O documento discute as críticas feitas ao trabalho do artista Romero Britto. Afirma que ele é injustamente odiado pela comunidade artística por razões inválidas, como a repetição em seu estilo, que é característica de muitos artistas reconhecidos. Também argumenta que seu trabalho tem valor no mercado de arte, já que há demanda por suas obras, determinando seu preço. Conclui que Britto não segue os mesmos padrões da arte contemporânea acadêmica, mas sim da indústria cultural.
1. Por que é fácil odiar Romero Britto?
Existe no manual das pessoas que, de alguma forma, mantém relação pessoal
com a palavra "cultura" (ou "arte" etc) que é proibido gostar de Romero Britto. Faça o
teste: vá até uma faculdade de artes, entre em uma sala de aula e grite "Romero Britto
é um grande artista!" e veja o que acontece. Isso pode ser feito também em galerias
tradicionais do eixo Rio-SP, em mesas de bares na Vila Madalena ou qualquer
ambiente onde prepondere um código de conduta
"intelectual/alternativo/artístico/arrojado/etc".
"vamos tentar ir com calma"
A hashtag #curteRomeroBritto era uma das qualidades indesejáveis de um
macho de acordo com o aplicativo Lulu, lembra? Se gostar de Romero Britto está
diminuindo a reputação masculina virtual, deve ser algo terrível. Mais terrível ainda é o
fato de você se importar com avaliações eletrônicas da sua imagem virtual, o que é
assunto pra outro texto.
2. Apesar de ser ridicularizado no contexto "cultural", fora desse meio, Britto é um
sucesso estrondoso. Suas obras são estampadas em todo o tipo de produto,
reproduções são vendidas aos lotes, celebridades adquirem os originais. "A massa é
ignorante e tem péssimo gosto!" - é sempre mais fácil culpar as massas ou qualquer
outra entidade onipotente, como por exemplo o governo, deus etc. Principalmente
quando a ordem é esculhambar alguém.
Porém, antes de embarcar no próximo bonde do ódio você tem que se
perguntar: "por que eu odeio isso?" - o ódio é uma forma de defesa. O que há de tão
ameaçador no trabalho de Romero Britto para que a comunidade
artística/culta/acadêmica/intelectual/etc o rejeite de forma quase unânime? Mais do
que isso, por que aquelas pinturas alegres e coloridas são capazes de fazer artistas e
entendidos despejarem bile e veneno? Vamos analisar alguns argumentos de seus
detratores:
ARGUMENTO UM: "Ele faz sempre a mesma coisa."
Vou concordar que isso não está longe da verdade; alguém desenvolveu um
aplicativo para Google Glass que oculta obras de Britto e substitui por grandes
mestres da pintura (anote esse pensamento, vamos usar mais tarde). Se um aplicativo
de software consegue identificar obras de Romero Britto, de fato existe um padrão por
trás de suas obras, coisa que eventualmente surge disfarçada pelo nome "estilo".
Meditemos na palavra "estilo". Estilo, stilus, é o nome de uma ferramenta antiga,
hoje o que temos de mais próximo é o estilete. Estilos eram usados para escrever em
placas de argila (escrita cuneiforme) por romanos e outros povos. Esse tipo de trabalho
manual carregava a marca individual da pessoa que o fazia; a palavra "estilo" acabou
sendo associada ao jeito particular de cada um de criar ou executar determinadas
tarefas.
O artista Akira Umeda um dia compartilhou as seguintes considerações:
"No terreno da música pop, "rock" é, desde há muito, um ajuntamento de letras que
não aponta para nada além de uma classificação esgarçada: aponta, portanto, para
"qualquer coisa", ou seja, não aponta. Sem pontas, estas letras não configuram
"estilo": um estilo, como se sabe, tem ponta que fere, rasga e corta. Assim, coisas
associadas a "rock" são "qualquer coisa que não fere, rasga e corta". O ajuntamento de
indivíduos "Guns N 'Roses", em turnê por cidades brasileiras, equivale ao ajuntamento
de letras "rock". O ajuntamento de multidões em torno destes indivíduos e destas
letras produz uma imagem da realidade atual cuja vacuidade não tem sido apontada."
A arte contemporânea, assim como o rock, é um conceito esgarçado, aponta
para qualquer coisa; qualquer tipo de ação, desde que justificada como prática
artística (ou seja, feita por artistas), cabe no conceito de "arte contemporânea". Há
menos de um século atrás a arte era, sim, um campo onde os "estilos" ou "ismos"
apontavam para alguma coisa (cubismo, surrealismo, dadaísmo etc) em detrimento de
outras, ou seja, rasgando/ferindo/cortando.
3. Hoje a arte contemporânea aceita que tudo pode ser uma obra de arte, desde
deixar um cão morrer, passando por fazer um letreiro luminoso com letras de pixação
até perder a virgindade, desde que sejam feitas num contexto "artístico" (o que muitas
vezes quer dizer: dentro de uma galeria) - eu não sou contra isso, já vou adiantando.
Só estou perguntando: se a arte contemporânea aceita todos os discursos, por que,
então, proibir Romero Britto de entrar?
Um fato curioso é que, se você for uma pessoa que se interessa por arte e eu
gritar "homens amarelos!", você vai gritar "Os Gêmeos" em vez de "Os Simpsons".
Você não sabe o que esperar d'Os Gêmeos? Eles ganharam um avião pra pintar, com
vários temas implícitos (copa do mundo, futebol, seleção, Brasil etc) e eles pintaram...
você sabe o que eles pintaram.
A repetição é um dos fatores do estilo - há quem diga que "estilo" é um nome
bonitinho para "repetição". É por isso que nós sabemos mais ou menos (ou
exatamente) o que esperar de determinados artistas; em diferentes obras há
elementos repetidos que nos fazem identificar qual trabalho é de quem. Muitos
artistas em estado de graça no meio culto estão com a tecla "repeat" apertada há anos
- o que não é necessariamente ruim, mas também não é necessariamente bom, etc.
A repetição, portanto, é um argumento inválido para desqualificar o trabalho de
Britto, visto que isso seria desqualificar o trabalho de boa parte dos artistas
reconhecidos como legítimos em atividade hoje. Deixe essa parte assentar por alguns
instantes; pense na gravidade disso, principalmente se você for artista e se você for um
repetidor.
ARGUMENTO DOIS: "Seu trabalho não tem profundidade."
Uma das fundações da percepção popular a respeito de artistas é a suposição
que artistas possuem uma sensibilidade mais apurada que a média, e por isso são
capazes de materializar aspectos da vida que passariam sem serem notadas pelas
outras pessoas.
Seguindo essa lógica, o argumento de alguns é que o trabalho de Romero Britto
é desconectado da realidade, não instiga a reflexão, não "problematiza" (palavra
favorita de 8 entre 10 curadores e críticos de arte) nenhum "aspecto da
contemporaneidade" etc. Vilém Flusser, no texto "Coincidência incrível", está falando
sobre a fé, tecnologia e ciência:
Se digo: "Amanhã nascerá, em vez do sol, um queijo de Minas para iluminar a
Terra", terei dido uma absurdidade. Mas se digo: "Ontem nasceu um queijo de Minas e
iluminou a Terra", terei articulado uma banalidade. É óbvio que o queijo de Minas
nasceu. As teorias astronômicas esperavam pelo nascer do Sol, mas essas teorias são
apenas sistemas hipotéticos incompletos. Comportam uma reformulação progressiva.
(...) O queijo de Minas, longe de abalar a astronomia, prova, pelo contrário, a eficiência
do método científico como captação da "realidade".
4. Assim também é a fé na arte contemporânea. Qualquer proposta é válida,
desde que haja um alinhamento teórico coerente, desde que o artista declare um ato
ou resultado como obra de arte, legitimados pela fé na arte. Portanto, se um belo dia,
Romero Britto sair de seu atelier e declarar que seu trabalho é um "questionamento
acerca da banalidade dos signos e do mercado de consumo, inserindo ícones
irrelevantes no mercado da arte, que necessariamente irá validá-los", ele terá
legitimado seu trabalho enquanto arte contemporânea.
Pior ainda: se um curador montar uma exposição contendo trabalhos de Cildo
Meireles, Nelson Leirner, Andy Warhol E Romero Britto (heresia, eu sei), e afirmar que
se trata de um conjunto de obras que questionam a fronteira entre "arte" e "indústria
cultural", esse discurso, dentro do contexto da arte, teria que ser aceito como legítimo
também. Você poderia até não gostar, mas teria que engolir. O milho e a soja estão aí
pra te ajudar nessa parte.
ARGUMENTO TRÊS: "O trabalho de Romero Britto é inflacionado, superfaturado, não
vale o quanto custa."
Em algum momento do ano passado, a revista Veja São Paulo atirou um homem
aos leões. Alexander de Almeida foi usado para transmitir uma mensagem. Foi
inventado um nome-slogan para ele - "o rei do camarote". Esse tipo de nomenclatura
ou apelido tem um propósito. Você se esqueceria rapidamente do nome Alexander de
Almeida, mas não se esquecerá tão cedo do "rei do camarote".
Eu assisti a matéria e, por alguns instantes, lamentei pelo destino do rei do
camarote. É evidente que ele não sabia que estava sendo usado. Ele foi atirado à
massa como um verdadeiro "boi de piranha", é muito fácil sentir raiva dele: ele é do
sexo masculino, branco e rico, então você não corre risco algum de sentir
culpa; quando você não precisa refletir se deve ou não embarcar no bonde do ódio,
suba de uma vez, não é mesmo?
hateorade pra galera
5. Um "pequeno detalhe" foi, propositalmente, excluído da reportagem sobre o rei
do camarote. Em momento algum se fala sobre a profissão de Alexander, o que ele faz
para ganhar tanto dinheiro. "Mentira! Na matéria eles falam sobre isso sim: ele é
empresário." - ah sim, empresário, o cargo mais genérico de todos. Aquele senhor
atrás do balcão daquele boteco sujo também é um empresário, e ele nunca ganhará na
vida inteira o que Alexander gasta em uma madrugada.
A mensagem perigosa por trás da matéria do rei do camarote é a de que a
identidade de uma pessoa não precisa estar associada ao que ela faz no dia a dia. O rei
do camarote é riquíssimo e gosta de esbanjar seu dinheiro, mas matéria parou aí; nada
é dito sobre a vida profissional de Alexander, ou seja não importa de onde esse
dinheiro vem, ele simplesmente o possui. A mensagem é: o dinheiro que uma pessoa
tem está menos associado ao que a pessoa faz e mais associado ao que ela é. Eu sei
que é difícil de entender como isso é possivelmente um problema. Vou dar um
exemplo mais ilustrativo:
A pessoa com quem você tem um "relacionamento sério" descobre que você é
infiel. Pior do que isso: você enviou para a pessoa amada, por engano, um vídeo com
você transando com outra pessoa, com direito a câmera lenta nas melhores cenas e
closes genitais; sua voz é audível durante todo o vídeo, você falou sacanagens nunca
antes ditas e teve três orgasmos ao longo da aventura do outro lado do muro. Você
chega em casa, e assim que você abre a porta, tem que desviar de uma faca
arremessada em sua direção; a sua "pessoa amada" está simplesmente furiosa, fora de
si. E aí você começa: "eu posso explicar." Após desviar de mais alguns objetos, você
ganha três minutos para falar o que quer que seja, e você começa: "Aquele no vídeo
não sou o verdadeiro eu. Você sabe que te amo, eu não sou um pilantra, naquele dia
nós tínhamos brigado, e eu fui beber, e aconteceu, mas se você não tivesse brigado
comigo... aquele não era eu, você me conhece, eu não sou assim."
Ou ainda: "Eu não sou racista, mas... (insira discurso racista aqui)". Ou um sujeito
que diz ser feminista para galantear mulheres. Ou ainda: "eu não sou de compartilhar
esse tipo de coisa, mas vejam que ridículo esse rei do camarote". Esse é um problema:
a percepção de que você é o que você diz ser (ou o que você mostra numa rede social).
Eu escrevi tudo isso para falar que, apesar de possuir um senso estético
discutível, Romero Britto consolidou sua identidade no mercado pelo que ele faz, e
não pelo que diz fazer. Romero Britto pode até não entender a sua própria posição
enquanto produtor (me recuso a comentar sobre as comparações com o Picasso), mas
há uma demanda enorme pelo seu trabalho, e quem dá o preço é o mercado; a lei de
oferta e procura também existe na arte, é por causa dela que obras de artistas mortos
valem muito mais. Você pode reclamar à vontade do quanto Britto ganha, mas não
pode dizer que é injusto ou absurdo, o mercado de arte é mega-inflacionado por
natureza.
"Você está defendendo Romero Britto!!!!"
Errado, Romero Britto não precisa de defensores. Essa não é a questão. A
questão é que Britto é odiado/rejeitado/defenestrado pela comunidade
6. culta/artística/etc pelos motivos errados (não que haja um motivo certo). Britto não
está minimamente interessado no discurso artístico, nos problemas da
contemporaneidade, na "problematização" (que palavra horrível) do que quer que
seja. Olhe para a foto abaixo:
Comentários rápidos: 1) essa foto me causa uma "certa inveja", 2) achei que
Shakira está ótima nessa foto, sem a megaprodução, 3) posar para a foto olhando para
o próprio quadro, mesmo ganhando um abraço da Shakira, que ego enorme, 4) se você
é artista "de verdade", você provavelmente não irá ganhar um abraço da Shakira.
O comentário 4 é o mais importante porque contém o principal problema das
críticas feitas pela classe intelectual/etc ao trabalho de Romero Britto. Ele não joga o
mesmo jogo que os artistas da Bienal de SP ou da Documenta de Kassel. Britto está até
o pescoço submerso na indústria cultural. Você já ouviu falar em Hans Donner? Ele foi
o responsável pela criação da identidade visual da Rede Globo, e é por causa dele que
você pode esperar sempre por ornamentos prateados e confetes coloridos e explosões
de luz em qualquer produção "global".
Lembra do Google Glass? Do aplicativo que substitui as obras de Britto
por grandes mestres da pintura? O maior erro dos detratores de Romero Britto é
confundir a sua produção com a produção desses artistas, são coisas diferentes,
Romero Britto é indústria cultural vendida sob a fachada de um artista, o que ao
mesmo tempo serve para 1) passar a impressão para o público de que a maior
representação da arte contemporânea é Romero Britto e 2) aumentar o desinteresse
do público pela arte contemporânea.
7. (se eu inventasse um aplicativo de Google Glass que substituísse todas as novelas e
seriados idiotas por Metropolis do Fritz Lang, geral ia passar a vida inteiro vendo Fritz
Lang, esse é o nível da prepotência do app removedor de Romero Britto)
Britto está muito mais próximo de Hans Donner do que de qualquer artista
considerado "sério" - a indústria cultural é, inclusive, matéria-prima para as pinturas de
Britto, ele pintou a série "Celebridades", retratos de personagens do mundo da
televisão etc. "Andy Warhol também comentava a indústria cultural em suas obras de
arte!" - Pelo amor de deus, nem comece, são obras distintas, tempos diferentes. O
trabalho de Britto, apesar de possuir apelo visual que seduz muitas pessoas, é
superficial e mercadológico, mas, ainda assim, as pessoas ditas cultas gostam de
expressar o seu repúdio/ódio ao seu trabalho como se ele fosse um artista "sério" e
não um produtor em série.
Você sempre verá a palavra "artista plástico" associada a Romero Britto e não
"designer de produtos" ou "produtor cultural", assim como se falam em "artistas
globais" para se referirem aos atores da Rede Globo, e eles usarão a palavra "artista"
para falar tanto de Fernanda Montenegro como de qualquer um dos péssimos atores
que eles empregam, ou seja, a palavra "artista" é completamente manipulável. Mas se
você detesta o trabalho de Britto porque seu trabalho é superficial e/ou popular, a
responsabilidade de não colocar as coisas em seus devidos lugares é toda sua.
O problema de odiar um alvo fácil (como o rei do camarote ou Romero Britto) é
que alvos fáceis distraem nossa atenção das coisas importantes. É fácil criticar o fato
de que Britto tem um público enorme com um trabalho ridículo; difícil enxergar o
outro lado do abismo que existe entre a arte contemporânea e a sociedade e o desafio
de ser artista e viver do próprio trabalho. "Mas o governo, as empresas e os bancos
estão financiando a arte no Brasil!" - pare, agora. Pense nisso que você acabou de me
dizer. Respiremos.
É fácil afirmar que o rei do camarote é um falastrão; não-tão-fácil é parar por um
instante e se perguntar "por que eu me importo com o rei do camarote?" - por que se
você fizer essa pergunta, pode chegar à conclusão que você está ocupado com
Alexander de Almeida para esquecer o lado falastrão da sua própria vida, e é por isso
que eu sei que a maior parte das pessoas que ridicularizaram Alexander de Almeida
estão com o cartão de crédito operando no nível máximo. Aquele homem está
gastando quantias obscenas de dinheiro com noitadas em São Paulo, a Veja cria um
personagem, a população entra em polvorosa, "que homem ridículo".
O detalhe mais absurdo dessa história é que não existe "rei do camarote". Você
acha que existiam os "dez mandamentos do rei do camarote" antes dessa matéria? Eu
tenho certeza que Almeida jamais passou um minuto sequer elaborando um
mandamento. Almeida teve que ser retratado como um debilóide, pois a crítica
esperada é: "Ha! Que imbecil. Eu jamais faria isso se tivesse tanto dinheiro. Todo esse
8. dinheiro na mão de um idiota é um desperdício, eu faria muito melhor com essa
fortuna."
Você o hostiliza por isso, porque a Veja te induziu a criticá-lo ou apoiá-lo, você
não parou pra pensar em outras possibilidades, e a mensagem foi transmitida: se um
falastrão pode ter tanto dinheiro, qualquer pessoa pode ser rica, mas não
necessariamente por causa do que ela faz (tente imaginar o rei do camarote com uma
expressão séria trabalhando pra valer), então aquele dinheiro está relacionado ao que
ela é, o verdadeiro eu, o status.
Agora, vire a moeda do status e olhe um pouco para a parte que fica esmagada
contra a mesa. Se você é um trabalhador da área da "cultura", seja lá qual seja, você
sabe o que eu estou falando: longas jornadas de trabalho, pouco salário, sem hora pra
voltar pra casa, sem tempo... em agências de jornalismo/design/publicidade etc,
centros culturais, galerias, escolas, cafés, bares, restaurantes e tudo o que gira em
torno da palavra "cultura", essas pessoas estão lá, trabalhando muito, ganhando
pouco.
"Eles me deixam trabalhar com minhas tatuagens à mostra. Eu posso até ir
trabalhar de bermuda!" - se você é empregado e pode ir trabalhar bem à vontade com
suas tatuagens e roupas informais você provavelmente 1) é mais inteligente que a
média, 2) recebe menos que a média (muitas vezes nem carteira assinada) e 3) tem
algum vínculo emocional com seu trabalho que é pago com status em vez de
dinheiro (por exemplo, professores da rede pública são vistos como heróis mas
continuam sendo mal pagos).
Você sabe que está sendo explorado, porém continua mesmo assim,
pela oportunidade de trabalhar com alguma estrela do ramo, pela chance do seu
trabalho ser visto, pra construir seu portfólio, pelo bem da educação,
pelo networking... são vários os verdadeiros eus que te mantém sofrendo abusos em
nome da cultura. É a face sombria do status: uns poucos recebem muito por tê-lo, a
outra maioria paga para tentar alcançá-lo, de vez em quando se criam uns reis do
camarote para descarregar a raiva do público e o sistema prossegue. Deixe o dinheiro
para essas celebridades tolas, a verdadeira arte me basta.
Romero Britto é uma válvula de escape útil para o sistema, mas ele é o menor de
seus problemas, e sua produção é um importante ponto de reflexão para a situação de
tudo que orbita a palavra "cultura" atualmente, o que por si só, tem algum valor. Odiá-
lo é o caminho mais fácil para garantir o seu status intelectual (que você paga pra ter,
ele não), mas para perceber as implicações mais graves é necessária uma postura
menos automática diante da situação. Ou até mesmo se tornar o tipo de pessoa que
não se sente mal com o sucesso de outras pessoas. Mas esse não é o seu verdadeiro
eu, eu havia me esquecido.
Escrito por RAFAEL TRABASSO (DEDOS)
artista visual / web designer / escritor / tatuador iniciante rafaeltrabasso.com / dedos.info
Fonte: http://www.ideafixa.com/por-que-e-facil-odiar-romero-britto/ acessado em 20/02/15