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TEAR DE ONDAS
DANILO BARCELOS
AVES DE ÁGUA
coleção
Nome Híbrido
I
primeiro movimento
ao mar
o descompasso da cor
o que prende à areia
o inconstante do mar na mão
na palma
na linha
saber da vontade do mar antes que o mundo caia sobre a areia
antes que o corpo encontre outra espuma
antes que as horas se desfaçam
voltar ao movimento do mar como quem retorna para casa
querendo o sabor do mundo
o sentir
o saber
o aceitar
como se o mundo não soubesse de seus espaços
seus pedaços mais íntimos
o que pretende sentir quando ama
mar de hoje
para que se pergunte sem entender as perguntas
sem praticar o sentido
sem experimentar o tato
buscando na curva da mão
o pedaço de coisa
de caco
asco mesmo do gosto
não saber do tato até o limite em que corpo e forma fundem-se na mesma briga
[onde as futuras fantasias perdem a sempre irresponsável maneira de pensar a realidade
[discutindo a grandiosidade do mundo presa por sob as camisas
sob as saias
sob as formas da farsa
anotar em lápis preto sua porção de agonia sem sinais
e perceber na mão a fadiga
a herpes
a nostalgia do cais sem naus emparelhadas
buscar o que o mar sempre promete ao mar
na rede de pesca do bom-dia
trazer à praia os afogados do mar em pescadores
suas canelas em sal
suas imprudências descabidas
seu ócio
para servir aos homens seus banquetes prósperos de trabalho
de suor
sem paciência
[5]
onde a vontade do mar é mais que a vontade primeira do mar
onde a paciência é a virtude combinada de alguém que esqueceu na areia o
nome escrito e lavado pela espuma
levado para os afogados
na língua que só os mortos podem participar
praticar
escrever a letra que será rasgada e esquecida pelo mar
pelos muros
nas redes dos afogados
como se o primitivo ser
completo de vontade citadina
de verdade popular
ocupasse pleno as páginas dos jornais ao sol de sábado
como se nós fôssemos
completos de escolhas
e tempo
e enigmas
saborear o sol que se prende no tempo
e esquecer o sabor dissílabo do dia
contemplar no mar a cor que se dissolve em sol e espuma
partir em prisma a coisa cor que na areia lembra a suavidade do medo
a valsa do dia
a festa de hoje
onde o disfarçado tempo se esconde
nas narinas dos velhos
seus cabelos penteados
o dominó na praça
na praia do tempo onde a espuma sabe que o caminho pode ser mais intenso que a espera
mais estranho que a morte
esperando a noite em
estado de quarta madrugada
a festa que se faz à praia é dos pescadores que dançam
contam suas manias
perdem seus desejos
trocam-se nas partes puras do amor
dos pescadores à praia
dos marinheiros à praia
dos afogados
é tudo de espuma e sal
espuma e sal o desejo do homem à saia
espuma e sal o rancor do homem à praia
espuma e sal em espuma
que dissolve na saudade cardíaca do sangue
a saudade das mães desesperadas
[6]
das maiúsculas palavras
os restos de fotografia
em nossas cores na ponta das unhas
na ponta de nós
nos nós repartidos de salgadas vaias
o amor dos pescadores ao mar
ao que lhes traz à praia
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o chão dos mortos
o leito do mar e seus espaços
o amor dos afogados entre o que ainda têm de vida
o que precisa o imperioso das ondas
o que mais parece o mar
seu precipício
[7]
segundo movimento
ouço o branco das palavras
como ouço na chuva cada gota
como penso no medo em cada estrada
como sinto o sabor das têmporas
dos cabelos
das partes íntimas
do sexo
na menor das distâncias permitidas
o som ensurdecedor do valor do caminho
onde a estrada se desdobra em outra estrada
onde o caminho é outro caminho
e a palavra outra vontade
outro sintoma
no sabor que exala
preciso precipício de vertigens
portando seres que se escavam
riscando a unhas o caminho
grafando à força a verdade
primada de percepção dos que diziam
perceber o precipício do sentido
na palavra grafando mais fundo
o rio
dizer à mão do ar que alimenta
além das vogais
além do entender-se ar
que formam os seres do planeta
perceber o que não pensa
o que vive na palavra
para sentir com os olhos
com o tato
com o paladar
com o pudor do tato
o sabor do ar do perceber
do amar
do dizer
do formar informal como o ar
comparar a palavra ao algo
dando ao risco um grafo de unha na parede
e
soprar
como os seres divinos
cheios de jamais
e
perceber a busca no ar quando a voz é outra palavra perdida
[9]
outro som para o tato
na palma da mão dos que amam
dividir o que nos divide nas gotas de nossos corpos
nossos condimentos estendidos para o passo
buscando um par de carícias
no longe de sentir qualquer palavra
a sorte primeira de envolver
no entanto
que tanto separa os corpos das palavras
mas que precipita
o precipício
principiante de sabores
na plena letargia
não quer a palavra saber das coisas que diz
de si
o que quer a palavra saber
de seu sabor
seu sangue
seu ar?
pontuar a palavra com seus sais
dizer da palavra o que nela é além dos poros
saber da palavra o que ela não oculta
o que ela não desvenda
o que ela não procura
saber da palavra cada cor dissílaba
cada sibila
cada vontade oferecida
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sentir a palavra quando não é possível sentir qualquer coisa
quando sentir deixou de ser regra
deixou de ser falta
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outros indistintos
quando à palavra foi dada a praia
a letra
saber da palavra o gesto
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na espuma do mar
o que não pode ser espuma
o que não cabe nos dedos
o que não prevalece às angústias do sal
o que cabe ao sal
o que não sabemos
criando à palavra os sinais reservados deste tempo
[10]
o sabor divisivo das vogais
sem a pressa de todos
sem nos dividirmos
dando à palavra nosso dizer quando, aliás, pretenderemos dela
antes de sermos
no nó da palavra mais que recria
o que nela é vazio e medo
[11]
terceiro movimento
venta em mim o tempo
e não o que há além de mundo
o tempo de espumas
da eternidade do sal
da sua íris
nas espumas do tempo as marcas
descabidas
das palavras
das coisas densas do mundo
dos corpos
o tempo que o mar percebe
que a onda traz
que a unha esconde
atravessando os muros da cidade
da sacola de compras
do brinquedo novo
do calção antigo
dos velhos pedaços guardados
o tempo do passo
deixado por fazer
o tempo das primeiras coisas
dos primeiros dias
o tempo
para dar aos lugares o mundo
para buscar informações
para trabalhá-lo
sem futuro
sem palavra
sem espumas
sem o sol do dia
som primeiro da manhã de fábrica
o tempo
feito de sentidos
feito de panfletos
feito de cabala
do mar
da palavra
do sal que ela busca
das malhas
abençoando a saliva que existe
no precipício
na rasura
para que as pessoas possam outra coloração
outra disritmia
outra catarse
porque ele não percebe esses movimentos
mas quer outro susto
[13]
II
perdido dos descompassos eu perfaço seu
repasto nesta tarde azul. descubro outros
espaços nas costas das mãos densas, nas
partes debaixo dos restos, nos poros curtos,
nos tempos sucessivos. busco a onírica
densidade que negamos ao descobrirmos o
tempo deitados e proliferados nas divisas
circulares de nós cegos. decomponho o
que descubro dançando um sorriso imenso
na sala de memórias. percebo seu senso
aos pedaços, a sílaba cor, a ausência nesta
ânsia, a distância solta, seus ditames e o
precipício. na voz dos passos lavados no
cais, nossos nomes nas espumas, seu
sorriso sóbrio, a torta marcha vazia
transcrita nos seus sinais. nos desatinos e
sarcasmos, no espaço sem sentinelas, nas
fomes em contrastes, toco o contragosto
exposto de carne, o rosto desfeito em
paradigma. sopro seu semblante na surdina
sobre o sol e sob as cores da tarde, sem as
mãos imensas. somo os sabores que só às
espumas pertenciam. sílaba à sílaba
componho seu silêncio e junto ao espesso
esse sorriso. corto o covarde anseio, o
confrade intento e com o pó componho a
montanha. cifro no som os destinos que se
escrevem nos muros compostos, os
desalinhos de linha alinhavando a barra
dos que são, suas camisas sem remendos.
toco o toque predileto do prestígio dos
pássaros de passos apressados no passado.
saboreio o sintoma surdo de nossos velhos
[15]
riscos no ar compartilhado de confisco.
sobra o jeito insólito de sensação onde o
não aconselha o mais e o que se quis da
sombra é esse recorte implosivo de
impulso do que esqueço, trânsito de
delírios. risco a unha leve que contorna
seu rosto linha a linha na saliva seca. sinto
sua saliva suave sem sabor, seu senso cedo,
seu sorriso sem cisco, seu sétimo susto, seu
sentimento sóbrio sobre o assoalho, sob as
sonoras sirenes de sábado. sei do sentido
no som da sílaba soante das suas sumárias
sínteses estendidas às horas do sim. nos
despertados desapertados nós, atuo atores
de farsa. refaço a refeição reafeiçoando-me
ao feito. sobrevivente o ermo termo
resultado, o impreciso chão se desdobra.
sua sombra carrega do amputado as
multidões implosivas impróprias para o
tato. reformo a forma escalavrada lavrando
na palavra, pá a pá, o precipício e ocupo as
retinas da forma que se firma sitiada.
caminho a contrária sorte de sentir partes
como dobres e cubro de calma a boca,
sentindo o sim nas unhas. seu pouco faz os
olhos nas retinas e, o espelho, rostos de
cartografia. na espuma tromba seu ombro,
a tatuagem e a cor e o vermelho eterniza
na camisa, nas narinas, entre cacos e
cigarros. amarradas nas espumas, nossas
sílabas se misturam desfeitas no nome do
fim feito infortúnio, desgarrada contra o
espelho. nos misturados nós de cores
[16]
comovidas, sigo os possíveis atos na rua.
eles causam o céu no tato que toca os
laços atrás dos fios na cidade e a
velocidade de nossos olhos na multidão,
soltas saias. planando em outra sinfonia, o
novo espaço dissipado sofre desconstrução
e espasmo do pedaço que sobra na
vertigem oblíqua do baile. na varanda
azul, os tempos boiam na frase, os pés e as
mãos como não pudéssemos nos nossos
soltos sonhos de silêncio. construo o
silêncio, aos poucos, partindo-o em seis
pedaços. com as palmas das mãos os
oferto e os pedaços se costuram. legião de
formas dissipadas nas tardes repartidas.
neles minhas manhãs como recados
sussurrados nas sombras da noite, nos
holofotes. costuro os seis pedaços que lhe
oferto, perdido em um nó que não se fia,
embolado o carretel de transparências.
aperto o nó sem ousadia, trocando a forma
sem medida pelo resto de voz, outro
sussurro das palavras. como cores que se
comem, vigio as vírgulas nos formando
páreas sem disritmias em concessórias
densidades que se cobrem. ando pelos
caminhos que criamos sobre os sons
pisando atolado a lama dos carinhos. sobra
o claro lado onde as flores do tempo são as
chagas da vaia, as caras mordidas pelos
dentes canibais guardados no sétimo
pedaço que não lhe oferto, quebrando-o na
mão fechada com meus dedos contrafeitos.
[17]
do nó sem ousadia saem palavras que
passeiam sem vontade e morrem cheias de
espuma enquanto o silêncio construído
ganha corpo e resto. na possibilidade de
hoje formada pelo acaso do espaço
arranjado do entre durante o eterno voar
do desejado, os pedaços. é de sílaba a sua
pele, o dente, a mão, a curva. se eu partisse
a voz e enchesse esse espaço com mais do
que pedaços, recheasse com olhos e
desalentos, nos nós mistificados, sobrariam
a sombra, os traços das mãos, os trilhos
perdidos entre cores estendidas, abertas
como aquilo que se parte em sombras
desdobradas. dispostos sobre as cores
refletidas, espalho tais pedaços pela casa,
nos livros. distribuo cheiros entre as partes
e busco o resto na pele, esta cicatriz antiga.
tento estender o que sei na janela para
sentir a cor repartida e espalho-a pelo
espaço amontoando-a no alojamento de
mim, meus cotovelos. anovelo-os aos
joelhos mordidos, às canelas, ao corpo que
nos desvenda tudo em poro banhado de
saliva. nos talheres barulhentos do almoço,
nossas salivas nos alimentando enquanto
nos engolimos, os joelhos vermelhos e as
mãos cansadas. deitados sobre nós, em
partes soltas, nossas unhas, a vontade da
cor camuflada. acho o esconderijo de seu
corpo exposto por mania, sem remorsos na
alvorada. é de uma exaustão pânica com
olhos carregados. é tão antigo quanto a
[18]
letra que separa tudo, até as sílabas dos
nomes. separados seguimos as frases que
não mais acreditamos, que nunca nos
pertencem, mas que repetimos. há força
constante impelindo ao movimento, como
as coisas do mundo surgem a outros olhos
na chuva de vozes, somadas aos pedaços
de coisas guardadas, aos nossos olhos na
multidão vermelha criando lembranças,
juntando as coisas do costume. sobra a
pele e lavo a alma em três matérias,
esperando, no canto do olho, o brilho que
nos refaça sepultando longe o que sobrou
do limite. vislumbro cais desligados do
para trás e tudo se mistura com você,
alheia do mundo, das cores, da cidade,
sem o depositório insólito que escapa da
procura pouca, escambo dos escombros
sobre o mar afortunado.
[19]
TEAR DE ONDAS
Danilo Barcelos
ISBN | 978-85-65998-18-5 |
AVES DE ÁGUA
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Ondas de Danilo Barcelos

  • 1. TEAR DE ONDAS DANILO BARCELOS AVES DE ÁGUA
  • 3. I
  • 5. ao mar o descompasso da cor o que prende à areia o inconstante do mar na mão na palma na linha saber da vontade do mar antes que o mundo caia sobre a areia antes que o corpo encontre outra espuma antes que as horas se desfaçam voltar ao movimento do mar como quem retorna para casa querendo o sabor do mundo o sentir o saber o aceitar como se o mundo não soubesse de seus espaços seus pedaços mais íntimos o que pretende sentir quando ama mar de hoje para que se pergunte sem entender as perguntas sem praticar o sentido sem experimentar o tato buscando na curva da mão o pedaço de coisa de caco asco mesmo do gosto não saber do tato até o limite em que corpo e forma fundem-se na mesma briga [onde as futuras fantasias perdem a sempre irresponsável maneira de pensar a realidade [discutindo a grandiosidade do mundo presa por sob as camisas sob as saias sob as formas da farsa anotar em lápis preto sua porção de agonia sem sinais e perceber na mão a fadiga a herpes a nostalgia do cais sem naus emparelhadas buscar o que o mar sempre promete ao mar na rede de pesca do bom-dia trazer à praia os afogados do mar em pescadores suas canelas em sal suas imprudências descabidas seu ócio para servir aos homens seus banquetes prósperos de trabalho de suor sem paciência [5]
  • 6. onde a vontade do mar é mais que a vontade primeira do mar onde a paciência é a virtude combinada de alguém que esqueceu na areia o nome escrito e lavado pela espuma levado para os afogados na língua que só os mortos podem participar praticar escrever a letra que será rasgada e esquecida pelo mar pelos muros nas redes dos afogados como se o primitivo ser completo de vontade citadina de verdade popular ocupasse pleno as páginas dos jornais ao sol de sábado como se nós fôssemos completos de escolhas e tempo e enigmas saborear o sol que se prende no tempo e esquecer o sabor dissílabo do dia contemplar no mar a cor que se dissolve em sol e espuma partir em prisma a coisa cor que na areia lembra a suavidade do medo a valsa do dia a festa de hoje onde o disfarçado tempo se esconde nas narinas dos velhos seus cabelos penteados o dominó na praça na praia do tempo onde a espuma sabe que o caminho pode ser mais intenso que a espera mais estranho que a morte esperando a noite em estado de quarta madrugada a festa que se faz à praia é dos pescadores que dançam contam suas manias perdem seus desejos trocam-se nas partes puras do amor dos pescadores à praia dos marinheiros à praia dos afogados é tudo de espuma e sal espuma e sal o desejo do homem à saia espuma e sal o rancor do homem à praia espuma e sal em espuma que dissolve na saudade cardíaca do sangue a saudade das mães desesperadas [6]
  • 7. das maiúsculas palavras os restos de fotografia em nossas cores na ponta das unhas na ponta de nós nos nós repartidos de salgadas vaias o amor dos pescadores ao mar ao que lhes traz à praia é a renda da rede que arrasta o fundo do mundo o chão dos mortos o leito do mar e seus espaços o amor dos afogados entre o que ainda têm de vida o que precisa o imperioso das ondas o que mais parece o mar seu precipício [7]
  • 9. ouço o branco das palavras como ouço na chuva cada gota como penso no medo em cada estrada como sinto o sabor das têmporas dos cabelos das partes íntimas do sexo na menor das distâncias permitidas o som ensurdecedor do valor do caminho onde a estrada se desdobra em outra estrada onde o caminho é outro caminho e a palavra outra vontade outro sintoma no sabor que exala preciso precipício de vertigens portando seres que se escavam riscando a unhas o caminho grafando à força a verdade primada de percepção dos que diziam perceber o precipício do sentido na palavra grafando mais fundo o rio dizer à mão do ar que alimenta além das vogais além do entender-se ar que formam os seres do planeta perceber o que não pensa o que vive na palavra para sentir com os olhos com o tato com o paladar com o pudor do tato o sabor do ar do perceber do amar do dizer do formar informal como o ar comparar a palavra ao algo dando ao risco um grafo de unha na parede e soprar como os seres divinos cheios de jamais e perceber a busca no ar quando a voz é outra palavra perdida [9]
  • 10. outro som para o tato na palma da mão dos que amam dividir o que nos divide nas gotas de nossos corpos nossos condimentos estendidos para o passo buscando um par de carícias no longe de sentir qualquer palavra a sorte primeira de envolver no entanto que tanto separa os corpos das palavras mas que precipita o precipício principiante de sabores na plena letargia não quer a palavra saber das coisas que diz de si o que quer a palavra saber de seu sabor seu sangue seu ar? pontuar a palavra com seus sais dizer da palavra o que nela é além dos poros saber da palavra o que ela não oculta o que ela não desvenda o que ela não procura saber da palavra cada cor dissílaba cada sibila cada vontade oferecida naquilo que lhe boia na espuma sentir a palavra quando não é possível sentir qualquer coisa quando sentir deixou de ser regra deixou de ser falta fome outros indistintos quando à palavra foi dada a praia a letra saber da palavra o gesto o sal que ela deixa na praia na espuma do mar o que não pode ser espuma o que não cabe nos dedos o que não prevalece às angústias do sal o que cabe ao sal o que não sabemos criando à palavra os sinais reservados deste tempo [10]
  • 11. o sabor divisivo das vogais sem a pressa de todos sem nos dividirmos dando à palavra nosso dizer quando, aliás, pretenderemos dela antes de sermos no nó da palavra mais que recria o que nela é vazio e medo [11]
  • 13. venta em mim o tempo e não o que há além de mundo o tempo de espumas da eternidade do sal da sua íris nas espumas do tempo as marcas descabidas das palavras das coisas densas do mundo dos corpos o tempo que o mar percebe que a onda traz que a unha esconde atravessando os muros da cidade da sacola de compras do brinquedo novo do calção antigo dos velhos pedaços guardados o tempo do passo deixado por fazer o tempo das primeiras coisas dos primeiros dias o tempo para dar aos lugares o mundo para buscar informações para trabalhá-lo sem futuro sem palavra sem espumas sem o sol do dia som primeiro da manhã de fábrica o tempo feito de sentidos feito de panfletos feito de cabala do mar da palavra do sal que ela busca das malhas abençoando a saliva que existe no precipício na rasura para que as pessoas possam outra coloração outra disritmia outra catarse porque ele não percebe esses movimentos mas quer outro susto [13]
  • 14. II
  • 15. perdido dos descompassos eu perfaço seu repasto nesta tarde azul. descubro outros espaços nas costas das mãos densas, nas partes debaixo dos restos, nos poros curtos, nos tempos sucessivos. busco a onírica densidade que negamos ao descobrirmos o tempo deitados e proliferados nas divisas circulares de nós cegos. decomponho o que descubro dançando um sorriso imenso na sala de memórias. percebo seu senso aos pedaços, a sílaba cor, a ausência nesta ânsia, a distância solta, seus ditames e o precipício. na voz dos passos lavados no cais, nossos nomes nas espumas, seu sorriso sóbrio, a torta marcha vazia transcrita nos seus sinais. nos desatinos e sarcasmos, no espaço sem sentinelas, nas fomes em contrastes, toco o contragosto exposto de carne, o rosto desfeito em paradigma. sopro seu semblante na surdina sobre o sol e sob as cores da tarde, sem as mãos imensas. somo os sabores que só às espumas pertenciam. sílaba à sílaba componho seu silêncio e junto ao espesso esse sorriso. corto o covarde anseio, o confrade intento e com o pó componho a montanha. cifro no som os destinos que se escrevem nos muros compostos, os desalinhos de linha alinhavando a barra dos que são, suas camisas sem remendos. toco o toque predileto do prestígio dos pássaros de passos apressados no passado. saboreio o sintoma surdo de nossos velhos [15]
  • 16. riscos no ar compartilhado de confisco. sobra o jeito insólito de sensação onde o não aconselha o mais e o que se quis da sombra é esse recorte implosivo de impulso do que esqueço, trânsito de delírios. risco a unha leve que contorna seu rosto linha a linha na saliva seca. sinto sua saliva suave sem sabor, seu senso cedo, seu sorriso sem cisco, seu sétimo susto, seu sentimento sóbrio sobre o assoalho, sob as sonoras sirenes de sábado. sei do sentido no som da sílaba soante das suas sumárias sínteses estendidas às horas do sim. nos despertados desapertados nós, atuo atores de farsa. refaço a refeição reafeiçoando-me ao feito. sobrevivente o ermo termo resultado, o impreciso chão se desdobra. sua sombra carrega do amputado as multidões implosivas impróprias para o tato. reformo a forma escalavrada lavrando na palavra, pá a pá, o precipício e ocupo as retinas da forma que se firma sitiada. caminho a contrária sorte de sentir partes como dobres e cubro de calma a boca, sentindo o sim nas unhas. seu pouco faz os olhos nas retinas e, o espelho, rostos de cartografia. na espuma tromba seu ombro, a tatuagem e a cor e o vermelho eterniza na camisa, nas narinas, entre cacos e cigarros. amarradas nas espumas, nossas sílabas se misturam desfeitas no nome do fim feito infortúnio, desgarrada contra o espelho. nos misturados nós de cores [16]
  • 17. comovidas, sigo os possíveis atos na rua. eles causam o céu no tato que toca os laços atrás dos fios na cidade e a velocidade de nossos olhos na multidão, soltas saias. planando em outra sinfonia, o novo espaço dissipado sofre desconstrução e espasmo do pedaço que sobra na vertigem oblíqua do baile. na varanda azul, os tempos boiam na frase, os pés e as mãos como não pudéssemos nos nossos soltos sonhos de silêncio. construo o silêncio, aos poucos, partindo-o em seis pedaços. com as palmas das mãos os oferto e os pedaços se costuram. legião de formas dissipadas nas tardes repartidas. neles minhas manhãs como recados sussurrados nas sombras da noite, nos holofotes. costuro os seis pedaços que lhe oferto, perdido em um nó que não se fia, embolado o carretel de transparências. aperto o nó sem ousadia, trocando a forma sem medida pelo resto de voz, outro sussurro das palavras. como cores que se comem, vigio as vírgulas nos formando páreas sem disritmias em concessórias densidades que se cobrem. ando pelos caminhos que criamos sobre os sons pisando atolado a lama dos carinhos. sobra o claro lado onde as flores do tempo são as chagas da vaia, as caras mordidas pelos dentes canibais guardados no sétimo pedaço que não lhe oferto, quebrando-o na mão fechada com meus dedos contrafeitos. [17]
  • 18. do nó sem ousadia saem palavras que passeiam sem vontade e morrem cheias de espuma enquanto o silêncio construído ganha corpo e resto. na possibilidade de hoje formada pelo acaso do espaço arranjado do entre durante o eterno voar do desejado, os pedaços. é de sílaba a sua pele, o dente, a mão, a curva. se eu partisse a voz e enchesse esse espaço com mais do que pedaços, recheasse com olhos e desalentos, nos nós mistificados, sobrariam a sombra, os traços das mãos, os trilhos perdidos entre cores estendidas, abertas como aquilo que se parte em sombras desdobradas. dispostos sobre as cores refletidas, espalho tais pedaços pela casa, nos livros. distribuo cheiros entre as partes e busco o resto na pele, esta cicatriz antiga. tento estender o que sei na janela para sentir a cor repartida e espalho-a pelo espaço amontoando-a no alojamento de mim, meus cotovelos. anovelo-os aos joelhos mordidos, às canelas, ao corpo que nos desvenda tudo em poro banhado de saliva. nos talheres barulhentos do almoço, nossas salivas nos alimentando enquanto nos engolimos, os joelhos vermelhos e as mãos cansadas. deitados sobre nós, em partes soltas, nossas unhas, a vontade da cor camuflada. acho o esconderijo de seu corpo exposto por mania, sem remorsos na alvorada. é de uma exaustão pânica com olhos carregados. é tão antigo quanto a [18]
  • 19. letra que separa tudo, até as sílabas dos nomes. separados seguimos as frases que não mais acreditamos, que nunca nos pertencem, mas que repetimos. há força constante impelindo ao movimento, como as coisas do mundo surgem a outros olhos na chuva de vozes, somadas aos pedaços de coisas guardadas, aos nossos olhos na multidão vermelha criando lembranças, juntando as coisas do costume. sobra a pele e lavo a alma em três matérias, esperando, no canto do olho, o brilho que nos refaça sepultando longe o que sobrou do limite. vislumbro cais desligados do para trás e tudo se mistura com você, alheia do mundo, das cores, da cidade, sem o depositório insólito que escapa da procura pouca, escambo dos escombros sobre o mar afortunado. [19]
  • 20. TEAR DE ONDAS Danilo Barcelos ISBN | 978-85-65998-18-5 | AVES DE ÁGUA Coleção Nome Híbrido VITÓRIA | 2012 |