1. Seu Kito e Dona Maria José:
a força que nunca seca
Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas
Ano 7 • nº 1398
Junho/2013
Boa Vista - CE
E a força nunca seca
Pra água que é tão pouca
(Chico César e Vanessa da Mata)
Seu Kito e Dona Maria José são um casal
simpático de agricultores da comunidade de
Boa Vista, a 30 km de Quixeramobim, Sertão
Central do Ceará. Casados há 20 anos, Maria
enche os olhos d'água de saudades de Talia,
a filha única de 15 anos que estuda na escola
profissional e mora em Quixeramobim. A
saudade não fica só na filha adolescente,
mas também nos bons tempos do antigo
engenho que hoje é só lembrança, mas que já deu muita batida, rapadura, mel, etc., e
que por conta da estiagem e do desmatamento dos próprios produtores que queimavam
lenha para produzir a cana já não permite mais produção, pois nesse processo
destrutivo de se cultivar, a terra morreu, e hoje é necessária a recuperação do solo que
para Dona Maria vai muito mais adiante: “Além da recuperação da terra, a recuperação
do povo, trabalhar junto.”
O casal já participou de muitos intercâmbios por causa da feira - aprenderam e
compartilharam muitas vivências, mas quando chegam em casa para partilhar o que
ouviram são desacreditados pelos agricultores dos arredores. O curso de cinco dias
(GAPA - Capacitação em Gestão de Água para a Produção e SISMA - Capacitação em
Manejo de Sistema Simplificado de Água para Produção) para a construção das cisternas
foi um “esclarecimento muito grande”: “Eu lutava muito pra isso, pra vir esse
conhecimento pra cá e o agricultor ver
que dá certo, afirma Maria. Nove
famílias serão beneficiadas com o
Programa Uma Terra e Duas Águas
(P1+2) em toda a Boa Vista. Maria e Kito
foram contemplados com a cisterna-
calçadão, que tem capacidade para
armazenar 52 mil litros de água. Com a
tecnologia, o casal poderá dar mais vida
ao quintal produtivo, melhorando a
qualidade de vida da família.
2. Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Articulação Semiárido Brasileiro – Ceará
Realização
“Resistindo na boca da noite um gosto de sol”
Ano passado Dona Maria chamou Seu Kito
para passar uns tempos na cidade, trabalhando
para sobreviver: “Quando eu vi o pé de coco
murchando pra morrer sem ter água para
aguar... passava 2 minutos pra água ir por
cacimbão”, relembra Maria. Mas, Seu Kito não
quis arredar o pé de lá e o casal foi vivendo com
o pouquinho de água que tinha, sem horta
“porque se aguar não tem água para o
consumo de casa”, daí a dinâmica era levar
para a feira o que dava para levar. Seu Kito
também produz vassoura de palha e com o pouquinho aqui e outro acolá foi dando “pra escapar”,
brinca Kito. Só quem faz vassoura na Feira Agroecológica e Solidária de Quixeramobim é o
casal. Além da vassoura, tem o beiju de macaxeira da Dona Maria, o bolo de milho, o peixe do
vizinho, acerola, manga, goiaba, cheiro-verde, romã, a galinha caipira. No quintal de Seu Kito e
Dona Maria há porcos e ovelhas também. Maria nos conta que chegou a ralhar com Kito por ele
ter plantando pé de coqueiro demais, de maneira que a água da cisterna não vai ser suficiente,
mas a agricultora tem consciência da sua importância: “A cisterna vai ser uma ajuda muito
grande porque quando o cacimbão tiver baixando vai ter ela pra ajudar pra fazer a horta mesmo
pra gente se alimentar.”
O casal são um dos fundadores da Feira Agroecológica e Solidária de Quixeramobim.
Hoje Maria atua no Conselho Fiscal da Feira e Seu Kito é vice-presidente. Para fazer parte da
feira, o feirante não pode usar veneno na sua produção: “Como a gente não trabalha com
agrotóxico é tudo da época, pouquinho...”, ressalta Maria. O fumo com alho, urina de vaca
misturada com rapadura e um monte de outros ingredientes são meios naturais que não agridem
a terra e cumprem muito bem a tarefa de afastar os insetos da plantação.
Dona Maria e Seu Kito são pessoas politizadas por natureza, sabem do valor do seu
trabalho e da importância dele para a sociedade. No entanto, não entendem a falta de
valorização e apoio: “Com a conscientização que nós temos da feira, é preciso um investimento
na produção, na terra...”, alerta Kito.
Além de questionarem a falta de incentivo para a agricultura familiar agroecológica no
município de Quixeramobim, o casal reflete sobre os projetos que são entregues para pessoas
despreparadas e que por falta de acompanhamento técnico logo são abandonados, como bem
disse Seu Kito: “É dinheiro no
lixo”.
Atualmente, a batalha é
pela criação de uma rede de
agricultores agroecológicos no
Sertão Central. O casal e os
demais agricultores já estão se
reunindo e são apoiados pelo
CETRA, IAC, Mãos Unidas e
Sindicato dos Trabalhadores
Rurais de Quixeramobim.
Como diria Chico Buarque:
“Amanhã vai ser outro dia...” E
será!