada por MAGNANI & TORRES (2000) e os livros clássicos de OLIVEN (1974, 1993). 2
  • 3. grandes metrópoles nos moldes dos estudos sobre memória e patrimônio desde as formas de sociabilidade, das trajetórias sociais, dos itinerários urbanos e do cotidiano dos habitantes de uma grande cidade. Mais ainda, nos desafiam a abandonar a perspectiva de que tais fenômenos resultem da pura causalidade da matéria de um passado, numa interpretação mais ou menos substancialista da realidade social. Os temas da ambigüidade da fragmentação-totalização de universos simbólicos nas modernas sociedades urbano-industriais é o que nos tem provocado a refletir sobre as feições do tempo no arranjo das formas de vida social nas grandes cidades brasileiras, tendo em vista que numa tal sociedade os mapas de orientação para a vida social são particularmente ambíguos, tortuosos e contraditórios. Retiramos disso uma importante conclusão para os estudos sobre memória coletiva e patrimônio no mundo contemporâneo: a de que a ambigüidade das experiências de fragmentação-totalização de universos simbólicos nas modernas sociedades urbano-industriais não são apenas realidades sociológicas, senão que se configuram no interior dos “hábitos-ritmos” (Eckert e Rocha, 2005a), por meios dos quais os habitantes das grandes metrópoles vivem seus territórios, compondo, em tais espaços, suas biografias, suas formas de sociabilidade, suas trajetórias sociais, seus itinerários e percursos. Por um lado, nas cidades moderno-contemporâneas, são inúmeras e distintas as tradições narrativas – por meio das quais se tece a vida urbana – que geram determinados sistemas simbólicos que reúnem seus habitantes em determinados territórios de identidade e pertencimentos. Por outro, tais identidades e pertencimentos transformam-se ao longo do tempo no interior de um mesmo território. Estamos com isso reforçando a idéia da relevância de uma hermenêutica dos fenômenos sociais que configuram as formas de vida urbana nas cidades brasileiras, irredutíveis a uma razão de ordem econômica, e jamais prisioneira da cronologia de fatos exteriores (monumentais ou não) à vida vivida por seus habitantes. De acordo com o que vamos abordar neste artigo, apresentamos as metrópoles contemporâneas como uma unidade teleológica, tendo em vista que o viver urbano é plural, comportando diferentes dimensões espaço-temporais irredutíveis – seja aos fluxos de consciência de seus habitantes, seja a uma consciência histórica para além do vivido de seus habitantes; não podendo sequer ser pensadas “como rastro da Razão na história”, nos termos de Paul Ricoeur (1994:348). O tema da duração e as dinâmicas das formas sociais na cultura contemporânea Segundo Georg Simmel, o desafio para a sociologia residiria na construção de um pensamento que conseguisse dar conta das formas de sociação através das quais a matéria da vida 3
  • 4. humana se perpetua e se conserva, sem para isso reduzi-las à matéria dos seus conteúdos (língua, hábitos, costumes, tradições, etc. Para este autor, trata-se de compreender que, aos olhos do cientista social, tais “formas não se reduzem a uma realidade imediata” (Simmel, 1981), ainda que contemplem obras reais e concretas das quais resultem as sociedades e culturas humanas. Esta assertiva de Georg Simmel nos faz refletir sobre o lugar da representação para a construção dos pensamentos sociológico e antropológico, uma vez que tais pensamentos compreendem a vida social por meio das formas pelas quais o ser social se dá a ver, ou seja, desde suas figurações. O trabalho de Simmel é importante aqui para que possamos fazer nossa a sua perspectiva de uma “sociologia das formas”. Sua orientação de um paradigma estético nos permite colocar simultaneamente em alto relevo o tema do caráter temporal de toda a experiência humana e seus efeitos na configuração de uma unidade coletiva, os quais não podem prescindir da da forma para atingir a dimensão de uma matéria não perecível, apesar de sua contínua transfiguração de um conteúdo em outro. Mais do que observações de ordem epistemológica – em que Simmel reconhece a forma participando do próprio processo de construção das categorias de análise e interpretação do pensamento antropológico –, para nós, resgatar os comentários do autor acerca do fato das formas de “sociação” carregarem em si mesma os dilemas da permanência ou não dos grupos humanos no tempo e no espaço, nos é significante para consolidar o campo de pesquisa denominado de “etnografia da duração” (Eckert e Rocha, 2005a) para o caso dos estudos de memória e patrimônio. Aderindo a uma “sociologia formista” podemos, então podemos, então, avançar numa reflexão em torno dos processos de manutenção da identidade do ser social e da sua conservação, ou não, como unidade coletiva, desde o ponto de vista da transfiguração de uma forma em outra. Nesse sentido, sustenta Simmel, toda a forma (de “sociação”) atribui um valor à vida coletiva no transcorrer das suas alterações; ressaltando que a sociedade não está fechada numa duração limitada. Inspirado nesta perspectiva é que Michel Maffesoli propõe o “paradigma estético” (Maffesoli, 1985) como ponto de vista para interpretar os fenômenos sociais, e, nesse sentido, o lugar estratégico da cultura e todo o seu cortejo de símbolos são parte do jogo interpretativo das sociedades humanas. Saímos, assim, da engenharia social para a sociologia como uma forma de arte, ou a um “esteticismo metodológico” como denomina Michel Maffesoli (1985: 35). Para a epistemologia simmeliana, todo o ser é uma mistura de estabilidade e de mobilidade, polaridade entre a vida objetiva e a vida subjetiva. Nessa dialética, se abstrairmos todas as modificações de uma forma de sociação, o que vemos no ser social é tudo aquilo que é duradouro nele; podemos ler na figura do ser a história de sua vida e ver o que constitui sua essência espiritual. Para Georg Simmel, o que escutamos de alguém quando ele fala é um momento da sua vida em 4
  • 5. movimento, é o desenrolar de seu ser (Simmel 1981: 231). Precisamente neste ponto, podemos evocar os comentários de Michel Maffesoli (1985: 36) sobre a obra de Simmel, em particular quando se refere à sinergia dos elementos diversos que fundam o social, na tensão entre o minúsculo e a forma, a priori o empirismo, o arquétipo e o estereótipo. Transladando a perspectiva do formismo simmeliano para o nosso caso da pesquisa antropológica com a etnografia da duração, diríamos que o desafio será, portanto, o de descrever e registrar as leis próprias de tais formas de associação que, sobrepostas e consolidadas, mantêm o ser social nos termos de uma unidade de sentido, dado que a natureza dos fenômenos da cultura não contempla a mesma matéria dos fenômenos físicos. Os laços invisíveis que unem as formas que afetam os indivíduos, que os mantém unidos ou que os separa – o domínio da sociologia. Na perspectiva do trabalho etnográfico, podemos aceitar o desafio de ultrapassar a mera tradução do fato social na perspectiva de compreender as formas sociais a partir do que a unidade coletiva apresenta como “efeitos de agregação” (Boudon apud Simmel, 1984), e suas cadeias de sociação de ações recíprocas entre indivíduos e grupos sociais. A duração das formas sociais e a relevância dos estudos do imaginário As reflexões sintetizadas acima nos permitem situar o lugar dos estudos de antropologia da imagem e do imaginário no corpo de uma pesquisa que se proponha a introduzir o fenômeno temporal para a compreensão das dinâmicas da cultura moderno-contemporâneas. Em especial, o tema da “consolidação temporal” (Bachelard, 1989b) para o caso dos estudos sobre memória coletiva e patrimônio humano na perspectiva das formas de sociabilidade, das trajetórias e itinerários dos grupos urbanos e de suas narrativas biográficas – é onde, do ponto de vista de uma antropologia urbana, nos situamos. É ainda com Georg Simmel3 que adentramos o tema do imaginário no que o autor se refere, ainda que de forma indireta, à força das imagens e seus “processos psíquicos na (con)formação do sentido de unidade para as formas de sociação entre indivíduos”. As imagens figurativas, ou não – imagens como “objetos mentais” –, possibilitam as formas sociais de duração no tempo como unidade coletiva, apesar do fluxo ininterrupto dos indivíduos e/ou grupos que delas participam. Sob este ângulo, a sociologia simmeliana – para nós que estamos interessadas numa etnografia da duração –, nos permite pensar o lugar do símbolo constitutivo de toda a imagem para a construção da “unidade psicológica” que toda a forma de sociação provoca. Obviamente, estamos 3 Referimo-nos aqui aos capítulos « Comment les formes sociales se maintiennent », « La Sociologia du sens » e « Le problême de la sociologie » In: SIMMEL (1981, Parte II). 5
  • 6. partindo do que Georg Simmel denomina de “psiquismo coletivo” por meio do qual o ser social se dá a ver como unidade de conjunto. Impossível não associar tal “psiquismo” – que, segundo o autor, permite que a unidade de um grupo seja restituída em tudo o que lhe é desconhecido, por extrapolação, a partir de fragmentos conhecidos (Simmel, 1984: 83) – à dimensão simbólica da imagem e ao seu princípio organizador que toda forma contempla, no plano da imaginação criadora. Para atingirmos esse grau de reflexão, nos apoiamos em Gilbert Durand (1984: 25) e no que este autor resgata dos estudos piagetianos da representação que sustentam a idéia de uma “coerência funcional” entre o pensamento simbólico e o sentido conceitual, e da qual resulta a unidade e a solidariedade de todas as formas de representação. Com esse procedimento, colocamos em interface o que Georg Simmel (1984:80) denomina, em seus estudos da filosofia da história, como sendo os conteúdos observáveis da forma, com o que Gilbert Durand (1984: 24) denomina da “significação imaginária” da forma ao tratar da transformação e da mise en forme das sensações pela atividade psíquica. Interessante se constatar que raramente Georg Simmel (1981) se vale da palavra “símbolo” para expressar esta capacidade que tem a “forma” de se depreender de seu conteúdo imediato, pela via da eficácia do imaginário que comporta toda a (re)presentação4. O que se torna, entretanto, importante a ser retido para o que estamos abordando neste artigo é que em Georg Simmel a figuração da “unidade coletiva” numa forma não representa adesão a certo tipo de conhecimento sociológico e no qual o papel da imagem seria reduzido ao seu caráter de positividade. Ao contrário, sem vincular a figuração da forma do ser social às amarras do imperialismo do visível e do tangível – ou até mesmo ao dogmatismo das ditas descrições realistas –, o pensamento simmeliano abre espaço para o reconhecimento de que a imaginação atribui vida à existência material de uma unidade coletiva, em seu desafio de permanência e continuidade. Nos termos simmelianos, a passagem de uma forma do social para outra traz à tona a importância da crítica a certo tipo de individualismo metodológico nos moldes positivistas que insistem em enquadrar a vida histórica em dados que lhe são externos, ignorando seus critérios de coerência interna. Isso posto, o conteúdo dos traços observáveis de um fato social ou histórico não determina em si mesmo a unidade de seus traços – e, nesse ponto, algo que nos interessa ressaltar para os estudos da “etnografia da duração” –; o autor conclui que podemos evocar a identidade de um fenômeno mesmo quando observamos nele traços de contradições formais, uma vez que é precisamente o desafio de permanecer igual a si-mesmo nas situações mais diversas que faz com 4 Conforme Simmel (1984: 62) reconhece-se desde a obra de Kant que “a atividade mental, num grau jamais pensado, é dotada da capacidade de colocar em forma os dados da representação”. Nesse sentido, é agrupando formas e exercendo sua atividade de colocá-las umas em relação às outras que o espírito pode “classificar, definir e discriminar os dados da experiência para tirar deles as composições as mais diversas” (tradução livre das autoras). 6
  • 7. que um fenômeno possa criar para si uma unidade (Simmel, 1984:80). Nesse ponto, o autor contrapõe-se à doxa cientificista da segregação e classificação de imagens no interior da inteligência lógica do discurso sociológico, ao aderir às estruturas figurativas e às peripécias semânticas que compõem os efeitos de agregação dos quais a vida social é tributária para a interpretação da vida social. Em suas preocupações com os fenômenos históricos – diríamos nós, fenômenos temporais –, Georg Simmel reconhece a substituição incessante de uma forma do ser por outra, de tal jeito que o mundo social nos dá a imagem de um perpetuum mobile de formas (Simmel apud Freund, 1992:38). A forma acaba por assumir, finalmente, o princípio da diferenciação que introduz a descontinuidade no fluxo contínuo do vivido do corpo social (ao afirmar uma forma, nego outras), visto que nenhuma forma pode ser absolutamente comparável a outra, além de que a afirmação de uma forma eliminaria outras. A etnografia da duração, patrimônio e a cidade como objeto temporal Os comentários anteriores sobre a obra de Georg Simmel nos permitem, agora, adentrar o tema da duração em Gaston Bachelard e suas propriedades para se falar sobre as cidades moderno- contemporâneas como um “objeto temporal” (Eckert e Rocha, 2005a). Atendendo-se à idéia bachelardiana de que o tempo é hesitação tanto quanto a continuidade substancial da matéria, a qual só intervém tardiamente, a compreensão da dinâmica dos processos culturais nas modernas sociedades complexas, por meio da prática de uma “etnografia da duração” (Eckert e Rocha, 2005a), exige do antropólogo sua aderência aos estudos da memória e do patrimônio em outros moldes5 . Em nossas pesquisas “no” e “do” mundo urbano contemporâneo, enfocamos as problemáticas tanto do patrimônio quanto da memória como fenômenos que presidem precisamente a esfera dos estudos sobre a consolidação temporal. Isto é, referimo-nos às condições temporais nas quais um corpo social atinge sua perpetuidade como substância “coletiva”, em meio às descontinuidades dos instantes por ele vividos. Temos consciência de que essa perspectiva rompe com abordagens antropológicas mais convencionais sobre ambos os temas ao se reconhecer, em tais fenômenos, a importância singular da vacuidade e da hesitação como matérias conformadoras da tessitura da vida social, tal qual postula Gaston Bachelard, em suas obras L´intuition de l´instant (1932) e La dialéctique de la durée (1989a): a idéia da continuidade do tempo não é um dado em si mesmo, mas “uma obra humana” (Bachelard, 1989a:51). Através da idéia da continuidade e 5 Partimos aqui de artigos produzidos no sentido de problematizar a dimensão bergsoniana do tempo e suas influências na obra de Maurice Halbwbachs (1920, 1925, 1950) Sobre a importância de se superar os vícios de uma hermenêutica redutora para a interpretação dos estudos da memória e do patrimônio em sociedades complexas, moderno- contemporâneas. Ver a respeito o artigo das autoras (2002/1). 7
  • 8. sucessão temporal no bojo da descontinuidade, em que o tempo revela-se hesitação, a “dialética da duração” bachelardiana nos provoca a ler o patrimônio bem como a memória como integrando as polêmicas descontinuidade/continuidade e fragmentação/universalização nas grandes metrópoles contemporâneas, e em especial nos grandes centros urbanos do Brasil. Se aceitarmos que tempo é vibração e hesitação, por sua feição lacunar e, ao mesmo tempo, se concordarmos que a vida é movimento e construção produtiva, criadora de estruturas dinâmicas, toda a interpretação das estruturas espaço-temporais das formas de vida social, nas modernas sociedades urbano-industriais, tem por desafios ultrapassar a perspectiva de uma simples tradução desta oscilação dos instantes em falhas do tempo. Mais especificamente, etnografando os itinerários dos grupos urbanos e suas formas de sociabilidade, reconhecemos cada vez mais que é o tempo lacunar, (con)figurador das ditas modernas sociedades complexas, aquele que nos provoca a reconhecer, em última instância, a matéria sutil da duração da vida humana num determinado território – as grandes metrópoles. Para nós, é essa “realidade imediata” do ser social, tensionada de esquecimentos e de lembranças no interior da configuração de suas formas, que tem se oferecido como parâmetro interpretativo para os estudos de uma rythmanalyse6 das dinâmicas da cultura e suas feições do tempo para a compreensão da vida social nas sociedades complexas. Sob esse ângulo, a realização da “etnografia da duração” para a prática da antropologia urbana na contemporaneidade traz, assim, o desafio do estudo da unidade dos traços das grandes metrópoles. Investimos no registro das imagens de conjunto (“coleções etnográficas”7 ) através das quais a vida social se dá a ver nos grandes centros urbano-industriais para pensar, com elas e por meio delas, as ritmicidades que regulam os arranjos dos tempos vividos e dos tempos pensados, dos tempos subjetivos e dos tempos do mundo em seus territórios. Dos efeitos de agregação dos indivíduos aos efeitos de composição de tais formas sociais no contexto metropolitano, por meio dos recursos audiovisuais na captura das vivências dos habitantes das grandes metrópoles buscamos compartilhar, com eles, os momentos singulares em que a matéria do tempo, na sinergia entre lembranças e esquecimentos, traduz a vida urbana em raios ondulatórios e em superposições temporais. Refletindo sobre a estrutura ondulatória das formas de vida social, cuja regularidade de freqüência lhe garante força de existência nas grandes metrópoles contemporâneas, são as narrativas dos habitantes de Porto Alegre/RS que tem nos conduzido a sustentar que, no plano dos jogos da memória, a matéria do ser social se movimenta, ininterruptamente, sem no entanto se dispersar no 6 Segundo Bachelard (1963:133): "A ritmanálise procura em toda parte ocasiões para ritmos [...]. Ela nos previne assim sobre o perigo que há em viver no contratempo, desconhecendo a necessidade fundamental das dialéticas temporais". 7 Projeto de pesquisa Cnpq de Ana Luiza Carvalho da Rocha, 1997-2008. 8
  • 9. interior do desacordo rítmico que constitui a própria vida.8 Ao se reunir coleções etnográficas de antigas imagens históricas dos acervos da cidade e o registro audiovisual dos itinerários urbanos; das narrativas biográficas e das trajetórias sociais atuais dos seus moradores e a etnografia de rua em seus territórios de vida, estamos procedendo em um ato interpretativo que nos permite observar que matéria das formas de vida urbana, desde suas radiações, reúne, em seu fluxo, passado/presente/futuro. Percebemos, então, que memória e patrimônio não se constituem como matéria congelada no espaço, numa duração uniforme e inerte, indiferente ao tempo. Ao contrário, a matéria das antigas lembranças de uma vida vivida, pela participação da imaginação criadora, vibra no interior do tempo pensado de seus testemunhos e relatos, para se perpetuar, no plano da memória, em certos lugares da ambiência contemporânea de Porto Alegre. Reunindo-se a epistemologia simmeliana à perspectiva da dialética da duração bachelardiana, podemos abordar, então, a cidade como objeto temporal, no sentido de que é somente porque a vida social nas grandes metrópoles contemporâneas atinge sucessivos graus de regularidade rítmica, no interior de um tempo que vibra, e por meio de e no ritmo da imaginação criadora de seus habitantes, que sua forma adquire unidade. Pensar o patrimônio (material ou imaterial, pouco importa) no contexto das sociedades complexas é, nesse ponto de vista, um convite a se pensar as formas de vida social que aí transcorrem fora de dogmatismos, os quais têm a pretensão de enquadrar a vida social em categorias tais como desenvolvimento e modernização. A poeira do tempo, as artes do dizer e as artes do fazer no estudo das formas do social Para se aderir à idéia de uma etnografia da duração como parte do desafio de se compreender as metrópoles contemporâneas, torna-se necessário para o antropólogo urbano adotar uma verdadeira prudência metodológica, nos termos da poética bachelardiana, no momento de sua adesão a “uma metafísica da poeira” (Bachelard, 1989). Estamos tratando de uma etnografia sutil dos arranjos conferidos às ordenações temporais vividas e representadas pelos habitantes dos grandes centros urbanos, estes cada vez menores e invisíveis, concebendo-as no decorrer da dissolução do tempo, numa série de rupturas, em que a matéria das ações passadas destes habitantes se desenvolve e se manifesta segundo seus distintos universos simbólicos, sob a forma de ritmos, os quais conservam a substância do viver a sua cidade, o seu bairro, a sua rua, o seu edifício. As inúmeras obras de Pierre Sansot9 nos inspiram a pensar o tema da “etnografia da 8 Novamente a referência são os comentários de Bachelard (1989: 130-135), em que o autor, referindo-se às relações entre a matéria e o tempo, afirma ser “le rythme régulier qui apparaît sous forme d´attribut matériel determiné”, isto é, “l´aspect matériel est la confusion réalisée”. 9 Cf. Sansot (1986, 1992, 1997, 2003). 9
  • 10. duração” como parte dos estudos da poética que expressam as “formas sensíveis da vida social”, na tentativa de dar prosseguimento à discussão de Georg Simmel sobre “sobre como as formas se mantêm” (1981). Nessa dimensão de aproximação da vida social, os habitantes comuns de uma grande cidade tornam-se heróis de suas próprias estórias. A cidade, seus bairros, praças e ruas, sob a perspectiva da “festa das palavras” (Sansot, 1986a: 46), tornam-se, assim, um desafio ao etnógrafo do mundo urbano-contemporâneo. A vida urbana, então, seguindo-se os estudos de Pierre Sansot (1991b:74; 1990b:60), pode ser compreendida desde o plano de uma memória coletiva tenaz e perseverante, em que o social se dá a ver para além dos particularismos de classe, de etnias, etc. A sedimentação de uma memória coletiva no corpo destas falas – as falas do “zé ninguém”, das “pessoas do povo” –, em sua capacidade de fabular, tem o poder de inventar, nos jogos de sociação que se configuram na ordem do cotidiano, uma fisionomia para ser do social (Rocha, 1994). As “artes de dizer” se associam às “artes de fazer” (De Certeau, 1992), impedindo que os laços sociais nos quais toda a existência de uma forma para o corpo social encontra sentido, impedindo-a de cair no esquecimento, e se dissolver no tempo. A proposta do autor, em convergência com a proposta simmeliana, é a de estudar as realidades sociais tais quais elas se apresentam, e se possível, desde a linguagem através das quais tais realidades sociais se designam no mundo. Na linguagem ordinária tecida nas poéticas das conversações banais do dia-a-dia, numa grande cidade, permite-se, segundo Pierre Sansot, a afinidade dos habitantes de uma grande cidade entre si e com suas práticas sociais comuns, em sua polifonia e polissemia (Sansot, 1973:10). A palavra criadora carrega, assim, a força dinâmica da memória, pois nela se depositam não só as motivações de uma unidade coletiva, mas devaneios, imaginários e recordações, tornando os lugares da cidade espaços afetivos, através dos quais as formas de vida cotidiana encontram formalização, como nos ensina a obra de Michel de Certeau e a sua “fala dos passos perdidos” (De Certeau, 1992). Convergindo com esta perspectiva, temos a de Pierre Sansot. Este parte dos postulados da poética da cidade, das artes da conversação e das formas sensíveis de vida social, concebendo os jogos performáticos dos gestos, da importância do corpo, da mise-en-scène da vida social para o estudo das vidas das formas a partir de etnografia de sua expressão simbólica no minúsculo, da restauração das práticas sociais e culturais ordinárias de seus habitantes em seus territórios de vida. Finalmente, desponta para nós o fenômeno da narrativa como pertinente para os estudos da duração, lembrando-nos do que Georg Simmel já comentava sobre a reconstituição dos estados de consciência dos atores históricos – ser e estar – mediados pela formação das imagens subjetivas. Não sendo por isto “coisas” (destacadas de suas raízes), mas fenômenos. Os relatos dos habitantes 10
  • 11. das grandes cidades sobre as transformações de seus territórios de vida participam, desta forma, dos processos de transposição e simbolização importantes para o estabelecimento da “identidade de essência” entre o eu e o outro (Simmel, 1984: 88) Para enfrentar o desafio de compreender as obras da cultura humana reunidas nas grandes metrópoles em constante “criação destrutiva” e “destruição criativa” (Harvey, 1996), Georg Simmel propõe que, ao invés de se pensar os fenômenos sociais desde o conteúdo que eles carregam, pensemos as suas formas, pois é através delas que a sociedade se manifesta como um conjunto de ações recíprocas vividas na vida cotidiana. Para o autor não se tratava de pensar a vida social a partir de suas instituições, normas e regras formalistas – a sociedade como fato moral ou escolha racional –, mas como rede de trocas sociais e afetuais sempre renovadas para além do seu impulso inicial de fundação, num processo incansável de configuração. Para enfrentar o desafio de se trabalhar esta dimensão dos estudos da memória e do patrimônio, sob a lógica da etnografia da duração, torna-se fundamental considerar a decomposição das paisagens urbanas (tratando-se a memória como estudo da temporalidade e não da historicidade) como parte dos arranjos e enquadres da descontinuidade do tempo no coração dos relatos de seus habitantes. Nos termos da sociologia figurativa de Pierre Sansot, como já comentamos, as formas figuram os efeitos de agregação que derivam das sociações diversas entre os indivíduos, sendo que a exterioridade da forma traz consigo esta relação dialética sensível entre o presente e o ausente, num percurso em que somente o símbolo pode reunir entre si os seres e as coisas. Por outro lado, também já nos referimos anteriormente, a partir dos estudos de Gilbert Durand (1984), à adesão de nossa pesquisa ao campo do imaginário como adensamento do visível em que toda a forma expressa os sentidos que sua figuração evoca. Vale retomar a idéia de Georg Simmel acerca dos estudos das formas do social para a compreensão do instante em que os processos de sociação emergem. Seguindo-se a epistemologia simmeliana, podemos pensar, assim, que os laços sociais no interior das grandes metrópoles contemporâneas perseguem os fluxos da experiência vivida de seus habitantes, ganhando formas que persistem para além dos seus conteúdos de origem. É precisamente nesse ponto que, como explicitamos anteriormente, retomamos o método formista de Simmel como um convite às reflexões bachelardianas sobre “tempo e duração” no sentido de que ambos, articulados com os estudos de Paul Ricoeur sobre “tempo e narrativa”, fornecem importantes chaves interpretativas para a compreensão do fenômeno temporal no interior das modernas sociedades complexas urbano- industriais. A prática do trabalho de campo e o pluralismo coerente da duração 11
  • 12. Transpondo-se os estudos de Paul Ricoeur (1994) sobre o lugar da narrativa no processo de restauração do tempo para o caso da compreensão dos fenômenos da duração no mundo contemporâneo, podemos avançar no argumento sobre a importância dos estudos da forma e do imaginário para a interpretação das modernas sociedades complexas como experiência diegética. Segundo o autor, “o tempo torna-se humano na medida em que está articulado na forma narrativa”, sendo no interior dele que as ações dos indivíduos e/ou grupos apresentam-se como “totalidades altamente organizadas” no interior de uma sucessão (Ricoeur, 1994: 15). Não por acaso selecionamos este pequeno comentário, em particular, para ressaltar as aproximações da pesquisa antropológica das grandes metrópoles contemporânea por meio da “etnografia da duração” com os estudos oriundos do campo da narrativa (histórica ou literária). Neste sentido, em outro artigo (Eckert e Rocha, 2003), pudemos constatar que a experiência do etnógrafo nas grandes metrópoles se traduz no desafio de se integrar às diversas formas espaço- temporais que assumem as “artes de contar” para seus habitantes, enquanto tradição da narrativa etnográfica. Um procedimento de mão dupla que o obriga a refletir, ao mesmo tempo, sobre as diferentes camadas de experiências temporais que deve percorrer o antropólogo (de si e do outro) até a elaboração de sua obra etnográfica (Eckert e Rocha, 2005a). Abrimos, agora, espaço para pensarmos a narrativa, acoplada aos estudos da duração e do imaginário, como tendo importante papel para os processos simbólicos de enquadramentos espaço- temporais, nos quais toda a forma do ser social se torna possível. O fenômeno da narrativa pode se tornar a chave interpretativa da memória e do patrimônio “no” e “do” mundo urbano contemporâneo, ao nos dar as pistas por meio das quais a forma de um arranjo do ser social se transfigura organicamente em outra, desde o isomorfismo de seus símbolos convergentes em torno de vastas “constelações de imagens” (Durand, 1984). O que significa dizer, em outras palavras, que a (trans)figuração de uma forma em outra nos mostra a ação recíproca entre os laços de sociação de indivíduos e os seus efeitos de agregação para a estabilidade instável de determinadas estruturas de figuração do ser social nas grandes metrópoles atuais, e os jogos de esquecimento e lembrança que delas decorrem. Na compreensão da unidade orgânica incompreensível entre ordem e desordem para o caso do mundo urbano contemporâneo, são as narrativas dos habitantes dos grandes centros urbanos industriais que têm nos revelado a interdependência entre as formas e as estruturas dos arranjos sociais como sendo fenômenos que integram os procedimentos de uma “etnografia da duração”. Principalmente considerando-se os temas da continuidade e da permanência dos grupos humanos como seres coletivos, na concepção simmeliana, o plano da narrativa nos revela que a forma sociológica que assume a cidade moderna (Simmel, 1979) se apresenta como uma modalidade suis 12
  • 13. generis de conformação da vida social. Isto é, os grandes centros urbanos apresentam-se não apenas como território em que as formas do ser do social se manifestam em suas condições de fugacidade e de efemeridade, seguindo um processo ininterrupto de destruição criativa, mas também um território de enquadramento rítmico de experiências espaço-temporais heterogêneas e díspares. Sob outro ângulo, “etnografar” a duração diante do fenômeno da destruição criativa nas grandes metrópoles contemporâneas desemboca no desafio da recondução, por parte do etnógrafo, do ser-no-tempo dos indivíduos e/ou grupos por eles pesquisados para além do debate acerca do caráter datável, público e documentado dos tempos por eles vividos. Ou seja, implica considerar, em suas preocupações etnográficas, as preocupações ordinárias dos habitantes das grandes cidades, na ordem do vivido, para atingir a capacidade de "contar" suas estórias com a ajuda desse tempo.10 Em especial, do ponto de vista do etnógrafo, a experiência diegética representa, para a realização da etnografia da duração, compreender a passagem do espaço figurado da narrativa documental – isto é, os dados etnográficos colhidos no registro das trajetórias sociais, dos itinerários urbanos e das narrativas biográficas dos seus habitantes –, para o espaço de representação da narrativa etnográfica tendo em vista, nas palavras de Paul Ricoeur (1994), a “tríplice mímese” por meio das quais fazemos concordar tudo aquilo que no tempo se apresenta como discordância. Transladando os comentários do autor para os cânones da tradição da Antropologia urbana, diríamos que o fenômeno da duração recoloca os estudos de narrativa como parte integrante da pesquisa etnográfica nas modernas sociedades contemporâneas. Ou seja, dar conta da “tríplice mímese” abarcaria: a mímese (1), isto é, da pré-figuração, referida à experiência temporal imediata vivida pelos indivíduos (sujeitos da pesquisa), e que precede o relato etnográfico; a mímese (2), da configuração, situada na experiência temporal da tessitura da narrativa etnográfica propriamente dita, e a mímese (3), da reconfiguração, isto é, da experiência temporal que sucede a obra etnográfica, e sob a qual nem o etnógrafo, nem os sujeitos de sua pesquisa podem responder por ela integralmente. Nos moldes de uma etnografia da duração, significa explorar inúmeros dispositivos de "domesticação" simbólica do tempo como modalidade de enquadramento do ser do social no teatro da vida urbana. Estão em jogo, de um lado, as motivações simbólicas do etnógrafo em sua experiência temporal nos territórios da vida urbana; por outro, os dispositivos simbólicos evocados pelos indivíduos e/ou grupos ao longo dos relatos de suas vidas vividas, na origem das quais está toda a razão de ser da obra etnográfica (considerando-se, evidentemente, as discordâncias do tempo no relato dos próprios sujeitos de pesquisa). Importante ressaltar que em tal contexto hermenêutico, o ato de narrar exige, da parte do etnógrafo, o domínio das motivações simbólicas de controle do 10 Ver a respeito o artigo das autoras (1998). 13
  • 14. tempo tanto por parte do outro, quanto de si, se considerado o tempo como um fenômeno granular e cumulativo, o qual não pode prescindir da narrativa para se consolidar. Neste ponto, é notável que Georg Simmel (1979) reconheça nas descontinuidades das formas de vida social na cidade moderna, uma adjudicação de sentido para a configuração do seu corpo coletivo. Podemos, portanto, interpretar que é na contingência da fuga do tempo que a matéria dos laços sociais se eternizam. Nos termos de Simmel, diríamos que é através de uma constante reconciliação entre uma cultura objetiva e uma cultura subjetiva que o viver humano constrói para si uma unidade – uma reconciliação que se dá a ver no tempo e no espaço, e que podemos descrever no interior da vida metropolitana. Aliando-se a epistemologia simmeliana à fenomenologia bachelardiana da duração e aos estudos durandianos do imaginário – e estes, por sua vez, aos estudos da narrativa em Paul Ricoeur (1994) – para o desenvolvimento da pesquisa sobre o fenômeno da duração em sociedades complexas, vamos novamente encontrar, sob o ângulo da intriga, o reconhecimento do caráter granular e descontínuo que abarca toda a experiência humana do tempo e suas exigências de enquadramento pela via do muthos. Com Paul Ricoeur (1994) reconhecemos que uma ação humana só pode ser narrada porque ela encontra-se, desde suas origens, articulada em signos, regras, normas; desde sempre “simbolicamente mediatizada”. E retornamos aqui às mesmas constatações de Georg Simmel (1984) para o caso das suas inquietações em torno da duração das formas do ser social, isto é, da identidade entre o “eu” e o “não-eu”. Prosseguindo-se, com Paul Ricoeur (1994), reconhecemos que toda a ação narrada refere-se, ao menos, a dois movimentos distintos, ao que "de fato aconteceu" e a tudo aquilo que é da ordem da interpretação – o que converge com a idéia bachelardiana das diferenças entre o “tempo pensado e o tempo do mundo” para o caso dos seus estudos da consolidação temporal (Bachelard, 1989). Finalmente, ainda com os estudos de Paul Ricoeur (1994) sobre a tessitura da intriga para o fenômeno da experiência temporal na forma narrativa, podemos observar que toda narração contempla uma ordenação temporal determinada – convergindo para o estudo durandiano das estruturas antropológicas do imaginário e das suas modalidades simbólicas de controle do tempo (Durand, 1984). Sob esse ângulo, a pesquisa com antropologia urbana no contexto das sociedades complexas não pode prescindir do estudo do imaginário, da imaginação e da inteligência coletiva de sua comunidade, que a faz contínua desde seu interior descontínuo. A compreensão da “duração” naquilo que se transforma, tanto quanto o mutável no corpo de uma duração, permite ao antropólogo, pesquisando a memória coletiva e o patrimônio etnológico de uma grande metrópole, adentrar os diversos territórios onde a vida social se processa, abdicando-se de submetê-la a uma razão instrumental, para aderir à sua causalidade formal. Trata-se, assim, de ultrapassar todo o 14
  • 15. dogmatismo que se apóia na minimização da força do sensível na tessitura das formas de organização da vida urbana, para poder ver uma forma perdurar – no interior de suas transfigurações – de uma maneira, aparentemente aleatória em outra. A metrópole contemporânea aparece, assim, como lugar tanto de desmistificação (explicações do tipo causalista ou histórica) quanto de re-coleção (restauração) de sentido. Os dispositivos simbólicos que aparecem como força do sensível que transmuta os laços materiais e concretos de sociação entre os indivíduos numa unidade coletiva, por sua dinâmica, é um convite à viagem, à deambulação do sentido que conforma a prática da etnografia, tendo em vista ser a vida social profundamente aberta e dinâmica. Na contemporaneidade, a decomposição de prédios, a destruição de ruas, a mutação da paisagem de um bairro, enquanto experiências dramáticas para os habitantes de uma grande cidade, conservam a possibilidade do relato, da história, revelando-se uma situação de conhecimento em ação a ser reconhecido e interpretado. Se a memória de uma cidade é, por um lado, monumental, por outro, ela é vivida no percurso cotidiano das ruas e praças. Resgatar os itinerários dessas memórias como espaços de encenações da vida coletiva de um grande centro urbano significa colocá-los no bojo da própria gênese do seu patrimônio etnológico. Sob esse ponto de vista, os grandes centros urbanos tornam-se, assim, um mundo tecido a partir dos laços simbólicos de seus habitantes. Laços urdidos pelos atos de consciência de seus moradores, segundo suas distintas tradições tanto quanto pela consciência homogeneizadora das temporalidades históricas e progressistas. Mas, acima de tudo, laços desde o caráter simbólico das ações sociais, o qual nos conduz à aceitação do papel fundamental da vida dos símbolos na construção das cidades moderno-contemporâneas como espaço de atualização de utopias e distopias e, em decorrência, e da importância dos mitos na configuração da vida cotidiana de suas comunidades urbanas. O viver a cidade como experiência diegética narrada Neste artigo, advogamos que todo o esforço interpretativo das modernas metrópoles contemporâneas transparece no ato de se restaurar (através das imagens fotográficas, videográficas, literárias e sonoras) as memórias narradas de uma cidade não apenas pela voz de seus habitantes, mas pelos quadros sociais em que se depositam seus acervos, seus museus, seus álbuns de família, etc. A proposta é a exploração dos "cenários da memória" dos habitantes da cidade como condição que integra as ações e gestos de preservação patrimonial de seus territórios, alertando-se para a importância do ato compreensivo da experiência mnésica e fabulatória dos grupos urbanos em itinerância para se pensar a construção de suas alteridades na vida coletiva nas grandes 15
  • 16. aglomerações do país. Conforme mencionamos no tópico anterior, no ato de narração e de re-narração se enraíza o desafio da prática da etnografia da duração e que abarca o ato de compartilhar com o próprio narrador – habitante das grandes metrópoles – os jogos de esquecimento e lembranças dos fatos, dos acontecimentos, das situações e dos instantes por ele vividos nos seus territórios. O processo de morte e renascimento de uma cidade, os ritos de destruição e reconstrução, o suplício de sua matéria terrestre são assim um campo fértil de análise das representações simbólicas acerca do tempo no mundo urbano contemporâneo.11 Retornando ao tema da fenomenologia bachelardiana do tempo, trata-se aqui de um ato de pensar em tripla potência (pensar um pensamento que se apresenta pensando as intensidades descontínuas dos instantes). Por essa razão, a “etnografia da duração” (Eckert e Rocha, 2005a) não consiste em uma etnografia da lembrança-vestígio dos dados imediatos da consciência dos moradores de um grande centro urbano em contínua construção/destruição/deformação. Antes pelo contrário, tal etnografia se afirma como um ato de produção de etnografias mediado pela fabulação tanto por parte do etnógrafo quanto por parte dos seus sujeitos de pesquisa, o que faz com que cada episódio banal evocado por eles em presença do etnógrafo se propague, em seu registro documental, como matéria viva das tradições da cidade. Em termos de procedimentos metodológicos da “etnografia de rua” (Eckert e Rocha, 2003b), temos a imersão do etnógrafo na “memória dos passos perdidos” (De Certeau, 1992) dos moradores das grandes cidades como topos significativo da re-recriação de tradições urbanas. As paisagens urbanas despontando como espaços fantásticos onde os moradores de um grande centro urbano, habitando suas lembranças passadas, fazem das imagens imateriais de seu acervo patrimonial um conhecimento em ato da cidade (Eckert e Rocha, 2007b). O percurso intelectual traçado acima resulta no reconhecimento da “gênese recíproca”, (Durand, 1984) no plano do imaginário, que faz toda a forma do ser oscilar da construção de uma duração, em sua luta contra a matéria perecível do tempo, à sua completa dissolução e morte, e vice-versa. Inserimos, por esta via, numa alusão ao conceito de “trajeto antropológico” em Gilbert Durand (1984: 24), as preocupações simmelianas com a manutenção das formas sociais no campo dos estudos do imaginário. Nesta perspectiva, a pesquisa etnográfica da memória coletiva e patrimônio no contexto das sociedades complexas nos remeteria a pensar o trajeto antropológico de tais formas de sociação, reconhecendo-se a anterioridade “tanto cronológica quanto ontológica” (Durand, 1984: 24) dos símbolos por meio dos quais o ser social atinge uma duração. Sem dúvida que pensar o símbolo e suas motivações na manutenção das formas sociais nos 11 A esse respeito, citamos aqui inúmeros artigos produzidos pelas autoras (2006, 2007a, 2007b). 16
  • 17. grandes centros urbanos nos remete às distintas regiões da linguagem (linguagem ordinária de seus habitantes, discursividades do poder, etc.). Contrariamente a uma etnografia da lembrança do passado, o estudo da “etnografia da duração” aceita como suposto que a matéria das lembranças, ou reminiscências de um tempo vivido, adquire uma substância somente se ela se “temporaliza” sob forma de ondulações do próprio ato que encerra o “tempo pensado” (Bachelard, 1989). Enfocando- se as tradições populares, as práticas culturais cotidianas nos bairros e as festas e rituais coletivos nos espaços públicos e privados, o que se busca não são os traços autênticos de signos culturais de uma cultura urbana, pois se admite que a redução do "traço" mnésico a um signo cultural acaba por destituir o patrimônio etnológico de uma comunidade do seu poder de fabulação, de re-invenção da vida coletiva. Isso posto, para finalizarmos nossas reflexões sobre a “etnografia da duração”, seu “paradigma estético” e os estudos da forma e do imaginário, temos que retomar brevemente a fenomenologia bachelardiana para situarmos o que aqui estamos denominando de “experiência diegética” para pesquisa em sociedades complexas. O termo “diegético” (oriundo dos estudos de narrativa), em contrapartida ao de mímese, anteriormente empregado, para se abordar compreensão da duração no mundo urbano contemporâneo, não é casual. Nos termos da antropologia urbana, empregar o termo diegése para ressaltar o tempo da trama (do tempo pensado), em relação ao tempo real (tempo do mundo) que constrange a ritmicidade da vida vivida pelos moradores nas grandes metrópoles, é simplesmente um recurso empregado para se reforçar a idéia da cidade moderna como lugar de fabulação de múltiplas narrativas por parte de seus habitantes. As formas do ser social nos grandes centros urbanos, seus “efeitos de agregação”, como experiência diegética, condensam tramas cujas particularidades, limites e coerências só podem ser apreendidas, no tempo e no espaço, desde os enquadramentos moventes e as linhas de forças criadas no fluxo itinerante de seus moradores. Em especial, pensar as cidades desde a sua perspectiva de conjunto de acontecimentos narrados numa determinada dimensão espaço-temporal, nos incita a retomar a poética do devaneio (Bachelard, 1993), enlaçando-a à poética do espaço (Bachelard, 1989b), para projetá-las diretamente no interior de uma dialética da duração (Bachelard, 1989a). A intenção é a de interpretar a experiência espaço-temporal que compreende a matéria a partir da qual se configuram as grandes metrópoles contemporâneas. Nos termos de uma “etnografia da duração” a nossa tentativa é sensibilizar o antropólogo em seu trabalho de campo para a ação fabulatória dos jogos da memória de seus habitantes e de suas próprias, apostando tanto em sua capacidade de deformar quanto de (com)formar como elemento interpretativo de sua regularidade e durabilidade12 . 12 Este esforço foi parcialmente sistematizado por uma das autoras, e dele resultou sua tese de doutorado, defendida em 17
  • 18. Vamos encerrar nossa argumentação retornando à afirmação da significação imaginária que configura toda a forma do ser social, atribuindo-lhe uma unidade onde se corre o risco da descontinuidade. Nesse sentido, poderíamos pensar que se, em termos simmelianos, a vida social é forma tributária dos “efeitos de agregação” dos laços de sociação dos habitantes entre si, em determinados territórios; valendo-nos dos estudos de Pierre Sansot sobre a poética das cidades, tal “agregação” não ocorreria ao acaso, mas segundo “certas zonas matriciais”, dada na congruência de símbolos estruturados em termos de uma forma-forte. “Etnografar” tais formas de agregação e seus arranjos representaria o desafio interpretativo do antropólogo de atuar numa “recoleção” de sentidos com a intenção de interpretar seus espaços de vida coletiva. Pensar, portanto, a noção da forma sociológica como reunião do inteligível e do sensível, para o estudo da duração no mundo urbano contemporâneo, exige que se pense as figurações de tais “efeitos de agregação” de que fala Georg Simmel, desde a perspectiva do “dinamismo transformador” que são inerentes a tais formas (suas estruturas), pelo fato de configurarem como parte das figurações do imaginário (Simmel, 1981, 1984). Se Georg Simmel (1998), em seus estudos sobre Roma, Florença e Veneza, admite que é por intermédio da forma que o “espírito se torna visível” (e ele alude, sem dúvida, às comunidades urbanas que habitaram, e habitam, estas cidades), para a epistemologia bachelardiana é o onirismo intelectual que permite a condição da integridade do conhecimento da duração como consolidação de estruturas espaço-temporais diversas. O pensamento que discorre sobre a forma de uma duração (a qual por sua vez se expressa num pensamento que reflete sobre si mesmo), portanto, é conhecimento, ao mesmo tempo, de si e do mundo (Bachelard, 1993). Não se trata apenas de adicionar ao social as concepções de imaginação e imaginário, mas, ao contrário, segundo os estudos de Gilbert Durand (1979, 1975, 1984, 1992), trata-se de pensar certos princípios arqueológicos que orientam a composição das formas decorrentes dos ditos “efeitos de agregação” resultantes da interação dos indivíduos, no jogo do social. Segundo tais formas, a vida social assume, até certo ponto, o papel de “zona matricial de idéias”. As formas de sociação orientar-se-iam segundo constelações de imagens, seguindo-se determinados núcleos organizadores de sentido, cujos simbolismos todo antropólogo precisa compreender (Durand, 1984). Apoiando-nos nos fundamentos do novo espírito antropológico durandiano, insistimos neste ponto13 . Isto é, que as formas do social nas modernas sociedades complexas podem ser pensadas através de sua convergência em torno de múltiplos núcleos de sentido, e segundo a classificação dos 1994, em Paris: conforme Rocha (1994). 13 Ver a respeito o artigo das autoras (2007b). 18
  • 19. símbolos por elas constelados. Tal convergência se opera através das homologias (“equivalência morfológica”). Novamente, a “forma” aqui retornaria ao centro do nosso argumento, ou seja, do valor estético dos elementos que ordena o fenômeno da duração nas grandes metrópoles contemporâneas – “obra criada para responder a todas as finalidades da vida humana” (Simmel, 1998). Entretanto, eufemizando a eterna agonia da matéria terrestre, nas grandes cidades, são os moradores aqueles que são capazes de recriar regras de ação e novas condutas para enfrentar as situações propostas por um ambiente urbano em constante mutação. A operação de “reconstituição do passado” de uma cidade é, portanto, um processo ontológico que remonta às fontes arqueológicas do nascimento de uma comunidade urbana, pois, por esta operação, seu corpo social coloca em jogo, através de um dispositivo simbólico, o desafio de sua inserção espaço-temporal no mundo.14 Sem dúvida, essa perspectiva de se “etnografar” o ato de viver o tempo no mundo urbano contemporâneo, aderindo ao ritmo de sua própria matéria ondulatória, choca-se com o processo de construção e demarcação de uma nova temporalidade e épistémè, do qual muitos de nós, antropólogos, para o pior ou o melhor, somos herdeiros bastardos. Ou seja, da épistémè clássica, responsável pela “desfiguração da visão do homem” (Simmel, 1998: 12) no Ocidente judeu-cristão e pela gênese da concepção de pessoa moderna pela via da dessacralização do fenômeno da memória. Nesse sentido, pensar as modernas sociedades contemporâneas é refletir sobre as grandes metrópoles como fenômenos presididos por condições temporais específicas através das quais um corpo coletivo atinge sua perpetuidade como substância em meio às descontinuidades de instantes por ele vividos. Referências BACHELARD, Gaston. L´intuition de l´instant. Paris: Editions Gonthier, 1932. BACHELARD, Gaston. La formation de l´esprit scientifique. Paris: Librairie Philosophique J. Vrin. 1940. BACHELARD, Gaston. L’Eau et les rêves. Paris : Librairie José de Corti. 1942 BACHELARD, Gaston. La terre et les rêveries de la volonté. Paris: José Corti. 1988a. BACHELARD, Gaston. La terre et les revêries du repos. Paris: José Corti. 1988b. BACHELARD, Gaston. La dialectique de la durée. Paris: PUF. 1989a. BACHELARD, Gaston. La poétique de l´espace. Paris: PUF. 1989b. 14 Novamente, ver a respeito a publicação que reúne inúmeros artigos das autoras (2005a). 19
  • 20. BACHELARD, Gaston. La poétique de la rêverie. Paris: PUF. 1993. BENJAMIN,Walter. “O flaneur”. In: Walter Benjamin: Obras escolhidas. Vol 3. São Paulo: Ed. Brasiliense. 1989. BERGSON, Henri. L’évolution créatrice. Paris: PUF. 1959. BERGSON, Henri. Matiére et Mémoire. Essai sur la relation du corps à l´esprit. Paris: PUF. 1969a. BERGSON, Henri. La pensée et le mouvant. Essais et conférences. Paris: PUF. 1969b. BERGSON, Henri. Essai sur les données immédiates de la conscience. Paris: PUF. 1970. BOUDON, Raymond apud SIMMEL, Georg. Les problèmes de la philosphie de l´histoire. Paris: PUF. 1984. CALDEIRA, Teresa. Cidade de Muros. São Paulo: EDUSP. 2001. CARDOSO de OLIVEIRA, Roberto. O trabalho do antropólogo. São Paulo: UNESP. 2000. CARDOSO, Ruth. A aventura antropológica. São Paulo: Paz e Terra. 1986. CORBIN, Henri. Histoire de la philosophie islamique. Paris: CERF. 1989. DE CERTEAU, Michel. A invenção do Cotidiano. Petrópolis: Vozes. 1992. DENIS, Michel. 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