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A ética utilitarista

Título: O critério de moralidade do utilitarismo


Autor e obra: Stuart Mill, Utilitarianism




  Texto
                        O critério de moralidade do utilitarismo

  «A doutrina utilitarista defende que a felicidade é desejável, e é a única coisa
  desejável enquanto fim, sendo as outras coisas desejáveis apenas enquanto meios
  para atingir esse fim.
  A única prova que pode ser dada de que um objeto é visível é que as pessoas de
  facto o veem. A única prova de que um som é audível é que as pessoas o ouvem e o
  mesmo acontece para outras fontes da experiência. Do mesmo modo, penso, a única
  evidência que é possível estabelecer de que alguma coisa é desejável é que as
  pessoas a desejam. Se o fim que a doutrina utilitarista propõe não fosse, em teoria e
  na prática, reconhecido como um fim, nada poderia convencer quem quer que fosse
  de que o era. Não pode ser dada qualquer razão de que a felicidade em geral é
  desejável, exceto que cada pessoa, na medida em que acredita que ela pode ser
  atingida, deseja a sua própria felicidade. Assim, sendo isto um facto, temos não
  apenas toda a prova que o caso admite, mas toda a que é possível para provar que a
  felicidade é um bem, que a felicidade de cada pessoa é um bem para essa pessoa e
  que, consequentemente, a felicidade geral é um bem para todas as pessoas. A
  felicidade confirma assim o seu direito ao título como um dos fins da conduta e
  consequentemente um dos critérios de moralidade.
  Mas não provou ainda ser o único critério. Para o fazer, seria preciso mostrar não
  apenas que as pessoas desejam a felicidade, mas que elas nada mais desejam. Ora é
  óbvio que elas desejam coisas que, na linguagem comum, são decididamente
  distintas da felicidade. Desejam, por exemplo, virtude e ausência de vício, não
  menos do que prazer e ausência de dor. O desejo de virtude não é tão universal mas
  é um facto tão autêntico como o desejo de felicidade. E por isso os oponentes do
  padrão utilitarista consideram que tem o direito de inferir que há outros fins da ação
  humana para além da felicidade, e que a felicidade não é o único padrão de
  aprovação ou desaprovação.
  […]




                                                                                             1
  www.raizeditora.pt             Filosofia 10.º ano | Adília Maia Gaspar; António Manzarra
Em principio não há nada mais desejável acerca do dinheiro do que acerca de
qualquer monte de seixos da praia. O seu valor é somente o das coisas que com ele
se comprarão – o desejo por outras coisas que ele permite satisfazer. Todavia, o
amor do dinheiro é não apenas uma das mais poderosas forças da vida humana, mas
é em muitos casos desejado em si mesmo; o desejo de possui-lo é por vezes mais
forte do que o desejo de o usar e aumenta quando todos os desejos que apontam
para fins para além dele decaem. Pode dizer-se então que o dinheiro é desejado não
para se alcançar um fim, mas como parte do fim. Em vez de ser um meio para a
felicidade, torna-se o principal ingrediente da conceção individual de felicidade. […]
A   virtude, de acordo      com   a conceção utilitarista, é um             bem     deste tipo.
Originariamente não há desejo dela, ou motivação, a não ser que ela conduz ao
prazer e protege da dor. Mas através da associação assim formada, pode vir a ser
sentida como um bem em si mesma e desejada enquanto tal com tão grande
intensidade como qualquer outro bem; e com uma diferença entre ela e o amor do
dinheiro, do poder ou da fama, a de que estes podem, e frequentemente
conseguem, tornar o indivíduo prejudicial aos outros membros da sociedade a que
pertence enquanto nada há que o transforme numa maior bênção para os outros do
que o cultivo do amor desinteressado da virtude. Consequentemente, o padrão
utilitarista, na medida em que tolera e aprova aqueles outros desejos adquiridos,
desde que eles não atinjam o ponto em que poderão ser mais prejudiciais para a
felicidade geral do que para promovê-la, impõe e requer o cultivo do amor da virtude
com a maior força possível, como sendo de todas as coisas a mais importante para a
felicidade geral.
Das considerações precedentes decorre que, de facto, nada há que seja desejável
exceto a felicidade.»
                                        John Stuart Mill, Utilitarianism, Collins, 1969, pp. 288-292




Conteúdo
Neste texto, Stuart Mill defende a tese de que só a felicidade é intrinsecamente boa e
de que só a felicidade é autêntico critério de moralidade – é aquilo que se deve
procurar: devemos procurar ser felizes, temos a obrigação moral de procurar ser
felizes. A prova para esta tese é de natureza empírica: aquilo que todas as pessoas
querem é ser felizes e, consequentemente, isso permite estabelecer que a felicidade
é critério de moralidade.




                                                                                                  2
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Todavia, para além de mostrar que a felicidade é critério de moralidade, Mill vai
ainda mostrar que a felicidade é o único critério de moralidade; para o conseguir,
antecipa uma objeção a esta tese e refuta essa mesma objeção. Assim, começa por
admitir a posição daqueles que defendem que não é a felicidade mas a virtude o
critério de moralidade; defendem, ainda, que devemos ser virtuosos e que uma
pessoa moralmente boa é a que procura ser virtuosa.
Para refutar esta objeção, Mill utiliza uma hábil analogia entre o dinheiro e a virtude;
e mostra que, assim como o dinheiro é um meio para se ser feliz, que por vezes
alguns transformam em fim em si mesmo, também a virtude é desejável enquanto
meio imprescindível para sermos felizes e contribuirmos para a felicidade das outras
pessoas. E é um meio tão poderoso que alguns veem a virtude, erroneamente, como
um fim em si mesma.




Interesse do texto
Este texto revela uma mente descomplexada que consegue, numa época de
puritanismo   algo   hipócrita,   defender     uma     visão    otimista    da    felicidade,
compatibilizando-a com a virtude, apresentada como meio para a felicidade.




Estrutura do texto
Texto com uma interessante estrutura argumentativa, ao longo do qual as ideias se
vão desenvolvendo, por meio de ligações subtis, mas consistentes. A partir da tese,
corroborada por um argumento experiencial, imagina-se uma objeção à tese,
refutada através de um argumento por analogia.




                                                                                           3
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Proposta de exploração
Reorganização da informação através do preenchimento do quadro.


                O critério de moralidade do utilitarismo

Tese defendida
por Stuart Mill




Argumento em
apoio da tese



Objeção à tese

Concessão à
objeção

Refutação da
objeção




Fundamento da
refutação




Oficina de escrita
Depois de preenchido o quadro, responda à questão:
      O que é que prazer e felicidade podem ter a ver com dever moral?




                                                                                        4
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  • 1. A ética utilitarista Título: O critério de moralidade do utilitarismo Autor e obra: Stuart Mill, Utilitarianism Texto O critério de moralidade do utilitarismo «A doutrina utilitarista defende que a felicidade é desejável, e é a única coisa desejável enquanto fim, sendo as outras coisas desejáveis apenas enquanto meios para atingir esse fim. A única prova que pode ser dada de que um objeto é visível é que as pessoas de facto o veem. A única prova de que um som é audível é que as pessoas o ouvem e o mesmo acontece para outras fontes da experiência. Do mesmo modo, penso, a única evidência que é possível estabelecer de que alguma coisa é desejável é que as pessoas a desejam. Se o fim que a doutrina utilitarista propõe não fosse, em teoria e na prática, reconhecido como um fim, nada poderia convencer quem quer que fosse de que o era. Não pode ser dada qualquer razão de que a felicidade em geral é desejável, exceto que cada pessoa, na medida em que acredita que ela pode ser atingida, deseja a sua própria felicidade. Assim, sendo isto um facto, temos não apenas toda a prova que o caso admite, mas toda a que é possível para provar que a felicidade é um bem, que a felicidade de cada pessoa é um bem para essa pessoa e que, consequentemente, a felicidade geral é um bem para todas as pessoas. A felicidade confirma assim o seu direito ao título como um dos fins da conduta e consequentemente um dos critérios de moralidade. Mas não provou ainda ser o único critério. Para o fazer, seria preciso mostrar não apenas que as pessoas desejam a felicidade, mas que elas nada mais desejam. Ora é óbvio que elas desejam coisas que, na linguagem comum, são decididamente distintas da felicidade. Desejam, por exemplo, virtude e ausência de vício, não menos do que prazer e ausência de dor. O desejo de virtude não é tão universal mas é um facto tão autêntico como o desejo de felicidade. E por isso os oponentes do padrão utilitarista consideram que tem o direito de inferir que há outros fins da ação humana para além da felicidade, e que a felicidade não é o único padrão de aprovação ou desaprovação. […] 1 www.raizeditora.pt Filosofia 10.º ano | Adília Maia Gaspar; António Manzarra
  • 2. Em principio não há nada mais desejável acerca do dinheiro do que acerca de qualquer monte de seixos da praia. O seu valor é somente o das coisas que com ele se comprarão – o desejo por outras coisas que ele permite satisfazer. Todavia, o amor do dinheiro é não apenas uma das mais poderosas forças da vida humana, mas é em muitos casos desejado em si mesmo; o desejo de possui-lo é por vezes mais forte do que o desejo de o usar e aumenta quando todos os desejos que apontam para fins para além dele decaem. Pode dizer-se então que o dinheiro é desejado não para se alcançar um fim, mas como parte do fim. Em vez de ser um meio para a felicidade, torna-se o principal ingrediente da conceção individual de felicidade. […] A virtude, de acordo com a conceção utilitarista, é um bem deste tipo. Originariamente não há desejo dela, ou motivação, a não ser que ela conduz ao prazer e protege da dor. Mas através da associação assim formada, pode vir a ser sentida como um bem em si mesma e desejada enquanto tal com tão grande intensidade como qualquer outro bem; e com uma diferença entre ela e o amor do dinheiro, do poder ou da fama, a de que estes podem, e frequentemente conseguem, tornar o indivíduo prejudicial aos outros membros da sociedade a que pertence enquanto nada há que o transforme numa maior bênção para os outros do que o cultivo do amor desinteressado da virtude. Consequentemente, o padrão utilitarista, na medida em que tolera e aprova aqueles outros desejos adquiridos, desde que eles não atinjam o ponto em que poderão ser mais prejudiciais para a felicidade geral do que para promovê-la, impõe e requer o cultivo do amor da virtude com a maior força possível, como sendo de todas as coisas a mais importante para a felicidade geral. Das considerações precedentes decorre que, de facto, nada há que seja desejável exceto a felicidade.» John Stuart Mill, Utilitarianism, Collins, 1969, pp. 288-292 Conteúdo Neste texto, Stuart Mill defende a tese de que só a felicidade é intrinsecamente boa e de que só a felicidade é autêntico critério de moralidade – é aquilo que se deve procurar: devemos procurar ser felizes, temos a obrigação moral de procurar ser felizes. A prova para esta tese é de natureza empírica: aquilo que todas as pessoas querem é ser felizes e, consequentemente, isso permite estabelecer que a felicidade é critério de moralidade. 2 www.raizeditora.pt Filosofia 10.º ano | Adília Maia Gaspar; António Manzarra
  • 3. Todavia, para além de mostrar que a felicidade é critério de moralidade, Mill vai ainda mostrar que a felicidade é o único critério de moralidade; para o conseguir, antecipa uma objeção a esta tese e refuta essa mesma objeção. Assim, começa por admitir a posição daqueles que defendem que não é a felicidade mas a virtude o critério de moralidade; defendem, ainda, que devemos ser virtuosos e que uma pessoa moralmente boa é a que procura ser virtuosa. Para refutar esta objeção, Mill utiliza uma hábil analogia entre o dinheiro e a virtude; e mostra que, assim como o dinheiro é um meio para se ser feliz, que por vezes alguns transformam em fim em si mesmo, também a virtude é desejável enquanto meio imprescindível para sermos felizes e contribuirmos para a felicidade das outras pessoas. E é um meio tão poderoso que alguns veem a virtude, erroneamente, como um fim em si mesma. Interesse do texto Este texto revela uma mente descomplexada que consegue, numa época de puritanismo algo hipócrita, defender uma visão otimista da felicidade, compatibilizando-a com a virtude, apresentada como meio para a felicidade. Estrutura do texto Texto com uma interessante estrutura argumentativa, ao longo do qual as ideias se vão desenvolvendo, por meio de ligações subtis, mas consistentes. A partir da tese, corroborada por um argumento experiencial, imagina-se uma objeção à tese, refutada através de um argumento por analogia. 3 www.raizeditora.pt Filosofia 10.º ano | Adília Maia Gaspar; António Manzarra
  • 4. Proposta de exploração Reorganização da informação através do preenchimento do quadro. O critério de moralidade do utilitarismo Tese defendida por Stuart Mill Argumento em apoio da tese Objeção à tese Concessão à objeção Refutação da objeção Fundamento da refutação Oficina de escrita Depois de preenchido o quadro, responda à questão:  O que é que prazer e felicidade podem ter a ver com dever moral? 4 www.raizeditora.pt Filosofia 10.º ano | Adília Maia Gaspar; António Manzarra