Frei Raniero Cantalamessa descreve sua experiência de conversão ao movimento carismático católico na década de 1970 e como isso o levou a se tornar o pregador da Casa Pontifícia, pregando semanalmente para o Papa. Ele fala sobre como Deus o chamou para deixar seu trabalho como professor universitário e se tornar um pregador itinerante, e sobre sua longa relação de confiança com o Papa João Paulo II.
1. TESTEMUNHO DE RANIERO CANTALAMESSA,
PREGADOR DO PAPA
Agora vou lhes contar sobre a
vida nova que o Espírito Santo
me deu.
Até 1975, eu era um frade
capuchinho que ensinava
História das Origens Cristãs na
Universidade de Milão, na Itália.
Um dia, comecei a escutar pessoas que falavam de uma nova forma de rezar.
Uma senhora, de quem eu era diretor espiritual, voltando de um retiro disse-
me: “Encontrei pessoas que rezam de um modo estranho: levantam as mãos,
batem palmas, são muito alegres e dizem que entre eles milagres acontecem”.
Então eu lhe disse: “Nunca mais irás a essa casa de retiros”.
Esses dos quais aquela senhora falava eram carismáticos. Comecei a observá-
los e via que algo daquilo que acontecia entre esses irmãos era exatamente
aquilo que lemos nas primeiras comunidades cristãs. Eu não podia negar que
havia algo daqueles primórdios da Igreja, contudo havia fenômenos que me
perturbavam, como falar em línguas, abraçar-se, profetizar…
Certo dia, fui quase forçado a um encontro carismático. Lá fui tomado de uma
intensa e nova alegria, que não sabia explicar. Sentia-me sacudido. E,
confessando as pessoas, percebia nelas um arrependimento novo, profundo.
Eu podia ver e até tocar a graça de Deus. Mas continuava como um
observador.
Em 1977, ganhei uma passagem para ir aos Estados Unidos, assistir à grande
assembléia carismática ecumênica. Dentro de mim, dizia: “Isto vem de Deus,
mas não me agrada”. E as 40 mil pessoas presentes ali cantavam: “Jericó deve
cair”. Os meus colegas italianos me diziam: “Escuta bem, porque Jericó és tu”.
Eles tinham razão, e Jericó caiu.
“O Santo Padre também sabe de minha experiência, pois lhe contei
pessoalmente”.
Depois do encontro fomos a uma comunidade carismática em New Jersey,
onde aceitei receber a efusão do Espírito Santo, mas ainda com certa
resistência. Um dos sinais do Pentecostes é Deus falar através dos humildes.
Quando as pessoas rezavam por mim, todas as palavras proféticas
pronunciadas falavam de evangelização, de Paulo que com Barnabé inicia
suas viagens apostólicas, e um irmão proclamou: “Tu provarás de uma alegria
nova em proclamar minha Palavra”.
Um detalhe importante é que enquanto se reza para que alguém receba a
efusão do Espírito, se diz: “Escolhe Jesus como Senhor da tua vida” e,
enquanto me diziam estas palavras, levantei os olhos e vi o crucifixo que
2. estava sobre o altar da capela. Era como se Ele me esperasse para me dizer
algo muito importante: “Atenção! Raniero, cuidado! Este é o Jesus que tu
escolhes como teu Senhor, o Crucificado. Não é um Jesus fácil, sentimental”.
Nesse momento, entendi que a RCC não é um fenômeno superficial, mas algo
que nos leva diretamente ao coração do Evangelho, à cruz de Cristo.
Comecei a ler o breviário experimentando algo novo. Vocês sabem que um dos
frutos mais evidentes do Espírito é abrir a nossa inteligência para entender as
Escrituras. Outro sinal da transformação que o Espírito operara em mim era o
novo desejo de rezar. Três meses depois voltei à Itália e os meus irmãos
diziam: “Que milagre! Mandamos à América Saulo e nos mandaram de volta
Paulo”.Pouco tempo depois, enquanto rezava com um grupo de oração em
Milão, surpreendi-me fazendo a oração: “Senhor, não permita que eu morra
como um professor universitário aposentado!” E o Senhor levou a sério minha
oração.
Algumas semanas depois, rezando na cela de meu convento, tive a moção
interior de visualizar Jesus que retornava do batismo no Jordão e começava a
pregar o Reino de Deus, e ao passar por mim Ele dizia: “Se queres me ajudar a
proclamar o Reino de Deus, deixa tudo e vem!” Compreendi que Ele queria
dizer: “Deixa tua cátedra na Universidade, tua direção de Departamento e te
tornes um pregador itinerante da Palavra de Deus, no estilo de São Francisco
de Assis”. E ao final daquela oração o Espírito havia colocado em meu coração
um “sim”. Fui ao meu superior geral dizer-lhe que me sentia chamado pelo
Senhor. Ele me pediu para esperar um ano. Depois de um ano, ele disse: “Sim,
é vontade de Deus, vá”. Assim, tornei-me pregador.Foi o Espírito Santo e a
experiência carismática que fizeram deste velho professor universitário um
pregador do Evangelho.
A Casa Pontifícia
Três meses depois, recebi um telefonema de Roma, do meu superior geral que
me dizia que o Santo Padre, João Paulo II, havia me escolhido como pregador
da Casa Pontifícia. O Papa, com tudo o que tem para fazer, cada sexta-feira de
manhã, durante a Quaresma e o Advento, deixa tudo e vem escutar a pregação
de um frade capuchinho. Quantos de nós vão escutar pregações como o
Papa? Ele não falta nunca. Certa vez, estando em viagem pela América
Central, faltou a duas pregações; na sexta-feira seguinte, foi ao meu encontro e
pediu desculpas por ter faltado a duas pregações. Foi-me dada a oportunidade
de fazer ressoar ali, no centro da Igreja, o que o Espírito Santo está fazendo na
Igreja. O Senhor escolheu esse pobre frade capuchinho para fazer chegar ao
coração da Igreja aquilo que vivemos aqui, esta força, esta esperança, esta
certeza de que o Espírito Santo realizou um novo Pentecostes na Igreja.
Um dia, entendi que era hora de falar ao Papa, aos Cardeais, aos Bispos sobre
a efusão no Espírito. Entre outras coisas, eu disse: “Alguns dizem que tendo
recebido o Espírito Santo na Ordenação, no Batismo, não temos necessidade
desta oração pedindo a efusão no Espírito, mas Jesus não poderia responder:
“Eu também não estava cheio do Espírito desde o nascimento de Maria, e
mesmo assim fui ao Jordão para ser batizado por um leigo que se chamava
3. João Batista?”
No final da pregação, eu tinha um certo temor e veio ao meu encontro um
Cardeal que me disse: “Hoje, nesta sala, ouvimos falar o Espírito Santo”.O
Santo Padre também sabe de minha experiência, pois lhe contei pessoalmente.
Mesmo assim, já faz mais de 20 anos, e ele não me mandou embora. E aquilo
que vocês encontram nos meus livros, quase tudo foi escutado antes pelo
Papa.
Quero lhes contar um último detalhe que nos faz conhecer a grande paciência
do Santo Padre e o seu imenso amor pela palavra de Deus. Uma vez por ano
devo fazer a pregação, na Basílica de São Pedro, com o Papa que preside a
celebração. É porém a única vez que não é ele quem prega. Lida a narração da
Paixão, é o pregador da Casa Pontifícia quem deve subir ao altar do Papa e
pregar. Na primeira vez, os degraus me pareciam mais altos que o monte
Evereste.
Falando na Basílica, dei-me conta de que deveria falar muito lentamente,
porque há uma grande ressonância. Mas, falando lentamente, o tempo
passava e ultrapassou em cerca de dez minutos o tempo previsto. Vocês
sabem que imediatamente após essa pregação, toda sexta-feira da Paixão, o
Papa vai ao Coliseu fazer a via-sacra, e o secretário, naturalmente, estava
muito nervoso e olhava o relógio de vez em quando. No dia seguinte, disse às
freiras que depois daquela função, o Papa o chamou e, com muita gentileza,
disse: “Quando um homem de Deus fala, nunca devemos olhar o relógio”.
Coragem, e ao trabalho!
No dia em que meu superior me permitiu iniciar essa vida nova, no ofício das
leituras havia um texto do profeta Ageu: “Coragem, Josué, sumo sacerdote,
coragem Zorobabel, coragem todo o povo deste país, e ao trabalho. Coragem
porque eu estou convosco, diz o Senhor” (Ag 2,4).
Lida essa passagem, fui à Praça de São Pedro e, olhando para a janela do
Papa, comecei a gritar: “Coragem João Paulo II, mesmo se sabemos que és o
homem mais corajoso do mundo; coragem Cardeais e Bispos, e ao trabalho,
porque eu estou convosco, diz o Senhor”. Isso era fácil, pois não tinha ninguém
lá, mas três meses depois eu me encontrava diante do Santo Padre e dos
Cardeais e Bispos, e proclamei novamente aquela palavra de Ageu.
Hoje, anuncio estas palavras também a vocês: coragem, povo de Deus, e ao
trabalho, à evangelização, à renovação da Igreja, porque eu estou convosco,
diz o Senhor!
Frei Raniero Cantalamessa
OFM Capuchinho
Fonte:
<http://www.comunidadekenosis.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1
11:conheca-o-testemunho-de-raniero-cantalamessa-pregador-do-papa-que-ora-em-
linguas&catid=53:testemunhos&Itemid=81> Acesso em: 24 jun. 2017