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C E N T R O U N I V E R S I T Á R I O A R A R A Q U A R A
TEORIAS E TÉCNICAS PSICOTERÁPICAS I
Curso de Graduação em Psicologia
Prof. Fábio de Carvalho Mastroianni
2
Í N D I C E
Módulo I – Início da Psicanálise: Teoria e Técnica Freudiana ____________________ 3
Uma Visão Histórica das Psicoterapias______________________________________ 3
Introdução a Teoria e a Técnica Psicanalítica_________________________________ 4
O Método Catártico ______________________________________________________ 5
Teoria e Técnica: construções paralelas_____________________________________ 5
Conceitos Teóricos e Técnicos em Psicanálise _______________________________ 6
Resistência_____________________________________________________________ 6
Caso Clínico 1 __________________________________________________________ 7
Transferência ___________________________________________________________ 8
Caso Clínico 2 __________________________________________________________ 9
Contratransferência_____________________________________________________ 10
Caso Clínico 3 _________________________________________________________ 10
Setting Terapêutico (Enquadre) ___________________________________________ 11
Aliança Terapêutica _____________________________________________________ 14
Caso Clínico 4 _________________________________________________________ 15
Interpretação – Insight – Elaboração _______________________________________ 16
Delimitação Técnica das Psicoterapias _____________________________________ 18
Módulo II – Wilhelm Reich ___________________________________________21
A Clínica do Homem Encouraçado ________________________________________ 21
A) Reich e a Psicanálise (Freud) __________________________________________ 21
Caráter _______________________________________________________________ 23
Caráter Neurótico x Caráter Genital ________________________________________ 25
Traços de Caráter x Sintomas Neuróticos___________________________________ 25
A Função do Orgasmo___________________________________________________ 26
B) Reich e o Corpo _____________________________________________________ 27
C) Reich e a Orgonomia _________________________________________________ 28
Casos Clínicos - Reich __________________________________________________ 29
Módulo III – Melanie Klein ___________________________________________ 31
Da Fantasia à Realidade__________________________________________________31
Introdução ao pensamento Kleiniano_______________________________________31
Caso Clínico 1 – Identificação projetiva _____________________________________33
Alguns mecanismos de defesa da Posição Depressiva ________________________36
Exemplo de fantasias que caracterizam as defesas maníacas __________________36
Inveja _________________________________________________________________37
Complexo de Édipo Primitivo _____________________________________________38
Algumas considerações sobre a técnica Kleiniana____________________________40
Caso Clínico 2 – Albert e a raiva reprimida __________________________________41
Caso Clínico 3 – Alice e a Crueza __________________________________________41
Módulo IV – Donald Woods Winnicott _________________________________ 42
O Espaço Potencial _____________________________________________________42
O Bebê e o Ambiente ____________________________________________________44
Desenvolvimento Emocional Primitivo______________________________________44
Adaptação à Realidade __________________________________________________46
O Brincar ______________________________________________________________48
Fase de Pré–Inquietude __________________________________________________49
A Tendência Antissocial _________________________________________________49
O Papel do Pai__________________________________________________________50
A Técnica em Winnicott __________________________________________________50
Caso Clínico ___________________________________________________________51
Módulo V – Jacques Lacan __________________________________________ 54
A Lógica do Sujeito _____________________________________________________54
Principais Conceitos Linguísticos _________________________________________54
A Constituição do Sujeito ________________________________________________55
Referências ____________________________________________________________59
3
Módulo I – Início da Psicanálise: Teoria e Técnica Freudiana
Uma Visão Histórica das Psicoterapias
- A psicoterapia existe muito antes de haver qualquer noção de uma abordagem
sistemática de tratamento
- Basicamente, a psicoterapia envolve um sistema de duas pessoas
Suplicante  Curandeiro
(que sofre primariamente mais na
mente do que no corpo)
(cuja empatia, sabedoria,
maturidade e objetividade permitem
que ele alivie o sofrimento do
suplicante)
- O curandeiro vê e entende alguma coisa sobre o suplicante da qual este não
tem conhecimento
- o curandeiro amplia o pensamento do suplicante e influencia o seu
comportamento
- curandeiro  pessoa ―iluminada‖, que tem a função de aumentar a
―iluminação‖ do suplicante
- Para a realização da terapia é necessário, portanto, uma troca ativa entre
terapeuta e paciente
- ao paciente cabe revelar a natureza do seu problema, ainda que não
possua maior conhecimento sobre ela
- ao terapeuta, ―adivinhar‖ sua verdadeira natureza e assim levar o
paciente ao conhecimento curativo
- há participação do paciente
- Entretanto, historicamente a psicoterapia na antiguidade se dava de forma
diferente, ou seja, sem participação do paciente
 Entre os babilônios (2000 A.C.) acreditava-se que toda a insanidade era
devida a um ―demônio‖ específico
- a cura vinha por meio de um encantamento pelo sacerdote (poderes
sugestivos)
- O exemplo da antiguidade que chega mais próximo da moderna concepção de
psicoterapia refere-se à cura de Lady Kisagohtami pelo Buda
- de qualquer modo, não havia interesse nas histórias e situações de
vida singulares das pessoas
 No ocidente, o poder da Igreja Católica sobre a vida intelectual assegurava a
pouca ênfase na história de vida do indivíduo
- as dificuldades emocionais, exatamente como nos tempos bíblicos,
eram entendidas como consequências de forças externas ao self
- forças diabólicas (bem x mal)
- as dificuldades eram atribuídas à bruxaria
 Na metade do último milênio o poder da Igreja Católica começou a
enfraquecer, promovendo maior liberdade de pensamento
- o movimento conhecido como o Iluminismo levou a grandes
progressos no esclarecimento humano de modo geral
- a idéia de um de seus pensadores, Rousseau em o Nobre Selvagem
influenciou as crenças de diversos autores sobre a ―bondade natural
das pessoas‖
4
A perfectibilidade da natureza humana dependia da transformação da
vontade selvagem, cega, incontrolada da humanidade em uma força
para o bem comum (altruísmo)
Igreja Católica  Iluminismo
Humanidade pecadora (fruto proibido)
Influenciada por forças do mal
Humanidade considerada
inerentemente boa ou pelo menos
recuperável (transformação do
indivíduo).
- Philippe Pinel, psiquiatra francês (séc. XVIII e XIX) foi influenciado pelas idéias
iluministas e modificou o método de tratamento do paciente mental, retirando-
lhe as correntes
- Entretanto, não houve mudança significativa na psicoterapia no que se refere
à relação entre curandeiro/terapeuta x suplicante/paciente
- não havia troca ativa, participação
- o paciente ainda era submetido à ação do
terapeuta
- Mesmer, início do século XIX, era um curandeiro
carismático que contava com medidas bizarras para
seus poderes de cura
- baseou-se nas idéias/descobertas do fenômeno da eletricidade e do
magnetismo para fundamentar sua ilusória teoria:
- fluido animal-magnético universal e invisível – sua má
distribuição estava por baixo de todas as doenças humanas
- método: varinha especial, manto e um barril (cuba de Mesmer)
- Seguidores de Mesmer desmistificaram seu método demonstrando ser
desnecessária a utilização desses instrumentos
- eles simplesmente obtinham os mesmos resultados por meio da
indução do estado de transe pelo poder da sugestão
- poder da sugestão, posteriormente denominada de hipnose
- primórdios da psicanálise
Leitura Recomendada
Básica: História da Psicoterapia [Capítulo 1] (EIZIRIK; AGUIAR;
SCHESTATSKY)
Introdução a Teoria e a Técnica Psicanalítica
- A psicanálise é uma forma especial de psicoterapia
- A psicoterapia começa a se tornar científica na
França do século XIX com as grandes escolas
sobre a técnica da sugestão
- Nancy com Liébeault e Berheim
- Salpêtrière com Charcot
- A técnica da sugestão visa modificar a atenção, desviar o
sujeito de idéias patogênicas e se concentrar em outras
atividades
- É ao mesmo tempo um instrumento de investigação e assistência
5
- A partir da técnica inicia-se o estudo que visa compreender:
“A influência da moral sobre o corpo”
- O tratamento hipnótico é pessoal e não interpessoal
- Com a introdução da Psicanálise, Freud leva a psicoterapia a um nível
científico
- Criação de uma teoria da personalidade
O Método Catártico
- Breuer caso Anna O.
- utiliza o hipnotismo não para que o paciente esqueça, mas para que
se recorde
- cura pela fala, pela palavra (Talking cure)
- Método catártico narrar as circunstâncias em que surgiram os sintomas faz
com que eles desapareçam Recordar
- Freud utiliza um procedimento intermediário entre o método de Breuer
(catártico) e o que viria a ser a psicanálise
- Consiste em estimular e pressionar o enfermo para que se recorde
- método da coerção associativa
- Em 1905 (Sobre Psicoterapia), Freud diferencia a psicanálise e o método
catártico de outras psicoterapias
Per via di porre x per via di levare
Teoria e Técnica: construções paralelas
- A técnica catártica descobre a dissociação da consciência
- o método produz uma ampliação da consciência
- A partir destas descobertas os autores formulam e reformulam a teoria
Breuer teoria dos estados hipnóides
- uma condição do indivíduo favorece a segregação da
consciência
(fatores psicológicos e biológicos)
Freud teoria do trauma (psicológicos)
- uma condição do evento/acontecimento favorece a
segregação da consciência
- o acontecimento fica segregado da consciência para ser
esquecido
- introdução da técnica da coerção associativa e
abandono da hipnose
- A técnica da coerção associativa traz a idéia de que:
- as coisas são esquecidas porque não se quer recordá-las
- conceito de resistência
- O que no trauma condicionou o esquecimento, no tratamento condiciona a
resistência
6
- Se há a resistência, não se justifica então a coerção
- deixa-se o paciente falar livremente
- técnica da associação livre  regra fundamental da
psicanálise
Coerção associativa  Resistência  Associação livre
(técnica)  (teoria)  (técnica)
- Só recordar não é suficiente
- A resistência age no sentido de defender o sujeito, de manter um
status quo, evitar o contato com conteúdos que são sentidos como
―dolorosos‖, desagradáveis
- É necessário dar informes ao paciente sobre si mesmo
- tornar conhecido aquilo que ele ignora
- surge a interpretação instrumento técnico fundamental
- Recordar, Repetir, Elaborar
O que é Psicoterapia?
Trata-se de um método de tratamento realizado por um profissional
treinado, com o objetivo de reduzir ou remover um problema/queixa
ou transtorno definido de um cliente ou paciente que deliberadamente
busca ajuda.
Onde:
- o terapeuta utiliza meios psicológicos como forma de influenciar o
cliente ou paciente
- é realizada em um contexto primariamente interpessoal (relação
terapêutica)
- utiliza-se a comunicação verbal como principal recurso
- há eminente atividade colaborativa entre paciente e terapeuta
Conceitos Teóricos e Técnicos em Psicanálise
Resistência
- Ela surge, no desenvolvimento da psicanálise, como uma oposição às
lembranças penosas durante o tratamento
- Aos poucos Freud conclui que o fenômeno está permanentemente presente e
age contra a percepção de impulsos inaceitáveis de natureza sexual que
surgem distorcidos
Leitura Recomendada
Básica: A Técnica Psicanalítica [Capítulo 1] – (ETCHEGOYEN)
Complementar: As principais psicoterapias: fundamentos teóricos
[Capítulo 1] – (CORDIOLLI)
7
- Mais do que uma força a ser vencida, a resistência representa a forma como o
indivíduo se defende e resiste no cotidiano de sua vida
- Resistência do analisando: é a resultante de forças dentro dele, que se opõem
ao analista, ou aos processos e procedimentos à análise, isto é, que
obstaculizam as funções de recordar, associar, elaborar, bem como o desejo de
mudar (Zimmerman)
Resistência = re + sistencia
Sistencia sistere, sistens ―continuar a existir‖
- uma volta à utilização de recursos defensivos e ofensivos (que se opõe contra
o que, ou quem, lhes representa alguma ameaça), de um modo tenaz e
repetitivo, em uma busca ativa do direito de continuar a existir.
- No início do tratamento a motivação para manter o status quo é maior que a
motivação para a mudança
Algumas formas de resistência ao tratamento
- atrasos às sessões
- recusa em tomar medicamentos
- permanecer em silêncio
- enfocar materiais não relevantes
- esquecer-se de pagar
- em relação à elaboração (ganhos secundários)
- transferência
Caso Clínico 1
O Sr. A era um homem solteiro de 29 anos de idade com TOC. No
momento em que se apresentou para hospitalização psiquiátrica, relatava uma
história de 10 anos de sintomas obsessivo-compulsivos e queixava-se de estar
totalmente aprisionado em casa nos últimos 8 anos devido aos pensamentos
―grotescos, terríveis‖ e incapacitantes constantes que nunca cessavam. Oito
anos antes da admissão, quando o Sr. A. não saiu mais de casa, sua mãe
aposentou-se podendo cuidá-lo e satisfazer suas demandas de limpeza – sua
vida girava em torno dele.
O Sr. A estava obcecado pela necessidade de evitar a contaminação.
Preocupava-se também com a possibilidade de engravidar alguma mulher, pois
temia ter sêmen nas mãos. Por conseguinte, tornou-se um compulsivo lavador
de mãos. Insistia que sua mãe permanecesse consigo 24 horas por dia. Embora
ela não dormisse ou tomasse banho com ele, auxiliava-o a vestir-se de modo
que ele não tocasse suas roupas, impedindo a contaminação. Ele também
solicitava que ela seguisse um elaborado ritual com 58 passos, ao cozinhar sua
refeição e colocá-la na mesa. Caso não seguisse o ritual precisamente, tinha
que descartar toda a refeição e começar tudo novamente. Ela teve de desfazer
de milhares de dólares em alimentos a cada ano, a fim de responder a estas
demandas. O Sr. A também insistia que seu pai deveria permanecer fora da
casa ou em outro cômodo, de modo que não houvesse risco de ser
contaminado pelos germes que o pai trazia do trabalho.
O desenvolvimento inicial do paciente não apresentava aspectos
notáveis, porém ele recordava de um episódio muito desagradável quando tinha
aproximadamente 5 anos de idade. Lembrava ter visto seu pai agarrando sua
mãe pelos seios, enquanto ela gritava que o paciente a socorresse. Ele tentou
impedir, porém foi suplantado pela força do pai. Recordava ter se sentido
terrivelmente mal acerca do incidente e chorou por perceber-se incapaz de
salvar sua mãe.
Re
―voltar atrás‖ (regredir; revogar)
―oposição‖ (revolta; reprovar)
―repetição‖ (reiterar; ressentir)
―busca de algo‖ (reforma; revolução)
8
Embora o paciente tenha ido a vários psiquiatras, sempre se recusava a
retornar após a 1ª consulta. Certa vez concordou em tomar clomipramina,
porém interrompeu após a primeira dose, alegando incômodo com os efeitos
colaterais. Seus pais perceberam que finalmente teriam que hospitalizá-lo,
porque se encontrava incapacitado. Quando chegou ao hospital, o médico
perguntou-lhe porque procurava tratamento. Ele respondeu: ―Eu estou
determinado a ser dependente – quero dizer independente‖. O médico
comentou de ele ter dito ―dependente‖ e perguntou: ―Há talvez alguma parte em
você que gostaria de permanecer dependente‖? O Sr. A respondeu: ―↑ocê
refere-se a minha mãe‖? O médico replicou que ele deveria saber melhor sobre
isto. O Sr. A refletiu por um momento e disse: ―Bem, ela cuida muito bem de
mim‖.
O lapso do Sr. A proporcionou um vislumbre das motivações
inconscientes desta resistência ao tratamento. Qualquer tipo de tratamento
bem-sucedido ameaçava a sua relação de dependência com a mãe. Se a
clomipramina tinha possibilidade de ajudá-lo, então ele não tomaria.
Similarmente, ele invalidaria quaisquer outros esforços de tratamento
ambulatorial ou hospitalar.
Após cerca de uma semana de hospitalização, o Sr. A. desafiou as
expectativas dos membros da equipe. Passou a apresentar dramáticas
melhoras, conseguia tocar em maçanetas sem temer a contaminação, ler
revistas que outros haviam tocado, além de ter reduzido consideravelmente o
tempo gasto com a lavagem das mãos. Esta melhora ocorreu sem o uso da
medicação e o paciente comentava que se sentia ―bem menos nervoso‖ no
hospital do que havia imaginado. À medida que ia avançando, tornou-se
aparente sua crescente preocupação com os seus desejos sexuais em relação
à mãe. Comentava que quando a sua mãe o vestia, sentia ―algo sexual‖. O
afastamento do ambiente emocional carregado de sua casa tornou menos
problemático seus desejos sexuais pela mãe. Similarmente, os desejos
agressivos de manter o pai longe dela tornaram-se menos perturbadores.
Devido à diminuição de sua ansiedade acerca de seus desejos sexuais e
agressivos, seus sintomas obsessivo-compulsivos não eram tão necessários
para conter sua ansiedade.
Caso extraído do livro “Psiquiatria Psicodinâmica” – Glen O. Gabbard 2ª ed –
Capítulo 1.
Leitura Recomendada
Básica: A Técnica Psicanalítica [Capítulo 1] – (ETCHEGOYEN)
Complementar: Resistências [Capítulo 28] – (ZIMERMAN)
Transferência
- À medida que os impulsos ou fantasias vão sendo ―descobertos‖ (tornam-se
conscientes) durante o tratamento, o paciente resiste transferindo tais impulsos
à figura do terapeuta
- Revive-se na análise uma série de experiências psicológicas como
pertencentes não ao passado, mas ao presente em relação ao terapeuta
- É um recurso que o paciente utiliza a fim de que o material patogênico
(conflito) permaneça inacessível
- A vida emocional que o paciente não pode recordar é vivenciada na
transferência e ali (na análise) deve ser resolvida
- Ocorre uma distorção entre: passado / presente fantasia / realidade
- é inapropriada, irracional e repetitiva
- Ao mesmo tempo em que serve a resistência o que se transfere é o resistido
(inconsciente)
- Quanto mais os desejos de uma pessoa são insatisfeitos em sua vida real,
maior será sua busca, sua espera em satisfazê-la
a enfermidade transferência
9
- A libido insatisfeita do paciente se dirigirá para qualquer pessoa
- Dessa forma a transferência ocorre tanto dentro da análise quanto fora dela
- A transferência não é efeito da análise, mas a análise é o método que se
ocupa de descobrir e analisar a transferência
- De um obstáculo à análise, a transferência converte-se em seu auxiliar mais
poderoso quando se consegue inferi-la e traduzi-la ao paciente
experiência x transferência
(Libido consciente – ego) (libido recalcada – id)
(princípio de realidade) (princípio de prazer)
- Transferência = uma experiência do passado que está interferindo na
compreensão do presente
Caso Clínico 2
Uma mulher casada de 35 anos veio para o tratamento em uma tentativa
de dar fim à sua infidelidade compulsiva. Sempre que seu marido viajava, o que
a profissão dele frequentemente exigia, ela escolhia para seu amante um
homem que fosse tímido, deprimido e impotente. Então se deliciava com sua
capacidade para seduzi-lo a tornar-se audaz, feliz e potente. Ela geralmente
realizava seu triunfo ―terapêutico‖ pouco antes do retorno do marido, quando
rompia o relacionamento extraconjugal. Naturalmente, o casamento tinha suas
dificuldades, mas era, apesar disso, estável. O terapeuta apenas gradualmente
ficou sabendo de alguns de seus aspectos perturbados, à medida que a própria
paciente tornou-se capaz de tolerar o conhecimento do terapeuta sobre eles.
Após aproximadamente um ano e meio de tratamento e um ano em que
não teve casos, ela passou a se posicionar mais claramente, por exemplo,
insistindo com o marido que seu filho de 8 anos era muito jovem para ter o rifle
que ele lhe havia dado, após o menino ter atirado em sua própria mão com a
arma. Um dia ela relatou ter ido ao banheiro onde sua filha de 3 anos estava
tomando banho com o marido, uma prática costumeira que ela não havia
contado a seu terapeuta. A paciente nunca antes havia ido ver o que acontecia
no banheiro, mas agora relatava que ficara atônita e paralisada ao ver que sua
filha estava brincando com o pênis ereto de seu marido enquanto ele ficava
sentado calmamente lendo o jornal na banheira. Ela saiu sem dizer uma
palavra. Nesse ponto a sessão de sexta-feira chegou ao fim.
Na segunda-feira, a paciente estava bastante deprimida, sentindo-se
desanimada e abandonada por seu terapeuta. Desesperada para sentir-se
melhor, ela começara a imaginar como poderia arrumar outro caso, e com
quem. O terapeuta disse-lhe que seus sentimentos pareciam ligados com o
momento em que ele terminara a sessão de sexta-feira, um comentário que
resultou em um acesso de depreciação sarcástica por parte da paciente, em um
tom em que ele nunca havia ouvido dela antes.
Apenas após vários dias, sua fúria diminuiu suficientemente para ela
considerar o que havia ocorrido. Ela e o terapeuta apenas gradualmente
puderam dar-se conta de que havia sido, de fato, uma revivência de
sentimentos da infância e uma representação na qual o terapeuta, um homem,
tinha desempenhado o papel de sua mãe, que muitas vezes a havia deixado
brincando com um ou outro dos pensionistas da sua casa, muitos dos quais
tinham abusado sexualmente dela.
Caso extraído do livro “Psicoterapia de Orientação Analítica: Fundamentos
teóricos e clínicos” – ELZIRIK C.L.; AGUIAR, R. W.; SCHESTATSKY S. S. e
cols. 2ª ed – Capítulo 22.
Leitura Recomendada
Básica: História e Conceito da Transferência [Capítulo 7] e Dinâmica da
Transferência [Capítulo 8] – (ETCHEGOYEN)
Complementar: Transferências [Capítulo 31] – (ZIMERMAN)
Artigo: O conceito de transferência nos "Estudos sobre a histeria"
(Breuer & Freud, 1895) – (BISSOLI)
10
Contratransferência
- Freud descreve esse fenômeno como:
- resposta emocional do analista aos estímulos que provêm do paciente,
como resultado da influência do analisando sobre os sentimentos
inconscientes do médico
- destaca principalmente sua influência negativa sobre o tratamento
- resistências internas do médico necessidade de autoanálise
- pontos cegos do terapeuta obstáculo ao tratamento
- A contratransferência começa a ganhar destaque com os trabalhos de
Heimann (1950) e Racker (1953), que passam a considerá-la um:
- fenômeno normal dentro do processo terapêutico
- são reações que o analista experimenta diante de seu
paciente
- pode ser considerada como:
- um obstáculo
- um instrumento para melhor compreensão do paciente
- um campo em que o paciente pode adquirir uma
experiência diferente da que teve originalmente
Contratransferência
- ao que se opõe (contra-ataque)
contra - o que faz balanço em busca do equilíbrio (contraponto)
Contratransferência é diferente (≠) de transferência do
analista em relação ao paciente
Transferência do terapeuta: sentimentos, idéias e comportamentos que são
dirigidos ao paciente a partir da história pessoal do terapeuta ou de situações
de sua vida atual, transferidos sobre ou para dentro do paciente A, mas também
para B e não provocados por estes
Contratransferência: quando se é possível identificar que parte do self do
paciente ou de suas fantasias está sendo colocada dentro da mente do
terapeuta e está lhe provocando uma reação, idéia ou comportamentos
- A contratransferência deve ser inicialmente tolerada e elaborada, bem como
seus sentimentos em relação ao paciente
Caso Clínico 3
Alguns anos atrás, tratei Martin, um comerciante de sucesso, que tinha
de fazer uma viagem de negócios no dia da terapia e me pediu que remarcasse
sua hora para outro dia da semana. Não consegui providenciar isso sem
atrapalhar minha agenda e disse a Martin que teríamos de perder uma sessão e
nos encontrar no nosso horário normal na semana seguinte. Mais tarde, porém,
quando pensei a respeito, percebi que não teria hesitado em reorganizar minha
agenda para qualquer um dos meus outros pacientes.
Por que não pude fazer isso por Martin? Foi porque não ansiava vê-lo.
Havia algo em sua veemência maliciosa que me desgastava. Ele fazia críticas
incessantes a mim, aos móveis do meu consultório, à falta de estacionamento,
à minha escrivaninha, aos meus honorários e geralmente começava as sessões
fazendo referência aos meus erros da semana anterior.
Meu sentimento desgastado por Martin teve grandes implicações. Ele
tinha entrado inicialmente em terapia por causa de uma série de fracassos nos
relacionamentos com as mulheres, nenhuma das quais, achava ele, tinha lhe
dado o bastante – nenhuma tinha se mostrado suficientemente disposta a pagar
11
a parte que lhe cabia das contas do restaurante e do supermercado, ou de dar
presentes de aniversário equivalentes em valor àqueles que ele tinha lhes dado
(a renda dele, saiba disso, era várias vezes maior que a delas). Quando faziam
viagens juntos, ele insistia em que cada um colocasse a mesma quantia de
dinheiro num ―pote de viagem‖, e todas as despesas de viagem, inclusive
gasolina, estacionamento, manutenção do carro, gorjetas e até jornais seriam
pagos com o dinheiro arrecadado para a viagem. Além do mais, ele reclamava
frequentemente porque suas namoradas não cumpriam integralmente a parte
que lhes cabia em dirigir, planejar a viagem e ler os mapas. No final, a falta de
generosidade de Martin, sua obsessão com imparcialidade absoluta e suas
críticas implacáveis cansavam as mulheres de sua vida.
E ele estava fazendo exatamente o mesmo comigo! Era um bom
exemplo de profecia que se cumpre sozinha – ele tinha tanto medo de que os
outros não cuidassem dele que seu comportamento fazia com que acontecesse
exatamente isso. Foi meu reconhecimento desse processo que me permitiu
evitar reagir criticamente (isto é, levar a coisa no lado pessoal), mas perceber
que esse era um padrão que ele repetira muitas vezes e que no fundo, queria
mudar.
Caso extraído do livro “Os Desafios da Terapia: Reflexões para pacientes e
terapeutas” – YALOM, I D. Ediouro Cap. 20
Leitura Recomendada
Básica: - Contratransferência: Descoberta e Redescoberta [Capítulo 21]
(da página 156 até 161) – (ETCHEGOYEN)
- Contratransferência [Capítulo 23] – (EIZIRIK; AGUIAR;
SCHESTATSKY)
Complementar: Artigo: Contratransferência em psicoterapia e
psiquiatria hoje – (ZASLAVSKY)
Setting Terapêutico (Enquadre)
- Soma de todos os procedimentos que organizam, normatizam e possibilitam o
processo psicanalítico, incluindo a estrutura física
- Conjunção de regras, atitudes e combinações, tanto as contidas no ―contrato‖
como as que vão se definindo durante a evolução (Dias, horários, honorários,
forma de pagamento, planos de férias...)
- São as regras do jogo, mas não é o jogo propriamente dito
- Serve como um cenário para a reprodução de velhas e novas experiências
- Devido às múltiplas e constantes inter-relações da transferência com a
contratransferência, ele está sob contínua ameaça em vir a ser desvirtuado
Função do Setting
- Criação de um novo espaço onde o analisando terá a oportunidade de
reexperimentar com o seu analista a vivência de antigas e
decisivamente marcantes experiências emocionais conflituosas que
foram mal compreendidas, atendidas e significadas pelos pais do
passado e, por conseguinte, mal solucionadas pela criança de ontem,
que habita a mente do paciente de hoje (Zimerman, 1999)
- Mesmo com todos os sentimentos, atos, ataques e verbalizações
significados pelo paciente como proibidos e perigosos, o setting deve se
manter uniforme, inalterado
- O setting deverá ser preservado ao máximo
12
Funções complementares do setting
- Estabelecer o aporte da realidade exterior com suas
inevitáveis privações e frustrações
- Ajudar a definir a predominância do princípio de realidade
sobre o do prazer
- Reconhecer que é unicamente sofrendo as inevitáveis
frustrações impostas pelo setting, desde que não sejam
exageradamente excessivas ou escassas, que o analisando (tal
como a criança no passado), pode desenvolver a capacidade
para simbolizar e pensar
excessiva rigidez x firmeza
exagerada permissividade x flexibilidade
Alicerces que sustentam o setting
Neutralidade (regra da neutralidade)
- nenhum indivíduo é neutro em sua essência, a neutralidade do terapeuta no
tratamento refere-se, portanto, à sua função, sua postura
- independente de seus valores, crenças, opiniões e sentimentos o terapeuta
deve estar disponível para os pontos de vista dos seus analisandos
- neutralidade não significa uma conduta de frieza, indiferença ou ausência de
sentimentos
- Freud compara a regra com a atividade médica do cirurgião:
Põe de lado todos os sentimentos, até mesmo de
solidariedade humana, e concentra suas forças
mentais no objetivo único de realizar a operação
tão completamente quanto possível
Abstinência (Regra da abstinência)
- significa abster-se de qualquer tipo de atividade que não seja a de
interpretação e análise
- inclui a proibição de qualquer tipo de gratificação externa, sexual ou
social
- ao invés de atender, procurar entender os pedidos do analisando
- a melhor forma de gratificar é analisar
procurar entender pensar lidar com a frustração
- Dessa forma deve-se haver uma abstinência por parte do paciente em
procurar o menos possível satisfações substitutas para os seus sintomas
(principalmente situações de risco)
- uso abusivo de drogas, comportamento sexual promíscuo, etc...
Anonimato
- é natural que na relação bi-pessoal o paciente demonstre curiosidade
- é problema quando a curiosidade pretende invadir a vida íntima do
terapeuta
13
- o terapeuta deve manter sua vida pessoal dentro do sigilo possível
- o anonimato favorece a oportunidade de o paciente manifestar
fantasias que o ajudarão a compreender muitos de seus
conflitos
Quanto menos o paciente sabe realmente sobre o
analista, tanto mais fácil lhe será preencher
espaços vazios com suas próprias fantasias, além
disso, quanto menos o paciente souber realmente
sobre o analista, tanto mais fácil será para o
analista convencer o paciente de que suas reações
são deslocamentos e projeções suas.
- Algumas das ―regras do jogo‖, assim como os principais elementos
que configuram o setting terapêutico são e devem ser estabelecidos no
contrato.
- O contrato irá definir os papéis do terapeuta e do paciente
O Contrato
(guardião do setting)
- Define papéis e funções do terapeuta e do paciente
paciente: busca alívio de seu sofrimento psíquico.
terapeuta: utiliza todos os seus recursos teóricos, técnicos e emocionais
para mitigar esse sofrimento.
- o contrato pode ser apresentado de forma detalhada ou simplificada.
Elementos constituintes do contrato
a) Frequência
- é importante que haja continuidade
- o interjogo da transferência-contratransferência está sempre presente e
independe da frequência
- a proximidade entre as sessões impede que o esquema defensivo se
reorganize por completo
b) Honorários
- devem refletir o nível de formação e de experiência do terapeuta
- deve estar de acordo com os padrões da comunidade onde trabalha
honorários baixos x honorários altos
- honorário alternativo: para situações temporárias (para pessoas com menos
recursos; para benefícios de aprendizagem)
- a redução de honorários pode provocar sentimentos de dívida
- data do pagamento
- reajustes de honorários
- a quebra de contrato pode servir como sinalizador do que está
ocorrendo na psicoterapia.
14
Avaliação – A Entrevista inicial
- pode ser mais do que uma: ―Entrevistas Iniciais‖
- é diferente de primeira sessão
objetivo / finalidade:
- avaliar as condições mentais, emocionais, materiais e circunstâncias
da vida do paciente.
- verificar a qualidade da motivação.
- se a teoria de tratamento e de cura do terapeuta coincide com a do
paciente.
- acessibilidade: disponibilidade e a capacidade do paciente permitir um
acesso ao seu inconsciente.
- observar como o paciente reage e contata com os assinalamentos
(interpretações ?).
O que avaliar?
- tipo de encaminhamento
- aparência exterior (forma de falar, vestimentas, como saúda)
- realidade exterior (condições sócio-econômicas, suporte familiar,
posição profissional)
- histórico familiar
- o grau de motivação
- Contraindicações (Terapia de orientação analítica)
- quadros psicóticos agudos
- quadros depressivos graves com sérias tentativas de suicídio
- alcoolismo crônico ou adição de drogas
- quadros fóbicos causadores de incapacitação crônica
- quadros obsessivo-compulsivos causadores de incapacitação crônica
- transtornos caracterológicos (de personalidade) graves
- transtornos alimentares graves
- síndrome cerebral orgânica e deficiência mental
Leitura Recomendada
Básica: Contrato [Capítulo 17] e Setting psicoterapêutico: neutralidade,
abstinência e anonimato [Capítulo 18] (EIZIRIK; AGUIAR;
SCHESTATSKY)
Complementar: Aspectos práticos da psicoterapia: primeiros passos
[Capítulo 3] – (Gabbard)
Aliança Terapêutica
- É compreendida como uma relação dual, uma formação de compromisso entre
duas pessoas
- É uma situação em que um necessita do outro e na qual existe uma intenção
de colaboração recípocra – ―união de forças‖ em direção à busca da cura
- A aliança terapêutica é estabelecida com base em uma experiência prévia (de
confiança)
15
- relação mãe – bebê
- Está ligada a experiência, diferente de transferência
Freud: “em análise transformamos o paciente num colaborador”
- primeiro o paciente deve se ligar ao tratamento para depois ser tratado
analiticamente
- Há uma dissociação do ego:
- uma parte que colabora, voltada à realidade
- uma parte que se opõe, impulsos do id, defesas do ego, ordens do
superego
- Enquanto uma parte da mente, inconscientemente repete os conflitos
psíquicos, a outra parte é capaz de se manter livre de conflitos e racionalmente
distanciar-se, a fim de reconhecer a natureza irracional de suas respostas
- ―parte adulta‖ – um nível mais maduro da mente (Meltzer)
- A aliança terapêutica estaria, supostamente, localizada no ego consciente,
mas recebendo influências de todo o mundo inconsciente
- A aliança relaciona-se tanto com a transferência positiva quanto a negativa
Caso Clínico 4
R., 35 anos, casada, autônoma, em terapia acerca de um ano e meio,
procurou-nos por dificuldades de relacionamento com os colegas de trabalho, o
que a leva a frequentes trocas de emprego. Tentou outros dois terapeutas, mas
no primeiro ou segundo mês interrompeu as terapias, por considerá-los
―múmias paralíticas‖. ↑ê-se como uma pessoa extremamente exigente consigo
e com os demais, o que leva seus familiares a acharem–na uma ―chata‖.
Reconhece como verdadeira essa crítica, mas não consegue mudar e
frequentemente provoca situações constrangedoras com seus ―comentários e
brincadeiras de mau gosto‖.
Provém de uma família com mais dois irmãos, sendo que o
relacionamento entre eles e sua mãe viúva é considerado ―formal‖; a mãe é
vista como fria, raramente manifesta o que pensa. R. sente-se ―pisando em
ovos‖ quando tem que falar algum assunto mais delicado com ela, pois nunca
faz idéia de qual será a sua reação.
Acha-se afetiva, embora a critiquem por ser fria e racional. Seu pai
faleceu quando tinha 13 anos, tendo deixado a família em uma situação de
dificuldades econômicas, o que a levou a trabalhar para ajudar no sustento da
casa. Nunca teve a vida tranquila que gostaria, pois seu pai era um homem com
―altos e baixos‖ profissionais, que provocava um sentimento de insegurança.
Não confiava no pai, pelo contrário, criticava-o por esse seu jeito. Acha que o
principal para relacionar-se é a segurança econômica. Tudo o que ganha é
depositado no banco, não compra nada além do necessário, sendo considerada
por sua família uma pessoa avarenta. Não quer passar pelo o que passou
durante toda a infância, de não saber o que aconteceria no dia seguinte.
Não tem amigas, embora muitas conhecidas, pois acha que as pessoas
só se aproximam dela por interesse. Pensa que tudo na vida é um grande
negócio, em que as pessoas se aproximam uma das outras para levar alguma
vantagem. Exemplifica com nossa situação: ela vem em busca de melhora de
sua capacidade em seus relacionamentos e está pagando por esse trabalho.
Percebemos, no entendimento de sua história e nos sentimentos
despertados, que o problema mais ―urgente‖ dessa paciente era a sua
dificuldade de estabelecer vínculos afetivos e confiáveis, e que isso seria
também o nosso obstáculo mais importante. Ao combinarmos o nosso contrato
de trabalho, abordamos essa compreensão, bem como a tendência a tais
dificuldades se repetirem no nosso relacionamento. Regina reagiu
imediatamente, dizendo que não concordava comigo, pois tinha excelentes
recomendações a meu respeito, e que nosso trabalho seria puramente
profissional. E assim começamos...
Terceira sessão:
R - “Quando estava chegando aqui, vi você entrando na garagem do prédio.
Bonito carro, parabéns. (Silêncio.) É engraçado (termo que usa frequentemente
quando não consegue definir o sentimento), mas achei que você me viu, mas
não quis me cumprimentar, faz parte da técnica?”.
T - “Parece que esse fato gerou em você um sentimento de insegurança em
relação a mim”.
16
R - “Não, claro que não, mas é evidente que seu interesse por mim é como por
qualquer outra paciente, você me entende, eu lhe pago e pronto, ou vai me
dizer que não é assim?”
T - “Talvez seja este o seu desejo, que tenhamos uma relação puramente
formal em que não surjam sentimentos que possam atrapalhar.”
R - “Que mania que vocês têm de dizer que não tenho sentimentos, mas aqui a
nossa relação é profissional...”
E assim seguimos até o final da sessão, a paciente sentindo-se
acusada por mim de que não teria sentimentos e dizendo que, afinal, aqui não
era o lugar para falarmos dessas coisas a nosso respeito, e sim de seus
problemas lá fora.
Após três semanas:
R - “Engraçado nosso encontro lá no cafezinho, fiquei meio sem graça, não
entendo o porquê (nos encontramos na cafeteria perto do consultório antes da
sessão). É como se você fosse duas pessoas, uma lá e outra aqui...”
T- “O que você nota de diferente?”
R - “Não sei: o que falamos aqui fica entre nós dois, vai ficar guardado aqui
dentro; e lá fora, é como se você pudesse me expor, fiquei ansiosa.”
T - “Então é como se eu fosse duas pessoas, uma em quem você pode confiar
e outra não...”
R - “Pior é que é isso; embora reconheça as recomendações que tive a seu
respeito, sua formação, etc., tem momentos, como agora, em que não confio. O
pior que este é o meu problema, parece que não confio em ninguém. Mas é por
isso que estou aqui, como falamos no início da terapia, não sei se um dia irei
confiar totalmente em alguém. Até acho que foi em função da desconfiança que
interrompi as outras terapias.”
T - “Se você está conseguindo me falar da sua desconfiança, inclusive em
relação a mim, é porque de alguma maneira está apostando na nossa relação.”
(Caso extraído do livro ―Psicoterapia de Orientação Analítica: Fundamentos
Teóricos e Clínicos‖)
Leitura Recomendada
Básica: A aliança terapêutica e a relação real com o terapeuta [Capítulo
19] - (EIZIRIK; AGUIAR; SCHESTATSKY)
Complementar: Relação Terapêutica: transferência, contratransferência
e aliança terapêutica [Capítulo 4] (CORDIOLLI)
Artigo: Aliança terapêutica em psicoterapia de orientação psicanalítica:
aspectos teóricos e manejo clínico (PERES)
Interpretação – Insight – Elaboração
- A interpretação é uma explicação que o analista dá ao paciente (a partir do
que este lhe comunicou) para lhe proporcionar um novo conhecimento de
si mesmo
- é destinada a produzir insight, sem que nós (o terapeuta) o
busquemos diretamente
- A interpretação refere-se a algo que pertence ao paciente, mas do qual ele
não tem conhecimento
Interpretação x Informação
(mundo interior) (mundo exterior)
- A interpretação não é apenas uma hipótese que o analista constrói, mas uma
hipótese que é feita para ser comunicada, para ser testada
- Para Freud, a interpretação é definida como um instrumento do analista para ir
do conteúdo manifesto às idéias latentes
17
- Tornar consciente o inconsciente
- Explicar o significado de um desejo, trazer à luz uma determinada
pulsão
- Atualmente, a interpretação do analista não fica restrita unicamente à
conscientização dos conflitos inconscientes:
- A noção da vincularidade implica numa contínua interação entre
analista e analisando
- o analista deixa de ser unicamente um observador e passa a
ser um participante ativo
- cada um do par influencia e é influenciado pelo outro
- há espaço não apenas para as interpretações transferenciais,
como a compreensão do interjogo transferência-
contratransferência
- O tratamento não visa apenas um conhecimento pessoal, mas sim a
um crescimento pessoal
- desenvolvimento das capacidades egóicas
- Mais do que levar o paciente a ―conhecer sobre‖, a interpretação
busca promover transformações em direção a um ―vir a ser‖
- O tratamento visa a uma ―experiência emocional transformadora‖
Insight
- Seria o movimento de tomada de consciência de algo significativo a
respeito da vida psíquica, no tratamento
in (dentro) + sight (vista)
- Serve para apreender um significado ao qual não se podia ter acesso
até aquele momento
- A interpretação percorre o caminho do conteúdo manifesto
(consciente) até o conteúdo latente (inconsciente), tentando vencer as
resistências para adquirir o insight
- Já a elaboração percorre o caminho inverso da interpretação, ou seja,
tenta vencer as ―resistências‖ (abandono das gratificações e dos
padrões aos quais, o sujeito está neuroticamente apegado) do conteúdo
latente até o comportamento manifesto.
Elaboração
- É o processo que visa cessar a insistência da repetitividade, própria
das formações inconscientes:
- vai desde o novo conhecimento obtido sobre si (insight) até a
superação do comportamento repetitivo
Leitura Recomendada
Básica: Insight e Elaboração [Capítulo 21] (EIZIRIK; AGUIAR;
SCHESTATSKY)
Complementar: A interpretação em Psicanálise [Capítulo 26 apenas a
página 195] - (ETCHEGOYEN)
- Atividade Interpretativa [Capítulo 35] – (ZIMERMAN)
18
Caso Clínico 5 – O Homem Dos Ratos
(Roteiro do filme com trechos do texto)
Caso Principal – Texto em anexo disponível na secretaria virtual
Delimitação Técnica das Psicoterapias
- De maneira geral, as psicoterapias foram se moldando de acordo com as
diversas instituições assistenciais (serviços hospitalares, centros de saúde
mental, etc...)
- Fiorini (2004) delimita 3 diferentes tipos de estratégia terapêutica:
a) de apoio
b) de esclarecimento
c) transferencial (psicanalítica)
Psicoterapia de apoio
Objetivo: atenuação ou supressão da ansiedade e de outros sintomas
clínicos, como modo de favorecer um retorno à situação de homeostase
anterior à descompensação ou crise
Estratégia básica: estabelecer um vínculo terapêutico tranquilizador,
protetor e orientador
- eventualmente procura modificar comportamentos estimulando
o ensaio de comportamentos novos
Relação terapeuta-paciente: deve estar claramente definida sem
ambiguidade  o paciente em papel subordinado e o terapeuta em
posição superior (de protetor)
- evitam-se os silêncios e o distanciamento afetivo
Intervenções do terapeuta: de tipo sugestivo-diretivo, interpretações
voltadas ao esclarecimento das motivações do comportamento são
opcionais
- atitude ativo-participante, muito próximo, com iniciativas
diretivas
Separações: intervalos ou altas, são negados como tais, não devem ser
sentidas como abandono
Transferência: idealizadora, não deve ser ―denunciada‖, pois pode criar
obstáculos a estratégia
Psicoterapia de esclarecimento
Objetivo: incluem-se os mesmos da estratégia de apoio, acrescentando-
se o desenvolvimento no paciente de uma atitude de auto-observação,
visando compreender suas dificuldades, motivações e conflitos
Estratégia básica: estabelecer uma relação de indagação, centrada no
esclarecimento das conexões significativas entre a biografia do
paciente, a transferência dos vínculos básicos conflituosos nas relações
atuais e os sintomas
- estimular a aprendizagem na auto-compreensão
19
Relação terapeuta-paciente: o terapeuta atua enfatizando seu papel real
de docente especialista, mas assume o caráter de uma relação de apoio
(docente)
- o paciente, no entanto, também tem um papel ativo,
fornecendo dados e buscando identificar suas motivações para
formular suas próprias interpretações
Intervenções do terapeuta: adoção de um comportamento
discretamente caloroso, espontâneo, no sentido de favorecer um
diálogo de certa fluidez e ativo na medida em que oferece explicações
pedagógicas acerca do tratamento, diagnóstico e evolução
- oferece novos modelos de comportamento visando fortalecer
funções egóicas adaptativas
Separações: devem ser vistas como situações de prova que permitem
avaliar como o paciente enfrenta novas tarefas adaptativas
Transferência: idealizadora: deve ser aceita, desde que não leve o
paciente a adotar atitudes passivas que ameacem deslocar a relação
terapêutica para uma situação de apoio
- hostilidade: deve ser explicada imediatamente como
atualização da biografia ou como deslocamento de outros
vínculos atuais
Psicanálise e interpretação transferencial
Objetivo: reestruturação, a mais ampla possível da personalidade
Estratégia básica: desenvolvimento e elaboração sistemática da
regressão transferencial
- a regressão e o afrouxamento das defesas são necessários,
permitidos, ―sugeridos‖ como aceitáveis e úteis
Relação terapeuta-paciente: o analista tende a se mover com certa
margem de indefinição pessoal (ambiguidade), é um depositário
potencial de múltiplos papéis que o paciente lhe atribui
- favorece que o paciente projete os seus conteúdos na figura
do analista
Intervenções do terapeuta: interpretações transferenciais e de conteúdo;
atitude passivo-silenciosa, distante no que se refere ao contato pessoal
Separações: compreendidas como uma forma de regressão, denotam
aspectos transferenciais
Transferência: sua interpretação adquire um papel terapêutico
privilegiado
20
Psicoterapia de apoio Psicoterapia de Esclarecimento Psicanálise
Objetivos
Atenuação ou supressão da
ansiedade, retorno a situação de
equilíbrio homeostático
Além dos objetivos de apoio busca-se
o desenvolvimento no paciente de
uma auto-observação e compreensão
de suas dificuldades
Reestruturação da personalidade
Estratégia básica
Estabelecer um vínculo terapêutico
tranquilizador, protetor e orientador
Estabelecer uma relação de
indagação, centrada no
esclarecimento pessoal
Desenvolvimento e elaboração
sistemática da regressão
transferencial
Relação terapeuta-paciente
Sem ambiguidade, os papéis são
claramente definidos
O terapeuta atua como docente
especialista, e o paciente tem um
papel ativo e colaborador
Ambiguidade, favorece que o
paciente projete os seus conteúdos
na figura do analista
Intervenções do terapeuta
Sugestivo-diretivo: o terapeuta tem
papel ativo-participante, com
iniciativas diretivas
Discretamente caloroso e
espontâneo, assim como ativo em
oferecer orientações pedagógicas
Interpretações transferenciais e de
conteúdo, atitude passivo-silenciosa
Separações
São negadas como tais, não devem
ser sentidas como abandono
Devem ser vistas como situações de
provas, tarefas adaptativas
Forma de regressão, denotam
aspectos transferenciais
Transferência
Idealizadora deve ser mantida, faz
parte da estratégia
Idealizadora deve ser aceita com
cuidado, a hostil deve ser
imediatamente atualizada
Sua interpretação adquire um papel
terapêutico privilegiado
Fonte: A Delimitação Técnica das Psicoterapias [Capítulo 3] – (FIORINI)
21
Módulo II – Wilhelm Reich
A Clínica do Homem Encouraçado
- Reich nasceu em 24/03/1897 na Galícia ucraniana, parte do império Austro-
húngaro - filho de pais camponeses, possuía um irmão 3 anos mais novo
- Tinha uma vida familiar atribulada, sua mãe a qual ele idolatrava, não era feliz
em seu casamento, vindo a se suicidar quando Reich tinha 14 anos
- O pai ficou arrasado com a morte da esposa e pouco tempo depois contraiu
pneumonia que evoluiu para uma tuberculose, vindo falecer 3 anos mais tarde (O
irmão também morreu de tuberculose aos 26 anos)
- Após a morte do pai, Reich continuou os estudos e ao mesmo tempo dirigia a
fazenda, porém, em 1916, com 19 anos, a guerra se espalhou e destruiu sua
propriedade – Reich deixa a fazenda e se alista no exército austríaco, torna-se
oficial e luta na Itália
- Em 1918 ingressa na Escola Médica de Viena, formando-se em 1922
- Destaca-se brilhantemente nos estudos participando ativamente dos
Seminários de Sexologia promovidos pelos alunos, é a partir do interesse
nesse tema que vem a conhecer Freud em 1919, quando ingressa na
Sociedade Psicanalítica de Viena
- A partir do ingresso na Psicanálise, começa a formular algumas idéias
controvertidas, encontrando certa resistência entre os psicanalistas, mas ainda
goza de certo prestígio
- Assume entre 1924 e 1930 a direção dos seminários de Psicoterapia e é
nomeado subdiretor da Policlínica Psicanalítica entre 1928 e 1930
Em sua vida e obra, podemos destacar 3 grandes momentos:
(1919 – 1926) – Momento de dedicação à Psicanálise com atenção à
sexualidade e sua relação com as neuroses
(1927 – 1935) – Momento de crítica à Psicanálise ortodoxa – proposta de
uma psicanálise revolucionária próxima ao Marxismo
(1936 – 1957) – Abandono gradual da práxis político-psicanalista e
incursão pela Fisiologia, Biologia até a Cosmogonia
A) Reich e a Psicanálise (Freud)
- Reich destaca o conceito freudiano de libido como uma energia psíquica:
- a estagnação ou o acúmulo dessa energia (estase libidinal) irá favorecer
o aparecimento de sintomas neuróticos
- Em 1915, Freud propõe uma classificação das neuroses em:
a) Psiconeuroses: neuroses com causa psíquica cujo sintomas são a
expressão simbólica de conflitos infantis
b) Neuroses atuais: causadas por uma disfunção somática atual,
originada a partir da insatisfação sexual
- O interesse da Psicanálise focou-se nas primeiras, porém, Freud propõe uma
relação entre elas:
22
- Alguns psicanalistas da época rejeitaram a idéia de Freud, alegando que toda
neurose é de origem psíquica e não somática. Freud não se preocupou, mas
também não retomou a proposta de um núcleo neurótico atual
- Diante destes conceitos freudianos, Reich destacou:
- a relação entre origem psíquica e origem somática da neurose: relação
entre idéias e excitação somática
- que um núcleo neurótico atual, resultante da frustração sexual, possa
ser atuante na psiconeurose
- A partir daí, Reich conclui que:
- Se uma excitação (somática) energiza uma idéia (psíquica) e se esta é
incompatível com a consciência (por razões morais), será inibida e se
frustrará, enquanto a energia se acumula (estase) sem poder se realizar
- Essa energia acumulada terá que se associar a outra idéia para
―descarregar-se‖
- poderá, então, conectar-se a idéias associadas a conflitos
infantis – sintomas neuróticos
- Para Reich as psiconeuroses aparecem sobre a base de uma inibição sexual
atual
- as psiconeuroses têm um núcleo neurótico atual e as neuroses atuais
têm uma superestrutura psiconeurótica
- A neurose á um transtorno somático devido à frustração e consequente desvio
da energia sexual
psiconeurose  neuroses atuais
- O desvio é sempre resultante de uma inibição psíquica:
energia  idéia
Na neurose:
- A energia não satisfeita/realizada, ou seja, a energia estásica pode se
manifestar de duas formas:
- Através de sintomas neuróticos (neurose obsessiva, fobia irracional)
- Através de traços de caráter neurótico (ordem excessiva, timidez
ansiosa)
energia
(inibição psíquica)
idéia
energia
acumulada
idéias infantis
substitutas das
idéias atuais
(em sua origem não patológicas, mas agora
sobrecarregadas de energia sexual)
Fator atual
(pressões morais,
sociais)
Frustração
(do desejo
sexual)
Estase
Libidinal
Sintoma neurótico atual
(núcleo neurótico atual)
desencadeia
Psiconeurose
(conflitos infantis)
23
Caráter
- A gênese do caráter tem por base o conflito entre as demandas pulsionais e o
meio exterior
- conflito enfrentado inicialmente no Complexo de Édipo
- Durante a vida do indivíduo repetem-se os conflitos entre desejo libidinal
e as pressões do meio exterior:
(id) demandas internas  Ego  demandas externas
(internalizadas no superego)
- Diante do perigo da emergência de pulsões libidinais, o recalcamento torna-se
crônico e automático
- Para Reich, este modo automático de defesa é denominado ―caráter‖ ou
―couraça caracterológica‖
- o caráter é composto das atitudes habituais de uma pessoa e de seu
padrão consistente de respostas para várias situações
- inclui atitudes e valores conscientes, estilo de comportamento
(timidez, agressividade) e atitudes físicas (postura, hábitos de
manutenção e movimentação do corpo)
- Do ponto de vista econômico da energia, temos:
- a energia libidinal não realizada se concentra (estase) forçando a sua
realização (saída)
- uma parte desta energia será utilizada pelo ego sob a forma de uma
formação reativa, a fim de reprimi-la
- Há, portanto, formação de um círculo vicioso onde:
- A figura ao lado pode ilustrar como ocorreria a formação de um caráter,
através de seus diversos estratos:
inibição estase Há aumento das
forças repressivas
(aumenta) (força o ego)
Cronificação do caráter
ou da couraça caracterológica
24
- A realização indireta e parcial das pulsões sexuais torna-se possível através de
brechas mais ou menos fixas, na couraça, que se interpõem entre o ego e o
mundo exterior
- No entanto, devido à realização apenas parcial da libido, a energia represada
aumenta levando à:
- cronicidade e rigidez da couraça
- diminuição do prazer sexual e da capacidade de descarga
- A falta de satisfação sexual e a frustração dos desejos levam a uma reação
agressiva que também acaba sendo inibida gerando novamente angústia
- Através de ―fendas‖ na couraça a libido pode fluir, de modo pouco móvel, para o
exterior (libido objetal) ou refluir para o ego (libido narcísica)
energia
libidinal
Realização direta da energia (libido objetal)
libido
narcísica
Realização parcial da energia (libido objetal)
inibição por pressões externas
1 –
2 –
3 –
4 –
5 –
formação reativa (parte da energia é utilizada para inibir o desejo)
pulsão reprimida
1 –
2 –
3 –
4 –
5 –
energia libidinal
traço de caráter (a libido cria brechas através da couraça)
o trabalho de defesa egóica leva a um disfarce dos desejos sexuais
... aparece no comportamento, como um traço de caráter que busca a gratificação
parcial do desejo – (diminuição da tensão)
inibição
uma nova formação reativa passa a impedir a
emergência de tal traço, dando origem a um
novo comportamento
traço superficial de caráter, que atinge uma conciliação parcial entre a
realização indireta do desejo e as demandas sociais
... e assim sucessivamente até o indivíduo encontrar um traço de
caráter relativo socialmente aceito
estratificação do
caráter
25
Caráter Neurótico x Caráter Genital
 Caráter neurótico: há um encouraçamento crônico que leva a atitudes rígidas
diante das diferentes demandas – modo de reação estereotipado
- A energia sexual não pode descarregar-se pela plena potência orgástica, devido
às repressões, canalizando-se para pontos de fixação pré-genitais
- a energia libidinal não consegue se ligar ao prazer genital (coito)
- a energia se liga a outras formas de prazer (pré-genital) – sexo oral,
anal, jogos sado-masoquistas, homossexualismo, voyeurismo,
masturbação ou abstinência sexual
 Caráter genital: a couraça torna-se móvel e adaptativa, pois:
- há a realização direta da energia, ou indireta, através da sublimação
- estabelece-se a primazia genital e a plena descarga orgástica (é capaz
de experimentar livre e plenamente o orgasmo sexual, descarregando por
completo, toda a libido excessiva)
- as pulsões pré-genitais canalizam-se para as realizações
genitais e estabelecem com elas, uma unidade (primazia genital)
- Para Reich, a personalidade total do indivíduo é a somatória funcional de toda
sua história incorporada ao presente sob a forma de atitude de caráter
- condensa em si toda a história dos conflitos enfrentados pelo indivíduo e
suas resoluções
Traços de Caráter x Sintomas Neuróticos
 Os traços de caráter são resultados de forças defensivas repressoras sentidas
como partes integrantes da personalidade, aceitas pelo ego
- por exemplo: preocupação com ordem e limpeza (a pessoa pode ter
estas características bem evidentes, porém, esse traço não é significativo
ou patológico)
 Já os sintomas neuróticos são vivenciados como estranhos ao indivíduo, como
elementos exteriores à psique
- por exemplo: comportamento obsessivo-compulsivo de ordem e/ou
limpeza dentro de um quadro de Transtorno Obsessivo-Compulsivo
(TOC) – o problema é significativo e patológico.
- Para Freud, a eliminação dos sintomas se dá através da conscientização dos
conflitos inconscientes, assim como da angústia
- Para Reich, não basta tornar consciente os conflitos infantis (inconscientes), é
necessário ainda, eliminar a fonte de energia que sobre eles investe (energia
estásica), ou seja, a perturbação de descarga orgástica
realização sexual
sublimação
(inibição sem recalcamento)
fluxo
energia libidinal
26
- No entanto, Reich irá perceber que o conflito ainda se mantém
―energetizado‖ mesmo após o restabelecimento de relações sexuais pelo
paciente
- Isto leva Reich à análise da função do orgasmo
A Função do Orgasmo
- A descarga de energia libidinal só ocorre quando o orgasmo é pleno – potência
orgástica
- fórmula do orgasmo (característico de todos os seres vivos)
orgasmo
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Controle
voluntário Relaxamento
Penetração
- A plena potência orgástica se dá em indivíduos onde ocorra a primazia genital -
são os indivíduos capazes de atingir os movimentos ondulatórios do corpo
- Quando não ocorre a primazia do genital (há investimento em fantasias pré-
genitais) a descarga não é total, mantendo-se grande parte da energia em estase
– impotência orgástica
- A impotência orgástica aumenta a quantidade de energia acumulada,
gerando angústia e realimentando a pré-genitalidade
- A frustração gera agressividade e angústia, estas por formação reativa
fortalecem a couraça caracterológica neurótica
Caráter Neurótico (impotência orgástica)
energia
libidinal
(estase da energia) – liga-se a pontos de fixação pré-genital
Realização parcial da energia
27
Caráter Genital (potência orgástica)
B) Reich e o Corpo
- No caráter neurótico a energia sexual não liberada se acumula em certos
grupos musculares, criando-se tensões específicas que vão refletir na maneira de
agir do indivíduo (traço de caráter)
- cada atitude de caráter tem uma atitude física correspondente
- o caráter do indivíduo é expresso no corpo em termos de rigidez
muscular
– caráter muscular
- As tensões musculares crônicas servem para bloquear uma das três excitações
biológicas: ansiedade, raiva, ou excitação sexual
- conclui que a couraça física e a couraça psicológica são essencialmente
a mesma coisa
“... as atitudes musculares e as atitudes de caráter
tem a mesma função no mecanismo psíquico, podem substituir-se
e influenciar-se mutuamente. Basicamente, não podem se separar” (Reich, 1948)
- Mente e corpo são vistos como uma só unidade
- Reich começa a trabalhar de forma direta no relaxamento da couraça muscular
junto com seu trabalho analítico
- a perda da couraça muscular liberta considerável energia libidinal e
auxilia no processo analítico (ver exemplos de caso - fls. 29 e 30)
- analisava em detalhes a postura de seus pacientes e seus hábitos
físicos a fim de conscientizá-los de como reprimiam sentimentos em
diferentes partes do corpo
- aos poucos começou a trabalhar diretamente com suas mãos sobre os
músculos tensos a fim de soltar as emoções presas a eles
- Para Freud, o objetivo era transformar o inconsciente em consciente, através do
uso da linguagem (associação livre)
- Para Reich, o objetivo não era apenas esse, mas sim restabelecer o equilíbrio
biofísico pela descarga da potência orgástica, liberando as energias vegetativas
(Vegetoterapia)
- Não mais se fica atrás do paciente, agora ele é olhado de frente e seu
corpo é analisado, dá-se importância à forma, como o corpo ―fala‖
energia
libidinal
sublimação (realização indireta)
inibição sem
recalcamento
(não há energia
acumulada, a descarga
orgástica é total)
28
- Para Freud, o corpo é levado em consideração na análise do sintoma, mas
apenas o conteúdo psíquico é investigado
- a abordagem corporal torna o paciente objeto da ação do terapeuta, não
lhe permitindo ser sujeito de suas próprias descobertas (crítica à teoria)
- O foco de Reich será a eliminação da estase libidinal pela regulação sexual
- Teoria da Economia Sexual
- a solução mais evidente seria a eliminação da moral sexual
repressiva e a plena satisfação orgástica
- Gradativamente Reich vai se afastando da teoria e técnica psicanalítica,
buscando ser, não uma Psicologia, mas sim uma Sexologia, enquanto ciência
dos processos biológicos, fisiológicos, emocionais e sociais da sexualidade
- Aos poucos vai se distanciando do trabalho árduo do tratamento individual das
neuroses e começa a investir seus esforços na direção da psico-higiene e
prevenção
- Sentindo a necessidade de compreender as forças sociais atuantes, Reich
encontra em Marx o complemento social da Psicanálise, ou da Economia Sexual
- ingressa no Partido Comunista com uma proposta de liberação sexual
da juventude
- Reich chegou a contabilizar 40 mil simpatizantes de suas idéias por toda a
Alemanha
- Em 1931, apresentou um programa com suas propostas:
- Livre distribuição de anticoncepcionais para qualquer um que
quisesse; educação intensiva para o controle da natalidade;
- Completa abolição das proibições com relação ao aborto;
- Abolição da distinção legal entre casados e não casados;
liberdade de divórcio;
- Eliminação de doenças venéreas e prevenção de problemas
sexuais através de uma completa educação sexual;
- Treinamento de médicos, professores etc, em todas as
questões relevantes da higiene sexual;
- Tratamento, ao invés de punição, para agressões sexuais
- No entanto, Reich é expulso do partido comunista acusado de
―contrarrevolucionário freudiano e antimarxista‖
- Ao mesmo tempo, os interesses políticos de Reich levantaram, nos círculos
psicanalíticos , controvérsias até mesmo maiores do que as provocadas por suas
inovações teóricas
- é acusado de tentar destruir a teoria freudiana, por ordens de Moscou –
em 1934 é expulso da API (Associação Psicanalítica Internacional)
C) Reich e a Orgonomia
- Reich inicialmente estuda a energia como libido, a partir de seus estudos em
Fisiologia, Biologia e Física ele começou a denominar a bioenergia do organismo
como um aspecto da energia universal presente em todas as coisas
Libido  energia vegetativa  bioenergia  energia orgônica cósmica
- Reich desenvolve assim a Orgonoterapia – fundou o Instituto Orgon
29
- envolveu-se em experimentos com acumuladores de energia orgônica,
que restabeleciam o fluxo normal de energia no indivíduo
- Em 1954, diversas alegações apontaram que o sucesso do tratamento de
doenças através dos acumuladores eram falsas:
- O FDA proibiu judicialmente a distribuição e uso dos acumuladores
- Reich insistiu com as pesquisas e foi condenado por desacato
- Em 1957, Reich morre na Prisão Federal de doença cardíaca.
Casos Clínicos - Reich
Caso I - Marcela
Marcela tem 38 anos e é solteira. Antes de me procurar já contava com
vários anos de psicoterapia verbal. Sua principal queixa está nos relacionamentos
sociais e amorosos. Excelente profissional, dedica-se muito ao trabalho e estuda
bastante, até mesmo nos fins de semana. Poderia estar melhor
profissionalmente, mas não consegue se fazer reconhecer como profissional
competente.
Os grandes desejos de Marcela são: ter um namorado fixo (e não apenas
casos esporádicos) e um grupo de amigos. Entretanto quando surge uma
situação social (um jantar, uma festa), dificilmente consegue ir. Sente muita
excitação com o convite, mas na hora não consegue sair de casa. Algo a paralisa
e ela não consegue dizer nada sobre isso.
A respeito desta paralisia também fomos percebendo (por meio de várias
situações trazidas por ela ao longo das consultas) algumas diferenciações.
Marcela não encontra muita dificuldade em realizar atos que lhe sejam solicitados
por outros. Exemplo: quando seu superior pede um relatório ou um estudo, ela o
realiza, satisfaz o pedido do outro. Mas em situações nas quais a realização
pessoal está em jogo, a paralisia (resistência) se faz presente. Um trabalho extra,
um ―bico‖ para ganhar um dinheiro a mais, foi feito por Marcela com extrema
dificuldade. Nesta ocasião seu braço enrijeceu e ela teve muita dificuldade em
escrever o relatório. A resistência manifestou-se corporalmente, muscularmente.
As situações sociais e afetivas são francamente situações de prazer e
realização pessoal. Nestas ocasiões a paralisia toma conta de Marcela. Embora
possua uma vasta gama de conhecimento (cinema, literatura, música, política...),
sente dificuldade de iniciar uma conversa.
A partir desses elementos, proponho que Marcela se deite, fique olhando
para o teto e permaneça de boca aberta. Permaneceu imóvel durante quinze
minutos. Depois disse que sentiu uma angústia imensa. Só angústia. Não
conseguiu pensar em nada. Repetimos esta situação mais algumas vezes,
procurando focar a atenção na angústia.
Na quarta repetição surgiu algo além da angústia. A penumbra da sala
(só há uma luz na sala, colocada do chão para o teto) a fez lembrar-se de uma
situação da infância. Depois do almoço, nos fins de semana, seu pai costumava a
fazer a sesta. Marcela era colocada no mesmo quarto que o pai e a irmã mais
nova para descansar. A mãe dizia que ela deveria ficar quieta para não acordar o
pai e a irmã. Ela queria sair e brincar, mas tinha de ficar parada. Depois, associou
que também não havia festas em casa porque isso perturbava muito o pai.
A proposta desta experiência tinha um objetivo específico: fazer Marcela
entrar em contato com a angústia da paralisia. Durante o tempo que ficou imóvel,
pude observar que sua postura não era relaxada. Havia tensão muscular e
pequenos movimentos com os dedos. Quando conversamos a esse respeito,
Marcela disse que teve medo de sair daquela posição (se mexer) porque eu
poderia ficar bravo com ela. A interpretação de que o medo sentido ali comigo era
o medo de atrapalhar a sesta do pai foi prontamente aceita. A vivência no
trabalho corporal proporcionou a Marcela o contato com a angústia, como o medo
de se movimentar e com a lembrança infantil. Quando este tipo de experiência se
estabelece (no caso angústia – medo - lembrança), a percepção da transferência
é praticamente imediata porque o paciente está sentindo e não apenas relatando
um sentimento de uma situação antiga.
Caso II - Nair
Nair, 29 anos, já fez cinco anos de psicoterapia (verbal) antes de me
procurar. Saiu da casa dos pais com 20 anos, depois de muitas discussões com a
mãe. Tem bom relacionamento com o pai e os dois irmãos mais novos que ela.
Apesar da idade, Nair se vê como adolescente: muda muito de emprego (não
suporta horários rígidos), não gosta de compromissos, frequenta bares e
danceterias de adolescentes e veste-se como tal.
No primeiro semestre de trabalho fizemos algumas experiências
corporais movimentando apenas os segmentos da cabeça (olhos, boca) e do
pescoço. Estas situações foram experimentadas por Nair sem dificuldade. As
30
dificuldades surgiram quando começamos a trabalhar com o tronco (tórax e
abdômen). Nas movimentações do tórax (bater e dizer EU), Nair sente-se
entediada. Faz o movimento mecanicamente, ―não sente nada e acha chato‖.
Proponho que Nair faça movimentação da pélvis (deitada e com joelhos
dobrados, deve erguer um pouco a pélvis e balançá-la de um lado para outro).
Realiza o movimento por aproximadamente cinco minutos. Interrompe e se diz
envergonhada. Ela estava ali ―rebolando‖ enquanto eu assistia. Sentiu vergonha
de se exibir. Peço a ela que volte a ―rebolar‖, deixando que a vergonha e a
exibição se intensifiquem. Em alguns minutos tem uma lembrança de infância.
Ela está na sala de casa com o pai e alguns amigos de trabalho. Há música no
ambiente e ela começa a fazer um show de canto e dança para a platéia. Todos
estão gostando da apresentação até que a mãe, vindo da cozinha, interrompe a
cena e leva Nair para o quarto. Recebe um sermão sobre seu exibicionismo e fica
de castigo no quarto.
Vemos aqui a situação transferencial com clareza. A vergonha sentida
por estar se exibindo para mim vem da situação infantil. Nair percebe em primeiro
lugar o temor de que eu vá recriminar seu exibicionismo (como sua mãe). Atrás
desse temor existe a vergonha, pois se dá conta, sente excitação em se exibir
para mim (pai). Além do aspecto transferencial, quero assinalar alguns pontos a
respeito das resistências no trabalho corporal. Quero ressaltar um detalhe desse
caso. Vimos que quando Nair começou a sentir vergonha por estar rebolando,
interrompeu o movimento. Vemos então que a movimentação corporal provocou
um afeto (vergonha) e que este afeto, ao paralisá-la, funcionou como resistência
à emergência da representação inconsciente. Ao pedir que ela seguisse a
movimentação e deixasse que a vergonha de se exibir aumentasse, estávamos
―desafiando a autoridade repressora‖, para que o reprimido pudesse emergir (o
desejo de se exibir). A movimentação corporal (rebolar) excitou a representação
reprimida, aumentou sua carga. Com este aumento de carga, a representação
ganhou força para emergir, mas foi imediatamente sentida como ameaçadora. O
que veio primeiramente à consciência de Nair foi a vergonha e não a lembrança
da infância. A vergonha é o sentimento correspondente à cena de infância. E
também, na situação atual, aquilo que, ao paralisá-la, impede (resiste) a
lembrança. Ao mobilizarmos o corpo, ativamos sua memória desejante. Em
decorrência disso, as resistências aumentam e se tornam conscientes. Não é
questão, portanto, nem de ceder à resistência nem de vendê-la a todo custo.
Antes, é questão de compreendê-la como manifestação e função encobridora, ou
seja, o objetivo não é conseguir rebolar (trabalho corporal), mas respeitar e
compreender o desejo infantil reprimido e sua relação transferencial (trabalho
interpretativo).
Haveria muito que dizer a respeito das resistências no trabalho corporal:
suas diferentes manifestações e as formas várias de se lidar com elas. Como o
tema deste estudo é a transferência, assinalo apenas que a vergonha (como
vimos no caso de Nair) é uma manifestação da resistência, assim como o tédio, o
sono, a ausência de sensações, a repetição de forma mecânica dos movimentos
e, em muitos casos, o excesso de excitação e sensações (apresentações
―performáticas‖) que servem apenas de embuste contra psicorporalistas
desavisados.
Casos extraídos do livro “A Transferência na Clínica Reichiana” – Cláudio
Mello Wagner – Ed. Casa do Psicólogo
Leitura Recomendada
Básica: Reich: um homem, uma obra [Capítulo 10]; Freud e Reich: da
psicanálise à orgonoterapia [Capítulo 11] e Uma Teoria do caráter à
guisa de teoria de personalidade [Capítulo 12] - (REIS; MAGALHÃES E
GONÇALVES)
Complementar: O caráter genital e o caráter neurótico [Capítulo 8] -
(REICH)
31
Módulo III – Melanie Klein
Da Fantasia à Realidade
- Melanie, inicialmente Reizes e posteriormente Klein, nasceu em 30/03/1882 em
Viena, filha caçula de uma família culta.
- As perdas e o luto foram marcantes no início e ao longo de sua vida
- aos 4 anos perdeu sua irmã Sidonie, que lhe ensinava leitura e
aritmética
- próximo aos 20 anos, perdeu o pai e o irmão Emanuel, amigo e
incentivador
- Na adolescência desejava estudar Medicina, mas após a morte de seu pai e
irmão, acabou se casando com Artur Klein em 1903 - devido ao noivado
abandonou a idéia de estudar Medicina
- Teve três filhos: Mellita, Hans, e Erich, após o nascimento do caçula perde a
mãe, o que a leva a um estado depressivo
- Em 1914, morando em Budapeste, procurou Ferenczi para análise e entrou em
contato com a obra de Freud
- Seu talento para compreender as crianças foi percebido e estimulado por seu
mestre Ferenczi
- Em 1922, tentou expor a Freud suas idéias, mas não houve interesse dele
- Mudou-se para Alemanha em 1923 e se tornou membro pleno da Sociedade de
Psicanálise de Berlim, iniciando em 1924 sua análise com Karl Abraham, porém,
a análise durou apenas um pouco mais de um ano devido à morte de seu
inspirador
- Klein era bastante produtiva e se focou no estudo da análise com crianças, onde
desenvolveu a técnica do brincar
- Em 1926, já separada, viajou para a Inglaterra a convite de Ernest
Jones, onde passou a morar e a expor as suas idéias acerca da
psicanálise com crianças
- Divergências Freud – Klein, posteriormente, ataques de sua filha
Mellita Shimideberg
- Klein transmitiu a psicanálise a diversos autores como Rosenfeld, Paula
Heimann, Richkman e Bion, deixando diversas obras importantes
- Klein se considerava até o final uma freudiana, vindo a falecer em 22/09/1960
Introdução ao pensamento Kleiniano
- O ego já existe desde o nascimento, é imaturo (primitivo, desorganizado), mas
possui uma tendência a integração
- Desde o início ele é exposto à:
- ansiedade provocada pela polaridade inata dos instintos
Instinto de vida integração
Instinto de morte desintegração
- ao impacto da realidade externa
- frustrar, privar, ameaçar
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- satisfazer, proteger
- Desde o início o ego é capaz de perceber e reagir à realidade ambiental através
de um processo interativo entre:
Fantasia ↔ realidade
- As pulsões inconscientes dirigem-se a um objeto
- o seio (parcial) é o primeiro objeto (interno - representante da mãe no
mundo interno)
- No nascimento o ego experimenta a ansiedade do instinto de morte: ansiedade
de separação terror de morte ou aniquilamento
- Para manter a pequena integridade o ego cinde:
- projeta o mau (senso de medo, ansiedade, frustração)
- transforma o temor de aniquilamento em um temor de
perseguição
- parte da ansiedade do instinto de morte é retida como fonte de
agressão que é utilizada para se defender dos medos
persecutórios
- projeta o bom (satisfação, senso de prazer corporal, segurança)
- a libido é projetada para criar um objeto que irá satisfazer o
instinto de preservação da vida
- parte da libido é retida para poder estabelecer uma relação
libidinal com o objeto
- Cria-se o complexo paradoxo do seio bom e do seio mau
- O ego estabelece um relacionamento com dois objetos parciais:
seio idealizado x seio persecutório
- As fantasias do seio ideal são reafirmadas pelas experiências satisfatórias e
gratificantes
- As fantasias do seio persecutório são mantidas pelas experiências de
frustração, dor, fome
―o recém-nascido vive um mundo de extremos, povoado por
objetos bons e maus num embate permanente”
- A integração do ego depende de sua capacidade de poder experimentar a força
do seio ideal
- (sensação de proteção, segurança e de que a parte persecutória está
sob controle)
- Nesse período a ansiedade é que o seio persecutório supere a parte idealizada
- sensação de aniquilamento
Posição esquizo-paranóide
- Se a hostilidade for grande demais ou se o bebê não experimentar o alívio de
seus ataques ao seio a bondade do seio idealizado é fantasiada como
insatisfatória
- O conflito entre os instintos de vida e de morte se dá entre:
amar x invejar / tê-lo x destruí-lo
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- O contato imediato com a realidade é alterado pela fantasia inconsciente e a
realidade age sobre a fantasia
- O cuidado e a paciência da mãe contribuem para o senso de bem-estar do bebê
- as fantasias podem ser temperadas pelo relacionamento com a mãe
(ambiente – Winnicott)
- a mãe / terapeuta tem de sustentar ou conter emoções que são penosas
demais para o bebê/ paciente suportar
- A predominância do objeto bom ou mau depende:
- do relacionamento mãe-bebê
- da força inata da inveja
- da capacidade de tolerar frustração
- O bebê necessita receber de volta da mãe, as suas experiências por uma
maneira que lhe assegure que seus sentimentos e ele próprio foram tolerados e
aceitos
- é a aceitação dele próprio por outro que o conduz à tolerância de si
próprio
- A experiência de uma maternagem suficientemente boa assegura que o mau
não pesará mais que o bom
- Com a maior segurança de que os objetos internos são bons, o bebê demonstra
um desejo de estender-se mais além
Formas de defesa do ego
- Cisão mantém uma distância suficientemente segura entre os objetos
persecutórios e os ideais
- Projeção transforma, troca o perigo interno por um perigo externo
- Introjeção busca incorporar o bom enquanto o mau é projetado
- Identificação Projetiva partes do ego e os objetos internos são cindidos e
projetados para dentro do objeto externo, que é então possuído e controlado pelo
sujeito que se identifica com a parte projetada
- Negação onipotente nega totalmente a perseguição a fim de controlá-la. A
super-idealização do seio cria a ilusão temporária de proteção completa dos
ataques perseguidores internos
Caso Clínico 1 – Identificação projetiva
O paciente é um jovem universitário que procurou a análise durante uma
crise de depressão. Esta se manifestava por grande desânimo, idéias de suicídio,
não encontrando sentido nos valores que acreditava até então e nos objetivos
pelos quais lutara. Praticava esportes perigosos - alpinismo, karatê, corrida de
automóveis- e sendo comuns os acidentes decorrentes destes. Dificilmente
reconhecia sua responsabilidade, se reconhecia era por pouco tempo, para logo
em seguida negar. Era habitual transformar suas derrotas – onde sua
autodestrutividade tinha um papel importante - em triunfos.
Uma ocasião contou-me, se vangloriando, que no fim de semana durante
uma luta, perdera um dente incisivo, gabando-se de sua iniciativa em ter ido ao
dentista sem ter avisado os pais para não preocupá-los. Acreditava que suas
capacidades intelectuais eram muito maiores que na realidade. Mas também era
habitual que as frustrações que sofria servissem de estímulo para ataques
autodestrutivos. Eram frequentes as alternâncias de estados de excessiva
valorização com estados de desvalia e descrença pessoal.
Era muito requisitado pelas jovens, mas não demonstrava interesse
especial por nenhuma. As pessoas eram vistas como meio para realizar seus
desejos e ficava muito indignado quando se sentia contrariado por elas, como se
tivessem obrigação de lhe servirem. Em relação a mim havia ocasiões em que
demonstrava excessiva admiração - quase sempre ligada a intenções de
conseguir algo de mim - e outras uma grande indiferença. Esperava resoluções
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mágicas e rápidas, reclamando por se ver frustrado nessa expectativa. Quando
eu mostrava alguma coisa real e benéfica que havíamos conseguido na análise
não reconhecia isso como resultado de nossos esforços. Numa dessas ocasiões
disse com indiferença: "Não vejo como a análise pode ter me ajudado. Se eu
melhorei nesse ponto era porque tinha que melhorar. O tempo que se encarregou
de resolver o problema‖.
A sessão que vou relatar é a terceira de uma semana em que ele estava
muito deprimido pois não fora aprovado na seleção de um emprego que
almejava. Nas sessões que antecederam os exames falara bastante do emprego
e com muito entusiasmo, acreditando que a sua vitória seria certa. Nesta sessão
ele rememorava a sua reprovação, alternando queixas sofridas e arrogância. A
expressão deste sentimento era feita com irritação, dizendo-se injustiçado e
revoltado, que isso não poderia ter acontecido com ele. Também voltava contra
si, dizendo que não valia mais a pena viver, sentindo-se um incapaz, que iria
sempre fracassar na vida.
Apesar de me parecer claro seu narcisismo ferido, tinha a impressão que
interpretar nessa linha não iria ser bem recebido por ele. Eu estava preocupado
naquele momento com o grande potencial agressivo do paciente e de como me
dirigir a ele para evitar um incremento desnecessário de agressão. Por outro lado
me sensibilizava com a grande dor que ele manifestava. Com muito tato comecei
a falar algo da mágoa que ele sentia, visando mais, por intermédio da fala, que
ele pudesse sentir minha presença, meu interesse por ele, e isso pudesse lhe
trazer conforto. Mas ele me interrompeu logo de início dizendo agressivamente
em voz alta: "Pare com isso!"
Eu o atendi impactado pela agressão. Ele falou gaguejando, tentando
com dificuldade, controlar a sua agressividade: "Não fale nada. Tudo o que você
fala são como facas que me penetram. É verdade. Sinto facas entrando em
mim." O intenso clima emocional não dava lugar para as palavras. No silêncio eu
alternava entre o sentimento de permanecer afastado, conforme o desejo do
paciente, e o desejo de querer me aproximar. Via-o muito solitário, fechado em si
mesmo. Quando percebi que a nossa relação caminhava para a esterilização
tentei novamente: "Quando você se mostra sofrido, com muita dor por não
conseguir o que queria, quer minha ajuda, mas quando me percebe perto de você
acha que sou perigoso e teme que eu possa machucá-lo ainda mais. Então se
irrita, se fecha e me quer longe”.
Ele emite um som de assentimento e diz: “Lembra o meu cachorro. Outro
dia ele estava ganindo de dor com a orelha machucada, cheia de vermes. Dava
pena. Fui cuidar dele e ele tentou me morder." Penso que está claro no material o
uso que o paciente faz do mecanismo de identificação projetiva: a expulsão de
sua agressividade e partes de seu self mau – um superego cruel e agressivo –
para dentro de mim, passando a me ver dessa forma e temendo-me. Esse
superego é decorrência do fracasso em se identificar com uma imagem
idealizada. Na medida em que eu passo a ser esse superego agressivo tenta me
controlar, tentando me calar e deixar-me distante dele.
Devido ao fracasso na identificação com um objeto idealizado (que ao ver
do paciente se daria quando conseguisse a colocação profissional) a única
alternativa que conhece é um autoarrasamento total, e no dizer dele, não mais
valendo a pena viver. Entrega-se à pulsão de morte, identificando-se com os
objetos destrutivos. Estes sentimentos destrutivos tornando-se intoleráveis são
cindidos e projetados em mim, tentando se aliviar da ameaça de
morte. Outra tentativa fracassada, porque agora passa a sentir-se ameaçado pelo
perigo que acredita que vem de mim. Há nesse movimento um caráter de
concretude física que imprime às minhas palavras, esvaziando o sentido original
delas de simpatia e ajuda. Ele as transforma em facas que lhe penetram.
As defesas esquizoparanóides se estruturam para o self lidar com os
impulsos destrutivos pelos quais se sente ameaçado, temendo por eles ser
aniquilado. A idealização é uma das formas de se proteger desta ameaça, e
quanto mais intensos estes impulsos maior a cisão do ego para afastá-los e
atingir um estado onde se sente seguro. Penso que a identificação projetiva, com
seus processos de cisão e projeção, além de ser um meio para a idealização está
intimamente ligada em sua origem a esta defesa.
Caso extraído do artigo “Identificação Projetiva: algumas reflexões” –
Paschoal Di Ciero Filho. Associação de psicoterapia psicanalítica
- A partir de condições favoráveis de desenvolvimento o bebê:
- sentirá que o seu objeto ideal e seus próprios impulsos libidinais são mais
fortes que o objeto mau e que seus impulsos maus.
- se sentirá menos temeroso de seus próprios impulsos maus (hostilidade) e
irá projetá-los menos para fora (cisão).
- a crença de seu ego no objeto ideal permitirá uma maior integração entre o
bom e o mau.
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- Nesse contexto o bebê começa a se relacionar com a mãe (com o objeto) de
maneira total.
- começa a perceber que suas experiências boas e más não procedem de
um seio ou mãe bons e maus, mas de uma mesma pessoa (objeto) que é
fonte do que é bom e do que é mau.
- ao mesmo tempo reconhece que ela tem vida própria e descobre seu
desamparo, sua dependência e seu ciúme.
- ansiedade de separação.
- com maior integração o bebê dá-se conta de que é a mesma pessoa, ele
próprio, que ama e odeia a mesma pessoa – sua mãe.
- ambivalência em relação ao objeto
- Havendo menos projeção há maior introjeção e o bebê começa cada vez mais a se
identificar com a mãe.
- dessa forma, a preservação do objeto externo mãe é que irá assegurar a
integridade do objeto interno bom (ego).
- Neste período, a ansiedade é de que se perca o objeto ou de que seus próprios
impulsos destrutivos tenham danificado ou danifiquem o objeto o qual ele ama e
depende.
- a posição depressiva
- Há necessidade maior de possuir esse objeto de mantê-lo dentro e de protegê-lo
de sua própria destrutividade.
- Através da fantasia onipotente de que ele possa ter destruído, danificado o objeto
amado; ele fica exposto aos sentimentos de luto e culpa.
- desespero depressivo
- A experiência da depressão, desesperança e culpa mobilizam o desejo de reparar
o objeto destruído.
- acredita que seu amor e cuidado podem desfazer os efeitos de sua
agressividade.
- O conflito na posição depressiva é uma luta constante entre a sua destrutividade e
os seus impulsos reparadores.
- o fracasso na reparação leva ao desespero.
- o sucesso à esperança renovada.
- A capacidade de sentir preocupação por seus objetos ajuda-o a aprender
gradualmente a controlar seus impulsos.
- o superego
- suas raízes, superego primitivo, são formadas na posição esquizo-
paranóide.
objeto perseguidor = punitivo, proibido.
objeto ideal = ego ideal, às vezes perseguidor devido às exigências
de perfeição.
- na posição depressiva ele se torna mais integrado, total e
ambivalentemente amado:
- age através de sentimentos de culpa e de auto-reparação
- auxilia na luta contra seus impulsos destrutivos
- O sofrimento do luto e os impulsos reparadores constituem a base da criatividade
e da sublimação:
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- reparar  reconstruir  recriar
- As experiências de luto – reparação / perda – recuperação enriquecem o ego,
aumentando a sua crença no seu próprio amor e potencialidades.
- A maternagem suficientemente boa e a continência é que irão permitir a
continuidade do desenvolvimento.
- A posição depressiva nunca é totalmente elaborada, sempre haverá as ansiedades
relativas à ambivalência e a culpa, assim como as situações de perda.
Alguns mecanismos de defesa da Posição Depressiva
- Há um maior crescimento do ego quando impulsos reparadores se mobilizam para
lidar com as ansiedades depressivas
- No entanto, no início o ego não tem força suficiente para confiar em suas
capacidades reparadoras, necessitando utilizar, portanto, mecanismos de defesa
específicos (primitivos)
- Defesas maníacas
- A organização dessas defesas na posição depressiva inclui mecanismos que já
estavam em evidência na posição esquizo-paranóide
- cisão, idealização, identificação projetiva, negação e etc...
- Na posição depressiva o indivíduo descobre sua dependência em relação ao
objeto, assim como sua ambivalência, experimentando intensos sentimentos de
medo de perda e anseio de culpa
- As defesas maníacas são dirigidas contra quaisquer sentimentos de
dependência, sendo estes obviados, negados ou invertidos
- Nas defesas maníacas, a relação com os objetos é caracterizada por uma tríade
de sentimentos:
controle onipotente, triunfo e desprezo
- À medida que o ego evolui, as defesas maníacas podem gradualmente dar lugar à
reparação
- Contudo, quando essas defesas são excessivamente fortes, estabelecem-se
círculos viciosos formando-se pontos de fixação – dinâmica maníaco-depressiva
Exemplo de fantasias que caracterizam as defesas maníacas
(Trecho extraído do texto ―notas sobre um caso de neurose obsessiva‖ – S. Freud
– Obras Completas 1909 – vol. X – Parte E – Algumas idéias obsessivas e sua
explicação)
“O homem dos Ratos”
― ... O mútuo antagonismo entre os seus sentimentos em relação a sua
dama era forte demais para ter escapado completamente à sua percepção
consciente, embora possamos concluir das obsessões nas quais o antagonismo
se manifestara que ele não avaliava corretamente a profundidade de seus
impulsos negativos. A dama havia recusado sua primeira proposta, dez anos
atrás. Desde então, ele tinha conhecimento de que passara por períodos
alternados em que ora ele acreditava que a amava intensamente, ora se sentia
indiferente com relação a ela. No decorrer do tratamento, sempre que se
deparava com a necessidade de dar algum passo que o aproximasse mais de um
final bem-sucedido para seu namoro, habitualmente sua resistência começava a
assumir a forma da convicção de que, afinal de contas, ele não ligava muito para
ela — embora, em verdade, essa resistência costumasse ser logo vencida.
Certa vez, estando ela acamada, com uma séria enfermidade, ficando ele
extremamente preocupado com ela, perpassou-lhe pela mente, quando olhava
para ela, um desejo de que ela continuasse deitada assim, para sempre. Explicou
essa idéia mediante um sofisma bastante engenhoso: asseverando que apenas
desejara que ela estivesse permanentemente doente, de modo que ele pudesse
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livrar-se de seu medo intolerável de que ela fosse acometida por uma repetida
sucessão de crises!
De vez em quando costumava povoar sua imaginação com devaneios,
que ele próprio identificava como ―fantasias de vingança‖, e se sentia
envergonhado com isso. Por exemplo, acreditando que a dama dava grande
importância à posição social de um certo pretendente, ele construiu uma fantasia
na qual ela estava casada com um homem daquela espécie, que ocupava um
cargo público. Ele próprio entrava, então, no mesmo departamento, onde subiu
de posição com muito mais rapidez do que seu marido, tornando-se este, enfim,
seu subordinado. Um dia — dando-se prosseguimento a sua fantasia — esse
homem cometia determinado ato desonesto. A dama atirava-se de joelhos a seus
pés e lhe implorava que salvasse seu marido. Ele prometia fazê-lo, e lhe
comunicava que fora apenas por amor a ela que havia assumido o cargo, de vez
que havia previsto que um momento como este iria chegar; e agora, salvo o seu
marido, estava cumprida sua missão e ele renunciaria ao seu posto...‖
Inveja
- Fatores externos como a frustração ou a privação impedem a gratificação, porém
mesmo quando o ambiente é favorável, experiências gratificantes podem ser
modificadas ou até mesmo impedidas devido a fatores internos
- Para Klein, tais fatores internos que impedem a percepção de uma gratificação são
expressões do instinto de morte
- A inveja pode ser considerada como a mais primitiva expressão do instinto de
morte
instinto de vida  integração
instinto de morte  desintegração
- A inveja visa à destruição das qualidades do objeto bom
- a inveja visa a que se seja tão bom quanto o objeto, mas diante da
impossibilidade de sê-lo, leva o indivíduo a danificar a bondade do objeto
- é uma relação dual: entre o sujeito e o objeto percebido como tendo
alguma qualidade
- a pessoa realmente invejosa não pode aproveitar o que vem de outra
pessoa e não pode sentir gratidão, o que significa que sua capacidade de
ter prazer e amar sofrem graves interferências
Voracidade
- Visa à posse de toda a bondade que possa ser extraída do objeto,
desconsiderando as consequências, podendo resultar na danificação do
objeto, porém, esta é incidental
 voracidade: reconhece e deseja obter algo que é bom, para poder
usufruir isso
 inveja: deseja ser tão bom quanto o objeto, na impossibilidade
destrói a sua bondade
Ciúme
- Baseia-se no amor e visa à posse do objeto amado e à remoção do rival
 ciúme: relação triangular
 inveja: relação dual
38
- Sentimentos de inveja, voracidade e ciúme podem estar fundidos
- Algumas defesas podem ser mobilizadas contra o sentimento de inveja
a) desvalorização do objeto invejado
- a fim de proteger o objeto de uma danificação ou destruição total,
diminui-se o seu valor
- um objeto desvalorizado não suscita inveja
b) idealização do objeto invejado
- idealiza-se a pessoa que a provoca de tal forma que a distância
entre essa pessoa e si próprio fica tão grande que aparentemente
nenhuma comparação é possível
- o objeto invejável fica fora de alcance
c) desvalorização do self
- o indivíduo se diminui a fim de aumentar a distância entre o self e
o objeto invejado
- A gratificação experimentada no seio estimula admiração, amor, gratidão e ao
mesmo tempo inveja
- Se a inveja não for avassaladora a gratidão a supera
Inveja x Gratidão
―... a inveja diminui na medida em que aumenta a gratificação e a diminuição da
inveja permite maior gratificação, que por sua vez, diminui a inveja...‖
Complexo de Édipo Primitivo
- Ao contrário de Freud, Klein localiza o Complexo de Édipo em etapas mais
anteriores do desenvolvimento. Descreve estágios primitivos do Complexo de Édipo.
- Quando a mãe é percebida como objeto total, não apenas a relação desta com o
bebê é modificada, mas também a sua percepção do mundo.
- As pessoas começam a ser percebidas individualmente e separadamente, tendo
relações entre si.
- percebe o vínculo entre pai e mãe.
- Como a projeção é ainda bastante presente nas fases iniciais, esta altera a sua
percepção sobre o vínculo libidinal de seus pais.
- a criança projeta nos pais seus próprios desejos libidinais
- A percepção da relação entre os pais gera sentimentos de privação, ciúme e
inveja.
- os pais são percebidos como dando um ao outro aquelas gratificações que
o bebê deseja para si próprio
- No início, a percepção da criança é de um casal parental combinado, não
diferencia o pai da figura da mãe.
39
- o pai /pênis é tido em fantasia como uma parte da mãe.
- o corpo da mãe possui tudo o que é desejável: seio, pênis, bebês.
- A partir da diferenciação entre os pais (pai e mãe) ambos são desejados e odiados
e os ataques são feitos ao relacionamento mútuo entre eles.
- Ao longo do desenvolvimento, varia a escolha entre os pais, assim como variam os
objetos libidinais e agressivos.
- oral - anal, uretral - genital
- Há constante flutuação na escolha do genitor predominantemente desejado e já na
situação oral se estabelece a base tanto para a escolha de objeto heterossexual
quanto homossexual.
- Independente do sexo, o primeiro objeto de desejo é o seio da mãe e o pai é
percebido como rival.
- Diante das angústias depressivas e persecutórias em relação à mãe e o seio, o
pênis do pai se torna um objeto alternativo de desejo.
- A busca por recuperar a relação primitiva com o seio (reparação) transforma-se em
desejo de união com a mãe.
- esses impulsos / desejos reparatórios podem ser dirigidos tanto à mãe
externa, quanto a mãe interna.
Menino Pai
Movimento homossexual
Movimento heterossexual
Identificação
Menina Pai
Movimento heterossexual
Movimento homossexual
Identificação
40
- À medida que o desenvolvimento prossegue, o objetivo genital se torna
predominante e a escolha entre os pais flutua cada vez menos.
- Com o crescente sentido da realidade a percepção do próprio sexo ajuda a criança
a renunciar parcialmente os desejos homossexuais e a aceitar o seu próprio sexo
- Sexo oposto  objeto de desejos libidinais.
- Mesmo sexo  objeto de identificação e rivalidade.
- Para Klein a escolha heterossexual nunca é completamente definitiva.
- no Édipo clássico (positivo) sempre existe a sua contraparte: o Édipo
invertido.
Algumas considerações sobre a técnica Kleiniana
- Klein desenvolveu a sua teoria a partir da técnica inovadora do jogo infantil, o que
a levou a descoberta do complexo mundo interno na mente da criança
- A partir da compreensão do mundo interno com seus conflitos, fantasias
inconscientes (tanto as agressivas quanto as libidinais) é que se fundamenta a
técnica Kleiniana
- A análise de crianças é análoga à do adulto, apenas variando a forma de
comunicação que é expressa através do jogo infantil
- Klein acreditava na existência de um superego precoce que se caracteriza
por seu sadismo
- a função do tratamento seria reduzir a sua crueldade excessiva,
ela acredita que são as fantasias agressivas a principal causa da
angústia
- O objetivo do tratamento é, portanto, analisar os conflitos e fantasias
inconscientes, compreendendo e interpretando as angústias que se desenvolvem
na relação de objeto, assim como os respectivos mecanismos de defesa
- o insight deve permitir o conhecimento e a reintegração dos aspectos dissociados
e projetados do self, permitindo uma compreensão do conflito e maior integração da
personalidade
- o insight consiste em juntar emoções carinhosas e hostis em relação a um
mesmo objeto, não apenas compreendendo, mas também tolerando os
consequentes sentimentos de culpa e responsabilidade
Menino
Movimento heterossexual
Movimento homossexual
(Impulsos reparatórios)
Mãe externa
Mãe interna
Menina
Movimento heterossexual
Movimento homossexual
(Impulsos reparatórios)
Mãe externa
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  • 1. C E N T R O U N I V E R S I T Á R I O A R A R A Q U A R A TEORIAS E TÉCNICAS PSICOTERÁPICAS I Curso de Graduação em Psicologia Prof. Fábio de Carvalho Mastroianni
  • 2. 2 Í N D I C E Módulo I – Início da Psicanálise: Teoria e Técnica Freudiana ____________________ 3 Uma Visão Histórica das Psicoterapias______________________________________ 3 Introdução a Teoria e a Técnica Psicanalítica_________________________________ 4 O Método Catártico ______________________________________________________ 5 Teoria e Técnica: construções paralelas_____________________________________ 5 Conceitos Teóricos e Técnicos em Psicanálise _______________________________ 6 Resistência_____________________________________________________________ 6 Caso Clínico 1 __________________________________________________________ 7 Transferência ___________________________________________________________ 8 Caso Clínico 2 __________________________________________________________ 9 Contratransferência_____________________________________________________ 10 Caso Clínico 3 _________________________________________________________ 10 Setting Terapêutico (Enquadre) ___________________________________________ 11 Aliança Terapêutica _____________________________________________________ 14 Caso Clínico 4 _________________________________________________________ 15 Interpretação – Insight – Elaboração _______________________________________ 16 Delimitação Técnica das Psicoterapias _____________________________________ 18 Módulo II – Wilhelm Reich ___________________________________________21 A Clínica do Homem Encouraçado ________________________________________ 21 A) Reich e a Psicanálise (Freud) __________________________________________ 21 Caráter _______________________________________________________________ 23 Caráter Neurótico x Caráter Genital ________________________________________ 25 Traços de Caráter x Sintomas Neuróticos___________________________________ 25 A Função do Orgasmo___________________________________________________ 26 B) Reich e o Corpo _____________________________________________________ 27 C) Reich e a Orgonomia _________________________________________________ 28 Casos Clínicos - Reich __________________________________________________ 29 Módulo III – Melanie Klein ___________________________________________ 31 Da Fantasia à Realidade__________________________________________________31 Introdução ao pensamento Kleiniano_______________________________________31 Caso Clínico 1 – Identificação projetiva _____________________________________33 Alguns mecanismos de defesa da Posição Depressiva ________________________36 Exemplo de fantasias que caracterizam as defesas maníacas __________________36 Inveja _________________________________________________________________37 Complexo de Édipo Primitivo _____________________________________________38 Algumas considerações sobre a técnica Kleiniana____________________________40 Caso Clínico 2 – Albert e a raiva reprimida __________________________________41 Caso Clínico 3 – Alice e a Crueza __________________________________________41 Módulo IV – Donald Woods Winnicott _________________________________ 42 O Espaço Potencial _____________________________________________________42 O Bebê e o Ambiente ____________________________________________________44 Desenvolvimento Emocional Primitivo______________________________________44 Adaptação à Realidade __________________________________________________46 O Brincar ______________________________________________________________48 Fase de Pré–Inquietude __________________________________________________49 A Tendência Antissocial _________________________________________________49 O Papel do Pai__________________________________________________________50 A Técnica em Winnicott __________________________________________________50 Caso Clínico ___________________________________________________________51 Módulo V – Jacques Lacan __________________________________________ 54 A Lógica do Sujeito _____________________________________________________54 Principais Conceitos Linguísticos _________________________________________54 A Constituição do Sujeito ________________________________________________55 Referências ____________________________________________________________59
  • 3. 3 Módulo I – Início da Psicanálise: Teoria e Técnica Freudiana Uma Visão Histórica das Psicoterapias - A psicoterapia existe muito antes de haver qualquer noção de uma abordagem sistemática de tratamento - Basicamente, a psicoterapia envolve um sistema de duas pessoas Suplicante  Curandeiro (que sofre primariamente mais na mente do que no corpo) (cuja empatia, sabedoria, maturidade e objetividade permitem que ele alivie o sofrimento do suplicante) - O curandeiro vê e entende alguma coisa sobre o suplicante da qual este não tem conhecimento - o curandeiro amplia o pensamento do suplicante e influencia o seu comportamento - curandeiro  pessoa ―iluminada‖, que tem a função de aumentar a ―iluminação‖ do suplicante - Para a realização da terapia é necessário, portanto, uma troca ativa entre terapeuta e paciente - ao paciente cabe revelar a natureza do seu problema, ainda que não possua maior conhecimento sobre ela - ao terapeuta, ―adivinhar‖ sua verdadeira natureza e assim levar o paciente ao conhecimento curativo - há participação do paciente - Entretanto, historicamente a psicoterapia na antiguidade se dava de forma diferente, ou seja, sem participação do paciente  Entre os babilônios (2000 A.C.) acreditava-se que toda a insanidade era devida a um ―demônio‖ específico - a cura vinha por meio de um encantamento pelo sacerdote (poderes sugestivos) - O exemplo da antiguidade que chega mais próximo da moderna concepção de psicoterapia refere-se à cura de Lady Kisagohtami pelo Buda - de qualquer modo, não havia interesse nas histórias e situações de vida singulares das pessoas  No ocidente, o poder da Igreja Católica sobre a vida intelectual assegurava a pouca ênfase na história de vida do indivíduo - as dificuldades emocionais, exatamente como nos tempos bíblicos, eram entendidas como consequências de forças externas ao self - forças diabólicas (bem x mal) - as dificuldades eram atribuídas à bruxaria  Na metade do último milênio o poder da Igreja Católica começou a enfraquecer, promovendo maior liberdade de pensamento - o movimento conhecido como o Iluminismo levou a grandes progressos no esclarecimento humano de modo geral - a idéia de um de seus pensadores, Rousseau em o Nobre Selvagem influenciou as crenças de diversos autores sobre a ―bondade natural das pessoas‖
  • 4. 4 A perfectibilidade da natureza humana dependia da transformação da vontade selvagem, cega, incontrolada da humanidade em uma força para o bem comum (altruísmo) Igreja Católica  Iluminismo Humanidade pecadora (fruto proibido) Influenciada por forças do mal Humanidade considerada inerentemente boa ou pelo menos recuperável (transformação do indivíduo). - Philippe Pinel, psiquiatra francês (séc. XVIII e XIX) foi influenciado pelas idéias iluministas e modificou o método de tratamento do paciente mental, retirando- lhe as correntes - Entretanto, não houve mudança significativa na psicoterapia no que se refere à relação entre curandeiro/terapeuta x suplicante/paciente - não havia troca ativa, participação - o paciente ainda era submetido à ação do terapeuta - Mesmer, início do século XIX, era um curandeiro carismático que contava com medidas bizarras para seus poderes de cura - baseou-se nas idéias/descobertas do fenômeno da eletricidade e do magnetismo para fundamentar sua ilusória teoria: - fluido animal-magnético universal e invisível – sua má distribuição estava por baixo de todas as doenças humanas - método: varinha especial, manto e um barril (cuba de Mesmer) - Seguidores de Mesmer desmistificaram seu método demonstrando ser desnecessária a utilização desses instrumentos - eles simplesmente obtinham os mesmos resultados por meio da indução do estado de transe pelo poder da sugestão - poder da sugestão, posteriormente denominada de hipnose - primórdios da psicanálise Leitura Recomendada Básica: História da Psicoterapia [Capítulo 1] (EIZIRIK; AGUIAR; SCHESTATSKY) Introdução a Teoria e a Técnica Psicanalítica - A psicanálise é uma forma especial de psicoterapia - A psicoterapia começa a se tornar científica na França do século XIX com as grandes escolas sobre a técnica da sugestão - Nancy com Liébeault e Berheim - Salpêtrière com Charcot - A técnica da sugestão visa modificar a atenção, desviar o sujeito de idéias patogênicas e se concentrar em outras atividades - É ao mesmo tempo um instrumento de investigação e assistência
  • 5. 5 - A partir da técnica inicia-se o estudo que visa compreender: “A influência da moral sobre o corpo” - O tratamento hipnótico é pessoal e não interpessoal - Com a introdução da Psicanálise, Freud leva a psicoterapia a um nível científico - Criação de uma teoria da personalidade O Método Catártico - Breuer caso Anna O. - utiliza o hipnotismo não para que o paciente esqueça, mas para que se recorde - cura pela fala, pela palavra (Talking cure) - Método catártico narrar as circunstâncias em que surgiram os sintomas faz com que eles desapareçam Recordar - Freud utiliza um procedimento intermediário entre o método de Breuer (catártico) e o que viria a ser a psicanálise - Consiste em estimular e pressionar o enfermo para que se recorde - método da coerção associativa - Em 1905 (Sobre Psicoterapia), Freud diferencia a psicanálise e o método catártico de outras psicoterapias Per via di porre x per via di levare Teoria e Técnica: construções paralelas - A técnica catártica descobre a dissociação da consciência - o método produz uma ampliação da consciência - A partir destas descobertas os autores formulam e reformulam a teoria Breuer teoria dos estados hipnóides - uma condição do indivíduo favorece a segregação da consciência (fatores psicológicos e biológicos) Freud teoria do trauma (psicológicos) - uma condição do evento/acontecimento favorece a segregação da consciência - o acontecimento fica segregado da consciência para ser esquecido - introdução da técnica da coerção associativa e abandono da hipnose - A técnica da coerção associativa traz a idéia de que: - as coisas são esquecidas porque não se quer recordá-las - conceito de resistência - O que no trauma condicionou o esquecimento, no tratamento condiciona a resistência
  • 6. 6 - Se há a resistência, não se justifica então a coerção - deixa-se o paciente falar livremente - técnica da associação livre  regra fundamental da psicanálise Coerção associativa  Resistência  Associação livre (técnica)  (teoria)  (técnica) - Só recordar não é suficiente - A resistência age no sentido de defender o sujeito, de manter um status quo, evitar o contato com conteúdos que são sentidos como ―dolorosos‖, desagradáveis - É necessário dar informes ao paciente sobre si mesmo - tornar conhecido aquilo que ele ignora - surge a interpretação instrumento técnico fundamental - Recordar, Repetir, Elaborar O que é Psicoterapia? Trata-se de um método de tratamento realizado por um profissional treinado, com o objetivo de reduzir ou remover um problema/queixa ou transtorno definido de um cliente ou paciente que deliberadamente busca ajuda. Onde: - o terapeuta utiliza meios psicológicos como forma de influenciar o cliente ou paciente - é realizada em um contexto primariamente interpessoal (relação terapêutica) - utiliza-se a comunicação verbal como principal recurso - há eminente atividade colaborativa entre paciente e terapeuta Conceitos Teóricos e Técnicos em Psicanálise Resistência - Ela surge, no desenvolvimento da psicanálise, como uma oposição às lembranças penosas durante o tratamento - Aos poucos Freud conclui que o fenômeno está permanentemente presente e age contra a percepção de impulsos inaceitáveis de natureza sexual que surgem distorcidos Leitura Recomendada Básica: A Técnica Psicanalítica [Capítulo 1] – (ETCHEGOYEN) Complementar: As principais psicoterapias: fundamentos teóricos [Capítulo 1] – (CORDIOLLI)
  • 7. 7 - Mais do que uma força a ser vencida, a resistência representa a forma como o indivíduo se defende e resiste no cotidiano de sua vida - Resistência do analisando: é a resultante de forças dentro dele, que se opõem ao analista, ou aos processos e procedimentos à análise, isto é, que obstaculizam as funções de recordar, associar, elaborar, bem como o desejo de mudar (Zimmerman) Resistência = re + sistencia Sistencia sistere, sistens ―continuar a existir‖ - uma volta à utilização de recursos defensivos e ofensivos (que se opõe contra o que, ou quem, lhes representa alguma ameaça), de um modo tenaz e repetitivo, em uma busca ativa do direito de continuar a existir. - No início do tratamento a motivação para manter o status quo é maior que a motivação para a mudança Algumas formas de resistência ao tratamento - atrasos às sessões - recusa em tomar medicamentos - permanecer em silêncio - enfocar materiais não relevantes - esquecer-se de pagar - em relação à elaboração (ganhos secundários) - transferência Caso Clínico 1 O Sr. A era um homem solteiro de 29 anos de idade com TOC. No momento em que se apresentou para hospitalização psiquiátrica, relatava uma história de 10 anos de sintomas obsessivo-compulsivos e queixava-se de estar totalmente aprisionado em casa nos últimos 8 anos devido aos pensamentos ―grotescos, terríveis‖ e incapacitantes constantes que nunca cessavam. Oito anos antes da admissão, quando o Sr. A. não saiu mais de casa, sua mãe aposentou-se podendo cuidá-lo e satisfazer suas demandas de limpeza – sua vida girava em torno dele. O Sr. A estava obcecado pela necessidade de evitar a contaminação. Preocupava-se também com a possibilidade de engravidar alguma mulher, pois temia ter sêmen nas mãos. Por conseguinte, tornou-se um compulsivo lavador de mãos. Insistia que sua mãe permanecesse consigo 24 horas por dia. Embora ela não dormisse ou tomasse banho com ele, auxiliava-o a vestir-se de modo que ele não tocasse suas roupas, impedindo a contaminação. Ele também solicitava que ela seguisse um elaborado ritual com 58 passos, ao cozinhar sua refeição e colocá-la na mesa. Caso não seguisse o ritual precisamente, tinha que descartar toda a refeição e começar tudo novamente. Ela teve de desfazer de milhares de dólares em alimentos a cada ano, a fim de responder a estas demandas. O Sr. A também insistia que seu pai deveria permanecer fora da casa ou em outro cômodo, de modo que não houvesse risco de ser contaminado pelos germes que o pai trazia do trabalho. O desenvolvimento inicial do paciente não apresentava aspectos notáveis, porém ele recordava de um episódio muito desagradável quando tinha aproximadamente 5 anos de idade. Lembrava ter visto seu pai agarrando sua mãe pelos seios, enquanto ela gritava que o paciente a socorresse. Ele tentou impedir, porém foi suplantado pela força do pai. Recordava ter se sentido terrivelmente mal acerca do incidente e chorou por perceber-se incapaz de salvar sua mãe. Re ―voltar atrás‖ (regredir; revogar) ―oposição‖ (revolta; reprovar) ―repetição‖ (reiterar; ressentir) ―busca de algo‖ (reforma; revolução)
  • 8. 8 Embora o paciente tenha ido a vários psiquiatras, sempre se recusava a retornar após a 1ª consulta. Certa vez concordou em tomar clomipramina, porém interrompeu após a primeira dose, alegando incômodo com os efeitos colaterais. Seus pais perceberam que finalmente teriam que hospitalizá-lo, porque se encontrava incapacitado. Quando chegou ao hospital, o médico perguntou-lhe porque procurava tratamento. Ele respondeu: ―Eu estou determinado a ser dependente – quero dizer independente‖. O médico comentou de ele ter dito ―dependente‖ e perguntou: ―Há talvez alguma parte em você que gostaria de permanecer dependente‖? O Sr. A respondeu: ―↑ocê refere-se a minha mãe‖? O médico replicou que ele deveria saber melhor sobre isto. O Sr. A refletiu por um momento e disse: ―Bem, ela cuida muito bem de mim‖. O lapso do Sr. A proporcionou um vislumbre das motivações inconscientes desta resistência ao tratamento. Qualquer tipo de tratamento bem-sucedido ameaçava a sua relação de dependência com a mãe. Se a clomipramina tinha possibilidade de ajudá-lo, então ele não tomaria. Similarmente, ele invalidaria quaisquer outros esforços de tratamento ambulatorial ou hospitalar. Após cerca de uma semana de hospitalização, o Sr. A. desafiou as expectativas dos membros da equipe. Passou a apresentar dramáticas melhoras, conseguia tocar em maçanetas sem temer a contaminação, ler revistas que outros haviam tocado, além de ter reduzido consideravelmente o tempo gasto com a lavagem das mãos. Esta melhora ocorreu sem o uso da medicação e o paciente comentava que se sentia ―bem menos nervoso‖ no hospital do que havia imaginado. À medida que ia avançando, tornou-se aparente sua crescente preocupação com os seus desejos sexuais em relação à mãe. Comentava que quando a sua mãe o vestia, sentia ―algo sexual‖. O afastamento do ambiente emocional carregado de sua casa tornou menos problemático seus desejos sexuais pela mãe. Similarmente, os desejos agressivos de manter o pai longe dela tornaram-se menos perturbadores. Devido à diminuição de sua ansiedade acerca de seus desejos sexuais e agressivos, seus sintomas obsessivo-compulsivos não eram tão necessários para conter sua ansiedade. Caso extraído do livro “Psiquiatria Psicodinâmica” – Glen O. Gabbard 2ª ed – Capítulo 1. Leitura Recomendada Básica: A Técnica Psicanalítica [Capítulo 1] – (ETCHEGOYEN) Complementar: Resistências [Capítulo 28] – (ZIMERMAN) Transferência - À medida que os impulsos ou fantasias vão sendo ―descobertos‖ (tornam-se conscientes) durante o tratamento, o paciente resiste transferindo tais impulsos à figura do terapeuta - Revive-se na análise uma série de experiências psicológicas como pertencentes não ao passado, mas ao presente em relação ao terapeuta - É um recurso que o paciente utiliza a fim de que o material patogênico (conflito) permaneça inacessível - A vida emocional que o paciente não pode recordar é vivenciada na transferência e ali (na análise) deve ser resolvida - Ocorre uma distorção entre: passado / presente fantasia / realidade - é inapropriada, irracional e repetitiva - Ao mesmo tempo em que serve a resistência o que se transfere é o resistido (inconsciente) - Quanto mais os desejos de uma pessoa são insatisfeitos em sua vida real, maior será sua busca, sua espera em satisfazê-la a enfermidade transferência
  • 9. 9 - A libido insatisfeita do paciente se dirigirá para qualquer pessoa - Dessa forma a transferência ocorre tanto dentro da análise quanto fora dela - A transferência não é efeito da análise, mas a análise é o método que se ocupa de descobrir e analisar a transferência - De um obstáculo à análise, a transferência converte-se em seu auxiliar mais poderoso quando se consegue inferi-la e traduzi-la ao paciente experiência x transferência (Libido consciente – ego) (libido recalcada – id) (princípio de realidade) (princípio de prazer) - Transferência = uma experiência do passado que está interferindo na compreensão do presente Caso Clínico 2 Uma mulher casada de 35 anos veio para o tratamento em uma tentativa de dar fim à sua infidelidade compulsiva. Sempre que seu marido viajava, o que a profissão dele frequentemente exigia, ela escolhia para seu amante um homem que fosse tímido, deprimido e impotente. Então se deliciava com sua capacidade para seduzi-lo a tornar-se audaz, feliz e potente. Ela geralmente realizava seu triunfo ―terapêutico‖ pouco antes do retorno do marido, quando rompia o relacionamento extraconjugal. Naturalmente, o casamento tinha suas dificuldades, mas era, apesar disso, estável. O terapeuta apenas gradualmente ficou sabendo de alguns de seus aspectos perturbados, à medida que a própria paciente tornou-se capaz de tolerar o conhecimento do terapeuta sobre eles. Após aproximadamente um ano e meio de tratamento e um ano em que não teve casos, ela passou a se posicionar mais claramente, por exemplo, insistindo com o marido que seu filho de 8 anos era muito jovem para ter o rifle que ele lhe havia dado, após o menino ter atirado em sua própria mão com a arma. Um dia ela relatou ter ido ao banheiro onde sua filha de 3 anos estava tomando banho com o marido, uma prática costumeira que ela não havia contado a seu terapeuta. A paciente nunca antes havia ido ver o que acontecia no banheiro, mas agora relatava que ficara atônita e paralisada ao ver que sua filha estava brincando com o pênis ereto de seu marido enquanto ele ficava sentado calmamente lendo o jornal na banheira. Ela saiu sem dizer uma palavra. Nesse ponto a sessão de sexta-feira chegou ao fim. Na segunda-feira, a paciente estava bastante deprimida, sentindo-se desanimada e abandonada por seu terapeuta. Desesperada para sentir-se melhor, ela começara a imaginar como poderia arrumar outro caso, e com quem. O terapeuta disse-lhe que seus sentimentos pareciam ligados com o momento em que ele terminara a sessão de sexta-feira, um comentário que resultou em um acesso de depreciação sarcástica por parte da paciente, em um tom em que ele nunca havia ouvido dela antes. Apenas após vários dias, sua fúria diminuiu suficientemente para ela considerar o que havia ocorrido. Ela e o terapeuta apenas gradualmente puderam dar-se conta de que havia sido, de fato, uma revivência de sentimentos da infância e uma representação na qual o terapeuta, um homem, tinha desempenhado o papel de sua mãe, que muitas vezes a havia deixado brincando com um ou outro dos pensionistas da sua casa, muitos dos quais tinham abusado sexualmente dela. Caso extraído do livro “Psicoterapia de Orientação Analítica: Fundamentos teóricos e clínicos” – ELZIRIK C.L.; AGUIAR, R. W.; SCHESTATSKY S. S. e cols. 2ª ed – Capítulo 22. Leitura Recomendada Básica: História e Conceito da Transferência [Capítulo 7] e Dinâmica da Transferência [Capítulo 8] – (ETCHEGOYEN) Complementar: Transferências [Capítulo 31] – (ZIMERMAN) Artigo: O conceito de transferência nos "Estudos sobre a histeria" (Breuer & Freud, 1895) – (BISSOLI)
  • 10. 10 Contratransferência - Freud descreve esse fenômeno como: - resposta emocional do analista aos estímulos que provêm do paciente, como resultado da influência do analisando sobre os sentimentos inconscientes do médico - destaca principalmente sua influência negativa sobre o tratamento - resistências internas do médico necessidade de autoanálise - pontos cegos do terapeuta obstáculo ao tratamento - A contratransferência começa a ganhar destaque com os trabalhos de Heimann (1950) e Racker (1953), que passam a considerá-la um: - fenômeno normal dentro do processo terapêutico - são reações que o analista experimenta diante de seu paciente - pode ser considerada como: - um obstáculo - um instrumento para melhor compreensão do paciente - um campo em que o paciente pode adquirir uma experiência diferente da que teve originalmente Contratransferência - ao que se opõe (contra-ataque) contra - o que faz balanço em busca do equilíbrio (contraponto) Contratransferência é diferente (≠) de transferência do analista em relação ao paciente Transferência do terapeuta: sentimentos, idéias e comportamentos que são dirigidos ao paciente a partir da história pessoal do terapeuta ou de situações de sua vida atual, transferidos sobre ou para dentro do paciente A, mas também para B e não provocados por estes Contratransferência: quando se é possível identificar que parte do self do paciente ou de suas fantasias está sendo colocada dentro da mente do terapeuta e está lhe provocando uma reação, idéia ou comportamentos - A contratransferência deve ser inicialmente tolerada e elaborada, bem como seus sentimentos em relação ao paciente Caso Clínico 3 Alguns anos atrás, tratei Martin, um comerciante de sucesso, que tinha de fazer uma viagem de negócios no dia da terapia e me pediu que remarcasse sua hora para outro dia da semana. Não consegui providenciar isso sem atrapalhar minha agenda e disse a Martin que teríamos de perder uma sessão e nos encontrar no nosso horário normal na semana seguinte. Mais tarde, porém, quando pensei a respeito, percebi que não teria hesitado em reorganizar minha agenda para qualquer um dos meus outros pacientes. Por que não pude fazer isso por Martin? Foi porque não ansiava vê-lo. Havia algo em sua veemência maliciosa que me desgastava. Ele fazia críticas incessantes a mim, aos móveis do meu consultório, à falta de estacionamento, à minha escrivaninha, aos meus honorários e geralmente começava as sessões fazendo referência aos meus erros da semana anterior. Meu sentimento desgastado por Martin teve grandes implicações. Ele tinha entrado inicialmente em terapia por causa de uma série de fracassos nos relacionamentos com as mulheres, nenhuma das quais, achava ele, tinha lhe dado o bastante – nenhuma tinha se mostrado suficientemente disposta a pagar
  • 11. 11 a parte que lhe cabia das contas do restaurante e do supermercado, ou de dar presentes de aniversário equivalentes em valor àqueles que ele tinha lhes dado (a renda dele, saiba disso, era várias vezes maior que a delas). Quando faziam viagens juntos, ele insistia em que cada um colocasse a mesma quantia de dinheiro num ―pote de viagem‖, e todas as despesas de viagem, inclusive gasolina, estacionamento, manutenção do carro, gorjetas e até jornais seriam pagos com o dinheiro arrecadado para a viagem. Além do mais, ele reclamava frequentemente porque suas namoradas não cumpriam integralmente a parte que lhes cabia em dirigir, planejar a viagem e ler os mapas. No final, a falta de generosidade de Martin, sua obsessão com imparcialidade absoluta e suas críticas implacáveis cansavam as mulheres de sua vida. E ele estava fazendo exatamente o mesmo comigo! Era um bom exemplo de profecia que se cumpre sozinha – ele tinha tanto medo de que os outros não cuidassem dele que seu comportamento fazia com que acontecesse exatamente isso. Foi meu reconhecimento desse processo que me permitiu evitar reagir criticamente (isto é, levar a coisa no lado pessoal), mas perceber que esse era um padrão que ele repetira muitas vezes e que no fundo, queria mudar. Caso extraído do livro “Os Desafios da Terapia: Reflexões para pacientes e terapeutas” – YALOM, I D. Ediouro Cap. 20 Leitura Recomendada Básica: - Contratransferência: Descoberta e Redescoberta [Capítulo 21] (da página 156 até 161) – (ETCHEGOYEN) - Contratransferência [Capítulo 23] – (EIZIRIK; AGUIAR; SCHESTATSKY) Complementar: Artigo: Contratransferência em psicoterapia e psiquiatria hoje – (ZASLAVSKY) Setting Terapêutico (Enquadre) - Soma de todos os procedimentos que organizam, normatizam e possibilitam o processo psicanalítico, incluindo a estrutura física - Conjunção de regras, atitudes e combinações, tanto as contidas no ―contrato‖ como as que vão se definindo durante a evolução (Dias, horários, honorários, forma de pagamento, planos de férias...) - São as regras do jogo, mas não é o jogo propriamente dito - Serve como um cenário para a reprodução de velhas e novas experiências - Devido às múltiplas e constantes inter-relações da transferência com a contratransferência, ele está sob contínua ameaça em vir a ser desvirtuado Função do Setting - Criação de um novo espaço onde o analisando terá a oportunidade de reexperimentar com o seu analista a vivência de antigas e decisivamente marcantes experiências emocionais conflituosas que foram mal compreendidas, atendidas e significadas pelos pais do passado e, por conseguinte, mal solucionadas pela criança de ontem, que habita a mente do paciente de hoje (Zimerman, 1999) - Mesmo com todos os sentimentos, atos, ataques e verbalizações significados pelo paciente como proibidos e perigosos, o setting deve se manter uniforme, inalterado - O setting deverá ser preservado ao máximo
  • 12. 12 Funções complementares do setting - Estabelecer o aporte da realidade exterior com suas inevitáveis privações e frustrações - Ajudar a definir a predominância do princípio de realidade sobre o do prazer - Reconhecer que é unicamente sofrendo as inevitáveis frustrações impostas pelo setting, desde que não sejam exageradamente excessivas ou escassas, que o analisando (tal como a criança no passado), pode desenvolver a capacidade para simbolizar e pensar excessiva rigidez x firmeza exagerada permissividade x flexibilidade Alicerces que sustentam o setting Neutralidade (regra da neutralidade) - nenhum indivíduo é neutro em sua essência, a neutralidade do terapeuta no tratamento refere-se, portanto, à sua função, sua postura - independente de seus valores, crenças, opiniões e sentimentos o terapeuta deve estar disponível para os pontos de vista dos seus analisandos - neutralidade não significa uma conduta de frieza, indiferença ou ausência de sentimentos - Freud compara a regra com a atividade médica do cirurgião: Põe de lado todos os sentimentos, até mesmo de solidariedade humana, e concentra suas forças mentais no objetivo único de realizar a operação tão completamente quanto possível Abstinência (Regra da abstinência) - significa abster-se de qualquer tipo de atividade que não seja a de interpretação e análise - inclui a proibição de qualquer tipo de gratificação externa, sexual ou social - ao invés de atender, procurar entender os pedidos do analisando - a melhor forma de gratificar é analisar procurar entender pensar lidar com a frustração - Dessa forma deve-se haver uma abstinência por parte do paciente em procurar o menos possível satisfações substitutas para os seus sintomas (principalmente situações de risco) - uso abusivo de drogas, comportamento sexual promíscuo, etc... Anonimato - é natural que na relação bi-pessoal o paciente demonstre curiosidade - é problema quando a curiosidade pretende invadir a vida íntima do terapeuta
  • 13. 13 - o terapeuta deve manter sua vida pessoal dentro do sigilo possível - o anonimato favorece a oportunidade de o paciente manifestar fantasias que o ajudarão a compreender muitos de seus conflitos Quanto menos o paciente sabe realmente sobre o analista, tanto mais fácil lhe será preencher espaços vazios com suas próprias fantasias, além disso, quanto menos o paciente souber realmente sobre o analista, tanto mais fácil será para o analista convencer o paciente de que suas reações são deslocamentos e projeções suas. - Algumas das ―regras do jogo‖, assim como os principais elementos que configuram o setting terapêutico são e devem ser estabelecidos no contrato. - O contrato irá definir os papéis do terapeuta e do paciente O Contrato (guardião do setting) - Define papéis e funções do terapeuta e do paciente paciente: busca alívio de seu sofrimento psíquico. terapeuta: utiliza todos os seus recursos teóricos, técnicos e emocionais para mitigar esse sofrimento. - o contrato pode ser apresentado de forma detalhada ou simplificada. Elementos constituintes do contrato a) Frequência - é importante que haja continuidade - o interjogo da transferência-contratransferência está sempre presente e independe da frequência - a proximidade entre as sessões impede que o esquema defensivo se reorganize por completo b) Honorários - devem refletir o nível de formação e de experiência do terapeuta - deve estar de acordo com os padrões da comunidade onde trabalha honorários baixos x honorários altos - honorário alternativo: para situações temporárias (para pessoas com menos recursos; para benefícios de aprendizagem) - a redução de honorários pode provocar sentimentos de dívida - data do pagamento - reajustes de honorários - a quebra de contrato pode servir como sinalizador do que está ocorrendo na psicoterapia.
  • 14. 14 Avaliação – A Entrevista inicial - pode ser mais do que uma: ―Entrevistas Iniciais‖ - é diferente de primeira sessão objetivo / finalidade: - avaliar as condições mentais, emocionais, materiais e circunstâncias da vida do paciente. - verificar a qualidade da motivação. - se a teoria de tratamento e de cura do terapeuta coincide com a do paciente. - acessibilidade: disponibilidade e a capacidade do paciente permitir um acesso ao seu inconsciente. - observar como o paciente reage e contata com os assinalamentos (interpretações ?). O que avaliar? - tipo de encaminhamento - aparência exterior (forma de falar, vestimentas, como saúda) - realidade exterior (condições sócio-econômicas, suporte familiar, posição profissional) - histórico familiar - o grau de motivação - Contraindicações (Terapia de orientação analítica) - quadros psicóticos agudos - quadros depressivos graves com sérias tentativas de suicídio - alcoolismo crônico ou adição de drogas - quadros fóbicos causadores de incapacitação crônica - quadros obsessivo-compulsivos causadores de incapacitação crônica - transtornos caracterológicos (de personalidade) graves - transtornos alimentares graves - síndrome cerebral orgânica e deficiência mental Leitura Recomendada Básica: Contrato [Capítulo 17] e Setting psicoterapêutico: neutralidade, abstinência e anonimato [Capítulo 18] (EIZIRIK; AGUIAR; SCHESTATSKY) Complementar: Aspectos práticos da psicoterapia: primeiros passos [Capítulo 3] – (Gabbard) Aliança Terapêutica - É compreendida como uma relação dual, uma formação de compromisso entre duas pessoas - É uma situação em que um necessita do outro e na qual existe uma intenção de colaboração recípocra – ―união de forças‖ em direção à busca da cura - A aliança terapêutica é estabelecida com base em uma experiência prévia (de confiança)
  • 15. 15 - relação mãe – bebê - Está ligada a experiência, diferente de transferência Freud: “em análise transformamos o paciente num colaborador” - primeiro o paciente deve se ligar ao tratamento para depois ser tratado analiticamente - Há uma dissociação do ego: - uma parte que colabora, voltada à realidade - uma parte que se opõe, impulsos do id, defesas do ego, ordens do superego - Enquanto uma parte da mente, inconscientemente repete os conflitos psíquicos, a outra parte é capaz de se manter livre de conflitos e racionalmente distanciar-se, a fim de reconhecer a natureza irracional de suas respostas - ―parte adulta‖ – um nível mais maduro da mente (Meltzer) - A aliança terapêutica estaria, supostamente, localizada no ego consciente, mas recebendo influências de todo o mundo inconsciente - A aliança relaciona-se tanto com a transferência positiva quanto a negativa Caso Clínico 4 R., 35 anos, casada, autônoma, em terapia acerca de um ano e meio, procurou-nos por dificuldades de relacionamento com os colegas de trabalho, o que a leva a frequentes trocas de emprego. Tentou outros dois terapeutas, mas no primeiro ou segundo mês interrompeu as terapias, por considerá-los ―múmias paralíticas‖. ↑ê-se como uma pessoa extremamente exigente consigo e com os demais, o que leva seus familiares a acharem–na uma ―chata‖. Reconhece como verdadeira essa crítica, mas não consegue mudar e frequentemente provoca situações constrangedoras com seus ―comentários e brincadeiras de mau gosto‖. Provém de uma família com mais dois irmãos, sendo que o relacionamento entre eles e sua mãe viúva é considerado ―formal‖; a mãe é vista como fria, raramente manifesta o que pensa. R. sente-se ―pisando em ovos‖ quando tem que falar algum assunto mais delicado com ela, pois nunca faz idéia de qual será a sua reação. Acha-se afetiva, embora a critiquem por ser fria e racional. Seu pai faleceu quando tinha 13 anos, tendo deixado a família em uma situação de dificuldades econômicas, o que a levou a trabalhar para ajudar no sustento da casa. Nunca teve a vida tranquila que gostaria, pois seu pai era um homem com ―altos e baixos‖ profissionais, que provocava um sentimento de insegurança. Não confiava no pai, pelo contrário, criticava-o por esse seu jeito. Acha que o principal para relacionar-se é a segurança econômica. Tudo o que ganha é depositado no banco, não compra nada além do necessário, sendo considerada por sua família uma pessoa avarenta. Não quer passar pelo o que passou durante toda a infância, de não saber o que aconteceria no dia seguinte. Não tem amigas, embora muitas conhecidas, pois acha que as pessoas só se aproximam dela por interesse. Pensa que tudo na vida é um grande negócio, em que as pessoas se aproximam uma das outras para levar alguma vantagem. Exemplifica com nossa situação: ela vem em busca de melhora de sua capacidade em seus relacionamentos e está pagando por esse trabalho. Percebemos, no entendimento de sua história e nos sentimentos despertados, que o problema mais ―urgente‖ dessa paciente era a sua dificuldade de estabelecer vínculos afetivos e confiáveis, e que isso seria também o nosso obstáculo mais importante. Ao combinarmos o nosso contrato de trabalho, abordamos essa compreensão, bem como a tendência a tais dificuldades se repetirem no nosso relacionamento. Regina reagiu imediatamente, dizendo que não concordava comigo, pois tinha excelentes recomendações a meu respeito, e que nosso trabalho seria puramente profissional. E assim começamos... Terceira sessão: R - “Quando estava chegando aqui, vi você entrando na garagem do prédio. Bonito carro, parabéns. (Silêncio.) É engraçado (termo que usa frequentemente quando não consegue definir o sentimento), mas achei que você me viu, mas não quis me cumprimentar, faz parte da técnica?”. T - “Parece que esse fato gerou em você um sentimento de insegurança em relação a mim”.
  • 16. 16 R - “Não, claro que não, mas é evidente que seu interesse por mim é como por qualquer outra paciente, você me entende, eu lhe pago e pronto, ou vai me dizer que não é assim?” T - “Talvez seja este o seu desejo, que tenhamos uma relação puramente formal em que não surjam sentimentos que possam atrapalhar.” R - “Que mania que vocês têm de dizer que não tenho sentimentos, mas aqui a nossa relação é profissional...” E assim seguimos até o final da sessão, a paciente sentindo-se acusada por mim de que não teria sentimentos e dizendo que, afinal, aqui não era o lugar para falarmos dessas coisas a nosso respeito, e sim de seus problemas lá fora. Após três semanas: R - “Engraçado nosso encontro lá no cafezinho, fiquei meio sem graça, não entendo o porquê (nos encontramos na cafeteria perto do consultório antes da sessão). É como se você fosse duas pessoas, uma lá e outra aqui...” T- “O que você nota de diferente?” R - “Não sei: o que falamos aqui fica entre nós dois, vai ficar guardado aqui dentro; e lá fora, é como se você pudesse me expor, fiquei ansiosa.” T - “Então é como se eu fosse duas pessoas, uma em quem você pode confiar e outra não...” R - “Pior é que é isso; embora reconheça as recomendações que tive a seu respeito, sua formação, etc., tem momentos, como agora, em que não confio. O pior que este é o meu problema, parece que não confio em ninguém. Mas é por isso que estou aqui, como falamos no início da terapia, não sei se um dia irei confiar totalmente em alguém. Até acho que foi em função da desconfiança que interrompi as outras terapias.” T - “Se você está conseguindo me falar da sua desconfiança, inclusive em relação a mim, é porque de alguma maneira está apostando na nossa relação.” (Caso extraído do livro ―Psicoterapia de Orientação Analítica: Fundamentos Teóricos e Clínicos‖) Leitura Recomendada Básica: A aliança terapêutica e a relação real com o terapeuta [Capítulo 19] - (EIZIRIK; AGUIAR; SCHESTATSKY) Complementar: Relação Terapêutica: transferência, contratransferência e aliança terapêutica [Capítulo 4] (CORDIOLLI) Artigo: Aliança terapêutica em psicoterapia de orientação psicanalítica: aspectos teóricos e manejo clínico (PERES) Interpretação – Insight – Elaboração - A interpretação é uma explicação que o analista dá ao paciente (a partir do que este lhe comunicou) para lhe proporcionar um novo conhecimento de si mesmo - é destinada a produzir insight, sem que nós (o terapeuta) o busquemos diretamente - A interpretação refere-se a algo que pertence ao paciente, mas do qual ele não tem conhecimento Interpretação x Informação (mundo interior) (mundo exterior) - A interpretação não é apenas uma hipótese que o analista constrói, mas uma hipótese que é feita para ser comunicada, para ser testada - Para Freud, a interpretação é definida como um instrumento do analista para ir do conteúdo manifesto às idéias latentes
  • 17. 17 - Tornar consciente o inconsciente - Explicar o significado de um desejo, trazer à luz uma determinada pulsão - Atualmente, a interpretação do analista não fica restrita unicamente à conscientização dos conflitos inconscientes: - A noção da vincularidade implica numa contínua interação entre analista e analisando - o analista deixa de ser unicamente um observador e passa a ser um participante ativo - cada um do par influencia e é influenciado pelo outro - há espaço não apenas para as interpretações transferenciais, como a compreensão do interjogo transferência- contratransferência - O tratamento não visa apenas um conhecimento pessoal, mas sim a um crescimento pessoal - desenvolvimento das capacidades egóicas - Mais do que levar o paciente a ―conhecer sobre‖, a interpretação busca promover transformações em direção a um ―vir a ser‖ - O tratamento visa a uma ―experiência emocional transformadora‖ Insight - Seria o movimento de tomada de consciência de algo significativo a respeito da vida psíquica, no tratamento in (dentro) + sight (vista) - Serve para apreender um significado ao qual não se podia ter acesso até aquele momento - A interpretação percorre o caminho do conteúdo manifesto (consciente) até o conteúdo latente (inconsciente), tentando vencer as resistências para adquirir o insight - Já a elaboração percorre o caminho inverso da interpretação, ou seja, tenta vencer as ―resistências‖ (abandono das gratificações e dos padrões aos quais, o sujeito está neuroticamente apegado) do conteúdo latente até o comportamento manifesto. Elaboração - É o processo que visa cessar a insistência da repetitividade, própria das formações inconscientes: - vai desde o novo conhecimento obtido sobre si (insight) até a superação do comportamento repetitivo Leitura Recomendada Básica: Insight e Elaboração [Capítulo 21] (EIZIRIK; AGUIAR; SCHESTATSKY) Complementar: A interpretação em Psicanálise [Capítulo 26 apenas a página 195] - (ETCHEGOYEN) - Atividade Interpretativa [Capítulo 35] – (ZIMERMAN)
  • 18. 18 Caso Clínico 5 – O Homem Dos Ratos (Roteiro do filme com trechos do texto) Caso Principal – Texto em anexo disponível na secretaria virtual Delimitação Técnica das Psicoterapias - De maneira geral, as psicoterapias foram se moldando de acordo com as diversas instituições assistenciais (serviços hospitalares, centros de saúde mental, etc...) - Fiorini (2004) delimita 3 diferentes tipos de estratégia terapêutica: a) de apoio b) de esclarecimento c) transferencial (psicanalítica) Psicoterapia de apoio Objetivo: atenuação ou supressão da ansiedade e de outros sintomas clínicos, como modo de favorecer um retorno à situação de homeostase anterior à descompensação ou crise Estratégia básica: estabelecer um vínculo terapêutico tranquilizador, protetor e orientador - eventualmente procura modificar comportamentos estimulando o ensaio de comportamentos novos Relação terapeuta-paciente: deve estar claramente definida sem ambiguidade  o paciente em papel subordinado e o terapeuta em posição superior (de protetor) - evitam-se os silêncios e o distanciamento afetivo Intervenções do terapeuta: de tipo sugestivo-diretivo, interpretações voltadas ao esclarecimento das motivações do comportamento são opcionais - atitude ativo-participante, muito próximo, com iniciativas diretivas Separações: intervalos ou altas, são negados como tais, não devem ser sentidas como abandono Transferência: idealizadora, não deve ser ―denunciada‖, pois pode criar obstáculos a estratégia Psicoterapia de esclarecimento Objetivo: incluem-se os mesmos da estratégia de apoio, acrescentando- se o desenvolvimento no paciente de uma atitude de auto-observação, visando compreender suas dificuldades, motivações e conflitos Estratégia básica: estabelecer uma relação de indagação, centrada no esclarecimento das conexões significativas entre a biografia do paciente, a transferência dos vínculos básicos conflituosos nas relações atuais e os sintomas - estimular a aprendizagem na auto-compreensão
  • 19. 19 Relação terapeuta-paciente: o terapeuta atua enfatizando seu papel real de docente especialista, mas assume o caráter de uma relação de apoio (docente) - o paciente, no entanto, também tem um papel ativo, fornecendo dados e buscando identificar suas motivações para formular suas próprias interpretações Intervenções do terapeuta: adoção de um comportamento discretamente caloroso, espontâneo, no sentido de favorecer um diálogo de certa fluidez e ativo na medida em que oferece explicações pedagógicas acerca do tratamento, diagnóstico e evolução - oferece novos modelos de comportamento visando fortalecer funções egóicas adaptativas Separações: devem ser vistas como situações de prova que permitem avaliar como o paciente enfrenta novas tarefas adaptativas Transferência: idealizadora: deve ser aceita, desde que não leve o paciente a adotar atitudes passivas que ameacem deslocar a relação terapêutica para uma situação de apoio - hostilidade: deve ser explicada imediatamente como atualização da biografia ou como deslocamento de outros vínculos atuais Psicanálise e interpretação transferencial Objetivo: reestruturação, a mais ampla possível da personalidade Estratégia básica: desenvolvimento e elaboração sistemática da regressão transferencial - a regressão e o afrouxamento das defesas são necessários, permitidos, ―sugeridos‖ como aceitáveis e úteis Relação terapeuta-paciente: o analista tende a se mover com certa margem de indefinição pessoal (ambiguidade), é um depositário potencial de múltiplos papéis que o paciente lhe atribui - favorece que o paciente projete os seus conteúdos na figura do analista Intervenções do terapeuta: interpretações transferenciais e de conteúdo; atitude passivo-silenciosa, distante no que se refere ao contato pessoal Separações: compreendidas como uma forma de regressão, denotam aspectos transferenciais Transferência: sua interpretação adquire um papel terapêutico privilegiado
  • 20. 20 Psicoterapia de apoio Psicoterapia de Esclarecimento Psicanálise Objetivos Atenuação ou supressão da ansiedade, retorno a situação de equilíbrio homeostático Além dos objetivos de apoio busca-se o desenvolvimento no paciente de uma auto-observação e compreensão de suas dificuldades Reestruturação da personalidade Estratégia básica Estabelecer um vínculo terapêutico tranquilizador, protetor e orientador Estabelecer uma relação de indagação, centrada no esclarecimento pessoal Desenvolvimento e elaboração sistemática da regressão transferencial Relação terapeuta-paciente Sem ambiguidade, os papéis são claramente definidos O terapeuta atua como docente especialista, e o paciente tem um papel ativo e colaborador Ambiguidade, favorece que o paciente projete os seus conteúdos na figura do analista Intervenções do terapeuta Sugestivo-diretivo: o terapeuta tem papel ativo-participante, com iniciativas diretivas Discretamente caloroso e espontâneo, assim como ativo em oferecer orientações pedagógicas Interpretações transferenciais e de conteúdo, atitude passivo-silenciosa Separações São negadas como tais, não devem ser sentidas como abandono Devem ser vistas como situações de provas, tarefas adaptativas Forma de regressão, denotam aspectos transferenciais Transferência Idealizadora deve ser mantida, faz parte da estratégia Idealizadora deve ser aceita com cuidado, a hostil deve ser imediatamente atualizada Sua interpretação adquire um papel terapêutico privilegiado Fonte: A Delimitação Técnica das Psicoterapias [Capítulo 3] – (FIORINI)
  • 21. 21 Módulo II – Wilhelm Reich A Clínica do Homem Encouraçado - Reich nasceu em 24/03/1897 na Galícia ucraniana, parte do império Austro- húngaro - filho de pais camponeses, possuía um irmão 3 anos mais novo - Tinha uma vida familiar atribulada, sua mãe a qual ele idolatrava, não era feliz em seu casamento, vindo a se suicidar quando Reich tinha 14 anos - O pai ficou arrasado com a morte da esposa e pouco tempo depois contraiu pneumonia que evoluiu para uma tuberculose, vindo falecer 3 anos mais tarde (O irmão também morreu de tuberculose aos 26 anos) - Após a morte do pai, Reich continuou os estudos e ao mesmo tempo dirigia a fazenda, porém, em 1916, com 19 anos, a guerra se espalhou e destruiu sua propriedade – Reich deixa a fazenda e se alista no exército austríaco, torna-se oficial e luta na Itália - Em 1918 ingressa na Escola Médica de Viena, formando-se em 1922 - Destaca-se brilhantemente nos estudos participando ativamente dos Seminários de Sexologia promovidos pelos alunos, é a partir do interesse nesse tema que vem a conhecer Freud em 1919, quando ingressa na Sociedade Psicanalítica de Viena - A partir do ingresso na Psicanálise, começa a formular algumas idéias controvertidas, encontrando certa resistência entre os psicanalistas, mas ainda goza de certo prestígio - Assume entre 1924 e 1930 a direção dos seminários de Psicoterapia e é nomeado subdiretor da Policlínica Psicanalítica entre 1928 e 1930 Em sua vida e obra, podemos destacar 3 grandes momentos: (1919 – 1926) – Momento de dedicação à Psicanálise com atenção à sexualidade e sua relação com as neuroses (1927 – 1935) – Momento de crítica à Psicanálise ortodoxa – proposta de uma psicanálise revolucionária próxima ao Marxismo (1936 – 1957) – Abandono gradual da práxis político-psicanalista e incursão pela Fisiologia, Biologia até a Cosmogonia A) Reich e a Psicanálise (Freud) - Reich destaca o conceito freudiano de libido como uma energia psíquica: - a estagnação ou o acúmulo dessa energia (estase libidinal) irá favorecer o aparecimento de sintomas neuróticos - Em 1915, Freud propõe uma classificação das neuroses em: a) Psiconeuroses: neuroses com causa psíquica cujo sintomas são a expressão simbólica de conflitos infantis b) Neuroses atuais: causadas por uma disfunção somática atual, originada a partir da insatisfação sexual - O interesse da Psicanálise focou-se nas primeiras, porém, Freud propõe uma relação entre elas:
  • 22. 22 - Alguns psicanalistas da época rejeitaram a idéia de Freud, alegando que toda neurose é de origem psíquica e não somática. Freud não se preocupou, mas também não retomou a proposta de um núcleo neurótico atual - Diante destes conceitos freudianos, Reich destacou: - a relação entre origem psíquica e origem somática da neurose: relação entre idéias e excitação somática - que um núcleo neurótico atual, resultante da frustração sexual, possa ser atuante na psiconeurose - A partir daí, Reich conclui que: - Se uma excitação (somática) energiza uma idéia (psíquica) e se esta é incompatível com a consciência (por razões morais), será inibida e se frustrará, enquanto a energia se acumula (estase) sem poder se realizar - Essa energia acumulada terá que se associar a outra idéia para ―descarregar-se‖ - poderá, então, conectar-se a idéias associadas a conflitos infantis – sintomas neuróticos - Para Reich as psiconeuroses aparecem sobre a base de uma inibição sexual atual - as psiconeuroses têm um núcleo neurótico atual e as neuroses atuais têm uma superestrutura psiconeurótica - A neurose á um transtorno somático devido à frustração e consequente desvio da energia sexual psiconeurose  neuroses atuais - O desvio é sempre resultante de uma inibição psíquica: energia  idéia Na neurose: - A energia não satisfeita/realizada, ou seja, a energia estásica pode se manifestar de duas formas: - Através de sintomas neuróticos (neurose obsessiva, fobia irracional) - Através de traços de caráter neurótico (ordem excessiva, timidez ansiosa) energia (inibição psíquica) idéia energia acumulada idéias infantis substitutas das idéias atuais (em sua origem não patológicas, mas agora sobrecarregadas de energia sexual) Fator atual (pressões morais, sociais) Frustração (do desejo sexual) Estase Libidinal Sintoma neurótico atual (núcleo neurótico atual) desencadeia Psiconeurose (conflitos infantis)
  • 23. 23 Caráter - A gênese do caráter tem por base o conflito entre as demandas pulsionais e o meio exterior - conflito enfrentado inicialmente no Complexo de Édipo - Durante a vida do indivíduo repetem-se os conflitos entre desejo libidinal e as pressões do meio exterior: (id) demandas internas  Ego  demandas externas (internalizadas no superego) - Diante do perigo da emergência de pulsões libidinais, o recalcamento torna-se crônico e automático - Para Reich, este modo automático de defesa é denominado ―caráter‖ ou ―couraça caracterológica‖ - o caráter é composto das atitudes habituais de uma pessoa e de seu padrão consistente de respostas para várias situações - inclui atitudes e valores conscientes, estilo de comportamento (timidez, agressividade) e atitudes físicas (postura, hábitos de manutenção e movimentação do corpo) - Do ponto de vista econômico da energia, temos: - a energia libidinal não realizada se concentra (estase) forçando a sua realização (saída) - uma parte desta energia será utilizada pelo ego sob a forma de uma formação reativa, a fim de reprimi-la - Há, portanto, formação de um círculo vicioso onde: - A figura ao lado pode ilustrar como ocorreria a formação de um caráter, através de seus diversos estratos: inibição estase Há aumento das forças repressivas (aumenta) (força o ego) Cronificação do caráter ou da couraça caracterológica
  • 24. 24 - A realização indireta e parcial das pulsões sexuais torna-se possível através de brechas mais ou menos fixas, na couraça, que se interpõem entre o ego e o mundo exterior - No entanto, devido à realização apenas parcial da libido, a energia represada aumenta levando à: - cronicidade e rigidez da couraça - diminuição do prazer sexual e da capacidade de descarga - A falta de satisfação sexual e a frustração dos desejos levam a uma reação agressiva que também acaba sendo inibida gerando novamente angústia - Através de ―fendas‖ na couraça a libido pode fluir, de modo pouco móvel, para o exterior (libido objetal) ou refluir para o ego (libido narcísica) energia libidinal Realização direta da energia (libido objetal) libido narcísica Realização parcial da energia (libido objetal) inibição por pressões externas 1 – 2 – 3 – 4 – 5 – formação reativa (parte da energia é utilizada para inibir o desejo) pulsão reprimida 1 – 2 – 3 – 4 – 5 – energia libidinal traço de caráter (a libido cria brechas através da couraça) o trabalho de defesa egóica leva a um disfarce dos desejos sexuais ... aparece no comportamento, como um traço de caráter que busca a gratificação parcial do desejo – (diminuição da tensão) inibição uma nova formação reativa passa a impedir a emergência de tal traço, dando origem a um novo comportamento traço superficial de caráter, que atinge uma conciliação parcial entre a realização indireta do desejo e as demandas sociais ... e assim sucessivamente até o indivíduo encontrar um traço de caráter relativo socialmente aceito estratificação do caráter
  • 25. 25 Caráter Neurótico x Caráter Genital  Caráter neurótico: há um encouraçamento crônico que leva a atitudes rígidas diante das diferentes demandas – modo de reação estereotipado - A energia sexual não pode descarregar-se pela plena potência orgástica, devido às repressões, canalizando-se para pontos de fixação pré-genitais - a energia libidinal não consegue se ligar ao prazer genital (coito) - a energia se liga a outras formas de prazer (pré-genital) – sexo oral, anal, jogos sado-masoquistas, homossexualismo, voyeurismo, masturbação ou abstinência sexual  Caráter genital: a couraça torna-se móvel e adaptativa, pois: - há a realização direta da energia, ou indireta, através da sublimação - estabelece-se a primazia genital e a plena descarga orgástica (é capaz de experimentar livre e plenamente o orgasmo sexual, descarregando por completo, toda a libido excessiva) - as pulsões pré-genitais canalizam-se para as realizações genitais e estabelecem com elas, uma unidade (primazia genital) - Para Reich, a personalidade total do indivíduo é a somatória funcional de toda sua história incorporada ao presente sob a forma de atitude de caráter - condensa em si toda a história dos conflitos enfrentados pelo indivíduo e suas resoluções Traços de Caráter x Sintomas Neuróticos  Os traços de caráter são resultados de forças defensivas repressoras sentidas como partes integrantes da personalidade, aceitas pelo ego - por exemplo: preocupação com ordem e limpeza (a pessoa pode ter estas características bem evidentes, porém, esse traço não é significativo ou patológico)  Já os sintomas neuróticos são vivenciados como estranhos ao indivíduo, como elementos exteriores à psique - por exemplo: comportamento obsessivo-compulsivo de ordem e/ou limpeza dentro de um quadro de Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) – o problema é significativo e patológico. - Para Freud, a eliminação dos sintomas se dá através da conscientização dos conflitos inconscientes, assim como da angústia - Para Reich, não basta tornar consciente os conflitos infantis (inconscientes), é necessário ainda, eliminar a fonte de energia que sobre eles investe (energia estásica), ou seja, a perturbação de descarga orgástica realização sexual sublimação (inibição sem recalcamento) fluxo energia libidinal
  • 26. 26 - No entanto, Reich irá perceber que o conflito ainda se mantém ―energetizado‖ mesmo após o restabelecimento de relações sexuais pelo paciente - Isto leva Reich à análise da função do orgasmo A Função do Orgasmo - A descarga de energia libidinal só ocorre quando o orgasmo é pleno – potência orgástica - fórmula do orgasmo (característico de todos os seres vivos) orgasmo T e n s ã o ( c a r g a e n e r g é t i c a ) Q u e d a d a e x c i t a ç ã o m o v i m e n t o s i n v o l u n t á r i o s R e l a x a ç ã o ( d e s c a r g a e n e r g é t i c a ) Controle voluntário Relaxamento Penetração - A plena potência orgástica se dá em indivíduos onde ocorra a primazia genital - são os indivíduos capazes de atingir os movimentos ondulatórios do corpo - Quando não ocorre a primazia do genital (há investimento em fantasias pré- genitais) a descarga não é total, mantendo-se grande parte da energia em estase – impotência orgástica - A impotência orgástica aumenta a quantidade de energia acumulada, gerando angústia e realimentando a pré-genitalidade - A frustração gera agressividade e angústia, estas por formação reativa fortalecem a couraça caracterológica neurótica Caráter Neurótico (impotência orgástica) energia libidinal (estase da energia) – liga-se a pontos de fixação pré-genital Realização parcial da energia
  • 27. 27 Caráter Genital (potência orgástica) B) Reich e o Corpo - No caráter neurótico a energia sexual não liberada se acumula em certos grupos musculares, criando-se tensões específicas que vão refletir na maneira de agir do indivíduo (traço de caráter) - cada atitude de caráter tem uma atitude física correspondente - o caráter do indivíduo é expresso no corpo em termos de rigidez muscular – caráter muscular - As tensões musculares crônicas servem para bloquear uma das três excitações biológicas: ansiedade, raiva, ou excitação sexual - conclui que a couraça física e a couraça psicológica são essencialmente a mesma coisa “... as atitudes musculares e as atitudes de caráter tem a mesma função no mecanismo psíquico, podem substituir-se e influenciar-se mutuamente. Basicamente, não podem se separar” (Reich, 1948) - Mente e corpo são vistos como uma só unidade - Reich começa a trabalhar de forma direta no relaxamento da couraça muscular junto com seu trabalho analítico - a perda da couraça muscular liberta considerável energia libidinal e auxilia no processo analítico (ver exemplos de caso - fls. 29 e 30) - analisava em detalhes a postura de seus pacientes e seus hábitos físicos a fim de conscientizá-los de como reprimiam sentimentos em diferentes partes do corpo - aos poucos começou a trabalhar diretamente com suas mãos sobre os músculos tensos a fim de soltar as emoções presas a eles - Para Freud, o objetivo era transformar o inconsciente em consciente, através do uso da linguagem (associação livre) - Para Reich, o objetivo não era apenas esse, mas sim restabelecer o equilíbrio biofísico pela descarga da potência orgástica, liberando as energias vegetativas (Vegetoterapia) - Não mais se fica atrás do paciente, agora ele é olhado de frente e seu corpo é analisado, dá-se importância à forma, como o corpo ―fala‖ energia libidinal sublimação (realização indireta) inibição sem recalcamento (não há energia acumulada, a descarga orgástica é total)
  • 28. 28 - Para Freud, o corpo é levado em consideração na análise do sintoma, mas apenas o conteúdo psíquico é investigado - a abordagem corporal torna o paciente objeto da ação do terapeuta, não lhe permitindo ser sujeito de suas próprias descobertas (crítica à teoria) - O foco de Reich será a eliminação da estase libidinal pela regulação sexual - Teoria da Economia Sexual - a solução mais evidente seria a eliminação da moral sexual repressiva e a plena satisfação orgástica - Gradativamente Reich vai se afastando da teoria e técnica psicanalítica, buscando ser, não uma Psicologia, mas sim uma Sexologia, enquanto ciência dos processos biológicos, fisiológicos, emocionais e sociais da sexualidade - Aos poucos vai se distanciando do trabalho árduo do tratamento individual das neuroses e começa a investir seus esforços na direção da psico-higiene e prevenção - Sentindo a necessidade de compreender as forças sociais atuantes, Reich encontra em Marx o complemento social da Psicanálise, ou da Economia Sexual - ingressa no Partido Comunista com uma proposta de liberação sexual da juventude - Reich chegou a contabilizar 40 mil simpatizantes de suas idéias por toda a Alemanha - Em 1931, apresentou um programa com suas propostas: - Livre distribuição de anticoncepcionais para qualquer um que quisesse; educação intensiva para o controle da natalidade; - Completa abolição das proibições com relação ao aborto; - Abolição da distinção legal entre casados e não casados; liberdade de divórcio; - Eliminação de doenças venéreas e prevenção de problemas sexuais através de uma completa educação sexual; - Treinamento de médicos, professores etc, em todas as questões relevantes da higiene sexual; - Tratamento, ao invés de punição, para agressões sexuais - No entanto, Reich é expulso do partido comunista acusado de ―contrarrevolucionário freudiano e antimarxista‖ - Ao mesmo tempo, os interesses políticos de Reich levantaram, nos círculos psicanalíticos , controvérsias até mesmo maiores do que as provocadas por suas inovações teóricas - é acusado de tentar destruir a teoria freudiana, por ordens de Moscou – em 1934 é expulso da API (Associação Psicanalítica Internacional) C) Reich e a Orgonomia - Reich inicialmente estuda a energia como libido, a partir de seus estudos em Fisiologia, Biologia e Física ele começou a denominar a bioenergia do organismo como um aspecto da energia universal presente em todas as coisas Libido  energia vegetativa  bioenergia  energia orgônica cósmica - Reich desenvolve assim a Orgonoterapia – fundou o Instituto Orgon
  • 29. 29 - envolveu-se em experimentos com acumuladores de energia orgônica, que restabeleciam o fluxo normal de energia no indivíduo - Em 1954, diversas alegações apontaram que o sucesso do tratamento de doenças através dos acumuladores eram falsas: - O FDA proibiu judicialmente a distribuição e uso dos acumuladores - Reich insistiu com as pesquisas e foi condenado por desacato - Em 1957, Reich morre na Prisão Federal de doença cardíaca. Casos Clínicos - Reich Caso I - Marcela Marcela tem 38 anos e é solteira. Antes de me procurar já contava com vários anos de psicoterapia verbal. Sua principal queixa está nos relacionamentos sociais e amorosos. Excelente profissional, dedica-se muito ao trabalho e estuda bastante, até mesmo nos fins de semana. Poderia estar melhor profissionalmente, mas não consegue se fazer reconhecer como profissional competente. Os grandes desejos de Marcela são: ter um namorado fixo (e não apenas casos esporádicos) e um grupo de amigos. Entretanto quando surge uma situação social (um jantar, uma festa), dificilmente consegue ir. Sente muita excitação com o convite, mas na hora não consegue sair de casa. Algo a paralisa e ela não consegue dizer nada sobre isso. A respeito desta paralisia também fomos percebendo (por meio de várias situações trazidas por ela ao longo das consultas) algumas diferenciações. Marcela não encontra muita dificuldade em realizar atos que lhe sejam solicitados por outros. Exemplo: quando seu superior pede um relatório ou um estudo, ela o realiza, satisfaz o pedido do outro. Mas em situações nas quais a realização pessoal está em jogo, a paralisia (resistência) se faz presente. Um trabalho extra, um ―bico‖ para ganhar um dinheiro a mais, foi feito por Marcela com extrema dificuldade. Nesta ocasião seu braço enrijeceu e ela teve muita dificuldade em escrever o relatório. A resistência manifestou-se corporalmente, muscularmente. As situações sociais e afetivas são francamente situações de prazer e realização pessoal. Nestas ocasiões a paralisia toma conta de Marcela. Embora possua uma vasta gama de conhecimento (cinema, literatura, música, política...), sente dificuldade de iniciar uma conversa. A partir desses elementos, proponho que Marcela se deite, fique olhando para o teto e permaneça de boca aberta. Permaneceu imóvel durante quinze minutos. Depois disse que sentiu uma angústia imensa. Só angústia. Não conseguiu pensar em nada. Repetimos esta situação mais algumas vezes, procurando focar a atenção na angústia. Na quarta repetição surgiu algo além da angústia. A penumbra da sala (só há uma luz na sala, colocada do chão para o teto) a fez lembrar-se de uma situação da infância. Depois do almoço, nos fins de semana, seu pai costumava a fazer a sesta. Marcela era colocada no mesmo quarto que o pai e a irmã mais nova para descansar. A mãe dizia que ela deveria ficar quieta para não acordar o pai e a irmã. Ela queria sair e brincar, mas tinha de ficar parada. Depois, associou que também não havia festas em casa porque isso perturbava muito o pai. A proposta desta experiência tinha um objetivo específico: fazer Marcela entrar em contato com a angústia da paralisia. Durante o tempo que ficou imóvel, pude observar que sua postura não era relaxada. Havia tensão muscular e pequenos movimentos com os dedos. Quando conversamos a esse respeito, Marcela disse que teve medo de sair daquela posição (se mexer) porque eu poderia ficar bravo com ela. A interpretação de que o medo sentido ali comigo era o medo de atrapalhar a sesta do pai foi prontamente aceita. A vivência no trabalho corporal proporcionou a Marcela o contato com a angústia, como o medo de se movimentar e com a lembrança infantil. Quando este tipo de experiência se estabelece (no caso angústia – medo - lembrança), a percepção da transferência é praticamente imediata porque o paciente está sentindo e não apenas relatando um sentimento de uma situação antiga. Caso II - Nair Nair, 29 anos, já fez cinco anos de psicoterapia (verbal) antes de me procurar. Saiu da casa dos pais com 20 anos, depois de muitas discussões com a mãe. Tem bom relacionamento com o pai e os dois irmãos mais novos que ela. Apesar da idade, Nair se vê como adolescente: muda muito de emprego (não suporta horários rígidos), não gosta de compromissos, frequenta bares e danceterias de adolescentes e veste-se como tal. No primeiro semestre de trabalho fizemos algumas experiências corporais movimentando apenas os segmentos da cabeça (olhos, boca) e do pescoço. Estas situações foram experimentadas por Nair sem dificuldade. As
  • 30. 30 dificuldades surgiram quando começamos a trabalhar com o tronco (tórax e abdômen). Nas movimentações do tórax (bater e dizer EU), Nair sente-se entediada. Faz o movimento mecanicamente, ―não sente nada e acha chato‖. Proponho que Nair faça movimentação da pélvis (deitada e com joelhos dobrados, deve erguer um pouco a pélvis e balançá-la de um lado para outro). Realiza o movimento por aproximadamente cinco minutos. Interrompe e se diz envergonhada. Ela estava ali ―rebolando‖ enquanto eu assistia. Sentiu vergonha de se exibir. Peço a ela que volte a ―rebolar‖, deixando que a vergonha e a exibição se intensifiquem. Em alguns minutos tem uma lembrança de infância. Ela está na sala de casa com o pai e alguns amigos de trabalho. Há música no ambiente e ela começa a fazer um show de canto e dança para a platéia. Todos estão gostando da apresentação até que a mãe, vindo da cozinha, interrompe a cena e leva Nair para o quarto. Recebe um sermão sobre seu exibicionismo e fica de castigo no quarto. Vemos aqui a situação transferencial com clareza. A vergonha sentida por estar se exibindo para mim vem da situação infantil. Nair percebe em primeiro lugar o temor de que eu vá recriminar seu exibicionismo (como sua mãe). Atrás desse temor existe a vergonha, pois se dá conta, sente excitação em se exibir para mim (pai). Além do aspecto transferencial, quero assinalar alguns pontos a respeito das resistências no trabalho corporal. Quero ressaltar um detalhe desse caso. Vimos que quando Nair começou a sentir vergonha por estar rebolando, interrompeu o movimento. Vemos então que a movimentação corporal provocou um afeto (vergonha) e que este afeto, ao paralisá-la, funcionou como resistência à emergência da representação inconsciente. Ao pedir que ela seguisse a movimentação e deixasse que a vergonha de se exibir aumentasse, estávamos ―desafiando a autoridade repressora‖, para que o reprimido pudesse emergir (o desejo de se exibir). A movimentação corporal (rebolar) excitou a representação reprimida, aumentou sua carga. Com este aumento de carga, a representação ganhou força para emergir, mas foi imediatamente sentida como ameaçadora. O que veio primeiramente à consciência de Nair foi a vergonha e não a lembrança da infância. A vergonha é o sentimento correspondente à cena de infância. E também, na situação atual, aquilo que, ao paralisá-la, impede (resiste) a lembrança. Ao mobilizarmos o corpo, ativamos sua memória desejante. Em decorrência disso, as resistências aumentam e se tornam conscientes. Não é questão, portanto, nem de ceder à resistência nem de vendê-la a todo custo. Antes, é questão de compreendê-la como manifestação e função encobridora, ou seja, o objetivo não é conseguir rebolar (trabalho corporal), mas respeitar e compreender o desejo infantil reprimido e sua relação transferencial (trabalho interpretativo). Haveria muito que dizer a respeito das resistências no trabalho corporal: suas diferentes manifestações e as formas várias de se lidar com elas. Como o tema deste estudo é a transferência, assinalo apenas que a vergonha (como vimos no caso de Nair) é uma manifestação da resistência, assim como o tédio, o sono, a ausência de sensações, a repetição de forma mecânica dos movimentos e, em muitos casos, o excesso de excitação e sensações (apresentações ―performáticas‖) que servem apenas de embuste contra psicorporalistas desavisados. Casos extraídos do livro “A Transferência na Clínica Reichiana” – Cláudio Mello Wagner – Ed. Casa do Psicólogo Leitura Recomendada Básica: Reich: um homem, uma obra [Capítulo 10]; Freud e Reich: da psicanálise à orgonoterapia [Capítulo 11] e Uma Teoria do caráter à guisa de teoria de personalidade [Capítulo 12] - (REIS; MAGALHÃES E GONÇALVES) Complementar: O caráter genital e o caráter neurótico [Capítulo 8] - (REICH)
  • 31. 31 Módulo III – Melanie Klein Da Fantasia à Realidade - Melanie, inicialmente Reizes e posteriormente Klein, nasceu em 30/03/1882 em Viena, filha caçula de uma família culta. - As perdas e o luto foram marcantes no início e ao longo de sua vida - aos 4 anos perdeu sua irmã Sidonie, que lhe ensinava leitura e aritmética - próximo aos 20 anos, perdeu o pai e o irmão Emanuel, amigo e incentivador - Na adolescência desejava estudar Medicina, mas após a morte de seu pai e irmão, acabou se casando com Artur Klein em 1903 - devido ao noivado abandonou a idéia de estudar Medicina - Teve três filhos: Mellita, Hans, e Erich, após o nascimento do caçula perde a mãe, o que a leva a um estado depressivo - Em 1914, morando em Budapeste, procurou Ferenczi para análise e entrou em contato com a obra de Freud - Seu talento para compreender as crianças foi percebido e estimulado por seu mestre Ferenczi - Em 1922, tentou expor a Freud suas idéias, mas não houve interesse dele - Mudou-se para Alemanha em 1923 e se tornou membro pleno da Sociedade de Psicanálise de Berlim, iniciando em 1924 sua análise com Karl Abraham, porém, a análise durou apenas um pouco mais de um ano devido à morte de seu inspirador - Klein era bastante produtiva e se focou no estudo da análise com crianças, onde desenvolveu a técnica do brincar - Em 1926, já separada, viajou para a Inglaterra a convite de Ernest Jones, onde passou a morar e a expor as suas idéias acerca da psicanálise com crianças - Divergências Freud – Klein, posteriormente, ataques de sua filha Mellita Shimideberg - Klein transmitiu a psicanálise a diversos autores como Rosenfeld, Paula Heimann, Richkman e Bion, deixando diversas obras importantes - Klein se considerava até o final uma freudiana, vindo a falecer em 22/09/1960 Introdução ao pensamento Kleiniano - O ego já existe desde o nascimento, é imaturo (primitivo, desorganizado), mas possui uma tendência a integração - Desde o início ele é exposto à: - ansiedade provocada pela polaridade inata dos instintos Instinto de vida integração Instinto de morte desintegração - ao impacto da realidade externa - frustrar, privar, ameaçar
  • 32. 32 - satisfazer, proteger - Desde o início o ego é capaz de perceber e reagir à realidade ambiental através de um processo interativo entre: Fantasia ↔ realidade - As pulsões inconscientes dirigem-se a um objeto - o seio (parcial) é o primeiro objeto (interno - representante da mãe no mundo interno) - No nascimento o ego experimenta a ansiedade do instinto de morte: ansiedade de separação terror de morte ou aniquilamento - Para manter a pequena integridade o ego cinde: - projeta o mau (senso de medo, ansiedade, frustração) - transforma o temor de aniquilamento em um temor de perseguição - parte da ansiedade do instinto de morte é retida como fonte de agressão que é utilizada para se defender dos medos persecutórios - projeta o bom (satisfação, senso de prazer corporal, segurança) - a libido é projetada para criar um objeto que irá satisfazer o instinto de preservação da vida - parte da libido é retida para poder estabelecer uma relação libidinal com o objeto - Cria-se o complexo paradoxo do seio bom e do seio mau - O ego estabelece um relacionamento com dois objetos parciais: seio idealizado x seio persecutório - As fantasias do seio ideal são reafirmadas pelas experiências satisfatórias e gratificantes - As fantasias do seio persecutório são mantidas pelas experiências de frustração, dor, fome ―o recém-nascido vive um mundo de extremos, povoado por objetos bons e maus num embate permanente” - A integração do ego depende de sua capacidade de poder experimentar a força do seio ideal - (sensação de proteção, segurança e de que a parte persecutória está sob controle) - Nesse período a ansiedade é que o seio persecutório supere a parte idealizada - sensação de aniquilamento Posição esquizo-paranóide - Se a hostilidade for grande demais ou se o bebê não experimentar o alívio de seus ataques ao seio a bondade do seio idealizado é fantasiada como insatisfatória - O conflito entre os instintos de vida e de morte se dá entre: amar x invejar / tê-lo x destruí-lo
  • 33. 33 - O contato imediato com a realidade é alterado pela fantasia inconsciente e a realidade age sobre a fantasia - O cuidado e a paciência da mãe contribuem para o senso de bem-estar do bebê - as fantasias podem ser temperadas pelo relacionamento com a mãe (ambiente – Winnicott) - a mãe / terapeuta tem de sustentar ou conter emoções que são penosas demais para o bebê/ paciente suportar - A predominância do objeto bom ou mau depende: - do relacionamento mãe-bebê - da força inata da inveja - da capacidade de tolerar frustração - O bebê necessita receber de volta da mãe, as suas experiências por uma maneira que lhe assegure que seus sentimentos e ele próprio foram tolerados e aceitos - é a aceitação dele próprio por outro que o conduz à tolerância de si próprio - A experiência de uma maternagem suficientemente boa assegura que o mau não pesará mais que o bom - Com a maior segurança de que os objetos internos são bons, o bebê demonstra um desejo de estender-se mais além Formas de defesa do ego - Cisão mantém uma distância suficientemente segura entre os objetos persecutórios e os ideais - Projeção transforma, troca o perigo interno por um perigo externo - Introjeção busca incorporar o bom enquanto o mau é projetado - Identificação Projetiva partes do ego e os objetos internos são cindidos e projetados para dentro do objeto externo, que é então possuído e controlado pelo sujeito que se identifica com a parte projetada - Negação onipotente nega totalmente a perseguição a fim de controlá-la. A super-idealização do seio cria a ilusão temporária de proteção completa dos ataques perseguidores internos Caso Clínico 1 – Identificação projetiva O paciente é um jovem universitário que procurou a análise durante uma crise de depressão. Esta se manifestava por grande desânimo, idéias de suicídio, não encontrando sentido nos valores que acreditava até então e nos objetivos pelos quais lutara. Praticava esportes perigosos - alpinismo, karatê, corrida de automóveis- e sendo comuns os acidentes decorrentes destes. Dificilmente reconhecia sua responsabilidade, se reconhecia era por pouco tempo, para logo em seguida negar. Era habitual transformar suas derrotas – onde sua autodestrutividade tinha um papel importante - em triunfos. Uma ocasião contou-me, se vangloriando, que no fim de semana durante uma luta, perdera um dente incisivo, gabando-se de sua iniciativa em ter ido ao dentista sem ter avisado os pais para não preocupá-los. Acreditava que suas capacidades intelectuais eram muito maiores que na realidade. Mas também era habitual que as frustrações que sofria servissem de estímulo para ataques autodestrutivos. Eram frequentes as alternâncias de estados de excessiva valorização com estados de desvalia e descrença pessoal. Era muito requisitado pelas jovens, mas não demonstrava interesse especial por nenhuma. As pessoas eram vistas como meio para realizar seus desejos e ficava muito indignado quando se sentia contrariado por elas, como se tivessem obrigação de lhe servirem. Em relação a mim havia ocasiões em que demonstrava excessiva admiração - quase sempre ligada a intenções de conseguir algo de mim - e outras uma grande indiferença. Esperava resoluções
  • 34. 34 mágicas e rápidas, reclamando por se ver frustrado nessa expectativa. Quando eu mostrava alguma coisa real e benéfica que havíamos conseguido na análise não reconhecia isso como resultado de nossos esforços. Numa dessas ocasiões disse com indiferença: "Não vejo como a análise pode ter me ajudado. Se eu melhorei nesse ponto era porque tinha que melhorar. O tempo que se encarregou de resolver o problema‖. A sessão que vou relatar é a terceira de uma semana em que ele estava muito deprimido pois não fora aprovado na seleção de um emprego que almejava. Nas sessões que antecederam os exames falara bastante do emprego e com muito entusiasmo, acreditando que a sua vitória seria certa. Nesta sessão ele rememorava a sua reprovação, alternando queixas sofridas e arrogância. A expressão deste sentimento era feita com irritação, dizendo-se injustiçado e revoltado, que isso não poderia ter acontecido com ele. Também voltava contra si, dizendo que não valia mais a pena viver, sentindo-se um incapaz, que iria sempre fracassar na vida. Apesar de me parecer claro seu narcisismo ferido, tinha a impressão que interpretar nessa linha não iria ser bem recebido por ele. Eu estava preocupado naquele momento com o grande potencial agressivo do paciente e de como me dirigir a ele para evitar um incremento desnecessário de agressão. Por outro lado me sensibilizava com a grande dor que ele manifestava. Com muito tato comecei a falar algo da mágoa que ele sentia, visando mais, por intermédio da fala, que ele pudesse sentir minha presença, meu interesse por ele, e isso pudesse lhe trazer conforto. Mas ele me interrompeu logo de início dizendo agressivamente em voz alta: "Pare com isso!" Eu o atendi impactado pela agressão. Ele falou gaguejando, tentando com dificuldade, controlar a sua agressividade: "Não fale nada. Tudo o que você fala são como facas que me penetram. É verdade. Sinto facas entrando em mim." O intenso clima emocional não dava lugar para as palavras. No silêncio eu alternava entre o sentimento de permanecer afastado, conforme o desejo do paciente, e o desejo de querer me aproximar. Via-o muito solitário, fechado em si mesmo. Quando percebi que a nossa relação caminhava para a esterilização tentei novamente: "Quando você se mostra sofrido, com muita dor por não conseguir o que queria, quer minha ajuda, mas quando me percebe perto de você acha que sou perigoso e teme que eu possa machucá-lo ainda mais. Então se irrita, se fecha e me quer longe”. Ele emite um som de assentimento e diz: “Lembra o meu cachorro. Outro dia ele estava ganindo de dor com a orelha machucada, cheia de vermes. Dava pena. Fui cuidar dele e ele tentou me morder." Penso que está claro no material o uso que o paciente faz do mecanismo de identificação projetiva: a expulsão de sua agressividade e partes de seu self mau – um superego cruel e agressivo – para dentro de mim, passando a me ver dessa forma e temendo-me. Esse superego é decorrência do fracasso em se identificar com uma imagem idealizada. Na medida em que eu passo a ser esse superego agressivo tenta me controlar, tentando me calar e deixar-me distante dele. Devido ao fracasso na identificação com um objeto idealizado (que ao ver do paciente se daria quando conseguisse a colocação profissional) a única alternativa que conhece é um autoarrasamento total, e no dizer dele, não mais valendo a pena viver. Entrega-se à pulsão de morte, identificando-se com os objetos destrutivos. Estes sentimentos destrutivos tornando-se intoleráveis são cindidos e projetados em mim, tentando se aliviar da ameaça de morte. Outra tentativa fracassada, porque agora passa a sentir-se ameaçado pelo perigo que acredita que vem de mim. Há nesse movimento um caráter de concretude física que imprime às minhas palavras, esvaziando o sentido original delas de simpatia e ajuda. Ele as transforma em facas que lhe penetram. As defesas esquizoparanóides se estruturam para o self lidar com os impulsos destrutivos pelos quais se sente ameaçado, temendo por eles ser aniquilado. A idealização é uma das formas de se proteger desta ameaça, e quanto mais intensos estes impulsos maior a cisão do ego para afastá-los e atingir um estado onde se sente seguro. Penso que a identificação projetiva, com seus processos de cisão e projeção, além de ser um meio para a idealização está intimamente ligada em sua origem a esta defesa. Caso extraído do artigo “Identificação Projetiva: algumas reflexões” – Paschoal Di Ciero Filho. Associação de psicoterapia psicanalítica - A partir de condições favoráveis de desenvolvimento o bebê: - sentirá que o seu objeto ideal e seus próprios impulsos libidinais são mais fortes que o objeto mau e que seus impulsos maus. - se sentirá menos temeroso de seus próprios impulsos maus (hostilidade) e irá projetá-los menos para fora (cisão). - a crença de seu ego no objeto ideal permitirá uma maior integração entre o bom e o mau.
  • 35. 35 - Nesse contexto o bebê começa a se relacionar com a mãe (com o objeto) de maneira total. - começa a perceber que suas experiências boas e más não procedem de um seio ou mãe bons e maus, mas de uma mesma pessoa (objeto) que é fonte do que é bom e do que é mau. - ao mesmo tempo reconhece que ela tem vida própria e descobre seu desamparo, sua dependência e seu ciúme. - ansiedade de separação. - com maior integração o bebê dá-se conta de que é a mesma pessoa, ele próprio, que ama e odeia a mesma pessoa – sua mãe. - ambivalência em relação ao objeto - Havendo menos projeção há maior introjeção e o bebê começa cada vez mais a se identificar com a mãe. - dessa forma, a preservação do objeto externo mãe é que irá assegurar a integridade do objeto interno bom (ego). - Neste período, a ansiedade é de que se perca o objeto ou de que seus próprios impulsos destrutivos tenham danificado ou danifiquem o objeto o qual ele ama e depende. - a posição depressiva - Há necessidade maior de possuir esse objeto de mantê-lo dentro e de protegê-lo de sua própria destrutividade. - Através da fantasia onipotente de que ele possa ter destruído, danificado o objeto amado; ele fica exposto aos sentimentos de luto e culpa. - desespero depressivo - A experiência da depressão, desesperança e culpa mobilizam o desejo de reparar o objeto destruído. - acredita que seu amor e cuidado podem desfazer os efeitos de sua agressividade. - O conflito na posição depressiva é uma luta constante entre a sua destrutividade e os seus impulsos reparadores. - o fracasso na reparação leva ao desespero. - o sucesso à esperança renovada. - A capacidade de sentir preocupação por seus objetos ajuda-o a aprender gradualmente a controlar seus impulsos. - o superego - suas raízes, superego primitivo, são formadas na posição esquizo- paranóide. objeto perseguidor = punitivo, proibido. objeto ideal = ego ideal, às vezes perseguidor devido às exigências de perfeição. - na posição depressiva ele se torna mais integrado, total e ambivalentemente amado: - age através de sentimentos de culpa e de auto-reparação - auxilia na luta contra seus impulsos destrutivos - O sofrimento do luto e os impulsos reparadores constituem a base da criatividade e da sublimação:
  • 36. 36 - reparar  reconstruir  recriar - As experiências de luto – reparação / perda – recuperação enriquecem o ego, aumentando a sua crença no seu próprio amor e potencialidades. - A maternagem suficientemente boa e a continência é que irão permitir a continuidade do desenvolvimento. - A posição depressiva nunca é totalmente elaborada, sempre haverá as ansiedades relativas à ambivalência e a culpa, assim como as situações de perda. Alguns mecanismos de defesa da Posição Depressiva - Há um maior crescimento do ego quando impulsos reparadores se mobilizam para lidar com as ansiedades depressivas - No entanto, no início o ego não tem força suficiente para confiar em suas capacidades reparadoras, necessitando utilizar, portanto, mecanismos de defesa específicos (primitivos) - Defesas maníacas - A organização dessas defesas na posição depressiva inclui mecanismos que já estavam em evidência na posição esquizo-paranóide - cisão, idealização, identificação projetiva, negação e etc... - Na posição depressiva o indivíduo descobre sua dependência em relação ao objeto, assim como sua ambivalência, experimentando intensos sentimentos de medo de perda e anseio de culpa - As defesas maníacas são dirigidas contra quaisquer sentimentos de dependência, sendo estes obviados, negados ou invertidos - Nas defesas maníacas, a relação com os objetos é caracterizada por uma tríade de sentimentos: controle onipotente, triunfo e desprezo - À medida que o ego evolui, as defesas maníacas podem gradualmente dar lugar à reparação - Contudo, quando essas defesas são excessivamente fortes, estabelecem-se círculos viciosos formando-se pontos de fixação – dinâmica maníaco-depressiva Exemplo de fantasias que caracterizam as defesas maníacas (Trecho extraído do texto ―notas sobre um caso de neurose obsessiva‖ – S. Freud – Obras Completas 1909 – vol. X – Parte E – Algumas idéias obsessivas e sua explicação) “O homem dos Ratos” ― ... O mútuo antagonismo entre os seus sentimentos em relação a sua dama era forte demais para ter escapado completamente à sua percepção consciente, embora possamos concluir das obsessões nas quais o antagonismo se manifestara que ele não avaliava corretamente a profundidade de seus impulsos negativos. A dama havia recusado sua primeira proposta, dez anos atrás. Desde então, ele tinha conhecimento de que passara por períodos alternados em que ora ele acreditava que a amava intensamente, ora se sentia indiferente com relação a ela. No decorrer do tratamento, sempre que se deparava com a necessidade de dar algum passo que o aproximasse mais de um final bem-sucedido para seu namoro, habitualmente sua resistência começava a assumir a forma da convicção de que, afinal de contas, ele não ligava muito para ela — embora, em verdade, essa resistência costumasse ser logo vencida. Certa vez, estando ela acamada, com uma séria enfermidade, ficando ele extremamente preocupado com ela, perpassou-lhe pela mente, quando olhava para ela, um desejo de que ela continuasse deitada assim, para sempre. Explicou essa idéia mediante um sofisma bastante engenhoso: asseverando que apenas desejara que ela estivesse permanentemente doente, de modo que ele pudesse
  • 37. 37 livrar-se de seu medo intolerável de que ela fosse acometida por uma repetida sucessão de crises! De vez em quando costumava povoar sua imaginação com devaneios, que ele próprio identificava como ―fantasias de vingança‖, e se sentia envergonhado com isso. Por exemplo, acreditando que a dama dava grande importância à posição social de um certo pretendente, ele construiu uma fantasia na qual ela estava casada com um homem daquela espécie, que ocupava um cargo público. Ele próprio entrava, então, no mesmo departamento, onde subiu de posição com muito mais rapidez do que seu marido, tornando-se este, enfim, seu subordinado. Um dia — dando-se prosseguimento a sua fantasia — esse homem cometia determinado ato desonesto. A dama atirava-se de joelhos a seus pés e lhe implorava que salvasse seu marido. Ele prometia fazê-lo, e lhe comunicava que fora apenas por amor a ela que havia assumido o cargo, de vez que havia previsto que um momento como este iria chegar; e agora, salvo o seu marido, estava cumprida sua missão e ele renunciaria ao seu posto...‖ Inveja - Fatores externos como a frustração ou a privação impedem a gratificação, porém mesmo quando o ambiente é favorável, experiências gratificantes podem ser modificadas ou até mesmo impedidas devido a fatores internos - Para Klein, tais fatores internos que impedem a percepção de uma gratificação são expressões do instinto de morte - A inveja pode ser considerada como a mais primitiva expressão do instinto de morte instinto de vida  integração instinto de morte  desintegração - A inveja visa à destruição das qualidades do objeto bom - a inveja visa a que se seja tão bom quanto o objeto, mas diante da impossibilidade de sê-lo, leva o indivíduo a danificar a bondade do objeto - é uma relação dual: entre o sujeito e o objeto percebido como tendo alguma qualidade - a pessoa realmente invejosa não pode aproveitar o que vem de outra pessoa e não pode sentir gratidão, o que significa que sua capacidade de ter prazer e amar sofrem graves interferências Voracidade - Visa à posse de toda a bondade que possa ser extraída do objeto, desconsiderando as consequências, podendo resultar na danificação do objeto, porém, esta é incidental  voracidade: reconhece e deseja obter algo que é bom, para poder usufruir isso  inveja: deseja ser tão bom quanto o objeto, na impossibilidade destrói a sua bondade Ciúme - Baseia-se no amor e visa à posse do objeto amado e à remoção do rival  ciúme: relação triangular  inveja: relação dual
  • 38. 38 - Sentimentos de inveja, voracidade e ciúme podem estar fundidos - Algumas defesas podem ser mobilizadas contra o sentimento de inveja a) desvalorização do objeto invejado - a fim de proteger o objeto de uma danificação ou destruição total, diminui-se o seu valor - um objeto desvalorizado não suscita inveja b) idealização do objeto invejado - idealiza-se a pessoa que a provoca de tal forma que a distância entre essa pessoa e si próprio fica tão grande que aparentemente nenhuma comparação é possível - o objeto invejável fica fora de alcance c) desvalorização do self - o indivíduo se diminui a fim de aumentar a distância entre o self e o objeto invejado - A gratificação experimentada no seio estimula admiração, amor, gratidão e ao mesmo tempo inveja - Se a inveja não for avassaladora a gratidão a supera Inveja x Gratidão ―... a inveja diminui na medida em que aumenta a gratificação e a diminuição da inveja permite maior gratificação, que por sua vez, diminui a inveja...‖ Complexo de Édipo Primitivo - Ao contrário de Freud, Klein localiza o Complexo de Édipo em etapas mais anteriores do desenvolvimento. Descreve estágios primitivos do Complexo de Édipo. - Quando a mãe é percebida como objeto total, não apenas a relação desta com o bebê é modificada, mas também a sua percepção do mundo. - As pessoas começam a ser percebidas individualmente e separadamente, tendo relações entre si. - percebe o vínculo entre pai e mãe. - Como a projeção é ainda bastante presente nas fases iniciais, esta altera a sua percepção sobre o vínculo libidinal de seus pais. - a criança projeta nos pais seus próprios desejos libidinais - A percepção da relação entre os pais gera sentimentos de privação, ciúme e inveja. - os pais são percebidos como dando um ao outro aquelas gratificações que o bebê deseja para si próprio - No início, a percepção da criança é de um casal parental combinado, não diferencia o pai da figura da mãe.
  • 39. 39 - o pai /pênis é tido em fantasia como uma parte da mãe. - o corpo da mãe possui tudo o que é desejável: seio, pênis, bebês. - A partir da diferenciação entre os pais (pai e mãe) ambos são desejados e odiados e os ataques são feitos ao relacionamento mútuo entre eles. - Ao longo do desenvolvimento, varia a escolha entre os pais, assim como variam os objetos libidinais e agressivos. - oral - anal, uretral - genital - Há constante flutuação na escolha do genitor predominantemente desejado e já na situação oral se estabelece a base tanto para a escolha de objeto heterossexual quanto homossexual. - Independente do sexo, o primeiro objeto de desejo é o seio da mãe e o pai é percebido como rival. - Diante das angústias depressivas e persecutórias em relação à mãe e o seio, o pênis do pai se torna um objeto alternativo de desejo. - A busca por recuperar a relação primitiva com o seio (reparação) transforma-se em desejo de união com a mãe. - esses impulsos / desejos reparatórios podem ser dirigidos tanto à mãe externa, quanto a mãe interna. Menino Pai Movimento homossexual Movimento heterossexual Identificação Menina Pai Movimento heterossexual Movimento homossexual Identificação
  • 40. 40 - À medida que o desenvolvimento prossegue, o objetivo genital se torna predominante e a escolha entre os pais flutua cada vez menos. - Com o crescente sentido da realidade a percepção do próprio sexo ajuda a criança a renunciar parcialmente os desejos homossexuais e a aceitar o seu próprio sexo - Sexo oposto  objeto de desejos libidinais. - Mesmo sexo  objeto de identificação e rivalidade. - Para Klein a escolha heterossexual nunca é completamente definitiva. - no Édipo clássico (positivo) sempre existe a sua contraparte: o Édipo invertido. Algumas considerações sobre a técnica Kleiniana - Klein desenvolveu a sua teoria a partir da técnica inovadora do jogo infantil, o que a levou a descoberta do complexo mundo interno na mente da criança - A partir da compreensão do mundo interno com seus conflitos, fantasias inconscientes (tanto as agressivas quanto as libidinais) é que se fundamenta a técnica Kleiniana - A análise de crianças é análoga à do adulto, apenas variando a forma de comunicação que é expressa através do jogo infantil - Klein acreditava na existência de um superego precoce que se caracteriza por seu sadismo - a função do tratamento seria reduzir a sua crueldade excessiva, ela acredita que são as fantasias agressivas a principal causa da angústia - O objetivo do tratamento é, portanto, analisar os conflitos e fantasias inconscientes, compreendendo e interpretando as angústias que se desenvolvem na relação de objeto, assim como os respectivos mecanismos de defesa - o insight deve permitir o conhecimento e a reintegração dos aspectos dissociados e projetados do self, permitindo uma compreensão do conflito e maior integração da personalidade - o insight consiste em juntar emoções carinhosas e hostis em relação a um mesmo objeto, não apenas compreendendo, mas também tolerando os consequentes sentimentos de culpa e responsabilidade Menino Movimento heterossexual Movimento homossexual (Impulsos reparatórios) Mãe externa Mãe interna Menina Movimento heterossexual Movimento homossexual (Impulsos reparatórios) Mãe externa Mãe interna