O documento discute dez mitos comuns sobre a teologia arminiana. O autor argumenta que (1) o arminianismo clássico está dentro da tradição reformada; (2) o calvinismo e o arminianismo são sistemas teológicos incompatíveis; e (3) o arminianismo clássico afirma os pilares da ortodoxia cristã e não é herético.
3. ROGER E . Ol s o n
TEOLOGIA ARMINIANA
MITOS E REALIDADES
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4. Sumário
Prefácio.................................................................................................................................07
Introdução:Um panoramado arminianismo
MITO 1:..................................................................................................................................56
A TeologiaArminianaéoOpostodaTeologiaCalvinista/Reformada
JacóArmínio ea maioria de seus seguidores fiéisestão inseridos dentro do amplo
entendimento da tradição reformada; os pontos comuns entreo arminianismo e o
calvinismosãosignificantes.
MITO 2:.................................................................................................................................. 77
Uma MescladeCalvinismoeArminianismoéPossível
Apesardos pontoscomuns, o calvinismoeo arminianismosãosistemasdeteologia
cristãincompatíveis;nãohá um meio termoestávelentreelesnasquestõesdetermi
nantesparaambos.
MITO 3:...............................................................................................................................100
O Arminianismo NãoéUma Opção EvangélicaOrtodoxa
A teologia arminiana clássicaafirmaenfaticamente os pilaresda ortodoxia cristãe
promoveossímbolosdafécristã;não éariananem liberal.
MITO 4:........................ 124
O CernedoArminianismoéaCrençano Livre-arbítrio
O verdadeiroâmago da teologiaarminianaéocaráterjustoeamáveldeDeus;oprin
cípioessencialdoarminianismoéavontadeuniversaldeDeusparaasalvação.
MITO 5:.............................................................................................................................. 148
A TeologiaArminianaNegaaSoberaniadeDeus
O arminianismo clássicointerpretaasoberaniaeaprovidênciade Deus de maneira
diferentedocalvinismo,mas sem negá-lasdemaneiraalguma; Deusestánocontrole
detudosem controlartudo.
5. MITO 6:................................................................................................................................175
O Arminianismoéuma TeologiaCentradano Homem
Uma antropologiaotimistaécontráriaaoverdadeiroarminianismo,queéplenamente
centradoem Deus.A teologiaarminianaconfessaadepravaçãohumana, incluindoa
escravidãodavontade.
MITO 7:............................................................................................................................... 204
O ArminianismoNãoéUma TeologiadaGraça
O fundamento essencialdo pensamento do arminianismo clássicoéa graça preve-
niente.TodaasalvaçãoéabsolutaeinteiramentedagraçadeDeus.
MITO 8:............................................................................................................................... 232
O ArminianismoNão acreditana Predestinação '
APredestinaçãoéum conceitobíblico;oarminianismoclássicoainterpretademanei
radiferentedoscalvinistas,mas semnegá-la.ÉodecretosoberanodeDeusem eleger
crentesem JesusCristoeincluiapresciênciadeDeus dafédestescrentes.
MITO 9 :............................................................................................................................... 259
ATeologiaArminianaNegaaJustificaçãopelaGraçaSomenteAtravésda FéSomente
A teologiaarminianaclássicaéuma teologiareformada. Elaabraçaaimputaçãodivi
nadejustiçapelagraçade Deus pormeio da fésomente emantém adistinçãoentre
justificaçãoesantificação.
MITO 10:....................................................................................................................286
TodososArminianosAcreditamnaTeoriaGovernamental daExpiação
Nãoexisteuma doutrinaarminianadaexpiaçãodeCristo.Muitosarminianosaceitam
ateoriada substituiçãopenalde maneira enérgica, ao passo que outrospreferem a
teoriagovernamental.
CONCLUSÃO: ....................................................................................................................315
RegrasdeEngajamento entreCalvinistaseArminianosEvangélicos
ÍNDICE DE N O M E ..............................................................................................................321
ÍNDICE DE ASSUNTO 325
7. SEMPRE FUI ARMINIANO. Fui criadoem um larde um pregador pentecostal
eminha famíliaeradecididaeorgulhosamente arminiana. Não me recordo quando
ouvio termo pelaprimeiravez.Mas eleprimeiramentepenetrouem meu consciente
quando um lídercarismático bastante conhecido de origem armênia alcançou des
taque. Meus pais e algumas de minhas tiase tios (missionários, pastores e líderes
denomínacionais) fizeramadistinçãoentreArmênio e Arminiano}. Entretanto,épro
vávelqueeu tenhaouvidootermo mesmo antesdisso,uma vezque algunsdemeus
parentes eram membros fiéisdas Igrejas Cristãs Reformadas e meus pais e outros
parentes, na ausência dos meus tios, discutiam o calvinismo deles e o contrasta
vam com nosso arminianismo. Lembro de estar na sala de uma aula de teologia
na faculdade e o professor nos lembrar que éramos arminianos, ao qual um aluno
resmungou em voz alta:"Quem gostaria de serda Armênia?" Em uma aulanós le-
mos os livrosLife in the Son (Vidano Filho) eElect in the Son (Eleitosno Filho)do
teólogo arminiano Robert Shank (ambos da EditoraBethany House, 1989). Eu tive
dificuldadeem entendê-los, eacredito que isso se deu, em partes, porque a teolo
giado autor era da igrejade Cristo. Então adquirioutros livrosacerca da teologia
arminianana tentativadedescobrir"nossa" teologia. Um livrofoioFouudatious o f
Wesleyan Arminian Theology (Fundamentos da Teologia Arminiana Wesleyana) do
1 Em inglêsas palavras armênio e arminiano são muito parecidas, tendo apenas
uma vogaldediferençaentreelas,eporessemotivo muitosconfundem seussignificados.
(N.T.)
8. Teologia Arminiana | Mitos E Realidades
teólogonazareno MildredBangs-Wynkoop (Beacon HillPress,2000).Outro foio In
troduçãoáTeologiaCristãresumodeum volume doteólogonazarenoH.OrtonWiley
(Casa Nazarena de Publicações, 1990). Por fim, senti que havia adquirido uma boa
compreensão do assunto eo deixei de lado. Afinal de contas, todos ao meu redor
eram arminianos (querelessoubessem ou não) e não havia nenhuma necessidade
específicapara defenderestepontodevista.
As coisas mudaram quando eu me matriculei em um seminário evangélico
batista e comecei a ouvir o termo Arminiano sendo usado de maneira pejorativa.
Em meus estudosno seminário,minha própriateologiaeraequiparadaàheresiade
semipelagianismo. Agoraeuprecisavadescobriro queerasemipelagianismo.Um de
meus professoreserao ilustrecalvinistaevangélicoJames Montgomerry Boice, que
na época erao pastor da Décima IgrejaPresbiteriana de Filadélfia. Discutimos um
pouco sobrecalvinismoearminianismo, mas percebi que elejáestava decididoque
ateologiademinha igrejaeraherética.Boiceme encorajou aaprofundar no estudo
da questão e também a assinar a revistaEternity (Eternidade), que era a principal
alternativaevangélicaà revistaChristianity Today (CristianismoHoje) na década de
setenta.Eu eraum ávidoleitordasduaspublicações.Descobriuma ironiafascinante
nestas duas revistasevangélicas. Suas políticaseditoriaisextraoficiais, eram clara
mente orientadaspelateologiareformada, amaioriados teólogosque escreviapara
elasera calvinista.Mas, poroutrolado, elastambém incluíamvozes arminianas de
vez em quando etentavam serconciliadorasacerca das diferençasteológicasentre
osevangélicos. Eu me sentiaafirmado-e,dealguma forma, marginalizado.
Algum tempo depois, Clark Pinnock, um de meus mentores teológicos àdis
tância (posteriormente nós nos tornamos amigos), mudou de maneirabastante pú
blica da teologia calvinista para o arminianismo e fez dentro do meio evangélico
uma nova sériede discussões acaloradas no velho debate calvinismoversus armi-
nianismo. Na época eu almejava serum teólogoevangélicoeme deiconta que mi
nhas opçõesestavam, decertaforma, limitadaspormeu arminianismo.A reaçãodos
calvinistasevangélicosà mudança de mentalidade de Pinnock foirápidaeincisivae
aumentou àmedida que eleeditou doisvolumes de ensaios defendendo a teologia
do arminianismo clássico. Lios doisvolumes com grande interesse, sem encontrar
10
9. Prefácio
nestes ensaios ou em qualquer outro lugaruma exposição diretade um volume da
teologia do arminianismo clássico em todas as suas dimensões. Durante todas as
décadas de 1980 e 1990, ao passo que minha própriacarreiraevoluía, descobrique
meu mundo evangélico estava sendo afetado por aquilo que um amigo reformado
chamou de "vingança dos calvinistas''. Diversos autores evangélicos e publicações
começaram a atacarmuito causticamente a teologiaarminiana, ecom informações
incorretaseinterpretaçõeserrôneas.Ouvieliminha própriaformade evangelicalis-
mo serchamada de "humanista" e "mais católicado que protestante". Nós, minha
famíliaeigrejasempre nosconsideramos protestantes!
A ideiapara este livrofoidesenvolvida quando lia edição de Maio-Junho de
1992 de uma empolgante nova revistachamada Modern Reformatiort (Reforma Mo
derna).Elaeratotalmentededicadaàcríticado arminianismoapartirdaperspectiva
reformada. Nelaeu encontreio que considereiserem sériasrepresentaçõesequivo
cadas eosretratosmais mesquinhos de minha própriaherança teológica.
Aproximadamente nesta mesma época um aluno marcou uma reunião para
conversar comigo. Em meu escritórioeleanunciou da maneira mais sincera: "Pro
fessor Olson, sinto em lhe dizer, mas o senhor não é cristão". Isto aconteceu no
contextodeuma faculdadeevangélicadeartesliberaisquenãopossuíauma posição
confessional em relação ao arminianismo ou calvinismo. Na verdade, adenomina
ção que controlava a faculdade e seminário sempre havia incluídocalvinistase ar
minianos em seu meio. Pergunteiao aluno o porquê, e eleme respondeu: "Porque
o meu pastordizque arminianos não são cristãos”.O pastordeleeraum calvinista
bastante conhecido que mais tarde distanciou-se desta declaração. Eventos seme
lhantes dentro de meu próprio mundo evangélico deixaram claros para mim que
algoestavaem marcha; oque meu amigo reformadosarcasticamentechamou de"a
vingança dos calvinistas"estavalevandoauma difundidaimpressãoentreevangéli
cos que oarminianismo,no seumelhor,erauma classeinferiordeevangélicose,no
seupior,uma claraheresia.Decidinão esmorecersobapressão,mas levantaravoz
em prolde uma herançaevangélicaquase tãoantigaquanto o própriocalvinismoe
tãoparticipantedomovimento históricoevangélicoquanto ocalvinismo.Escrevium
artigoparaaChrístianity Today (CristianismoHoje)que recebeuo infeliztítulo"Não
11
10. Me Odeie Porque Sou Arminiano". Senti que o títuioretratavafalsamente o artigo
e a mim mesmo como excessivamente defensivos.Jamais pensei que os críticosdo
arminianismonosodiassem!Mas estavadescobrindoquealgunslíderesevangélicos
estavam cadavezmais interpretandomal o arminianismo clássico.Um rotulou-sea
simesmo como "arminiano em recuperação”,enquanto deixava seu próprio histó
ricode [movimento de] Santidade (Wesleyano) emudava para a teologiareformada
sob a influênciade um importante teólogocalvinista. Um dos autores que eu havia
lido com grande apreço na revistaEíernity (Eternidade) classificouos arminianos
como "minimamente cristãos" em um de seus livros na década de 90. Um pastor
em minha denominação batista começou a ensinar que o arminianismo estava "à
beiradaheresia"e"profundamenteequivocado". Um colegaque freqüentavaaigre
jadaquelepastorme perguntou se eu jáhavia, em algum momento, considerado a
possibilidadedequeomeu arminianismoeraaprovadehumanismolatenteem meu
raciocínio. Noteique muitos dos meus amigos arminianos estavam abandonando a
nomenclatura em favorde "calminiano" ou "moderadamente reformado" no intuito
deevitarconflitosesuspeitasque pudessem serobstáculosàssuascarreirasna do
cênciaena áreaeditorial.
Estelivronasceu deum ardentedesejode limparobom nome arminiano das
falsasacusações e denúncias de heresiaou heterodoxia. Muito do que é ditoacer
ca do arminianismo dentro dos círculosevangélicos, incluindocongregações locais
com fortesvozes calvinistas,ésimplesmente falso.Issovale apena serenfatizado.
Espero que estelivronão chegue aos leitorescomo excessivamente defensivo; pois
não desejoserdefensivo;muito menos agressivo.Quero esclareceraconfusãoacer
cadateologiaarminianaeresponderaosprincipaismitoseequívocosem relaçãoao
arminianismoqueestãodisseminadosno evangelicalismohoje.Creioque,aindaque
a maioria das pessoas que se intitulam arminianas sejam, de fato, semipelagianas
(queseráexplicadona introdução), talfatonão tornao arminianismoem semipela-
giano. (Oscalvinistasgostariamque ocalvinismofossedefinidoeentendidoapartir
dascrençasmalinformadasdealgunsleigosreformados?)Acreditoque devemosnos
voltarpara ahistóriapara corrigiras definiçõesenão permitirautilizaçãopopular
para redefiniros bons termos teológicos. Ireime voltarpara os principaisteólogos
Teologia Arminiana j Mitos E Realidades
12
11. Prefácio
arminianos do passado e presente para definiro verdadeiro arminianismo. Minha
esperançqeoração éque os leitoresabordem esteprojetocom uma mente abertae
quepossamguiarsuasopiniõesacercadoarminianismopelasprovas.Anseioqueaté
mesmo oscalvinistasmais conservadoresoponentesdateologiaarminianaestejam,
no mínimo, maispropensos areconsideraro que osverdadeirosarminianos acredi
tam àluzdasprovasreunidasaqui.
A Natureza Deste Livro
Algunscapítulosdestelivrorepetem algumas informaçõeseargumentos en
contradosnos capítulosanteriores,poisacreditoque nem todo leitorirálero livro
do inícioao fimde forma contínua. Se estarepetiçãoocasional irritaraqueles que
lerem o livrointeiro, a estes eu peço desculpas por antecedência. Meu objetivo é
fazerdestelivroomaisacessívelefácildelerpossível,apesardoassunto, àsvezes,
apresentar-se de forma muito complexa. Alguns críticoseruditospodem se sentir
repelidosporisto.Meu objetivo,entretanto,éalcançaro máximo deleitorespossí
vel,demaneira queolivronão éescrito,em primeirolugar,paraespecialistas(em
boraeuespereque estessebeneficiemegostem da leitura).Opteipropositalmente
por não seguir assuntos paralelos que se distanciem por demais das principais
discussões deste livro.Os leitores que esperam mais discussão de conhecimento
médio ou teísmo aberto (vercap. 8),por exemplo, ficarãoindubitavelmente desa
pontados, mas estelivrotem um propósitoprincipal:explicarateologiaarminiana
clássica como ela, de fato, é. E eu intencionalmente mantive o assunto relativa
mente sucintono intuitode torná-loacessívelaum públicomaior.
Este projeto foirealizado com a ajuda de meus amigos econhecidos. Quero
agradecer a meus muitos amigos calvinistaspor suas contribuiçõesatravésde dis
cussões pore-maileporconversas faceaface.Também agradeço aos meus amigos
arminianos por sua ajuda. Durante aúltima década eu participeide muitas discus
sões e debates enérgicos e,por vezes, acalorados com proponentes de ambos os
campos dentro do movimento teológico. Eles me indicaram boas fontes e me for
neceram seusinsights e opiniõeseruditas. Eu agradeço especialmente aWílliamG.
13
12. Teologia Arminiana | Mitos E Reaiídades
Witt, que graciosamente correspondeu-se comigo acerca de sua pesquisa de PhD.
na Universidade deNotre Dame; sua dissertaçãome foium recursoinestimável. Ele
éinocente de quaisquererrosque cometi. Também agradeço àadministração eaos
membros do conselho da Universidade Baylor, ao reitorPaul Powell eao pró-reitor
DavidGarlanddo SeminárioTeológicoGeorgeW Tfuett[SemináriodaBaylor]porme
proporcionaremverõessabáticoseuma licençadepesquisa.Além domais,agradeço
aKeithJohnson eaKyleSteinhauserporcriaremosíndicesdenome edeassunto.
Estelivroédedicado atrêsteólogosque faleceramenquanto eu pesquisavae
escreviaestelivro.Cadaum contribuiucom estaobradeuma maneirabastantesubs
tancialoferecendoinsights ecríticas.Elessãoosmeus colegasdeteologiaA.J.(Chip)
Conyers;meu primeiroprofessordeteologia,RonaldG.Krantz;emeu queridoamigo
ecolaboradorStanleyJ.Grenz. Elesfaleceram com alguns meses de diferençaeme
deixaramempobrecidos porsuasausências.Mas apresençadelesme enriqueceuem
vidaeaeleseumaisque reconhecidamente dedicoestetomo.
14
14. ESTE LIVRO É PARADOIS TIPOS DE PESSOAS: (1)aquelesque não conhecem
a teologiaarminiana, mas que gostariam de conhecê-la, e (2)aqueles que pensam
que sabem acerca do arminianismo, mas que, de fato,não sabem. Muitas pessoas
estãoincluídasnestasduascategorias.Todosestudantesdeteologia-leiga,pastoral
eprofissional-deveriamconheceracercadateologiaarminiana,poiselaexerceuma
tremenda influência na teologia de muitas denominações protestantes. Alguns de
vocês que estãodecidindoseirãoleresselivrosãoarminianos, mas não o sabem. O
termoarminiano não étãocomumente utilizadono séculoXXL
A recenteonda deinteresseno calvinismotem produzidobastanteconfusão
acerca do arminianismo; muitos mitos eequívocos orbitam o arminianismo, pois
tantoos seuscríticos (sobretudocristãosreformados) quanto muitos de seus de
fensoresoentendem mal. Em virtudeda onda deinteresseno calvinismoena teo
logiareformada, cristãosdeambos osladosdaquestãoquerem sabermaisacerca
da controvérsia entre aqueles que abraçam acrença na predestinação absoluta e
incondicionaleaquelesque não aabraçam. Os arminianosafirmam apredestina
ção de outra sorte;afirmam o livre-arbítrioeapredestinaçãocondicional.
Este livroanseiapreencher um hiatona literaturateológica.Até onde sei,não
existenenhum livroimpressoem inglêsque sejadedicadoexclusivamente paraexpli
caro arminianismo como um sistema de teologia.Alguns dos críticosmais severos
do arminianismo (que são numerosos entre os calvinistasevangélicos) com certeza
consideram este hiato como algo bom. Entretanto, após meu artigo "Não Me Odeie
15. Teologia Arminiana | Mitos E Realidades
PorqueSouArminiano"aparecernaChrístianity Today (CristianismoHoje)em 1999,re
cebiinúmerasmensagens pedindoinformaçõesacercado arminianismoeda teologia
arminiana1.Muitosinteressadosqueriamlerum livrointeiroacercado assunto.Infeliz- -
mentenãohánenhumpublicado,eaquelesqueexistemnasbibliotecassãogeralmente
antigosvolumesqueseaprofundammuitomaisno tema do queamédiado estudante
de teologiadeseja.Arminianos, ou os que suspeitam que sejam arminianos, querem
queestalacunasejapreenchida.Muitoscalvinistastambém queremsabermaissobreo
arminianismodiretamentedafonte.Claroqueestesleramcapítulosisoladosacercado
arminianismo em livrosdeteologiacalvinista(queéaúnicafontequemuitoscalvinis
tastêm sobreoassunto),mas que,prezandoajustiçaeaimparcialidade,gostariamde
leruma autodescriçãoarminianacompleta.Só temosaganharcom isso.Todoalunode
teologiadeveria,preferivelmente,lerlivrosescritospelosproponentesdasváriasteolo-
giasem vezdesimplesmentelersobretaisteologiasatravésdaslentesdeseuscríticos.
Um Breve Resumo Deste Livro
Primeiramente precisamos esclarecerum ponto importante. O arminianismo
não tem nenhuma relação com o país da Armênia. Muitas pessoas pronunciam a
palavraerroneamente como seelaestivessede alguma forma associadaàArmênia,
o país da Ásia Central.A confusão é compreensível em virtude da pura semelhan
ça acidental entre o termo teológico e a definição geográfica.Arminianos não são
pessoas que nasceram na Armênia. O arminianismo é oriundo do nome Jacó (ou
Tiago)Armínio (1560-1609).Armínio (cujonome de nascimentoeraJacob Harmensz
ou Jacob Harmenenszoon) foium teólogo holandês que não possuía ascendência
armênia.Armínio é simplesmente a forma latinizadade Harmensz; muitos eruditos
daquelaépocalatinizavamseusnomes, eosmembros dafamíliaHarmensz, com ad
miração, homenagearam o lídertribalgermânico que resistiuaos romanos quando
estesinvadiramaEuropa Central.
1 OLSON, RogerE."Don’tHateMe BecausePm An Arminian”,Chrístianity Today,
6desetembrode 1999, p. 87-94. O tituloinfelizfoidesignadoparaoartigopeloseditores
darevistaenão foiescolhaminha.
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16. introdução
Segundo, Jacó Armínio é lembrado nos anais da história da igreja como o
controverso pastoreteólogoholandês que escreveu inúmeras obras, acumulando
três grandes volumes, defendendo uma forma evangélica de sinergismo (crença
na cooperação divino-humana na salvação) contra o monergismo (crença de que
Deus éarealidadetotalmentedeterminante na salvação, que excluiaparticipação
humana). Armínio certamente não foio primeiro sinergistana históriado cristia
nismo; todos ospaisda igreja,gregos dos primeirosséculoscristãosemuitos dos
teólogos medievais católicos eram sinergistas de algum tipo. Além do mais, ao
passo que Armínio e seus primeiros seguidores, conhecidos como os "Remons-
trantes'',adoravam enfatizar, que muitosprotestantesantesdeleforam sinergistas
em certo sentido da palavra. (Como a maioria dos termos teológicos, sinergismo
tem múltiplas nuanças de significado, sendo que nem todas são positivas; aqui
elasimplesmente significaqualquer crença na responsabilidade humana e na ha
bilidade de livremente aceitarou rejeitara graça da salvação). Philip Melanchton
(1497-1560),o representantedeMartinho LuteronaReformaAlemã, erasinergista,
mas Lutero não era. Em virtude da influênciade Melanchton no luteranismo pós-
-Lutero,muitosluteranosem todaaEuropaadotaram uma perspectivasinergística
acercadasalvação, absíendo-se dapredestinaçãoincondicionaleafirmandoquea
graçaéresistível.A teologiaarminiana foi,em princípio,suprimida nas Províncias
Unidas (conhecidas atualmente como PaísesBaixos), mas foientendida posterior
mente e disseminada para a Inglaterra e às colônias americanas, principalmente
atravésda influênciadeJoãoWesleyedos Metodistas. Muitos dos primeirosbatis
tas(batistasgerais)eram arminianos, assim como muitoso são atualmente.Várias
denominações são dedicadas à teologia arminiana, mesmo onde a terminologia
não éutilizada.Dentre estasdenominações estão todos ospentecostais, restaura-
cionistas (Igrejasde Cristoeoutrasdenominações originadas nos avivamentos de
AlexanderCampbell), metodistas (etodasasramificaçõesdo metodismo, incluindo
ograndemovimento deSantidade)emuitos, senão todos,osbatistas.A influência
de Armínio e da teologia arminiana é profunda e ampla na teologia protestante.
Este livro não é intrinsecamente acerca de Armínio, mas sobre a teologia que é
oriundade sua obra teológicana Holanda.
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17. Teologia Arminiana | Mitos E Realidades
Porfim,o contextodestefivroéacontrovérsiaentreo calvinismoeoarminia
nismo. Enquanto ambos são formasdeprotestantismo(aindaquealgunscalvinistas
neguem que o arminianismo sejaautenticamente protestante), elespossuem abor
dagens bem diferentes em relação às doutrinas da salvação (soteriologia). Ambos
acreditam na salvação pela graça somente por meio da fésomente (sola gratiaet
fides)em oposiçãoàsalvaçãopelagraçapormeio da féeboas obras.Ambos negam
que qualquer parte da salvação possa estar embasada no mérito humano. Ambos
afirmamaúnicaesupremaautoridadedaEscritura(solascriptura)eo sacerdóciode
todos os santos. Armínio etodos os seus seguidores eram esão protestantesatéa
alma. Entretanto,osarminianossempre seopuseram àcrençanareprovaçãoincon
dicional -a seleção de algumas pessoas, por Deus, para passarem aeternidade no
inferno. Pelofatode seoporem aisso,elestambém seopõem àeleiçãoincondicio
nal-aseleçãode algumas pessoas dentreamassa de pecadores paraserem salvos
independentedequalquercoisaque Deus vejaneles.De acordocom osarminianos,
as duas coisasestão intrinsecamenteligadas;éimpossível afirmaraseleçãoincon
dicionalde algunspara a salvaçãosem, ao mesmo tempo, afirmaraseleção incon
dicionaldealgunsparaareprovação, pois,deacordo com acrençados arminianos,
impugna ocaráterde Deus.
A controvérsiaque eclodiusobreArmínioem suaépoca continuaatéo século
XXI,principalmenteentrecristãosprotestantesevangélicosem todoomundo.A tese
deste livroé que o arminianismo está em desvantagem nesta controvérsiaporque
eleraramente éentendido eécomumente mal representado, tantoporseuscríticos
quantoporseussupostosdefensores.
As deturpaçõesmuito difundidasacercado arminianismono contextodo con
tínuo debate evangélico sobre a predestinação e livre-arbítrioé uma caricatura. As
pessoas de bem envolvidas no debate devem buscar entender corretamente os dois
lados. Equívocos são o que mais comumente acontecem nos debates intensose,às
vezes, cáusticos acerca do arminianismo que acontecem na Internet, em pequenos
gruposeem publicaçõesevangélicas.O arminianismoétratadocomo um argumento
fraco e falho que é facilmente refutado e destruído pelo fatode não ser descrito de
formajusta. Estelivroconcentra-se nos mitos mais comuns que o circundam e nas
20
18. Introdução
verdades correspondentes da teologia arminiana. Os amantes da verdade desejarão
estarcorretamente informados sobre o arminianismo antes de se engajarem ou de
serempersuadidosporargumentospolêmicoscontraou afavordele.
Algumas Palavras Importantes Acerca das Palavras
A causa mais comum de confusão na teologiaéo entendimento equivocado
em relaçãoaos termos. O discursoteológicoestárepletodetalconfusão.Paraevitar
acrescentar ainda mais confusão, alguns esclarecimentos de terminologias se fa
zem necessários. Pelofatode algumas discussões de pontos devistaemovimentos
teológicos diferentesdo arminianismo serem inevitáveis, eporque a autodescrição
geralmente é preferidaem relação a descrições de adeptos de outras teologias, eu
deixareiclarocomo os termos teológicossão utilizadosao descrevertantoa teolo
gia arminiana quanto a não arminiana. Espero que os partidários destas teologias
encontrem seuspontos devistarepresentadosdemaneirajusta.
O Calvinismo é utilizadopara indicaras crenças soteriológicas compartilha
das entre pessoas que consideram João Calvino (1509-1564), de Genebra, o maior
organizadorefornecedordeverdadesbíblicasduranteaReformaProtestante.O cal
vinismo é a teologia que enfatiza a soberania absoluta de Deus como a realidade
totalmente determinante, principalmente no que dizrespeitoà salvação.A maioria
dos calvinistasclássicosou calvinistasrígidos2concorda que ossereshumanos são
totalmente depravados (incapazes de fazerqualquer coisaespiritualmente boa, in
cluindoo exercíciodeboavontadeparacom Deus), que são eleitos(predestinados)
incondicionalmente tanto para a salvação como para a condenação (embora mui
toscalvinistasrejeitemo "horríveldecreto" de Calvino da reprovação), que amorte
expiatóriade Cristona cruzfoidestinadaapenas paraos eleitos(algunscalvinistas
discordam), que agraça salvíficade Deus éirresistível(muitoscalvinistaspreferem
otermoeficaz),eque aspessoassalvasperseverarãoatéasalvaçãofinal(segurança
eterna).O calvinismoéosistemasoteriológicooriundodeCalvino,queégeralmente
2 O termo calvinistarígido,traduçãode hígh calvinism, aplica-seao calvinismosu-
pralapsariano(N.T.).
21
19. Teologia Arminiana | Mitos E Realidades
conhecido pelo acrósticoTULIP (Depravação total,Eleição incondicional, Expiação
limitada,Graça irresistível,Perseverança dos santos)3.Teologia reformada seráutili
zadaparadesignaralgomaisamplo que ocalvinismo,aindaqueasduassejamequi
valentes.A teologiareformada origina-se não unicamente de Calvino, mas também
de inúmeros de seus contemporâneos, incluindoUlricoZuínglio eMartin Bucer. Foi
ampliadaparaincluirmuitospensadores edenominações representadaspelaAlian
ça Mundial de IgrejasReformadas, sendo que nem todas são calvinistasno sentido
rígidoou clássico4.
Portodo estelivroo arminianismo seráutilizadocomo sinônimo da teologia
arminiana.Eladefinenão tantoum movimento, mas uma perspectivaacercadasal
vação (eoutrosassuntos teológicos)compartilhadapor pessoas que diferementre
siem outros assuntos. O arminianismo não possui sede; ele não está, sobretudo,
associado a nenhuma organização. Neste sentido eleé muito parecido com o cal
vinismo.Ambos são pontos devistateológicosou mesmo sistemasorigináriosdos
escritosde um pensador seminal. Não se tratade um movimento ou organização.
Quando o arminianismo forutilizado, elesignificaráaquela forma de teolo
giaprotestante que rejeitaa eleição incondicional (e,principalmente a reprovação
incondicional), expiação limitada e graça irresistível, pois ele afirma o caráter de
Deus como compassível, possuindo amor universal por todo o mundo e todos no
3 Deve semencionar que équestionávelseo próprioCalvinoensinou aexpiação
[imitada. Parauma declaração atuaido calvinismo, ver Edwin H. Palmer, The Five Points
of Calvinism. Grand Rapids: Baker, 1972. Claro,inúmeras outrase talvezdescrições mais
detalhadasacadêmicas do calvinismoestejamdisponíveis.Dentrealgunsimportantesau- ^
torescalvinistas evangélicos modernos que descrevem e defendem o calvinismo rigído
estãoAnthony Hoekema eR.C.Sproul. Paraum relatomais recenteepormenorizado do
calvinismorígidoedos cincopontosdo calvinismo,ver David Steele,CurtisThomas and
S.Lance Quinn, The Five Points of Calvinism, 2nd Ed.Phiiiipsburg,Penn.:Presbyterianand
Reformed, 2004.
4 Uma dasgrandesironiasdestecontextodedisputaentrecalvinistasearminianos
équeadenominaçãoholandesacontemporânea,conhecidacomo IrmandadeRemonstran-
te,que éoriundadaobrade Armínio eseusseguidores,émembro plenodaAliançaMun
dialde igrejasReformadas!Aspessoasque equiparamo cahrfrrrsrtrt?àteologia reformada
podem estarem terrenomovediço, àluzdaamplaextensãodopensamentoreformado no
mundo moderno.
22
20. Introdução
mundo econcedendo livre-arbítriorestaurado pela graça para aceitarou rejeitara
graça de Deus, o que conduz àsalvação eternaou destruiçãoeterna.O arminianis
mo sob consideração é o arminianismo de coração em oposição ao arminianismo
decabeça-uma diferençaintroduzidapeloteólogoreformadoAlanSellno livroThe
Great Debate: Calvinism, Arminianism and Salvation (O Grande Debate: Calvinismo,
Arminianismo e Salvação)5.O arminianismo de cabeça possuiuma ênfase no livre-
-arbítrio que está alicerçada no lluminismo e é mais comumente encontrado nos
círculos protestantes liberais (atémesmo entre pessoas reformadas liberalizadas)6.
Sua marca característicaéuma antropologiaotimistaque nega adepravação totale
a absoluta necessidade de graçasobrenaturalpara a salvação. É otimistaacercada
habilidadedesereshumanos autônomos em exerceremuma boavontade paracom
Deus eseussemelhantessem agraçapreveniente (capacitadora,auxiliadora)sobre
natural,ou seja,épelagianoou no mínimo semipelagiano.
O arminianismo de coração - objeto de estudo deste livro- é o arminianis
mo originaldeArmínio,Wesleyeseusherdeirosevangélicos.Arminianos decoração
enfaticamente não negam a depravação total(ainda que prefiramoutro termo para
indicar a incapacidade espiritualhumana) ou a absoluta necessidade de graça so
brenatural paraatémesmo o primeiroexercíciodeuma boavontadeparacom Deus.
Arminianosdecoraçãosãoosverdadeirosarminianos,poissãofiéisaosímpetosfun
damentais deArmínio eseus primeiros seguidores em oposição aos remonstrantes
posteriores(quesedistanciaramdosensinosdeArmínioentrandonateologialiberal)
earminianosmodernos decabeça,queglorificamarazãoealiberdadeem detrimen
todarevelaçãodivinaeda graçasobrenatural.
5 SELL, Alan P.F.The Great Debate: Calvinism, Arminianism, and Salvation. Grand
Rapids:Baker, 1983.
6 A teologialiberalé notoriamente difícilde serdefinida, mas aqui elasignifica
qualquer teologia que permita reconhecimento máximo das alegações de modernidade
dentrodateologiacristã,principalmenteaoafirmaruma visãopositivadacondiçãodahu
manidade eporuma tendência em negarou seriamenteenfraquecero sobrenaturalismo
tradicionaldopensamentocristão.Paraum relatodetalhadodateologialiberal,vercapitulo
doisem StanleyJ.Grenz and Roger E.Olson,20th-Century Theology. Downers Grove, 111.:
IntervarsityPress,1992.
23
21. Teologia Arminiana | Mitos E Realidades
Sinergismo emonergismo sãotermoscom muitasnuançasdesignificado.Am
bos são conceitos teológicos essenciais nesta discussão, mas ambos se aplicam a
esferasmais amplas do que o arminianismo eo calvinismo. Sinergismo é qualquer
crença teológica na livreparticipação humana na salvação. Suas formas heréticas
na teologia cristãsão pelagianismo esemipelagianismo. A primeira nega o pecado
originaleelevaashabilidadeshumanas moraise naturaisparavivervidasespiritu
almentecompletas.A últimaabraçauma versãomodificadado pecado original,mas
acreditaqueoshumanos têmahabilidade,mesmo em seuestadocaído,deiniciara
salvação ao exerceruma boa vontade para com Deus7.Quando teólogos conserva
doresdeclaram que o sinergismoéuma heresia, elesfrequentemente estãoserefe
rindoaestasduasformaspelagianasdesinergismo.Contrárioaoscríticosconfusos,
o arminianismo clássico não épelagiano e nem semipelagianoTMas é sinergístico.
O arminianismo é o sinergismo evangélico em oposição ao sinergismo herético e
humanista. O termosinergismo seráutilizadoem todoestelivroeo contextodeixa
ráclaroque tipode sinergismo ele quer dizer. Quando o sinergismo arminiano for
referido,estoume referindoao sinergismoevangélicoque afirmaapreveniênciada
graça para que todo humano exerçauma boa vontade para com Deus, incluindo a
simplesnão resistênciaàobrasalvadorade Cristo.
Monergismo também éum termo amploe,àsvezes,confuso.Seu sentidomais
amplo apontaparaDeus como arealidadetotalmentedeterminante,quesignificaque
todasascoisasnanaturezaehistóriaestãosobocontrolediretodeDeus. Não neces
sariamenteimplicaqueDeuscausatodasascoisasdiretamente,mas necessariamente
implicaquenadapodeacontecerquesejacontrárioàvontadedeDeusequeDeusestá
intimamente envolvido (aindaque trabalhando por meio de causas secundárias) em
tudo,entãotudonanaturezaehistóriarefleteavontadeprimáriadeDeus.Portanto,o
monergismo écomumente levadoasignificarquemesmo aQueda dahumanidade no
7 Todaahistóriadopelagianismoesemipelagianismoérecontadaem RebeccaHqr-
den Weaver,Divine Grace and Human Agency. Macon, Ga_:Mercer University Press, 1996.
AceitootratamentodeWeaverdestesconceitosporqueelaéheiàsfontesoriginaisecon
sistentecom amaioriadasoutrasfontescontemporâneasautoritativassobreahistóriaeo
desenvolvimentodestesmovimentos.
24
22. Introdução
jardimprimitivofoiplanejadaedirigidaporDeus8(sinergismode todasasvariedades
geralmenterejeitatalvisãoetraçaaQueda como um riscoque Deus sesubmeteu na
criação,queresultounousoimprópriodolivre-arbítriodahumanidade).O monergis
mo significaprincipalmentequeDeuséaúnicaagênciadeterminantenasalvação.Não
há cooperação entreDeus ea pessoa sendo salvaque jánão estejadeterminada por
Deus atuando napessoaatravésdagraçaregeneradora, porexemplo. O monergismo
émaior que o calvinismo,-Martinho Luterofoium monergista (aindaque de maneira
inconsistente).Agostinho também, em seus escritosposteriores.Alguns pensadores
católicosforam monergistas,embora ateologiacatólicatendaafavoreceruma forma
de sinergismo. Neste livroeu utilizomonergismo para descrever a vontade e poder
totalmentedeterminantesem exclusãodalivrecooperaçãoou resistênciahumana.
8 Confessadamente, alguns teólogos que reivindicam o termo monergista diferen
ciamaalegaçãodequeaQuedafoipreordenadaporDeus.O teólogocalvinistaR.C.Sproul
frisaistoem (entreoutroslivros)Chosen by God,Wheaton, III.;TyndaleHouse, 1988. Que
Sproulémonergista,poucosnegariam.De acordocom eleealgunsoutroscalvinistas,Deus
preordenou a Queda “no sentido de que eleescolheu permiti-la, mas não no sentido de
queeleescolheucoagi-la”(p.97).Muitoscalvinistas(senãoamaioria),entretanto,seguem
Calvinoaodizerque Deus preordenouaQueda em um sentido maiordo que meramente
permitindoou consentindo-a. (VerCaivin’sInstitutes oftheChristian Religion 3.23.8). Não
énecessárioquealguém digaque Deus coagiuaQueda paradizerque Deusapreordenou.
Como serávistoposteriormentenestelivro,muitoscalvinistasacreditamqueDeusdetermi
nouaQuedaeatornoucerta,mas nãoacausou.O grandeteólogocalvinistaestadunidense
CharlesHodge afirmouanaturezaeficazdetodososdecretosdeDeus (incluindoodecreto
de Deus de permitiraQueda) no primeirovolume de suaSystematic Theology, Grand Ra-
pids;Eerdmans, 1973.Alieleenfatizouque embora odecretoeternode Deus,depermitir
a Queda, não torneDeus o autordo mal,de fatoatornacerta.Os arminianos imaginam
como isso funciona; se Deus determinou a Queda, decretou-a e a tornou certa (mesmo
por“permissão eficaz”)como éque Deus não éoautordo pecado? Da Queda etodosos
eventosHodge escreveu: “Todososeventosadotadosno propósitode Deus sãoigualmen
tecertos,quer Eletenhadeterminado realizá-losporseu própriopoder ou simplesmente
permitiraocorrênciapormeio daagênciade suascriaturas...Algumas coisasEleobjetiva
fazer,outrasEledecretapermitir que sejam feitas”(p.541). Em qualquer caso, se Deus
preordenaaQueda em um sentidomaior do queapermissão (como em Calvino)ou pre-
ordenapermitiraQueda com permissãoeficaz,paraosmonergistasDeus planejaetorna
aQueda certa. O efeitopareceserque Adão eEvaforam predestinadosporDeus apecar
etodaahumanidadecom eles.Os arminianostemem queuma conseqüênciaadequadae
necessáriadestavisãoéqueDeussejaoautordo mal.
25
23. Teologia Arminiana | Mitos E Realidades
Diz-se frequentemente que o debate entre calvinismo e arminianismo é em-
basado na discórdiaacerca da predestinação e livre-arbítrio.Esteé o mito comum
e quase popularem relação a toda a questão. Em um nívelmais polêmico, alguns
dizem que o desentendimento émais em relação àgraça (calvinismo) eboas obras
(arminianismo).Os arminianosseofendem com isso!Elesafirmamagraçatãoenfa
ticamentequantoqualqueroutroramo docristianismo,emuitomaisdo quealguns.
Mas os arminianos também afirmam a predestinação, tanto quanto muitos calvi
nistasafirmam o livre-arbítrioem algum sentido. Em todo estelivrouma tentativa
será feitano sentido de corrigiralguns usos impróprios de conceitos e termos que
contaminam osdiálogosentrecalvinistasearminianos.Aspessoas que dizemque o
calvinismoensinaapredestinaçãoenegaolivre-arbítrioequeosarminianosnegam
apredestinaçãoeensinamo livre-arbítrioestãototalmenteequivocadas.Ambos en
sinam ambos! Elesosinterpretamdemaneira diferente.Os arminianosacreditamna
eleiçãoepredestinação-porqueaBíbliaasensina.Estassãoboasverdadesbíblicas
que não podem serdescartadas.E oscalvinistasgeralmenteensinam o livre-arbítrio
(emboraalgunssesintam menos confortáveiscom o termo do que outros).
O que os arminianos negam não é apredestinação, mas apredestinaçãoin
condicional; eles abraçam a predestinação condicional embasada na presciência de
Deus daqueles que livrementeresponderão de maneira positivaàgraciosaofertade
salvação de Deus e a capacitação preveniente para aceitá-la. Os calvinistas negam
que o livre-arbítrioenvolva a habilidade de uma pessoa de fazeralém daquilo que
ele ou ela, de fato, o fazem. Na medida em que utilizam o termo livre-arbítrio,os
calvinistasquerem dizero que os filósofoschamam de livre-arbítriocompatibilista
- livre-arbítrioque é compatível com o determinismo. Livre-arbítrioésimplesmente
fazeroquealguém querfazer,mesmo seaquiloestiverdeterminadoporalgumaforçâ^
internaou externaàvontadedapessoa. Claro,oscalvinistasnão acham que aexpli
caçãoarminiana da predestinação sejaadequada, eosarminianos não acham que a
explicaçãodoscalvinistasdo livre-arbítriosejaadequada. Mas ésimplesmenteerrado
dizerque qualquer um dos grupos nega qualquerum dos conceitos!Portanto, neste
livro, quando livre-arbítrioforutilizado, eleserá modificado ou para compatibilista
ou não compatibiiista (ouincompatibilista), dependendo do contexto. (Livre-arbítrio
24. Introdução
não compatibilistaéalivreagênciaque permiteàspessoas fazero contráriodo que
fazem; ela também pode serchamada de livre-arbítriolibertário.Por exemplo, uma
pessoa pode escolher livrementeentrepizzae macarrão para o jantar [presumindo
que ambos estejam disponíveis], Se a pessoa escolher macarrão, a escolha é livre
no sentido não compatibilista de que a pizza também poderia tersido escolhida.
Nada determinou aescolhado macarrão, excetoadecisãodapessoa.Osarminianos
acreditamque tallivre-arbítriolibertárioem assuntosespirituaiséum dom deDeus
por meio da graçapreveniente- graçaque precede ecapacitaos primeirosindícios
de uma boa vontade paracom Deus). Quando predestinação forutilizada,serámo
dificadaou para condicional (forma arminiana) ou incondicional (forma calvinista),
dependendo docontexto.
A História da Teologia Arminiana
Começarei ahistóriada teologiaarminianacom Armínioeseusprimeirosse
guidores, conhecidos como os remonstrantes, e continuarei com João Wesley e os
principais teólogos evangélicos metodistas do século xix, eentão examinarei uma
variedadedeprotestantesarminianos clássicosconservadoresdosséculosXX eXXI.
Primeiro, um lembrete e uma explicação. Peto fatode o arminianismo terse
tornado um termo de reprovação nos círculos teológicos evangélicos, muitos ar
minianos não utilizam esta nomenclatura. Certa vez informei a um preeminente
teólogo evangélico que a sua recente publicação de teologia sistemática era intei
ramente arminiana, ainda que elenão fizesse menção do termo. Sua resposta foi:
"Sim, mas não digaissoaninguém!”Vários (possivelmentemuitos) livrosteológicos
dos séculos XX eXXI são completamente compatíveis com o arminianismo clássi
co,ealgunsatémesmo sãoinstruídospelaprópriateologia deArmíniosem jamais
mencionar o arminianismo. Dois teólogos evangélicos metodistas muito influentes
negam de maneira muito veemente que são arminianos, ainda que historicamente
sejaamplamenteditoquetodososmetodistassãoarminianos!Porquê? Porqueeles
não querem serconsiderados, de alguma forma, menos do que totalmente bíblicos
eevangélicos.Alguns críticosconseguiram convencer alguns arminianos de que o
27
25. Teologia Arminiana j Mitos E Realidades
arminianismo é heterodoxo - menos do que totalmente ortodoxo ou bíblico. Eles
também, com sucesso, equipararam o arminianismo ao semipelagianismo (senão
totalmentepelagianismo) de modo que atémesmo muitosmetodistas, pentecostais
epertencentesaosmovimentos desantidadenão querem usaro rótulo.
A questãoéque,principalmentenametade do séculopassado, desdeaascen
sãodo evangelicalismopós-fundamentalista (cujateologiaéamplamente dominada
por calvinistas),os arminianos têm se esforçado para conseguirrespeitodentro do
meio teológicoeacadêmicoevangélicomais amplo, ealgunssimplesmente abriram
mão do termo. Não éincomum ouvirosarminianosdescreveremasimesmos como
"moderadamente reformados" no intuito de agradarem os influentes e poderosos
do movimento evangélico. Declarar-se arminiano é atrairpara siuma miríade de
perguntas (ou simplesmente uma suspeita reservada) quanto à heresia. Muitos lí
deres evangélicos desinformados simplesmente presumem que os arminianos não
acreditam na absoluta necessidade da graça sobrenatural para a salvação. Alguns
evangélicosdeclararam abertamente que seosarminianosevangélicosjánão estão
em heresia, elesestão caminhando para lá.Um apologista evangélico preeminente
declarou publicamente que os arminianos são cristãos, mas "minimamente". Um
teólogo evangélico influentesugeriuque aenganação satânicapode seracausa do
arminianismo. Portanto,aindaque algumas de minhas fontesnão utilizemo termo
de forma explícita,todaselassão,de fato,arminianas.
Arm ínio. A fonteprimária de toda a teologiaarminiana é o próprioJacóAr
mínio. Os trêsvolumes de sua coletânea, em inglês, têm sido editados quase que
ininterruptamentepormaisdeum século9.Elescontémdiscursoseventuais,comen
táriosecartas.Estesescritosnão são uma teologiasistemática, embora algunsdos
tratadosmais longos deArmínio abranjam uma grande porção de assuntos teológi
cos.Quasetodososseusescritosforamconcebidosnocalordacontrovérsia;elefre
9 ARMINIUS,James. The Works ofJames Armíníus. London Ed.,trad.James Nichols
and William Nichols,3 v.Grand Rapids: Baker, 1996. Estaediçãoda EditoraBakeréuma
republicação, com uma introdução de Carl Bangs, erudito em Armínio, da tradução de
Londres eedição publicada em 1825, 1828 e 1875. Todas as citações de Armínio neste
livrosãodestaediçãoeserãoindicadassimplesmente como Works (Obras) com volume e
numeração dapágina.
28
26. Introdução
quentemente estavasob ataque doscríticoselíderesdo estadoeigrejada Holanda,
que exigiamque eleseexplicasse.Seu famoso debatecom o colegacalvinistaFran
ciscoGomaro, na Universidade de Leiden, foia causa de muita desta controvérsia.
Armíniofoiacusadodetodosostiposdeheresia,mas asacusaçõesdeheresianunca
sesustentaram em nenhum inquéritooficial.Acusações ridículasde que eleeraum
agentesecretodo papa edosjesuítasespanhóis, eatémesmo do governo espanhol
(asProvínciasUnidashaviamrecentementeselibertadodadominação católicaespa
nhola),pairavamsobreele.Nenhuma dasacusaçõeseraverdadeira. Armíniofaleceu
no auge da controvérsiaem 1609, eseus seguidores, os remonstrantes, assumiram
acausa apartirde onde eleparou, tentandoampliarasnormas teológicasdaigreja-
-estadodas ProvínciasUnidasparapermitirosinergismoevangélico10.
Armínio não acreditava que estivesse acrescentando nada novo à teologia
cristã.Se ele,de fato,acrescentoualgo, édiscutível.Eleexplicitamenteapelou para
os primeiros pais da igreja, fezuso de métodos e conclusões teológicas medievais
e apontou para sinergistas protestantes que lhe antecederam. Seus seguidores
deixaram claro que Melanchton, um líderluteranoconservador, e outros luteranos
mantinham visões similares, se não idênticas. Embora ele não tenha mencionado
nominalmente o reformador católico Erasmo, ficaclaroque a teologia de Armínio
era semelhante à dele. Balthasar Hubmaier e Menno Simons, líderes anabatistas
do séculoXVI, também apresentaram teologiassinergísticasqueprenunciaram ade
Armínio.As obras teológicasmais importantesdeArmínio incluem sua "Declaração
de Sentimentos", "Exame do Panfleto do Dr. Perkins”,"Exame das Teses do Dr. F.
Gomaro Concernente àPredestinação”,"CartaEndereçada a HipólitoA.Collibus" e
'Artigosque Devem SerDiligentementeExaminados ePonderados”.
O relacionamentodeArmíniocom oarminianismodevesertratadocom ames
ma intensidade que o relacionamento de Calvino com o calvinismo. Nem todo cal
vinistaconcorda totalmente com tudo encontrado em Calvino, e os calvinistascom
10 A históriada vidaecarreirade Armínio, incluindoo debate com Gomaro, pode
serencontradaem CarlBangs,Arminius: A Study in the Dutch Reformation.Grand Rapids:
Zondervan, !985.A históriadoconflitoRemonstrantepõs-ArmínioatéosefeitosdoSinodo
de Dort(1619)érecontadaem A.W. Harrison, The Beginnings of Arminianism to the Synod
o/Dort. London: UniversityofLondon Press, 1926.
29
27. Teologia Arminiana | Mitos E Realidades
frequência debatem o significadode Calvino.Após amorte de Calvino, o calvinismo
foialargado e agora inclui,verdadeiramente, uma diversidade. Entre os seguidores
deCalvinonós encontramossupralapsarianoseinfralapsarianos(debatendoaordem
dos decretosdivinosem relaçãoàpredestinação), edivergênciasacercada expiação
edeoutrosassuntosimportantesrelacionadosàsalvação.Apesardisso,todosconsi
deram Calvinocomo suaorigemem comum elutam paraserfiéisaeleno espírito,se
não em cadadetalhe.Eleéaraizeelessãoosgalhos.
Os Remonstrantes. Após amorte precoce deArmínioem 1609, quando tinha
49anoseno auge dacarreira,aproximadamente45ministroseteólogosdas Provín
ciasUnidas formaram uma frenteque veioaserchamado "osRemonstrantes”.Eles
receberam estenome em virtude do títuloda exposição teológica apresentada por
eles, conhecida como a Remonstrância, que resumiu em poucos pontos essenciais
o queArmínioeelesacreditavamacercada salvação,incluindoaeleiçãoeapredes
tinação.Entreoslíderesdestemovimento estavaSimão Episcópio (1583-1643), que
setornouo conhecido líderdosArminianosantesedepoisque estesforamexilados
das ProvínciasUnidas, de 1619 a 1625.Episcópioéprovavelmente o autordos prin
cipaisdocumentos dos remonstrantes e,por fim,setomou o primeiro professorde
teologiado seminárioremonstrante fundado após receberem apermissão de retor
no do exílio(esteseminário, conhecidocomo o SeminárioRemonstrante, existeaté
hojena Holanda). Outro líderremonstrante importante foiHugo Grócio, estadistae
cientistapolíticomais influenteda Europa (1583-1645), que foipresopelo governo
holandês após o Sínodo de Dort, que condenou o arminianismo, mas escapou. Um
remonstranteposteriorchamado PhilipLimborch (1633-1712)levouo arminianismo
para mais perto do liberalismo, com o subsequente “arminianismo de cabeça". In
felizmente,muitos críticosdo arminianismo do séculoXVIIIconheciam unicamente
oarminianismo deLimborch, que eramaispróximo do semipelagianismodo queos
ensinosdo próprioArmínio.
O século XVIII. A partirda época de Limborch, muitos arminianos, em espe
cialaqueles na Igrejada Inglaterra e nas igrejascongregacionais, mesclaram o ar
minianismocom anovareligiãonatural do íluminismo; elessetornaram osprimei
rosliberaisdentrodo protestantismo. Na Nova Inglaterra,JohnTaylor (1694-1761) e
28. Introdução
CharlesChauncy (1705-1787), de Boston, representavam o arminianismo decabeça
que, com frequência e perigosamente, inclinava-se bem próximo ao pelagianismo,
universalismoeatémesmo arianismo (negaçãodaplenadeídadedeCristo).O gran
depregadorpuritanoeteólogocalvinistaJonathan Edwards (1703-1758) seopôs de
maneiraveementeaesteshomens econtribuiuparao costume doscalvinistasesta
dunidenses de equipararoarminianismoaestetipode teologialiberalizante. Indu
bitavelmente muitos arminianos estadunidenses eingleses (principalmentecongre-
gacionistasebatistas)seconverteramà teologialiberaleatémesmo ao unitarismo.
Se o arminianismo clássico foio responsável por isso, talcoisa é duvidosa; estas
pessoas abandonaram radicalmente Armínio e os primeiros remonstrantes, assim
como FriedrichSchleiermacher, o paida teologialiberalalemã, abandonou Calvino
sem jamais terestado sob a influência do arminianismo. Schleiermacher, reputado
por liberalizarateologiaprotestanteno continente europeu, permaneceu um calvi
nistadeuma ordem diferenteatéodiadesuamorte.ÉtãoinjustoacusarArmínioou
o arminianismo peladeserçãodosremonstrantes posterioresquantoacusarCalvino
ou o calvinismopeladeserçãode Schleiermacherdaortodoxia.
Uma claraprovade que nem todososarminianos setornaram liberaiséJoão
Wesley(1703-1791),queseintitulavaarminianoedefendeuoarminianismodasacu
sações de que elelevavaàheterodoxia ese não, àtotalheresia. Foivítimado tra
tamento dos calvinistasem relaçãoao arminianismo e sua resposta ao calvinismo
foigeralmente muito dura. Por sentirque a maioria dos críticos do arminianismo
possuíapouco conhecimento do tema, eleescreveuem 1778: "Que nenhum homem
esbraveje contra o arminianismo a menos que saiba o que ele significa1'11.Em “A
Pergunta: 'O que é um arminiano?’Respondida por Um Amante da Graça Livre",
Wesleyobservou que: "dizer'estehomem éum arminiano' tem o mesmo efeito,em
muitos ouvintes,que dizer'estehomem éum cão raivoso"12.Elecontinuou aexpor
osprincípiosbásicosdo arminianismo edesmentiuanoção popularque o arminia-
nlsmo eqüivaleaoarianismoou outrasheresias. Nesseeem outrosescritos,Wesley
11 WESLEY,John. The Works ofJohn Wesley. Ed.ThomasJackson, 14v.Grand Rap
ids:Baker, 1978.v.10,p.360.
12 Ibid.p.358.
l
31
29. Teologia Arminiana i Mitos E Realidades
defendeu o sinergismo evangélico ao enfatizar que a graça preveniente de Deus é
absolutamentenecessáriaparaasalvação. Wesleyéamaior fontedo arminianismo
de coração; elejamais seapartou da crença protestanteclássicae ortodoxa; a des
peito de rejeitaro calvinismo, ele afirmava apaixonada e seriamente ajustificação
pelagraça somente atravésda fésomente por causa daquilo que Cristorealizouna
cruz. Os calvinistascom frequência acusam Wesley de desertar do protestantismo
pelo fato dele salientar a santificação, mas mesmo isso, de acordo com Wesley, é
uma obra de Deus dentrodeuma pessoa queérecebidapelafésomente'3.
Após amortedeWesley,amaioriadosteólogosarminianospreeminentestor
naram-se seus seguidores.Todo o movimento metodista esuas ramificações (ex.o
multiformemovimento desantidade) adotaramaversãodeWesleydateologiaarmi
niana, quemal sediferenciavado próprioArmínio14.O primeiroteólogo sistemático
do metodismo foi,de fato,John Fletcher (1729- 1785),contemporâneo maisjovem
de Wesley, cujas obras escritas preenchem nove tomos. Ele produziu cuidadosa e
habilmente argumentos contra o calvinismo e a favor do arminianismo. Um dos
teólogosarminianos maisinfluentesdo séculoXIXfoiometodistabritânicoRichard
Watson (1781-1833), cujas Institutas Cristãs (1823) forneceram ao metodismo seu
13 O comprometimento de Wesley com a ortodoxiaprotestantehã muito tem sido
questãodedisputa;oscalvinistas,em especial(talvezapenaseles),têm,àsvezes,oacusa
do de ensinarasalvação pelasobras.Issoaconteceem virtudede uma leituraerrôneade
Wesley, cujossermões: “GraçaLivre”,“Operando Nossa PrópriaSalvação”.“Salvaçãopela
Pé”e“JustificaçãopelaPé”nãopodem tersidolidosporeles.Taissermõessãoencontrados
em vãriasediçõesdacoletâneadeWesley,talcomo The Works ofjohn Wesley, Ed.AlbertC.
Outler.Nashville:Abingdon, 1996.Os maisimportantespodem serencontradosem muitas
coleções de um volume, talcomo John Wesley: The Bestfrom Alt His Works, Ed. Stephen
Rost.Nashville:Thomas Nelson, 1989.
14 Deve serenfatizadoaquiqueGeorgeWhitefield,evangelistaamigo deWesley,foi
importantíssimo naliderançadeuma conexão (rede)metodistacalvinistano séculoXVIil;
elasobreviveu atéo séculoXX eainda pode teralgumas pouquíssimas pequenas igrejas
espalhadas na Grã-Bretanha eAmérica do Norte. No geral,entretanto, o metodismo está
marcadocom oarminianismodeWesley.Wesleyensinouapossibilidadedaplenasantifica
ção,quenão étípicadetodososarminianos,mas queéconsistentecom osensinamentos
(dopróprioArmínio, que interpretavaRomanos 7como refletindoaexperiênciadeguerra
entreacarneeoespíritoantesdaconversãodePaulo.
32
30. Introdução
primeirotextoautoritativode teologiasistemática.Watson citouArmínio livremente
e claramente considerava a simesmo e a todos os metodistas wesleyanos como
arminianos: Ele demonstrou cuidadosamente a deserção dos remonstrantes poste
riores,talcomo ade Limborch, da verdadeira herança arminiana. O arminianismo
deWatson forneceuma espéciedemodelo deexcelênciaparaosarminianosevangé
licosaindaque,em grandeparte,não sejaaplicávelaos diasdehoje.
O século XIX. Outrosmetodistasimportanteseteólogosarminianosdo sécu
loXIX incluem Thomas Summers (1812-1882) e William Burton Pope (1822-1903).
Summers produziu a Systematic Theoíogy: A Complete Body o f Weslean Arminian
Díviniiy (TeologiaSistemática:Um GuiaCompletodaTeologiaArminianaWesleyana),
que se tornouum compêndio padrão para osarminianos na últimapartedo século
XIX; elerepresentou nesta época o que Watson representou na primeirametade do
século. Como Watson, elemostra o abandono de Limborch eoutrosremonstrantes
posteriores de Armínio (edos primeiros remonstrantes) para o semipelagianismo
eà teologialiberal. Elesesentiaextremamente afrontado com teólogos calvinistas
evangélicosde sua época, que deturpavam o arminianismo como seelefosseheré
tico:"Que ignorância ou descaramento tem esteshomens que acusam Armínio de
pelagianismoou de qualquerinclinaçãoparatal"'5.Pope contribuiucom um sistema
de teologia de trêsvolumes, A Compendium o f Chrístian Theoíogy [Um Compêndio
daTeologiaCristã] (1874).Eleapresentauma descriçãodetalhadamenteprotestante
da teologiaarminianaque não deixadúvidasacercade seu compromisso com ate
ologiareformada, incluindoasalvaçãopelagraçasomente pormeio dafésomente.
Ele explora a natureza da graça preveniente mais plena e profundamente do que
qualqueroutroteólogoarminianoantesdeleou duranteoperíododesuavida.
Um dos teólogos arminianosmais controversos do séculoXIX foio sistema-
ticistametodistaJohn Miley (1813-1895), cujaSystematic Theoíogy (Teologia Siste
mática) levou B. B.Warfield, teólogo calvinistade Princeton, apublicarum extenso
ataque.Mileyapresentouuma tendêncialigeiramenteliberalizantena teologiaarmi
nianawesleyana, embora sejaextremamente branda secomparada aos arminianos
15 SUMMERS, ThomasO.Systematic Theoíogy: A Complete Body of Wesleyan Arminian
Divinity. Nashville:PublishíngHouse oftheMethodistEpiscopalChurch, 1888.v.2,p.34.
33
31. Teologia Arminiana | Mitos E Realidades
de cabeça que, com frequência, caíram impetuosamente no deísmo, unitarismo e
claramentena teologialiberal. Embora tenhaalteradoalgumasposiçõesarminianas
tradicionaisem uma direçãomaismoderna, Mileypermaneceu um arminiano evan
gélico. De algumas formas elerepresentauma ponte entreo arminianismo evangé
licoeortodoxo (Armínio,Wesley,Watson, PopeeSummers) easubsequente teologia
metodista liberalizadaconvencional no séculoXX (L.Harold DeWoif). Mas Mileyse
apegou fortemente à supremacia das Escrituras e sempre arguiu a partirda Bíblia,
ao reivindicarsuas posições teológicas. Eleafirmavao pecado original,incluindoa
"depravação natural" (incapacidadeem assuntosespirituais),aopasso que rejeitava
o "deméritonatural”(culpaherdada).Eledefendiaateoriagovernamental daexpia
ção,voltando para Hugo Grócio (nem todos os arminianos adotaram estavisão). E
Miley definia ajustificaçãosimplesmente como perdão, em vez de uma imputação
da obediência (retidão) passiva e ativade Deus. Algumas das críticasde Warfield a
Miley foram válidas, mas elas foram afirmadas de um modo extremo, de forma a
levantardúvidas acerca da própria generosidade de interpretação e tratamento de
seussemelhantescristãos.Muitoscalvinistasdo séculoXX conhecem pouco sobreo
arminianismo, excetuandoaquiloque leram deCharlesHodge eB. B.Warfield, teó
logoscalvinistasdoséculoXIX.Estesdoisteólogosforamcríticoscáusticos,quenão
conseguiam seconvenceraenxergarqualquercoisaboa no arminianismo. E eleso
acusaram de todaconseqüência má possívelque conseguiam verque o arminianis
mo possivelmentetivesse.
Antes de deixaro séculoXIXpara trásna narração da históriado arminianis
mo, éimportantíssimo pararediscutirbrevemente ateologiado avivalista,teólogo
e presidente de faculdade Charles Finney (1792-1875).A carreirade Finney é uma
das mais fascinantes em toda a história da igreja moderna. Ele foi um advogado
que se converteu ao cristianismoevangélicounicamente para setornaro avivalista
do então chamado Segundo Grande Despertamento^. Finney se tornou presidente
16 Istodepende muito de como definimos o Segundo Grande Despertamento. Uma
definiçãomais restritalimita-oao séculoXIX eovê como centradounicamente nos avíva-
mentos na Faculdade Yaleeao longo das fronteirasde Virgíniae Kentucky (ex.o famoso
AvivamentodeCaneRidgeem Kentucky,em 1801).Uma definiçãomaisamplaoestendeaté
osavivamentosdeFinneynaNovaInglaterraeem NovaYorknasdécadasde 1820e 1830.
34
32. Introdução
da Oberlin College (Faculdade Oberlin) em Ohio, em 1835, epublicouuma sériede
palestras influentes sobre avivamento e sobre teologia sistemática. Suas Lectures
on Systematic Theoíogy (PalestrasSobreTeologiaSistemática) foram primeiramente
publicadas em 1846 com ediçõesposteriormenteampliadas. Finneyrejeitavao cal
vinismo rígidoem favorde uma versãovulgarizada do arminianismo que estámais
próxima do semipelagianismo. Seu legadona religiãopopularestadunidense épro
fundo. Elenegava o pegado original, exceto como uma infelicidade que veiosobre
a maioria dos seres humanos e que épassado adiante por meio de maus exemplos
("tentaçãoagravada").Acreditava que toda pessoa possui habilidade e responsabi
lidade, independente de qualquer ajuda ou graça divina (graça preveniente) a não
sera iluminação e persuasão, para livremente aceitara graça perdoadora de Deus
atravésdo arrependimentoeobediênciaaogovernomoralreveladodeDeus. Elees
creveu: "Nãohá nenhum graude realizaçãomoral denossa parteque não possa ser
alcançada diretaou indiretamente pelavontade certa"e "O governo moral de Deus
em todososlugarespresume eimplicaaliberdadedavontadehumana, eahabilida
denaturaldos homens de obedeceraDeus"17.
Finneyvulgarizou a teologiaarminiana ao negar algo que Armínio, Wesley e
todososarminianos fiéisantesdelehaviam afirmado eprotegidocomo preciosoao
próprio evangelho -a inabilidademoral humana em assuntos espirituaisea abso
lutanecessidade de graçapreveniente sobrenatural para qualquer resposta correta
a Deus, incluindoasprimeirasinclinaçõesde uma boa vontade para com Deus. De
acordo com Finney, diferentemente do arminianismo clássico (mas semelhante ao
remonstrantismo posterior de Limborch), a única obra de Deus necessária para o
exercíciodeuma boavontadeparacom DeuseobediênciaàvontadedeDeuséo Es
píritoSantoiluminando arazãohumana, que estáenevoada porinteressespróprios
e em um estado de misériadevido ao egoísmo comum da humanidade: "O Espírito
pegaascoisasde Cristoeasrevelaàmente.A verdadeéempregada, ou éaverdade
que deve ser empregada como um instrumento ainduzira mudança de escolha"1®.
17 FINNEY, Charles.Systematic Theoíogy. Ed,J.H.Fairchild,abrev.Minneapolis: Be-
thanyFellowship, 1976,p.299,261.
18 lbid.p.224.
35
33. Teologia Arminiana | Mitos E Realidades
Armínio, Wesleyeo arminianismo clássico, em geral,afirmaram a depravação total
herdada como atotalincapacidadeindependente deum despertamento sobrenatu
ral,despertamentoestechamado degraçapreveniente.Mas Finneynegava aneces
sidade da graça preveniente. Para ele, razão, desenvolvida pelo Espírito Santo, faz
com que ocoração sevoltepara Deus. Elechamou adoutrinaarminianaclássicada
habilidadegraciosa(habilidadedeexerceruma boavontadeparacom Deusoutorga
dapelo EspíritoSanto atravésdagraçapreveniente)de um "absurdo"19.
Os calvinistas, infelizmente, tendem aolharpara Finneyou como modelo de
um verdadeiroarminiano ou como aestaçãofinalda trajetóriateológicaarminiana.
Ambas asvisõessãoerrôneas.Os arminianos clássicosadoram Finneyporsua pai
xãoavivalista,aopassoqueo abominam porsuamá teologia.O próprioFinneydisse
acerca de jonathan Edwards: "Edwards eu reverencio; seus erros eu abomino"20.
Um arminiano clássico evangélico pode dizer: "Finneyeu reverencio; seus erroseu
abomino"21.
O século XX. O séculoXX testemunhou o fim do sinergismo evangélicoentre
as principais denominações, incluindo o Metodismo, na medida em que caíram na
teologialiberal.O arminianismo implacavelmente não conduz ao liberalismo, eisso
estáprovado pelo crescimento das formas conservadoras do arminianismo entre os
Nazarenos(uma ramificaçãoevangélicadometodismo), pentecostais,batistas,Igrejas
de Cristo e outros grupos evangélicos. Todavia, muitos destes arminianos do sécu
loXX negligenciam ou mesmo rejeitamo rótulode arminiano poruma variedade de
razões, não sendo uma das menos importantes o sucesso dos calvinistasem pintar
o arminianismo com ascoresde Finneyedosarminianos decabeça, talcomo osre-
19 Ibid.p.278.
20 Ibid.p.269.
21 Indubitavelmente, alguns admiradores de Finney considerarão muito duro este
relatodesuateologiaenquantomuitoscríticosreformadosoconsiderarãomuitogeneroso.
O problemaéqueFinneynãoeratotalmenteconsistenteem suasexplicaçõesdepecadoe
salvação;em algumasocasiõeselependiamaisparaosemipelagianismoeem outrasocasi
õeselepareciamaisdispostoaafirmarainiciaçãodivinadasalvação.No geraleem geral,
entretanto,pensoqueorelatodeFinneyacercadopecadoesalvaçãoestámaispróximodo
semipelagianismodo quedoarminianismoclássico,pelasrazõesapresentadasaqui.
36
34. Inirodução
monstrantesposteriores. Um teólogodo séculoXX que manteveorótulofoiH.Orton
Wiley(1877-1961),líderdaIgrejadoNazareno,queproduziuaobraChristian Theoíogy
(TeologiaCristã)detrêsvolumes eum resumo deum volumeda doutrinacristã.O ar
minianismodeWileyéuma formaparticularmentepuradoarminianismoclássicocom
o acréscimo do perfeccionismo wesleyano (que nem todos os arminianos aceitam).
Todabondade, incluindoasprimeirasinclinaçõesdo coraçãoparacom Deus,éatribu
ídaunicamente àgraçade Deus. Como Watson, Summers, Pope eMiley,Wileyinsiste
em uma diferençaentresemipelagianismoeoverdadeiroarminianismo, edemonstra
a diferença em suas própriasafirmações doutrinárias.A teologiade Wileyse tornou
o modelo deexcelênciaparaaeducação teológicana Igrejado Nazarenoeem outras
denominações do [movimento] deSantidadeduranteoséculoXX.
Outro teólogoarminianodo séculoXX cujaobrademonstra poderosamente a
ortodoxia do arminianismo clássico é o metodista evangélico Thomas Oden. Oden
não aceitao rótulo de arminiano para siou sua teologia, pois prefereseu próprio
termo,paleo-ortodoxia. Eleapelaparao consenso dos primeirospaisdaigreja.Mas
omesmo fizeramArmínioeWesley!AobraThe TTansforming Power o f Grace (OPoder
Transformadorda Graça), de 1993,éuma pedrapreciosada soteriologiaarminiana;
elaé o primeirolivroque eu recomendo àquelesque buscam um relatosistemático
da verdadeira teologia arminiana. Infelizmente o Oden não a considera como tal!
Entretanto, o arminianismo clássicode Oden estámanifesto em seu endosso entu
siasmado da teologiadeArmíniocomo uma restauraçãodo consensodosprimeiros
cristãos(primitivos)acercadasalvação,conforme aafirmaçãoabaixo;
Se Deus, de maneira absoluta e pré-temporal, decreta que
certaspessoas sejam salvaseoutras condenadas, independente de
qualquer cooperação da liberdade humana, então Deus não pode,
em nenhum sentido,quererque todossejam salvos,conforme 1Ti
móteo 4.10declara.A promessa de glóriatem porcondiçãoa graça
sendorecebidapelaféativaem amor22.Oden também produziuuma
Teologia Sistemática maciça, de trêsvolumes, que reconstróio con
22 ODEN,ThomasC.The Transforming Power ofGrace. Nashville:Abingdon,1993.p.135.
37
35. Tsologia Arminiana j Mitos E Realidades
senso doutrinário cristão primitivo e é completamente consistente
com aprópriateologiadeArmínio. O débitode Oden aArmínio ea
Wesleyéinquestionável.
Outros teólogos arminianos do séculoXX (alguns dos quais não querem ser
chamados de arminianos) são os batistasDale Moody, StanleyGrenz, Clark Pinno
ck e H. Leroy Forlines; o teólogo da Igrejade CristoJackCotrelleos metodistas l.
Howard Marshall eJerryWalls. Considero issouma grande tragédiae absurdo, que
uma herançahistóricacomo ado arminianismosejarepetidamentenegadaporseus
adeptos em razãode necessidadepolítica. Não tenho dúvidas de que algunsadmi
nistradores de organizações evangélicas não especificamente comprometidos com
o calvinismo tendem a menosprezar o arminianismo e de enxergar os arminianos
como "teologicamente rasos" ecaminhando paraaheresia.Sob ainfluênciadeum
preeminente estadistacalvinistaevangélico, um presidentede faculdadeevangélica
de herança de [movimento] de santidade declarou-se um "arminiano em recupera
ção”!Uma influentepublicaçãocalvinistaevangélicanegou aexistênciadearminia
nos "evangélicos"echamou issode contradição. Sob estetipode calúniasseveras,
se não ignorantes, não é de se surpreender que o arminianismo não sejautilizado
mesmo porseusproponentesmaisapaixonados.Mas, apesardasadversidades,oar
minianismopermanece eateologiaarminianacontinuaaserfeitaem uma variedade
decírculosdenominacionais.
Uma Sinopse da Teologia Arminiana
Um dos mitos mais predominantes disseminado pelos calvinistasacerca do
arminianismoéqueeleéotipode teologiamaispopularnospúlpitosebancosevan
gélicos. Minha experiência contradiz esta opinião. Muito disso depende de como
entendemos a teologia arminiana. Os críticoscalvinistas estariam corretos caso o
arminianismo fosse semipelagianismo. Mas ele não o é,como espero demonstrar.
O evangelho pregado e asoteriologiaensinada atrásde muitos púlpitose tribunas
evangélicos e que é acreditada na maioria dos bancos evangélicos, não são o ar-
38
36. Introdução
minianismo clássico, mas o semipelagianismo, se não um completo pelagianismo.
Qual é a diferença? Wiley, teólogo da Igreja do Nazareno, corretamente define o
semipelagianismoao dizer:"Opelagianismodeclaravaque haviaforçaremanescen
tenavontade depravada o suficientepara iniciarou colocarem andamento o início
dasalvação,mas que não erasuficienteparalevá-laàconclusão. Issodeveserfeito
pelagraçadivina"23.Estaantigaheresiaéoriundados ensinamentos dosentãocha
mados Massilianos, liderados principalmente por João Cassiano (m. 433 d.C), que
tentou construiruma ponte entreo pelagianismo, que negava o pecado original, e
Agostinho, que defendiaaeleiçãoincondicional tendo por base o fatode que todos
os descendentes de Adão nascem espiritualmente mortos e culpados da culpa de
Adão. Cassianoacreditavaque aspessoaseram capazes deexerceruma boavonta
deparacom Deus mesmo independente dequalquerinfusãodegraçasobrenatural.
Tálcrença foicondenadapeloSegundo ConciliodeOrange em 529 (semendosso da
fortedoutrinade predestinaçãodeAgostinho).
O semipelagianismo se tornou a teologiapopular da IgrejaCatólicaRomana
nosséculosqueprecederam aReforma Protestante;mas foicompletamenterejeitado
portodososreformadores,excetoosentãochamadosracionalistasou antitrinitários,
talcomo FaustoSocino. Algunscalvinistasadotaramapráticadechamardesemipe-
lagianatoda teologiaque não atendesse àsexigênciasdo calvinismorígido (TÜLIP).
Talnoção,entretanto,éincorreta.Atualmenteosemipelagianismoéateologiapadrão
damaioriadoscristãosevangélicosestadunidenses24.Istoéreveladonapopularidade
dosclichês,taiscomo: "Dêum passoparaDeus eledarádoisparavocê"e"Deusvota
em você, Satanás vota contra você evocê tem o voto de minerva", aliadosà quase
totalnegligênciadadepravaçãomoraleincapacidadesem questõesespirituais.
O arminianismo é,no cristianismo evangélicopopular, quase que totalmente
desconhecidoemuitomenos crido.Uma dasfinalidadesdestelivroéadesuperareste
déficit.Um mitopredominantesobreo arminianismoéo de queateologiaarminiana
equipara-seao semipelagianismo. Istoserádesmentido no processo de refutaçãode
23 WILEY,H.Orton.Christian Theoíogy.KansasCity,Mo.;BeaconHill,1941.v.2,p.103
24 Não possodizeromesmo doscristãosevangélicosem outrospaíses,poisnãosei
osuficienteacercadelesparafazertalalegação.
37. Teologia Arminiana | Mitos E Realidades
váriosoutros mitos que tratam da condição humana e da salvação.Apresentaremos
aquiapenasum prelúdiodo pontodevistaarminianoqueseráexpostomaisadiante.
Primeiro, é importante compreender que o arminianismo não detém uma
doutrina ou ponto de vistacaracterísticosobre tudo no cristianismo. Não há ne
nhuma doutrinaarminiana especialdasEscrituras.Os arminianos decoração-ar
minianosevangélicos-acreditamnas Escriturasetem amesma gama deopiniões
sobre os detalhes bíblicos, assim como os calvinistas. Alguns arminianos acre
ditam na inerrância bíblica, outros não. Todos os arminianos evangélicos estão
comprometidoscom aautoridadeeainspiraçãosobrenaturaldaBíbliasobretodos
os assuntos de féeprática.De mesmo modo que também não há uma eclesiologia
ou escatologiaarminianacaracterística;osarminianosexprimem o mesmo escopo
de interpretações que os outros cristãos. Um mito popular promovido por alguns
calvinistas éo de que todos os teólogos arminianos são adeptos da teoriagover
namentaldaexpiação eque rejeitamateoriada substituiçãopenal.Talafirmaçãoé
simplesmente falsa.Os arminianosacreditam naTrindade,na divindadeehumani
dade deJesusCristo,na depravação da humanidade em virtudeda queda primeva,
na salvaçãopelagraçasomente atravésda fésomente, eem todasas outrascren
çasprotestantesimprescindíveis.A retidãocomo justiçaimputadaéafirmadapelos
arminianos clássicosseguindo o próprioArmínio. As doutrinas característicasdo
arminianismo têm aver com a soberania de Deus sobre ahistóriaea salvação; a
providência e apredestinação são as duas doutrinas essenciais onde os arminia
nos discordam dos calvinistasclássicos.
Não há melhor ponto de partidapara examinar asquestões da providência e
predestinação que a própriaRemonstrância. Elaéo documento de origem do armi
nianismoclássico(alémdosescritosdeArmínio).A Remonstrânciafoipreparadapor
aproximadamente 43 (onúmero exato é debatido) pastores e teólogos reformados
holandeses após a morte de Armínio, em 1609. O documento foiapresentado em
1610parauma conferênciadelíderesdaigrejaedo estadoem Gouda, Holanda, para
explicara doutrina arminiana. Seu foco principal está nas questões da salvação e,
em especial,napredestinação.Existemváriasversõesda Remonstrância (daqualos
remonstrantes receberam oseu nome). Faremos uso de uma tradução paraoinglês
40
38. Introdução
feitaa partirdo originalem iatimapresentada de forma um tantocondensada pelo
especialistainglêsem arminianismoA.W Harrison:
1.Que Deus, por um decreto eterno e imutável em Cristoantes que o mun
do existisse, determinou eleger, dentre araçacaída epecadora, para avida eterna,
aquelesque, atravésde Sua graça, creem em JesusCristoeperseveram na féeobe
diência;eque,opostamente, resolveurejeitaros inconversoseos descrentesparaa
condenação eterna (Jo3.36).
2.Que, em decorrênciadisto,Cristo,o Salvadordo mundo, morreu portodos
ecadaum dos homens, de modo que Eleobteve, pela morte na cruz,reconciliação
e perdão pelo pecado para todos os homens; de talmaneira, porém, que ninguém
senão osfiéis,defato,desfrutamdestasbênçãos 0o 3-16; 1Jo2.2).
3.Que o homem não podia obtera fésalvificade simesmo ou pela forçade
seu própriolivre-arbítrio,mas seencontravadestituídodagraçade Deus, atravésde
Cristo,paraserrenovadono pensamento enavontade (Jo15.5).
4.Que estagraçafoiacausado início,desenvolvimentoeconclusãodasalva
ção do homem; de forma que ninguém poderiacrernem perseverarna fésem esta
graça cooperante, e consequentemente todas as boas obras devem ser atribuídas
à graça de Deus em Cristo.Todavia, quanto ao modus operandi desta graça, não é
irresistível(At7.51).
5.Que osverdadeiroscristãostinhamforçasuficiente,atravésdagraçadivina,
paraenfrentar Satanás, o pecado, o mundo, sua própriacarne, ea todosvencê-los;
mas quesepornegligênciaelespudessemseapostatardaverdadeirafé,perderafeli
cidadedeuma boaconsciênciaedeixardeteressagraça,talassuntodeveriasermais
profundamenteinvestigadode acordocom asSagradasEscrituras25.
Observe que os remonstrantes, assim como Armínio antes deles,não seposi
cionaramem relaçãoàquestãodasegurançaeternadossantos.Ou seja,elesdeixaram
em abertoaquestãoseuma pessoaverdadeiramentesalvapoderiaou nãocairdagra
ça.Elestambém nãoseguiramopadrãodaTULIP Emboraaformadeexpressaracren
çacalvinistapeloacrósticodecincopontostenhasidodesenvolvidaposteriormente,a
25 TheRemonstrance, inHARRISON, Beginnings ofArminianism. p. 150-51.
41
39. Teologia Arminiana | Mitos E Realidades
negação dos trêspontos do centro [doacróstico] ébastanteclarana Remonstrância.
No entanto, contrariando a ideiapopular sobre o arminianismo (sobretudo entre os
calvinistas), nem Armínio e nem os remonstrantes negaram adepravação total;mas
afirmaram-na.ClaroqueaRemonstrâncianãoéuma declaraçãocompletadadoutrina
arminiana, mas elaaborda bem o seu cerne.Além do que eladiz,há um campo de
interpretaçãoonde osarminianos, àsvezes,discordam entresi.Entretanto,existeum
consenso arminianogeral,eéissoo que estasinopseiráexplicar,recorrendoampla
mente ao teólogonazarenoWiley, que recorreuamplamente aArmínio,Wesleyeaos
principaisteólogosmetodistasdo séculoXIXmencionadosanteriormente.
O arminianismo ensina que todosos sereshumanos nascem moral eespiri
tualmente depravadose incapazes de fazerqualquer coisaboa ou digna aos olhos
de Deus, sem uma infusãoespecial da graça divinapara superar asinclinaçõesdo
pecado original. "Todos os homens não apenas nascem debaixo da penalidade da
morte como conseqüênciadopecado, como também nascem com uma naturezade
pravada, que em contrastecom o aspectolegalda pena écomumente denominado
depecadoinatoou depravaçãoherdada'’26.Em geral,oarminianismoclássicocon
corda com aortodoxiaprotestanteque aunião da raçahumana no pecado fazcom
que todos nasçam "filhosde ira".Todavia, osarminianosacreditam que amorte de
Cristo na cruz fornece uma solução universal para a culpa do pecado herdado, de
maneira que elenão é imputado aos infantespor causa de Cristo. É assim que os
arminianos, em concordância com os anabatistas, taiscomo os menonitas, inter
pretam aspassagensuniversalistasdo Novo Testamento, talcomo Romanos 5,que
afirmaque todosestãoincluídosdebaixo do pecado assimcomo todosestãoinclu
ídosna redenção atravésde Cristo. Estatambém é a interpretaçãoarminiana de 1
Tm 4.10, que indica duas salvações por intermédio de Cristo: uma universal para
todasaspessoaseuma especialmenteparatodososquecreem.A crençaarminiana
na redenção geral não é salvação universal; mas a redenção universal do pecado
adâmico. Na teologiaarminiana, portanto, todas as criançasque morrem antes de
alcançarem a idade do despertamento da consciência e de pecarem efetivamente
26 WÍLEY,H.Orton.Christian Theoíogy. KansasCity,Mo.:BeaconHill,1941,v.2,p.98.
42
40. Introdução
(em oposição ao pecado inato) são consideradas inocentes por Deus e levadas ao
paraíso.Dentreasqueefetivamentepecam, somente asquesearrependem ecreem
têm Cristocomo Salvador.
O arminianismo considera o pecado original,em primeiro lugar,como uma
depravação moral oriunda da privação da imagem de Deus; é a perda do poder
de evitaro pecado efetivo. "Adepravação é totalna medida em que afetatodo o
ser do homem."27Isso quer dizerque todas as pessoas nascem com inclinações
alienadas, intelectoobscurecido evontade corrompida28.Há tanto uma cura uni
versalquanto uma solução mais específicapara estacondição; amorte expiatória
de Cristo na cruz removeu a penalidade do pecado original e liberou um novo
impulso na humanidade que começa a reverter a depravação com a qual todos
vem ao mundo. Cristo é o novo Adão (Rm 5) que é o novo líderda raça; elenão
veio unicamente para salvaralguns, mas para fornecerum recomeço para todos.
Uma medida de graça preveniente se estende por meio de Cristo a toda pessoa
que nasce (Jo 1).
Deste modo, a verdadeira posição arminiana admite a plena
penalidadedopecado, econsequentementenão minimizaaexcessi
va pecaminosidade do pecado enem menospreza aobra expiatória
denosso SenhorJesusCristo.Ela,todavia,aadmite,não ao negara
plena força da penalidade, como fazem os semipelagianos, mas ao
magnificarasuficiênciadaexpiaçãoeaconseqüentetransmissãoda
graçapreveniente a todosos homens por intermédioda autoridade
do últimoAdão29.
A autoridadede Cristotem amesma extensão que a deAdão, mas aspessoas
devem aceitar(aonãoresistir)estagraçadeCristono intuitodesebeneficiaremplena
mente dela.
27 Ibid.p.128.
28 Ibid.p.129.Nestacrença, WileyseguiuJohnFletcher.
29 Ibid.p.132-3.
43
41. Teologia Arminiana | Mitos E Realidades
O homem é condenado unicamente por suas próprias trans
gressões. O dom gratuitoremoveu a condenação originaleabunda
para muitas ofensas. O homem setorna responsável peladeprava
ção de seu próprio coração somente quando rejeitaa solução para
ela, e conscientemente ratifica-a como sua própria, com todas as
suasconseqüênciaspenais30.
A depravação herdada inclui a escravidão da vontade ao pecado, que só é
superada pelagraçaprevenientesobrenatural. Estagraça começa a atuarem todos
por intermédio do sacrifício de Cristo (eo Espírito Santo enviado ao mundo por
Cristo),mas que ganha poder especialatravésda pregação do evangelho. Wiley,se
guindo Pope eoutrosteólogosarminianos, chama a condiçãohumana -em virtude
dopecadoherdado-de"impotênciaparaobem", erejeitaqualquerpossibilidadede
bondade espiritualindependentedagraçaespecialprovenientedeCristo.
PorqueDeuséamor (Jo3.16; 1Jo4.8),enãoquerqueninguémpereça,mas que
todos cheguem ao arrependimento (1Tm 2.4;2 Pe3.9),amorte expiatóriade Cristo
é universal; alguns de seus benefíciossão automaticamente estendidos a todos (ex.
a libertaçãoda condenação do pecado adâmico) e todos os seusbenefíciossão para
todosqueosaceitem (ex.operdãodospecadosefetivoseaimputaçãoderetidão).
A expiação éuniversal.Istonão quer dizerque todaahuma
nidadeserásalvaincondicionalmente,mas queaofertasacrificialde
Cristo,atécertaextensão,atendeuàsreivindicaçõesda leidivina,de
modo a tornara salvação possível a todos.A redenção, portanto, é
universalou geralno sentidoprovisional,mas especialou condicio
nalem suaaplicaçãoao indivíduo31.
Só serãosalvos,entretanto,osqueforempredestinadosporDeusparaasalvação
eterna.Estessãooseleitos.Quem estáincluídonoseleitos?TodososqueDeusanteviuque
30 Ibid.p.135.
31 Ibid.p.295.
44
42. Introdução
aceitarãosuaofertadesalvaçãoporintermédiodeCristoaonãoresistiremàgraçaquelhes
foiestendidamedianteacruzeoevangelho.Destemodo,apredestinaçãoécondicionalem
vezdeincondicional;apresciênciaeletivadeDeusécausadapelafédoseleitos.
Em oposição a isto [o esquema calvinista], o arminianismo
sustentaqueapredestinaçãoéo propósitograciosodeDeus desal
vartodaahumanidade daruínacompleta. Não éum atoarbitrárioe
indiscriminadode Deus quevisagarantirasalvaçãoacertonúmero
de pessoas ea ninguém mais. Incluiprovisionalmente todos osho
mens eestácondicionadasomente pelaféem Cristo32.
O EspíritoSanto opera nos corações e mentes de todas as pessoas atécerto
ponto, dá-lhesalguma consciênciadas expectativaseprovisãode Deus, easchama
aoarrependimentoeàfé.Destemodo, "aPalavradeDeus é,em certosentido,prega
da universalmente, mesmo quando não registradaem uma linguagem escrita". "Os
queouvem aproclamaçãoeaceitamochamado sãoconhecidosnasEscriturascomo
oseleitos."33Os réprobossãoos queresistemaochamado deDeus.
A graça preveniente é uma doutrina arminiana essencial, que os calvinistas
também acreditam, mas osarminianosinterpretam-nadiferentemente.A graçapre
veniente é simplesmente a graça de Deus convincente, convidativa, iluminadora e
capacitadora, que antecede a conversão e torna o arrependimento e afépossíveis.
Os calvinistasinterpretam-nacomo irresistíveleeficaz;apessoa na qualestagraça
opera iráse arrepender e crer para salvação. Os arminianos interpretam-na como
resistível; as pessoas sempre são capazes de resistirà graça de Deus, conforme a
Escrituranosadverte (At7.51).Mas sem agraçaprevenienteeiasinevitáveleimpla
cavelmente resistirãoàvontade de Deus em virtudede sua escravidãoao pecado.
A graçapreveniente,conformeotermoimplica,éaquelagraça
que "antecede" ou prepara a alma para a entradano estado inicial
32 Ibid.p.337.
33 Ibid.pp.341,343.
45
43. Teologia Arminiana | Mitos E Realidades
de salvação. É a graça preparatória do Espírito Santo exercida no
homem abandonado em pecado. No que dizrespeitoàculpa, pode
ser considerada misericórdia; em relação à impotência, é o poder
capacitador. Pode ser definida, portanto, como a manifestação da
influênciadivinaque precedeavidaregeneradaplena34.
Então, em certo sentido, os arminianos, como os calvinistas, creem que a
regeneração precede a conversão; o arrependimento e a fésão somente possíveis
em razãodo EspíritodeDeus exercerdomínio sobreavelhanatureza.A pessoaque
recebeaplena intensidadeda graçapreveniente (ex.atravésda pregaçãoda Palavra
eachamada internacorrespondente de Deus) não mais estámortaem delitosepe
cados. Entretanto, talpessoa aindanão estáplenamente regenerada. A ponte entre
a regeneração parcial pela graça preveniente e a plena regeneração pelo Espírito
Santo éa conversão, que incluiarrependimento e fé.Estes são possibilitadospela
graçadivina,mas são livresrespostas da partedo indivíduo. "O Espíritooperacom
o concurso humano e por meio dele. "As Escrituras representam o Espírito como
operando [naconversão] mediante eem cooperaçãocom o homem. A graçadivina,
todavia,sempre recebeaprimazia"35.
A ênfasena antecedência eprimazia da graça forma o ponto pacíficoentreo
arminianismoeo calvinismo.É istoquetornaosinergismoarminiano"evangélico."
Os arminianos levam extremamente a sérioa ênfase neotestamentária na salvação
como um dom dagraçaquenão pode sermerecido (Ef2.8).Entretanto,asteologias
arminianas e calvinistas - como todos os sinergismos e monergismos - divergem
acerca do papel que os humanos desempenham na salvação. Conforme Wiley ob
serva, a graça preveniente não interfere na liberdade da vontade. Ela não verga a
vontade ou torna certaaresposta da vontade. Apenas capacitaavontade a fazera
escolha livrequer sejapara cooperar quer sejapara resistiràgraça.A cooperação
não contribuiparaasalvação, como se Deus fizesseuma parteeos humanos aou
tra.Antes, a cooperação com a graça na teologiaarminiana é simplesmente a não
34 Ibid.p.346.
35 Ibid.p.355.
46
44. Introdução
resistênciaàgraça. É simplesmente adecisãodepermitirque agraçafaçasua obra
ao renunciara todasas tentativasde autojustificaçãoeautopurificaçãoeadmitindo
quesomente Cristopodesalvar.Todavia, Deus não toma estadecisãopeloindivíduo;
éuma decisãoque osindivíduos, sob o impulso da graçapreveniente, devem tomar
porsimesmos.
O arminianismo defende que asalvaçãoéinteiramenteda graça-todo movi
mento da alma em direçãoaDeus éiniciadopelagraçadivina- mas osarminianos
também reconhecem que a cooperação da vontade humana é indispensável, pois,
em últimainstância,o agentelivredecideseagraçapropostaéaceitaou rejeitada36.
O arminianismo clássico ensina que a predestinação é simplesmente a de
terminação (decreto) de Deus para salvar por intermédio de Cristo todos os que
livremente respondem à oferta divina da graça livreao se arrependerem do peca
do e crerem (confiarem) em Cristo. A predestinação inclui a presciência de Deus
daqueles que assim o farão. Ela não incluiuma seleção de certas pessoas para a
salvação, muito menos paraacondenação. Muitos arminianosfazem uma distinção
entreeleiçãoepredestinação.A eleiçãoécorporativa- Deus determinou que Cristo
fosseoSalvadordo grupo de pessoas que searrepende ecrê (Ef1);apredestinação
éindividual- apresciênciade Deus dos que searrependerão ecrerâo (Rm 8.29).O
arminianismoclássicotambém ensinaqueaspessoasque respondempositivamente
à graça de Deus ao não resistira ela (que envolve arrependimento e confiança em
Cristo)sãonascidasde novo peloEspíritodeDeus (queéaregeneraçãoplena),per
doadas de todos os seus pecados e consideradas por Deus como retasem virtude
da morte expiatóriade Cristopor elas.Nada distoestáfundamentado em qualquer
mérito humano; é uma dádiva perfeita, não imposta, mas livremente recebida. "O
únicofundamento dajustificação...éaobrapropiciatóriadeCristorecebidapelafé"
e"o único atodejustificação,quandovistonegativamente, éoperdão dos pecados;
quandovistopositivamente, éaaceitaçãodo crentecomo justo[porDeus]"37.A úni
cadiferençasubstancialentreo arminianismo clássicoeo calvinismonestadoutri
na, então, éo papel do indivíduoem receber a.graçada regeneração ejustificação.
36 Ibid.p.356.
37 Ibid.p.395,393.
47
45. Teologia Arminiana | Mitos E Realidades
Conforme Wileyafirma,asalvação "éum trabalhorealizadonas almas dos homens
pela operação eficazdo EspíritoSanto. O Espírito Santo exerce seu poder regene-
radorapenas em determinadas condições, ou seja,sob as condições de arrependi
mento e íé"ia. Portanto, asalvação é condicional e não incondicional; os humanos
desempenham um papel enão sãopassivos ou controladosporalguma força,quer
sejainternaou externa.
É neste ponto que muitos críticos monergistas do arminianismo colocam o
dedo em risteedeclaram que a teologiaarminiana éum sistemade salvaçãopelas
obras, ou, no mínimo, algo inferiorà fortedoutrina pauíina da salvação como um
dom gratuito.Seo dom deveserlivrementeaceito,elesasseveram,entãoeleémere
cido.Porseralivreaceitaçãouma condiçãosine qua non, entãoodom não égratui
to.Os arminianos simplesmente não conseguem entenderessaalegaçãoesua acu
saçãoimplícita.Como veremosem váriospontosao longodestelivro,osarminianos
sempre afirmaram enfaticamente que a salvação é um dom gratuito; até mesmo o
arrependimento eafésão apenas causas instrumentaisda salvaçãoeimpossíveisà
partedeuma operaçãointernadagraça!A únicacausaeficientedasalvaçãoéagraça
de Deus por intermédio deJesusCristoe do EspíritoSanto.A lógicado argumento
queum dom livrementerecebido (nosentidodeque poderiaserrejeitado)não pode
ser um dom gratuito deixa a mente arminiana perplexa. Mas a principal razão de
os arminianos rejeitarem o entendimento calvinista da salvação monergística, na
qual Deus incondicionalmente elege alguns para salvação e inclinasuas vontades
irresistivelmente,équeeladenigretantoo caráterde Deus quantoanaturezadeum
relacionamentopessoal.Se Deus salvaincondicionaleirresistivelmente,porque Ele
nãosalvaatodos?Apelarparamistérionestaalturanão satisfazamente arminiana,
pois o caráterde Deus como amor que revelaa simesmo em misericórdiaestá em
jogo.Se oshomens escolhidospor Deus não podem resistiràofertade um relacio
namento corretocom Deus,que tipoderelacionamentoéesse?Uma relaçãopessoal
podeserirresistível?Tãispredestinadossão,defato,pessoasem um relacionamento
assim?Estassãoquestõesfundamentaisquelevamosarminianos-assimcomo ou
trossinergistas-aquestionaremtodaformademonergismo, incluindoocalvinismo
38 Ibid.p.419.
48
46. introdução
rígido.Não setrata,de maneira nenhuma, de uma visãohumanistado livre-arbítrio
autônomo, como seos arminianosestivessemapaixonadospelalivreagênciaporsi
só.QualquerleituraimparcialdeArmínio,Wesley,ou qualqueroutroarminianoclás
sico,revelaráque não setratadisso.Pelocontrário, aquestãoéo caráterde Deus e
anaturezado relacionamentopessoal.
Eu pontuei anteriormente que não apenas a predestinação, mas também a
providênciaforneceum pontodediferençaentreoarminianismoeocalvinismo.Em
suma, osarminianoscreemna soberaniaenaprovidênciadivinas,mas interpretam-
-nas diferentemente dos calvinistas rígidos. Os arminianos consideram que Deus
limita-sea simesmo em relação à históriahumana. Portanto, muito do que acon
tecena históriaécontrárioàperfeitavontade antecedente de Deus. Os arminianos
afirmam que Deus estáno controleda naturezae da história,mas negam que Deus
controlatodo acontecimento.Osarminianosnegam queDeus "escondeuma expres
são de contentamento" por trásdos horroresdahistória.O diabo não éo "diabode
Deus",ou mesmo um instrumentodaautoglorificaçãoprovidencialdeDeus.A Queda
não foipreordenada por Deus para algum propósito secreto. Os arminianos clássi
cosacreditamque Deus conhece todasascoisasdeantemão, incluindotodoevento
do mal, mas rejeitamqualquernoção de que Deus fornece"impulsos secretos" que
controlam até mesmo as ações de criaturasmalignas (angélicas ou humanas)39.O
governodeDeus éabrangente,mas porqueDeusselimitaparapermitiralivreagên
cia humana (em prol de relacionamentos genuínos que não são manipulados ou
controlados),eleéexercidoem diferentesmodos.TUdo oqueaconteceé,nomínimo,
39 Calvino,demaneirabastanteconhecida,atribuiuatémesmo osatosmalévolose
pecaminososdosímpiosaosimpulsossecretosdeDeus.Uma leituracuidadosadolivro1,
cap. 18-“Deus detalmodo usaasobrasdosímpioseadisposiçãolhesvergaaexecutar
seusjuízos,queEleprópriopermanecelimpodetodaamácula”-dasInstitutas da Religião
Cristã revelaisso.Nela,dentreoutrascoisas, Calvino dizque “uma vez sedizque avon
tadedeDeus éacausade todasascoisas,aprovidênciaéestatuídacomo moderatrizem
todososplanoseaçõesdoshomens, desortequenãoapenascomprovesuaeficiêncianos
eleitos,que são regidospeloEspíritoSanto,mas aindaobrigueosréprobosàobediência”
(Calvino,João.AsInstitutas - edição clássica. 2aed.4vols.Trad,WaldyrCarvalho Luz.São
Paulo:EditoraCulturaCristã,2006,p.232-3).Osarminianosacreditamqueocalvinismorí
gidonãoconseguedesvencilhar-sedetornarDeusoautordopecadoedomal,e,portanto,
contrariandooseucaráter.
49
47. permitidopor Deus, mas nem tudoo que acontece épositivamentedesejado ou até
mesmo tornadocertoporDeus. Portanto,o sinergismoentrana doutrinaarminiana
daprovidênciaassimcomo nadapredestinação.Deusconhecedeantemão,mas não
agesozinhonahistória.A históriaéresultantetantodaagênciadivinaquantodahu
mana. (Também não devemosnosesquecerdasagênciasangélicasedemoníacas!)O
pecado, em particular,não édesejadoenem governadoporDeus, excetono sentido
que Deus opermiteeolimita.Maisimportanteainda, Deus não predestinaou torna
certoo pecado. Nenhuma expressão concisa do entendimento arminiano da provi
dênciaémelhordoqueafornecidapeloteólogoreformadorevisionistaAdrioKõnig:
Lamentavelmente existem muitas coisas que acontecem na
terra que não são a vontade de Deus (Lc 7.30 e todos os demais
pecados mencionados na Bíblia), que são contra a sua vontade, e
que são oriundos do pecado incompreensível esem sentidoem que
nascemos, no qual vivem a maior parte dos homens, e no qual Is
rael persistiu, e contra o qual até "os mais consagrados" (Catecis
mo de Heidelbergp. 114) lutaram todos os seus dias (Davi, Pedro).
Deus tem apenas um curso deação parao pecado, que éproversua
expiação, por tê-lo crucificado e sepultado totalmente com Cristo.
Tentar interpretartodas estas coisaspor intermédio do conceito de
um plano divino criadificuldades intoleráveis, gerando mais exce
ções do que regras.Mas amais importanteobjeção équeaídeiade
um plano é contrária à mensagem bíblica, uma vez que o próprio
Deus setornadespropositado,poisseaquilocontrao qualelelutou
, com poder, e pelo qual ele sacrificou seu unigênito, foi, contudo,
de alguma forma parteintegrantedo seu conselho eterno. Então, é
melhor partirda premissa que Deus tinhacertoobjetivoem mente
(aaliança, ou o reino de Deus, ou a nova Terra- que são a mesma
coisavistadeângulos diferentes),que eleiráalcançarconosco, sem
nós, ou mesmo contranós40.
40 KÓNIG, Adrio.HereAm HA Believer’s Reflection on God. GrandRapids:Eerdmans,
Teologia Arminiana | Mitos E Realidades
50
48. Introdução
Mitos e Equívocos Em Relação ao Arminianismo
O concisoesboçodateologiaarminianaapresentadanestaintroduçãoéapenas
o começo. Bastacontrastaroverdadeiroarminiano evangélicocom ascaricaturasde
seuscríticos.E asdistorçõeseinformações incorretasque sãoditassobreo arminia
nismo naliteraturateológicanão são nada menos que apavorantes.Os críticosrefor
mados reiteradamente descrevem enganosamente Armínio e o arminianismo como
semipelagianos. Por exemplo, a primeira edição de Chrístian Doctrine de ShirleyC.
Guthrie,um livrodidáticoamplamenteutilizadopelateologiareformada,apresentava
Armíniocomo um exemplo desemipelagianismo.Após assígnificantesdiferençasen
treateologiadeArmínioeosemipelagianismoteremsidoenfatizadasporpelomenos
um arminiano, uma revisãodo texto de Guthrie, no ano de 1994, retirouo nome de
Armínio.Mas mesmo naediçãorevista,ocontextoeanotaderodapé tratandodo Sí-
nodo deDortindicamoarminianismocomo omodelo históricodesemipelagianismo.
Vintecincoanos de danos àreputaçãodeArmínio não foram completamente desfei
tospelarevisão.O livroThe Five Points o f Calvinism também apresentamuitosexem
plosdeimagensdistorcidasdateologiaarminiana. Edwin H.Palmer,pastoreteólogo
calvinista, explicitamente equipara o arminianismo ao semipelagianismo, ignorando
por completo a doutrina arminiana da graça preveniente. Eleaté mesmo chegou ao
cúmulo de declarar que "o arminiano nega a soberania de Deus". Ele acrescentou
insultoà injúriaao sugerir,do inícioao fim,que o arminianismo tem suas bases no
racionalismoem vezde na humildesubmissão àPalavrade Deus41.Qualquerum que
tivercontatocom uma literaturaarminianaevangélicaimediatamentevêqueosarmi
nianossãotãocomprometidoscom aautoridadedasEscriturasquantoqualqueroutro
protestante42.Outrosexemplosdedeturpaçõesdoarminianismoabundamnaliteratu-
1982.p.198^9.
41 PALMER, EdwinH.The Five Points of Calvinism. GrandRapids:Baker,1972.p.59,
85, 107.
42 Algunscalvinistasacusaram Wesleydedesertardo principiosolascriptura - “so
menteaEscritura”-como anormaparatodadoutrina.Talacusaçãoéoriundadadescrição
deAlbertOutíer,teólogometodista,acercado método teológicodeWesieycomo “quadri-
lateral”,sendo o método composto de Escritura, tradição, razão e experiência. Todavia,
51