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RESENHAS 169 
Escritos & ensaios: Norbert 
Elias em perspectiva 
Federico NEIBURG e Leopoldo WAIZBORT (orgs.). 
Escritos & ensaios. Vol. 1: Estado, processo, opinião 
pública. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2006. 238 
páginas. 
Tatiana Savoia Landini 
O primeiro volume de Escritos & ensaios, 
organizado e apresentado por Federico Neiburg e 
Leopoldo Waizbort, é uma boa mostra dos textos 
dispersos escritos por Norbert Elias. A produção 
desse autor alemão é bastante vasta e diversifi-cada. 
Felizmente, seus principais livros já estão 
disponíveis em português, a maioria em edições 
brasileiras. Contudo, o vasto conjunto de artigos, 
publicados originalmente em revistas acadêmicas 
ou na forma de capítulos de livros, ainda não 
tinha sido traduzido para o português. Esses tex-tos 
aqui reunidos propiciam uma nova oportu-nidade 
de aproximação às idéias desse consagra-do 
sociólogo. 
Como afirmam os organizadores em sua 
introdução, a coletânea apresenta trabalhos es-critos 
por Elias após 1950. Essa informação não 
deve ser desprezada. Aquela que até hoje é con-siderada 
sua obra magna, O processo civilizador 
(ou Processo da civilização), foi escrita nos 
primeiros anos do autor na Inglaterra, onde se 
refugiou durante a vigência do nazismo na 
Alemanha, sua terra natal. Publicada em 1939, por 
uma editora suíça, foi naquele momento muito 
pouco lida e apreciada. Na década seguinte, ape-sar 
de continuar a pesquisar e escrever, nenhum 
outro texto foi publicado pelo autor, o que acon-teceu 
em 1950 com “Estudos sobre a gênese da 
profissão naval”, cuja tradução constitui o terceiro 
capítulo de Escritos & ensaios. 
Artigos e palestras são, no meio acadêmico, 
uma forma mais rápida de apresentar resultados 
de pesquisas e também de discutir aspectos 
específicos de um trabalho maior ou de um livro, 
inclusive com o intuito de reafirmar a posição 
teórica ou dirimir possíveis mal-entendidos a 
respeito de trabalhos prévios. É justamente desse 
ponto de vista, o da possibilidade de que sejam 
dirimidas dúvidas a respeito da teoria eliasiana, 
que serão comentados os textos de Escritos & 
ensaios, não havendo a intenção, portanto, de 
resumi-los ou de explorar todas as questões neles 
envolvidas. Em sua apresentação à coletânea, 
Federico Neiburg e Leopoldo Waizbort já realizam 
parte desse trabalho. O texto, muito bem escrito, 
contém importantes informações a respeito dos 
vínculos teóricos com sociólogos de sua época e 
dos principais conceitos de Elias. Os organi-zadores 
também justificam a escolha dos verbetes 
civilização, figuração e processos sociais, escritos 
para um léxico de sociologia, para constituir o 
primeiro capítulo do livro. Segundo eles, essas 
definições servem como introdução privilegiada, 
na medida em que amarram toda a sociologia 
eliasiana e revelam os posicionamentos do autor 
no interior do campo disciplinar. Minha visão, 
que ficará mais clara ao final deste texto, é opos-ta. 
Os verbetes, um dos últimos trabalhos publi-cados 
por Elias em vida, deveriam ser o último 
texto a ser lido para que o leitor possa tiram 
maior proveito da criatividade sociológica pre-sente 
nos escritos. Sendo assim, minhas obser-vações 
seguirão a ordem cronológica (retirada de 
Mennell, 1998, pp. 309-312) e não aquela em que 
aparecem publicados no livro. 
“Estudos sobre a gênese da profissão naval” 
(capítulo 3 – composto por dois textos, “Drake 
and Doughty: o desenvolvimento de um conflito”, 
de 1950, e “Gentlemen e Tarpaulisn”, de 1977), 
tem como ponto forte a discussão da relação 
entre o individual e o social. O texto discorre 
sobre o conflito entre dois membros da expedição 
que partiu de Falmouth, em 1577, com o objetivo 
de alcançar regiões desconhecidas no Pacífico Sul 
não pertencentes ao reino da Espanha. Eram eles: 
Drake, um marítimo profissional, e Doughty, um 
militar profissional, gentleman que freqüentava as 
altas esferas da corte, mas não tinha posses. Ao 
narrar suas desavenças, que culminaram com a 
decapitação de Doughty por Drake, Elias mostra 
que o conflito entre ambos deveria ser entendido 
não apenas como desavença pessoal, mas tam-bém 
como algo representativo da luta entre es-tratos 
sociais diversos. Não eram apenas dois indi-víduos 
em luta pelo comando, mas as posições 
ocupadas por eles e, em decorrência, o desen-volvimento 
da profissão marítima. Encontramos
170 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 22 Nº. 
64 
aqui, portanto, um belo exemplar da sociologia 
eliasiana, cuja atenção está voltada não para a 
ação individual, mas para as interdependências 
entre os indivíduos. 
Outro ponto bastante negligenciado por 
leitores de Elias, bastante bem desenvolvido 
nesse texto sobre a profissão naval é, por assim 
dizer, o lado antropológico do autor. Ao lidar com 
acontecimentos passados, ele trabalha com de-finições 
êmicas, isto é, busca entender os con-ceitos 
a partir das configurações que lhes deram 
forma. N’O processo civilizador, esse exercício se 
realiza quando o conceito de civilização é pro-blematizado, 
sendo relacionado ao desenvolvi-mento 
da sociedade. O mesmo é feito em relação 
à profissão naval e às desigualdades de poder e 
de status. 
Esse capítulo 3 é, na minha opinião, um dos 
melhores textos do livro. É impressionante a 
forma como, a partir de uma questão aparente-mente 
banal e sem significado sociológico, Elias 
consegue fazer uma análise ampla, aprofundada e 
que, sobretudo, não fica restrita ao caso e aos 
personagens a ele vinculados, mas discute o 
próprio desenvolvimento das profissões e da 
sociedade. 
O capítulo 4 – “Habitus nacional e opinião 
pública” – é composto por duas palestras que ver-sam 
sobre esse tema, a primeira proferida em 
1959 e a segunda, em 1962. A tese defendida por 
Elias é de que existe, sim, o que pode ser chama-do 
de opinião pública – no caso, sendo a Ingla-terra 
o espaço abrangido –, configurada como 
uma base comum à pluralidade de opiniões. O 
autor sustenta que existem, é claro, diferenças na 
forma como os jornais abordam um determinado 
tema, dependendo do público a que se destinam, 
mas, por outro lado, também aponta a presença 
de uma uniformidade de interesses unindo aque-le 
país. Essa base comum é, em sua visão, bas-tante 
forte no país, dado que o nós-ideal, ou seja, 
a visão que um inglês possui a respeito de si 
próprio e de seus compatriotas, possui bastante 
solidez. Esta, por sua vez, advém do constante e 
ininterrupto desenvolvimento do Estado e da 
sociedade, sem que exércitos inimigos con-cretizassem 
uma invasão; de uma urbanização 
extraordinariamente alta; e de uma uniformização 
também acentuada decorrente da não existência 
de uma camada social camponesa (apenas o 
farmer). 
Ainda que discutível, é importante que esse 
ponto, a estabilidade da opinião pública inglesa, 
seja salientado, pois mostra uma característica 
típica da sociologia de Elias: a análise, ainda que 
se refira a um acontecimento singular do presen-te, 
será sempre relacionada ao desenvolvimento, 
ao devir. Mais do que isso, esse exame leva sem-pre 
em consideração a relação entre indivíduos 
ou grupos – no caso da opinião pública, esse 
aspecto não poderia ser diferente. O Estado inglês 
é um campo de forças que se mantêm em equi-líbrio, 
onde estão contidos o círculo interno do 
governo e do Parlamento e os grupos de interesse 
organizados. A opinião pública seria um grupo de 
pressão não especialmente organizado, mas sem-pre 
presente, com capacidade de influenciar os 
rumos de um caso. Além disso, outra característica 
do enfoque do autor é o estudo comparativo, o 
que ele realiza nesse texto ao comparar dois país-es 
que conhece muito bem: Alemanha e Inglaterra. 
Entretanto, a meu ver, esse não é dos 
escritos mais interessantes ou densos no conjunto 
da produção de Elias. De qualquer forma, é mere-cedor 
de leitura, na medida em que dialoga muito 
bem com os estudos sobre mídia e comunicação 
de massa. Referindo-se ao final dos anos de 1950 
e início da década seguinte, Elias não titubeia em 
afirmar que as visões expressas pelos meios de 
comunicação representam também as opiniões 
de pessoas e grupos que formam o país, recu-sando 
assim a interpretação de que esses meios 
possuem o poder de “formar” a opinião pública. 
Se esse trabalho não é dos mais ricos den-tre 
os que foram traduzidos para a coletânea aqui 
examinada, o capítulo 6, “Sobre a sociogênese da 
economia e da sociologia” (escrito em 1962 e 
publicado em 1984), é muito instigante. O termo 
sociogênese, utilizado constantemente por Elias, 
ainda causa estranheza e dúvidas, mesmo entre 
alguns mais afeitos à sociologia figuracional ou 
processual. Ainda que o termo não seja dos mais 
corriqueiros, o objetivo da discussão é simples: 
buscar a gênese social da sociologia, ou seja, 
compreender suas fases iniciais. Isso não signifi-ca 
que sua discussão esteja restrita ao estudo dos 
autores auto denominados sociólogos. Muito 
pelo contrário, entende que um conceito não de-
RESENHAS 171 
va ser entendido como algo dado, sob risco de 
reduzir diferentes matizes no uso dos mesmos 
termos, em estágios anteriores ao desenvolvi-mento 
do conceito. 
Embora simples, o autor torna a discussão 
muito estimulante, na medida em que relaciona as 
modificações específicas na maneira de ver a 
sociedade ao processo social de configuração da 
própria abordagem científica que, por sua vez, é 
entendido como parte das mudanças em proces-so 
na estrutura social. Dito de outra forma, para o 
autor, o desenvolvimento da sociedade desem-penhou 
papel importante na construção de uma 
forma mais científica de concebê-la. O livro Invol-vement 
and detachment (1987) – publicado no 
Brasil com o questionável título Envolvimento e 
alienação (1998) – deu seguimento a essa dis-cussão, 
além de outros textos esparsos ainda não 
traduzidos para nossa língua. 
Para Elias, os primeiros sociólogos compar-tilhavam 
algumas questões. Destacava entre elas a 
conceituação similar das mesmas experiências 
como indicativas da existência de “sociedade”, 
isto é, aquilo que não era Estado, uma região do 
universo dotada de certa autonomia e que tinha 
ou constituía uma ordem sui generis. Assim 
sendo, a questão comum entre eles era a de saber 
como a sociedade tinha se desenvolvido, seus 
estágios, forças motrizes e a direção que pos-sivelmente 
tomaria. O que está em jogo, portan-to, 
é o nascimento do “olhar sociológico”, a per-cepção 
de que uma determinada ordem de 
eventos possui certa autonomia ante as ações 
individuais e as leis feitas pelos homens, conjun-to 
esse que deveria ser estudado de modo cientí-fico, 
a partir de idéias e observações factuais. 
Contudo, argumenta, ainda que autores como 
Comte, Spencer e Marx tenham tentado proceder 
cientificamente, encontraram um mesmo obstáculo: 
cada um deles tinha uma visão firme do destino dos 
homens, expressa numa concepção que repre-sentava, 
ao mesmo tempo, o que desejavam que a 
sociedade fosse, o que moralmente julgavam que 
ela deveria se tornar e o que profeticamente acre-ditavam 
que a sociedade realmente viria a ser. 
Em suma, esse texto é um belo exemplo da 
sociologia do conhecimento eliasiana, sociologia 
que se ocupa do trajeto percorrido por um con-ceito 
a fim de compreender o desenvolvimento 
do pensamento e a construção do saber. Mais do 
que isso, é um texto que ajuda a refletir a respei-to 
do status do desenvolvimento social nessa teo-ria. 
O processo civilizador foi tido por livro evolu-cionista, 
uma discussão valorativa a respeito das 
mudanças sociais, que definia a direção ideal do 
desenvolvimento. Sobre a sociogênese da econo-mia 
e da sociologia, escrito mais de trinta anos 
depois, parece ser um acerto de contas com esse 
tipo de crítica. 
Os dois textos seguintes – “Processos de for-mação 
de Estados e construção de nações” (capí-tulo 
5), escrito entre 1970 e 1972, e “Para a funda-mentação 
de uma teoria dos processos sociais” 
(capítulo 7), de 1977 – podem ser compreendidos 
na mesma chave: um acerto de contas. O primeiro 
deles recupera apresentação realizada no VII 
Congresso Mundial de Sociologia e, assim como o 
texto sobre a opinião pública, também uma 
palestra, não é dos de maior fôlego do autor. 
Aproveitando a oportunidade de participar de 
mesa-redonda sobre “Grandes Teorias do De-senvolvimento”, 
Elias critica um de seus principais 
oponentes teóricos, Talcott Parsons – também ali 
presente – e, assim, reafirma sua própria posição. 
Aponta o caráter estático do pensamento 
parsoniano e o fato de suas teorias serem exces-sivamente 
amplas, não condizendo com a reali-dade 
empírica. Em sua visão, ao olhar para as 
ações em detrimento dos indivíduos e para a 
sociedade como um sistema social integrado, 
Parsons perde toda a riqueza da realidade empíri-ca, 
o que o impede de perceber os processos de 
integração e desintegração presentes no desen-volvimento 
do Estado-nação. 
No segundo texto, essa discussão é aprofun-dada: 
constitui uma ótima síntese do que pensa o 
autor a respeito dos processos sociais, sendo nele 
examinados o surgimento das teorias da evolução 
social e do progresso nos séculos XVIII e XIX 
e seu desaparecimento no seguinte. Defendendo 
sua posição teórica, Elias afirma que não deve-riam 
ter sido rejeitadas as teorias que buscavam 
explicar o processo de longo prazo, mas apenas 
os elementos etnocêntricos, metafísicos e teleo-lógicos 
nelas presentes. 
Se há questões a serem debatidas a respeito 
das teorias acerca dos processos sociais, o mesmo 
vale para o modo como o indivíduo é compreen-
172 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 22 Nº. 
64 
dido nas diversas teorias sociológicas. Aliás, na 
visão de Elias, ambas as questões estão interli-gadas. 
Se, em grande parte, os processos sociais 
são não planejados é porque sua direção é defini-da 
a partir da interdependência dos atos de von-tade 
e dos planos de muitos seres humanos. 
Dessa forma, para ele, a direção dos processos 
sociais é resultado das configurações sociais; por-tanto, 
se o objetivo é compreendê-las, de nada 
vale estudar os indivíduos e suas vontades e atos 
isoladamente, mas deve ser considerada a própria 
configuração. 
A respeito desse ponto, é importante subli-nhar 
uma questão muito pouco debatida sobre a 
sociologia figuracional ou processual, para a qual 
esse texto se presta de forma exemplar: o papel 
dos grupos organizados no delineamento da di-reção 
dos processos sociais. De acordo com a ter-minologia 
do autor, as ações desses grupos cons-tituem 
as ofensivas civilizatórias e possuem, sim, 
um papel importante. Ofensivas civilizatórias são 
ações que visam a influenciar o comportamento 
social e introduzir mudanças, sejam elas relacio-nadas 
à sexualidade e à educação, sejam rela-cionadas 
ao Estado. Contudo, a atenção deve 
concentrar-se não apenas nas decorrências dessas 
ofensivas, mas também em sua emergência, con-siderada 
parte do processo social. Nesse sentido, 
o planejamento social deve ser entendido como 
uma possibilidade advinda do curso de um pro-cesso 
não planejado – o planejamento é carac-terístico 
de uma fase do desenvolvimento não 
planejado e entrelaça-se continuamente com ele. 
A importância das ações planejadas, comen-tada 
acima, é também considerada no texto 
“Tecnização e civilização” (capítulo 2), escrito em 
1986 e publicado em 1995, no qual Elias analisa a 
tecnização do transporte. Já no primeiro pará-grafo, 
o autor afirma que ambos os processos – 
tanto a tecnização como a civilização – são não 
planejados e de longa duração, embora surjam do 
entrelaçamento, da conjunção, da cooperação e 
do confronto de várias atividades planejadas. 
Em pouco mais de duas páginas, é sintetiza-do 
o seu pensamento sobre o processo de civi-lização. 
É um texto conciso – o que não é muito 
de seu feitio, diga-se de passagem! – e que 
merece ter alguns pontos ressaltados. O processo 
de civilização corresponde a um percurso de 
aprendizagem involuntária que começou nos 
primórdios do gênero humano e que não tem fim, 
apenas sua direção pode ser definida. Não tendo 
fim, não há como afirmar que indivíduos ou 
sociedades sejam “civilizados”, mas apenas é pos-sível 
estabelecer meios tangíveis de comparações 
entre estágios diferentes de uma mesma so-ciedade 
e entre sociedades distintas. Está rela-cionado 
à auto-regulação adquirida, imperativa 
para a sobrevivência e sem a qual as pessoas 
ficariam irremediavelmente sujeitas aos altos e 
baixos das próprias pulsões, paixões e emoções. 
É, portanto, um Elias bastante freudiano – já pre-sente 
em sua obra magna – o que aparece aqui. 
Outra questão enfrentada pelo autor diz 
respeito ao sentido de falar em civilização quando 
o mundo parecia (e parece) cada vez mais 
perigoso. Na cabeça das pessoas, envolvidas que 
estão em sua vida e em seu cotidiano, a possibi-lidade 
do risco é automaticamente associada à 
asserção de que o perigo é maior do que nunca – 
o que precisa ainda ser verificado. 
O último texto a ser comentado é, na ver-dade, 
o que constitui o primeiro capítulo do livro, 
“Conceitos sociológicos fundamentais”, escrito em 
1986. Os três verbetes que constituem o capítulo – 
civilização, figuração e processos sociais – foram 
escritos para um léxico de sociologia publicado na 
Alemanha e foram encomendados para que ele 
pudesse sintetizar seu pensamento e expor os 
conceitos fundamentais que orientam suas inves-tigações. 
Ainda que não seja possível negar a 
qualidade desses escritos, também não há como 
não mencionar certo estranhamento diante deles. 
Elias sempre fez questão de enfatizar a importân-cia 
da pesquisa empírica no delineamento das 
teorias e dos conceitos sociológicos. Ele costuma-va 
criticar, por exemplo, a primeira parte da obra 
Economia e sociedade, de Max Weber, por não 
constituir uma análise sociológica, mas, antes, um 
apanhado de conceitos que, de certa forma, não 
encontravam utilidade na sociologia weberiana, 
que considerava de ótima qualidade. A leitura 
desses três verbetes mostra um outro Elias, mais 
afeito à definição concisa do que à problematiza-ção 
e à análise. Não há dúvida de que sua leitura 
pode ajudar no entendimento do conjunto de sua 
obra, mas, tomados isoladamente, não têm muito 
valor. É um complemento e, portanto, merece ser
RESENHAS 173 
lido por aqueles que já possuem contato e certa 
intimidade com os escritos do autor. Caso con-trário, 
há o risco da simplificação, o que não é 
nada desejável e, sobretudo, não seria justo para 
com esse autor, cuja sensibilidade sociológica e 
capacidade de análise da realidade empírica são, 
de fato, impressionantes. 
Em suma, os textos que Federico Neiburg e 
Leopoldo Waizbort escolheram para a montagem 
da coletânea, apesar de heterogêneos em sua 
qualidade e profundidade, são de grande inter-esse 
para aqueles que se voltam para a com-preensão 
da obra desse autor germano-inglês, 
além do interesse individual relacionado aos 
temas abordados. Nesses textos, Elias tem a opor-tunidade 
de responder a críticas a seus livros mais 
conhecidos e sua leitura permite a percepção 
clara da missão que assumiu como sua: a retoma-da 
de questões levantadas pelos primeiros soció-logos, 
de compreender os processos sociais de 
mudança de longo prazo não circunscritos ao 
interior do Estados-nação, sem que, contudo, 
fosse descuidado o estudo de relações internas ou 
até entre indivíduos ou grupos singulares. Aliás, 
um ponto sempre surpreendente na leitura de 
seus textos é a articulação do que muitos tomam 
por dois níveis: o micro e o macro. O autor não se 
furta a estabelecer essa interconexão: o estudo de 
uma briga entre dois navegadores leva-o a equa-cionar 
questões mais amplas, da mesma forma 
que o estudo de processos gerais e de longo prazo 
lhe possibilita a compreensão do individual. 
BIBLIOGRAFIA 
ELIAS, Norbert. (1950), “Studies in the genesis of 
the naval profession”. British Jounal of 
Sociology, 1 (4): 291-309. 
_________. (1998), Envolvimento e alienação. Rio 
de Janeiro, Bertrand Brasil. 
_________. (2000), The civilizing process: socio-genetic 
and psychogenetic investiga-tions. 
Massachusetts, Blackwell. 
MENNELL, Stephen. (1998), Norbert Elias: an 
introduction. Dublin, University Colle-ge 
Dublin Press. 
TATIANA SAVOIA LANDINI é doutora em 
sociologia pela Universidade de São Paulo 
(USP) e docente do curso de ciências sociais 
da Universidade Federal de São Paulo 
(Unifesp).

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Resenha elias, norbert. escritos e ensaios 1. estado, processo e opinião pública

  • 1. RESENHAS 169 Escritos & ensaios: Norbert Elias em perspectiva Federico NEIBURG e Leopoldo WAIZBORT (orgs.). Escritos & ensaios. Vol. 1: Estado, processo, opinião pública. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2006. 238 páginas. Tatiana Savoia Landini O primeiro volume de Escritos & ensaios, organizado e apresentado por Federico Neiburg e Leopoldo Waizbort, é uma boa mostra dos textos dispersos escritos por Norbert Elias. A produção desse autor alemão é bastante vasta e diversifi-cada. Felizmente, seus principais livros já estão disponíveis em português, a maioria em edições brasileiras. Contudo, o vasto conjunto de artigos, publicados originalmente em revistas acadêmicas ou na forma de capítulos de livros, ainda não tinha sido traduzido para o português. Esses tex-tos aqui reunidos propiciam uma nova oportu-nidade de aproximação às idéias desse consagra-do sociólogo. Como afirmam os organizadores em sua introdução, a coletânea apresenta trabalhos es-critos por Elias após 1950. Essa informação não deve ser desprezada. Aquela que até hoje é con-siderada sua obra magna, O processo civilizador (ou Processo da civilização), foi escrita nos primeiros anos do autor na Inglaterra, onde se refugiou durante a vigência do nazismo na Alemanha, sua terra natal. Publicada em 1939, por uma editora suíça, foi naquele momento muito pouco lida e apreciada. Na década seguinte, ape-sar de continuar a pesquisar e escrever, nenhum outro texto foi publicado pelo autor, o que acon-teceu em 1950 com “Estudos sobre a gênese da profissão naval”, cuja tradução constitui o terceiro capítulo de Escritos & ensaios. Artigos e palestras são, no meio acadêmico, uma forma mais rápida de apresentar resultados de pesquisas e também de discutir aspectos específicos de um trabalho maior ou de um livro, inclusive com o intuito de reafirmar a posição teórica ou dirimir possíveis mal-entendidos a respeito de trabalhos prévios. É justamente desse ponto de vista, o da possibilidade de que sejam dirimidas dúvidas a respeito da teoria eliasiana, que serão comentados os textos de Escritos & ensaios, não havendo a intenção, portanto, de resumi-los ou de explorar todas as questões neles envolvidas. Em sua apresentação à coletânea, Federico Neiburg e Leopoldo Waizbort já realizam parte desse trabalho. O texto, muito bem escrito, contém importantes informações a respeito dos vínculos teóricos com sociólogos de sua época e dos principais conceitos de Elias. Os organi-zadores também justificam a escolha dos verbetes civilização, figuração e processos sociais, escritos para um léxico de sociologia, para constituir o primeiro capítulo do livro. Segundo eles, essas definições servem como introdução privilegiada, na medida em que amarram toda a sociologia eliasiana e revelam os posicionamentos do autor no interior do campo disciplinar. Minha visão, que ficará mais clara ao final deste texto, é opos-ta. Os verbetes, um dos últimos trabalhos publi-cados por Elias em vida, deveriam ser o último texto a ser lido para que o leitor possa tiram maior proveito da criatividade sociológica pre-sente nos escritos. Sendo assim, minhas obser-vações seguirão a ordem cronológica (retirada de Mennell, 1998, pp. 309-312) e não aquela em que aparecem publicados no livro. “Estudos sobre a gênese da profissão naval” (capítulo 3 – composto por dois textos, “Drake and Doughty: o desenvolvimento de um conflito”, de 1950, e “Gentlemen e Tarpaulisn”, de 1977), tem como ponto forte a discussão da relação entre o individual e o social. O texto discorre sobre o conflito entre dois membros da expedição que partiu de Falmouth, em 1577, com o objetivo de alcançar regiões desconhecidas no Pacífico Sul não pertencentes ao reino da Espanha. Eram eles: Drake, um marítimo profissional, e Doughty, um militar profissional, gentleman que freqüentava as altas esferas da corte, mas não tinha posses. Ao narrar suas desavenças, que culminaram com a decapitação de Doughty por Drake, Elias mostra que o conflito entre ambos deveria ser entendido não apenas como desavença pessoal, mas tam-bém como algo representativo da luta entre es-tratos sociais diversos. Não eram apenas dois indi-víduos em luta pelo comando, mas as posições ocupadas por eles e, em decorrência, o desen-volvimento da profissão marítima. Encontramos
  • 2. 170 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 22 Nº. 64 aqui, portanto, um belo exemplar da sociologia eliasiana, cuja atenção está voltada não para a ação individual, mas para as interdependências entre os indivíduos. Outro ponto bastante negligenciado por leitores de Elias, bastante bem desenvolvido nesse texto sobre a profissão naval é, por assim dizer, o lado antropológico do autor. Ao lidar com acontecimentos passados, ele trabalha com de-finições êmicas, isto é, busca entender os con-ceitos a partir das configurações que lhes deram forma. N’O processo civilizador, esse exercício se realiza quando o conceito de civilização é pro-blematizado, sendo relacionado ao desenvolvi-mento da sociedade. O mesmo é feito em relação à profissão naval e às desigualdades de poder e de status. Esse capítulo 3 é, na minha opinião, um dos melhores textos do livro. É impressionante a forma como, a partir de uma questão aparente-mente banal e sem significado sociológico, Elias consegue fazer uma análise ampla, aprofundada e que, sobretudo, não fica restrita ao caso e aos personagens a ele vinculados, mas discute o próprio desenvolvimento das profissões e da sociedade. O capítulo 4 – “Habitus nacional e opinião pública” – é composto por duas palestras que ver-sam sobre esse tema, a primeira proferida em 1959 e a segunda, em 1962. A tese defendida por Elias é de que existe, sim, o que pode ser chama-do de opinião pública – no caso, sendo a Ingla-terra o espaço abrangido –, configurada como uma base comum à pluralidade de opiniões. O autor sustenta que existem, é claro, diferenças na forma como os jornais abordam um determinado tema, dependendo do público a que se destinam, mas, por outro lado, também aponta a presença de uma uniformidade de interesses unindo aque-le país. Essa base comum é, em sua visão, bas-tante forte no país, dado que o nós-ideal, ou seja, a visão que um inglês possui a respeito de si próprio e de seus compatriotas, possui bastante solidez. Esta, por sua vez, advém do constante e ininterrupto desenvolvimento do Estado e da sociedade, sem que exércitos inimigos con-cretizassem uma invasão; de uma urbanização extraordinariamente alta; e de uma uniformização também acentuada decorrente da não existência de uma camada social camponesa (apenas o farmer). Ainda que discutível, é importante que esse ponto, a estabilidade da opinião pública inglesa, seja salientado, pois mostra uma característica típica da sociologia de Elias: a análise, ainda que se refira a um acontecimento singular do presen-te, será sempre relacionada ao desenvolvimento, ao devir. Mais do que isso, esse exame leva sem-pre em consideração a relação entre indivíduos ou grupos – no caso da opinião pública, esse aspecto não poderia ser diferente. O Estado inglês é um campo de forças que se mantêm em equi-líbrio, onde estão contidos o círculo interno do governo e do Parlamento e os grupos de interesse organizados. A opinião pública seria um grupo de pressão não especialmente organizado, mas sem-pre presente, com capacidade de influenciar os rumos de um caso. Além disso, outra característica do enfoque do autor é o estudo comparativo, o que ele realiza nesse texto ao comparar dois país-es que conhece muito bem: Alemanha e Inglaterra. Entretanto, a meu ver, esse não é dos escritos mais interessantes ou densos no conjunto da produção de Elias. De qualquer forma, é mere-cedor de leitura, na medida em que dialoga muito bem com os estudos sobre mídia e comunicação de massa. Referindo-se ao final dos anos de 1950 e início da década seguinte, Elias não titubeia em afirmar que as visões expressas pelos meios de comunicação representam também as opiniões de pessoas e grupos que formam o país, recu-sando assim a interpretação de que esses meios possuem o poder de “formar” a opinião pública. Se esse trabalho não é dos mais ricos den-tre os que foram traduzidos para a coletânea aqui examinada, o capítulo 6, “Sobre a sociogênese da economia e da sociologia” (escrito em 1962 e publicado em 1984), é muito instigante. O termo sociogênese, utilizado constantemente por Elias, ainda causa estranheza e dúvidas, mesmo entre alguns mais afeitos à sociologia figuracional ou processual. Ainda que o termo não seja dos mais corriqueiros, o objetivo da discussão é simples: buscar a gênese social da sociologia, ou seja, compreender suas fases iniciais. Isso não signifi-ca que sua discussão esteja restrita ao estudo dos autores auto denominados sociólogos. Muito pelo contrário, entende que um conceito não de-
  • 3. RESENHAS 171 va ser entendido como algo dado, sob risco de reduzir diferentes matizes no uso dos mesmos termos, em estágios anteriores ao desenvolvi-mento do conceito. Embora simples, o autor torna a discussão muito estimulante, na medida em que relaciona as modificações específicas na maneira de ver a sociedade ao processo social de configuração da própria abordagem científica que, por sua vez, é entendido como parte das mudanças em proces-so na estrutura social. Dito de outra forma, para o autor, o desenvolvimento da sociedade desem-penhou papel importante na construção de uma forma mais científica de concebê-la. O livro Invol-vement and detachment (1987) – publicado no Brasil com o questionável título Envolvimento e alienação (1998) – deu seguimento a essa dis-cussão, além de outros textos esparsos ainda não traduzidos para nossa língua. Para Elias, os primeiros sociólogos compar-tilhavam algumas questões. Destacava entre elas a conceituação similar das mesmas experiências como indicativas da existência de “sociedade”, isto é, aquilo que não era Estado, uma região do universo dotada de certa autonomia e que tinha ou constituía uma ordem sui generis. Assim sendo, a questão comum entre eles era a de saber como a sociedade tinha se desenvolvido, seus estágios, forças motrizes e a direção que pos-sivelmente tomaria. O que está em jogo, portan-to, é o nascimento do “olhar sociológico”, a per-cepção de que uma determinada ordem de eventos possui certa autonomia ante as ações individuais e as leis feitas pelos homens, conjun-to esse que deveria ser estudado de modo cientí-fico, a partir de idéias e observações factuais. Contudo, argumenta, ainda que autores como Comte, Spencer e Marx tenham tentado proceder cientificamente, encontraram um mesmo obstáculo: cada um deles tinha uma visão firme do destino dos homens, expressa numa concepção que repre-sentava, ao mesmo tempo, o que desejavam que a sociedade fosse, o que moralmente julgavam que ela deveria se tornar e o que profeticamente acre-ditavam que a sociedade realmente viria a ser. Em suma, esse texto é um belo exemplo da sociologia do conhecimento eliasiana, sociologia que se ocupa do trajeto percorrido por um con-ceito a fim de compreender o desenvolvimento do pensamento e a construção do saber. Mais do que isso, é um texto que ajuda a refletir a respei-to do status do desenvolvimento social nessa teo-ria. O processo civilizador foi tido por livro evolu-cionista, uma discussão valorativa a respeito das mudanças sociais, que definia a direção ideal do desenvolvimento. Sobre a sociogênese da econo-mia e da sociologia, escrito mais de trinta anos depois, parece ser um acerto de contas com esse tipo de crítica. Os dois textos seguintes – “Processos de for-mação de Estados e construção de nações” (capí-tulo 5), escrito entre 1970 e 1972, e “Para a funda-mentação de uma teoria dos processos sociais” (capítulo 7), de 1977 – podem ser compreendidos na mesma chave: um acerto de contas. O primeiro deles recupera apresentação realizada no VII Congresso Mundial de Sociologia e, assim como o texto sobre a opinião pública, também uma palestra, não é dos de maior fôlego do autor. Aproveitando a oportunidade de participar de mesa-redonda sobre “Grandes Teorias do De-senvolvimento”, Elias critica um de seus principais oponentes teóricos, Talcott Parsons – também ali presente – e, assim, reafirma sua própria posição. Aponta o caráter estático do pensamento parsoniano e o fato de suas teorias serem exces-sivamente amplas, não condizendo com a reali-dade empírica. Em sua visão, ao olhar para as ações em detrimento dos indivíduos e para a sociedade como um sistema social integrado, Parsons perde toda a riqueza da realidade empíri-ca, o que o impede de perceber os processos de integração e desintegração presentes no desen-volvimento do Estado-nação. No segundo texto, essa discussão é aprofun-dada: constitui uma ótima síntese do que pensa o autor a respeito dos processos sociais, sendo nele examinados o surgimento das teorias da evolução social e do progresso nos séculos XVIII e XIX e seu desaparecimento no seguinte. Defendendo sua posição teórica, Elias afirma que não deve-riam ter sido rejeitadas as teorias que buscavam explicar o processo de longo prazo, mas apenas os elementos etnocêntricos, metafísicos e teleo-lógicos nelas presentes. Se há questões a serem debatidas a respeito das teorias acerca dos processos sociais, o mesmo vale para o modo como o indivíduo é compreen-
  • 4. 172 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 22 Nº. 64 dido nas diversas teorias sociológicas. Aliás, na visão de Elias, ambas as questões estão interli-gadas. Se, em grande parte, os processos sociais são não planejados é porque sua direção é defini-da a partir da interdependência dos atos de von-tade e dos planos de muitos seres humanos. Dessa forma, para ele, a direção dos processos sociais é resultado das configurações sociais; por-tanto, se o objetivo é compreendê-las, de nada vale estudar os indivíduos e suas vontades e atos isoladamente, mas deve ser considerada a própria configuração. A respeito desse ponto, é importante subli-nhar uma questão muito pouco debatida sobre a sociologia figuracional ou processual, para a qual esse texto se presta de forma exemplar: o papel dos grupos organizados no delineamento da di-reção dos processos sociais. De acordo com a ter-minologia do autor, as ações desses grupos cons-tituem as ofensivas civilizatórias e possuem, sim, um papel importante. Ofensivas civilizatórias são ações que visam a influenciar o comportamento social e introduzir mudanças, sejam elas relacio-nadas à sexualidade e à educação, sejam rela-cionadas ao Estado. Contudo, a atenção deve concentrar-se não apenas nas decorrências dessas ofensivas, mas também em sua emergência, con-siderada parte do processo social. Nesse sentido, o planejamento social deve ser entendido como uma possibilidade advinda do curso de um pro-cesso não planejado – o planejamento é carac-terístico de uma fase do desenvolvimento não planejado e entrelaça-se continuamente com ele. A importância das ações planejadas, comen-tada acima, é também considerada no texto “Tecnização e civilização” (capítulo 2), escrito em 1986 e publicado em 1995, no qual Elias analisa a tecnização do transporte. Já no primeiro pará-grafo, o autor afirma que ambos os processos – tanto a tecnização como a civilização – são não planejados e de longa duração, embora surjam do entrelaçamento, da conjunção, da cooperação e do confronto de várias atividades planejadas. Em pouco mais de duas páginas, é sintetiza-do o seu pensamento sobre o processo de civi-lização. É um texto conciso – o que não é muito de seu feitio, diga-se de passagem! – e que merece ter alguns pontos ressaltados. O processo de civilização corresponde a um percurso de aprendizagem involuntária que começou nos primórdios do gênero humano e que não tem fim, apenas sua direção pode ser definida. Não tendo fim, não há como afirmar que indivíduos ou sociedades sejam “civilizados”, mas apenas é pos-sível estabelecer meios tangíveis de comparações entre estágios diferentes de uma mesma so-ciedade e entre sociedades distintas. Está rela-cionado à auto-regulação adquirida, imperativa para a sobrevivência e sem a qual as pessoas ficariam irremediavelmente sujeitas aos altos e baixos das próprias pulsões, paixões e emoções. É, portanto, um Elias bastante freudiano – já pre-sente em sua obra magna – o que aparece aqui. Outra questão enfrentada pelo autor diz respeito ao sentido de falar em civilização quando o mundo parecia (e parece) cada vez mais perigoso. Na cabeça das pessoas, envolvidas que estão em sua vida e em seu cotidiano, a possibi-lidade do risco é automaticamente associada à asserção de que o perigo é maior do que nunca – o que precisa ainda ser verificado. O último texto a ser comentado é, na ver-dade, o que constitui o primeiro capítulo do livro, “Conceitos sociológicos fundamentais”, escrito em 1986. Os três verbetes que constituem o capítulo – civilização, figuração e processos sociais – foram escritos para um léxico de sociologia publicado na Alemanha e foram encomendados para que ele pudesse sintetizar seu pensamento e expor os conceitos fundamentais que orientam suas inves-tigações. Ainda que não seja possível negar a qualidade desses escritos, também não há como não mencionar certo estranhamento diante deles. Elias sempre fez questão de enfatizar a importân-cia da pesquisa empírica no delineamento das teorias e dos conceitos sociológicos. Ele costuma-va criticar, por exemplo, a primeira parte da obra Economia e sociedade, de Max Weber, por não constituir uma análise sociológica, mas, antes, um apanhado de conceitos que, de certa forma, não encontravam utilidade na sociologia weberiana, que considerava de ótima qualidade. A leitura desses três verbetes mostra um outro Elias, mais afeito à definição concisa do que à problematiza-ção e à análise. Não há dúvida de que sua leitura pode ajudar no entendimento do conjunto de sua obra, mas, tomados isoladamente, não têm muito valor. É um complemento e, portanto, merece ser
  • 5. RESENHAS 173 lido por aqueles que já possuem contato e certa intimidade com os escritos do autor. Caso con-trário, há o risco da simplificação, o que não é nada desejável e, sobretudo, não seria justo para com esse autor, cuja sensibilidade sociológica e capacidade de análise da realidade empírica são, de fato, impressionantes. Em suma, os textos que Federico Neiburg e Leopoldo Waizbort escolheram para a montagem da coletânea, apesar de heterogêneos em sua qualidade e profundidade, são de grande inter-esse para aqueles que se voltam para a com-preensão da obra desse autor germano-inglês, além do interesse individual relacionado aos temas abordados. Nesses textos, Elias tem a opor-tunidade de responder a críticas a seus livros mais conhecidos e sua leitura permite a percepção clara da missão que assumiu como sua: a retoma-da de questões levantadas pelos primeiros soció-logos, de compreender os processos sociais de mudança de longo prazo não circunscritos ao interior do Estados-nação, sem que, contudo, fosse descuidado o estudo de relações internas ou até entre indivíduos ou grupos singulares. Aliás, um ponto sempre surpreendente na leitura de seus textos é a articulação do que muitos tomam por dois níveis: o micro e o macro. O autor não se furta a estabelecer essa interconexão: o estudo de uma briga entre dois navegadores leva-o a equa-cionar questões mais amplas, da mesma forma que o estudo de processos gerais e de longo prazo lhe possibilita a compreensão do individual. BIBLIOGRAFIA ELIAS, Norbert. (1950), “Studies in the genesis of the naval profession”. British Jounal of Sociology, 1 (4): 291-309. _________. (1998), Envolvimento e alienação. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil. _________. (2000), The civilizing process: socio-genetic and psychogenetic investiga-tions. Massachusetts, Blackwell. MENNELL, Stephen. (1998), Norbert Elias: an introduction. Dublin, University Colle-ge Dublin Press. TATIANA SAVOIA LANDINI é doutora em sociologia pela Universidade de São Paulo (USP) e docente do curso de ciências sociais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).