1) Lan houses estão proliferando nas favelas brasileiras, oferecendo acesso à internet por preços baixos entre R$1-2 por hora.
2) Isso tem sido uma fonte importante de renda para jovens empreendedores e comerciantes locais.
3) A internet oferece lazer e oportunidades de aprendizado para os moradores das favelas, que geralmente usam serviços como Orkut.
1. _>>>
Jornal Valor Econômico - CAD B - EMPRESAS - 24/9/2007 (21:2) - Página 2- Cor: BLACKCYANMAGENTAYELLOW
Enxerto
B2 | Valor | Segunda-feira, 24 de setembro de 2007
Empresas | Tecnologia&Telecomunicações
JULIO BITTENCOURT/VALOR
Banda larga Antes localizados nos bairros mais ricos,
estabelecimentos são fonte de renda e lazer na periferia
Lan houses crescem
e levam internet às
favelas brasileiras
Talita Moreira, André Borges e 23% superior ao do ano passado. Rocinha, tem uma lan house com
Heloisa Magalhães Ainda que de forma menos 13 computadores, e está instalan-
De São Paulo e do Rio acentuada, o preço das conexões do a segunda, que terá oito má-
de banda larga também está em quinas. O pai deu dinheiro para
A sala escura e abafada fica declínio. O valor dos pacotes com ele montar e administrar o negó-
abarrotada de jovens. O espaço — velocidade entre 512 quilobits por cio, que complementa a renda
um quartinho erguido na laje de segundo (kbps) e 1 megabit por proveniente de seu trabalho co-
um mini-mercado — é pequeno e o segundo (Mbps) diminuiu 27,2% mo vendedor numa loja de arti-
calor, insuportável. Mas quem se no período de 12 meses encerrado gos esportivos do Leblon.
importa? A garotada que se espre- em junho, mostra levantamento Trajetória não muito diferente é
me ali está além das fronteiras es- feito pela empresa de pesquisas de Davison, de 25 anos, que faz
treitas demarcadas pelas paredes. IDC. E não raramente são essas co- questão de se apresentar apenas
Olhos vidrados nos computado- nexões mais lentas (e baratas) que pelo primeiro nome. Com o conhe-
res, os adolescentes passeiam pelo os donos das lan houses contratam cimento em informática aprendi- Rodrigues Filho, o Sonrisal, já pensa na ampliação da lan house que abriu na laje de seu mercadinho, em Heliópolis
universo sem limites da internet. e dividem entre diversos micros. do na escola, ajudou sua família e
Na lan house do cearense Antônio “As lan houses são um efeito co- um sócio a montar uma lan house
Rodrigues Filho, meninos e meni- lateral inesperado do programa na Rocinha em 2000. Ele e o pai
Exclusão digital
nas da favela de Heliópolis, a Computador para Todos, do go- acabaram comprando a parte do Acesso à internet no Brasil ainda é muito concentrado entre os mais ricos
maior de São Paulo, ganham o verno federal”, avalia o professor sócio e agora ampliam o negócio. % de indivíduos que já acessaram a internet
64,39% Nas favelas do
mundo por R$ 1 a hora. Ronaldo Lemos, coordenador do A demanda é forte. Cobrando Rio de Janeiro
120 dos internautas
Aberto no fim do ano passado, o Centro de de Tecnologia e Socieda- geralmente entre R$ 1 e R$ 2 por e de São Paulo,
95,08 brasileiros
centro de acesso à internet tornou-se de da Fundação Getúlio Vargas hora, as “lans” estão sempre cheias 100
afirmam usar a o preço do
em poucos meses a principal fonte (FGV) no Rio. O grupo tem feito — têm clientela cativa —, a despei- 80 72,29 web para acesso à
estudar e internet fica
de renda do comerciante, também um trabalho de campo em favelas to da presença de telecentros mu- 60
70,84% dizem geralmente
dono do mercado Girassol e de uma do Rio para estudar esse processo. nicipais e estaduais que oferecem 38,85 entre R$ 1,00
40 que a rede é
loja de artigos fotográficos. “Chamei Nas últimas semanas, o Valor uso gratuito nas periferias. Centros fonte de lazer e R$ 2,00
para ser sócio um amigo que conhe- percorreu as favelas da Rocinha, de acesso pago são a principal for- 20 12,23
cia essas coisas de internet, diminuí no Rio, e de Heliópolis e do Jagua- ma de conexão dos brasileiros das 0
o estoque do mercadinho e coloquei ré, na capital paulista. Deparou-se classes D e E à rede mundial de A B C D/E
lá uns computadores”, afirma Rodri- com lan houses quase sempre computadores: representam Local de acesso - em %
gues Filho, que é conhecido na vizi- cheias, lojas recém-inauguradas e 48,08% do total, segundo dados do Classe De casa Do trabalho Da escola Lan house Centro público
nhança como Sonrisal e pretende se outras tantas em fase de expansão. Comitê Gestor da Internet (CGI). Social* e similares gratuito
candidatar a vereador em 2016. Em- Em breve, o depósito do merca- As lan houses surgiram na Co-
A 78,04 37,16 6,85 8,06 0,07
bora nunca tenha aprendido a usar dinho de Sonrisal vai perder mais réia do Sul, em meados dos anos
um PC e tampouco saiba ler e escre- alguns metros quadrados para o 90, como locais onde as pessoas se B 62,04 27,84 11,44 19,33 2,00
C 27,69 24,10 17,56 35,54 4,13
ver, enxergou no anseio da comuni- mundo da internet. “Hoje tenho reuniam para jogar em rede. Foi
D/E 9,82 11,89 22,76 48,08 6,44
dade em navegar pela web uma 14 computadores. Vou reformar com esse perfil que chegaram ao
0 110 0 110 0 110 0 110 0 110
oportunidade de negócio. aqui e colocar mais 24”, afirma o Brasil, dois anos depois. À medida
Histórias como a de Sonrisal são comerciante, quase 30 anos depois que a internet disseminou-se entre Atividades realizadas na internet - em %
cada vez mais comuns. Num movi- de ter deixado o sertão do Ceará os mais ricos, o mercado ganhou Classe Uso pessoal Educação Trabalho remunerado Trabalho voluntário
mento silencioso que se intensificou com o único objetivo de juntar di- novas características. Esses estabe- Social* ou negócios
desde o ano passado, as lan houses — nheiro para comprar uma câmera lecimentos migraram para a peri-
A 81,36 54,22 48,33 6,02
outrora restritas aos bairros nobres fotográfica Rolleyflex. feria e lá os jogos cederam espaço
B 72,50 51,52 34,00 3,70
das grandes cidades — estão prolife- O cantor de forró Miguel Silva e para a navegação na web, ofere-
C 67,57 46,40 26,94 3,10
rando nas favelas brasileiras e tor- um primo de sua esposa, o estu- cendo oportunidades de trabalho,
D/E 63,31 52,43 16,75 1,71
nando a web mais próxima de quem dante Luciano Santos, de apenas conhecimento e diversão. 0 110 0 110 0 110 0 110
não tem acesso à internet. 17 anos, aproveitaram os fundos O lazer de alguns é fonte de renda Fonte: Núcleo de Informação e Coordenação do Comitê Gestor da Internet — dados referentes a 2006*Critério leva em conta a educação do chefe da família e a posse de determinados utensílios
domésticos.
Não há dados precisos sobre esse de uma papelaria da família e abri- para outros. A cabeleireira Raimun-
fenômeno tão recente quanto in- ram neste ano uma lan house na da Bandeira Carvalho, de Heliópolis,
formal. Em Heliópolis, onde vivem
125 mil pessoas, calcula-se que o
número atual ultrapasse facilmen-
favela do Jaguaré, Zona Oeste de
São Paulo. Começaram com seis
computadores, agora já têm dez e
cismou com os hábitos do filho Ra-
fael, de 17 anos, que não largava
mais o computador. Em abril, foi até
Bits picantes nos embalos de sábado à noite
te 30 lojas. Na Rocinha, maior fave- só não compram mais porque não uma loja da Casas Bahia e comprou De São Paulo das vendidos no local ajudam a ram-se ambientes de lazer nas fa-
la do Rio e da América Latina, as es- têm onde colocá-las. “Vêm umas no crediário os seis micros que insta- embalar os internautas — e a en- velas. Na Rocinha, há festas orga-
timativas vão de 80 a mais de cem 70 pessoas por dia aqui. Tem gente lou de improviso na entrada de seu Sábado à noite. O comércio já gordar a receita do proprietário, nizadas por donos e freqüentado-
unidades. A também carioca Cida- que paga adiantado para o mês to- salão de beleza. “Tem noites em que está fechado e boa parte da favela Marcos Marciel, 21 anos. res desses estabelecimentos. “O
de de Deus tem pelo menos 50. do”, diz Santos, que fez curso de in- a fila de espera chega a três horas”, dorme, mas na Helipa a festa ain- Menores de idade não entram, xis da questão é que as lan houses
O barateamento dos computado- formática no Senai e vai prestar conta Rafael, que cuida do negócio. da vai começar. O local da balada, afirma ele. E a idéia se tornou um são pontos de encontro, lazer e
res e dos serviços de internet é cru- vestibular para engenharia civil. O resultado disso é que aos pou- porém, não é um bar nem uma sucesso, apesar da absoluta falta conhecimento a um custo muito
cial nesse processo. Com o dólar em Jovens como Santos estão por cos os hábitos da comunidade vão casa noturna. O ponto de encon- de privacidade para quem quer acessível” diz Ioram Cejkinski, só-
queda, o aumento da a oferta de cré- trás de muitas dessas lan houses. mudando. Desempregada há me- tro é uma lan house numa peque- navegar por páginas mais pican- cio da LanHousing Consultoria.
dito e a redução da carga fiscal inci- “Tiro entre R$ 950 e R$ 1,2 mil por ses, Marluci Veríssimo da Silva, de na e escura rua de Heliópolis. tes. “O pessoal faz fila”, ressalta E mesmo quando não sobra um
dente sobre os equipamentos, as mês, mais do que ganhava na fábri- 49 anos, se cansou de ouvir falar Todas as semanas, da meia-noi- Marciel, que deixou um emprego dinheirinho para entrar na web,
vendas explodiram nos últimos ca”, diz Marcos Marciel, de 21 anos, “nessa tal internet” e agora está te de sábado às 7h de domingo, a de prensista para abrir a lan hou- há quem marque presença só para
anos. A previsão da Associação Brasi- que trabalhava como prensista nu- disposta a fazer um curso que lhe Helipa promove uma espécie de se, há pouco mais de dois meses. estar com os amigos. “É legal”, re-
leira da Indústria Elétrica e Eletrôni- ma metalúrgica antes de abrir a ensine a usar o computador. “Não “corujão”. Os filtros que, durante “A gente precisa fazer reserva an- sume Tiago, 14 anos, que freqüen-
ca (Abinee) é de que sejam comer- Helipa, há dois meses, numa ruazi- sei nada disso, mas tenho que o dia, impedem o acesso de crian- tecipada para os computadores.” ta todas as tardes uma lan house
cializados no Brasil cerca de 10,1 mi- nha estreita de Heliópolis. aprender. A gente tem que atender ças a sites de conteúdo impróprio Mais do que locais para acesso em Heliópolis, ainda que não te-
lhões de máquinas em 2007, volume Aos 20 anos, Bruno Borges, da o mundo das exigências.” são liberados. Sanduíches e bebi- à internet, as lan houses torna- nha R$ 1 para gastar. (TM e AB)
É do Orkut que eles gostam mais Moradores queixam-se
De São Paulo e do Rio Mais do que isso, as comunidades
virtuais proporcionam aos usuários
do diz que passa até seis horas por
dia na web. Quem paga a conta é a
a proliferação das lan houses por lá,
transferiu-o para o Complexo da
de falta de atendimento
“Ô, Pudim, onde é que ‘tá’ o bagu- de baixa renda a chance de ampliar mãe. Indagado se ela não reclama do Maré, um local mais pobre. De São Paulo existem. A banda larga oferecida
lho do MSN?”, pergunta o menino a sua rede de contatos pessoais e pro- gasto (são R$ 6), o menino responde: A LanHousing, criada em 2002 pelas operadoras é uma adapta-
Aparecido Barbosa da Silva, dono da fissionais para além dos limites de “Acho que até prefere. Também faço como uma consultoria voltada a Heliópolis poderia ter mais inter- ção da rede convencional de tele-
lan house Favel’s, no Jaguaré, em São sua vizinhança. “Não é um luxo, é aqui meu dever de casa. Ela acha que empreendedores que queriam abrir nautas se a oferta de banda larga fos- fonia. Quanto mais longe uma re-
Paulo. Pudim vai até o computador, uma necessidade”, analisa o profes- assim não fico andando por aí”. esse tipo de negócio, mudou seu fo- se maior. Na visita que fez à favela, o sidência está da central telefônica,
clica numa janela e ensina ao garoto sor Ronaldo Lemos, da FGV. Agnaldo da Costa, aluno da séti- co com a migração para a periferia. Valor ouviu queixas recorrentes de pior a qualidade do sinal.
o caminho das pedras. Na avaliação do pesquisador, a in- ma série, é um dos poucos jovens Agora, tem maior procura por cur- moradores que têm interesse em as- Mas a Telefônica admite que a
O programa de mensagens ins- ternet tem o poder de transformar a que afirmam ao Valor usar a inter- sos on-line, que não custam mais do sinar um serviço de internet rápida, questão é também econômica. “A
tantâneas MSN Messenger, da Mi- realidade desses locais. “O simples net com o objetivo principal de estu- que R$ 100. E está desenvolvendo mas não conseguem mais do que ampliação da rede de banda larga
crosoft, e o site de relacionamen- contato com a web é positivo. Ela dá dar. Numa tarde de segunda-feira, um projeto com a Ação Israelita para promessas futuras das operadoras. prioriza as áreas em que há maior
tos Orkut, criado pelo Google, rei- uma sensação de dignidade, aproxi- ele fazia uma pesquisa sobre Cuba o Desenvolvimento, no qual as lan “Faz tempo que peço encarecida- demanda pelo serviço, indepen-
nam absolutos na internet das fa- ma as pessoas. E mesmo o papel dos para a aula de geografia no telecen- houses serão utilizadas como cen- mente, mas a Telefônica diz que as li- dentemente da localização ou fai-
velas. Nas lan houses visitadas pelo jogos é subestimado: eles estimulam tro do Estado em Heliópolis. tros de capacitação. “Inclusão digital nhas são limitadas” conta o fotógra- xa de renda”, diz o comunicado.
Valor em São Paulo e no Rio, inva- o raciocínio”, destaca Lemos. Porém, segundo dados do Co- é um meio, não um fim”, destaca Io- fo Gildivan Bento. A Unas, associa- Concessionárias como a Telefô-
riavelmente a maioria dos usuá- Baggio, entretanto, avalia que a mitê Gestor da Internet, a maioria ram Cejkinski, sócio da empresa. ção comunitária, busca uma solução nica têm metas para a universali-
rios navegava por eles. disseminação das lan houses não dos internautas de classes baixas Discussões à parte, as lan houses com a ajuda da Secretaria de Educa- zação do serviço de telefonia fixa,
Em parte, o sucesso é condizente promove inclusão digital. “Esses afirma utilizar a rede mundial de acabam por integrar seus freqüenta- ção do município de São Paulo, que mas não são obrigadas pela Anatel
com o fenômeno que esses serviços ambientes estão carregados de jo- computadores para a educação. O dores ao universo virtual. Pudim, mantém um telecentro na comuni- a fazer o mesmo com a banda lar-
— ambos gratuitos — se tornaram gos violentos e sites pornográfi- índice é bem parecido com o dos que é também DJ e produtor musi- dade. Se o problema persistir, um ga. Podem investir apenas nos lo-
no país. Dos 60,1 milhões de usuá- cos”, pondera. “Esse é um desafio.” brasileiros mais ricos (ver tabela). cal, afirma que resolveu abrir a Fa- grupo de moradores não descarta a cais que consideram rentáveis.
rios cadastrados no Orkut, nada me- A jovem Shaiene leva o filho, Da- Empresas e ONGs estão desenvol- vel’s junto com um amigo depois de possibilidade de recorrer à Justiça. A reportagem também procu-
nos que 55,3% são declaradamente vid, para uma lan house na Roci- vendo projetos de educação e capa- perceberem que os moradores fica- Por meio de uma nota, a Telefô- rou a operadora de TV por assina-
brasileiros, informa o Google. nha. Acomodado em seu colo, o citação profissional nessas comuni- vam acanhados quando iam a lan nica afirma que tem 153 assinan- tura Net — empresa que mais tem
No entanto, o comportamento bebê parece perfeitamente incor- dades. Em Heliópolis, uma parceria houses fora da favela. “A molecada fi- tes do Speedy (seu serviço de ban- aumentado as vendas de banda
dos jovens da periferia revela mais porado ao lazer da mãe prematu- entre o Banco Real, a fabricante de cava com vergonha dos ‘playboys’ da larga) em Heliópolis e ressalta larga em São Paulo — para saber
do que um modismo, afirmam es- ra. A moça, que revela apenas o pri- microprocessadores AMD e a Semp porque não sabia usar o computa- que é a única empresa a atender o por que não atende Heliópolis.
pecialistas. “A web, de certa forma, meiro nome, diz que não dá para Toshiba está promovendo cursos de dor. Tem gente que chega aqui, paga bairro. “Os novos pedidos do servi- Num comunicado, a Net afirma
cria um ambiente democrático”, ficar mais de duas horas. “Não pos- informática e, desde a semana pas- R$ 2 e fica uma hora inteira olhando ço para o local ficam sujeitos, co- que “não tem um projeto defini-
avalia Rodrigo Baggio, criador do so gastar muito”, afirma. E passa sada, vende computadores a preços para a tela, sem saber o que fazer. Es- mo em qualquer outra área, à via- do para atender a demanda de
Comitê para a Democratização da todo o tempo conectada ao Orkut. entre R$ 1,2 mil e R$ 1,7 mil. A ONG se aí mesmo era assim”, diz ele, apon- bilidade técnica na linha do clien- banda larga em comunidades ca-
Informática, uma organização No mesmo local, um garoto de 13 Viva Rio tinha um programa de in- tando para um adolescente que na- te e na central telefônica”, diz. rentes”, mas pondera que está es-
não-governamental (ONG). anos que prefere não ser identifica- clusão digital na Rocinha. Mas, com vegava pelo Orkut. (TM, AB e HM) Limitações técnicas, de fato, tudando o assunto. (TM e AB)