O documento descreve a trajetória do graffiteiro Café em Curitiba. Ele trabalha com graffiti há mais de 15 anos e já realizou diversos projetos na cidade, como a revitalização da Praça Eucaliptos no Alto Boqueirão. Café critica a prefeitura por não oferecer apoio aos graffiteiros, mas reconhece o crescimento da cena curitibana. Ele também já sofreu repressão policial, mas continua produzindo arte de graça, focado em transmitir mensagens sociais através de seus desenhos.
6. 6
Falar sobre graffiti envolve muito mais do que a questão
vandalismo versus arte de rua. Faz parte desse mundo também uma
série de conceitos envolvendo urbanismo, cultura – principalmente
a hip hop -, globalização e disseminação de informação. Graffiteiros
normalmente são envolvidos com questões sociais e políticas e muitas
vezes deixam transparecer opiniões nos seus desenhos. As primeiras
intenções do graffiti contemporâneo eram de escancarar problemas
da sociedade.
No mundo da arte gráfica de rua, o graffiti não está sozinho.
Junto com ele estão a pichação – muitas vezes é caracterizada como
a mesma coisa que graffiti – o stencil e o lambe-lambe. A pichação é
definida como uma assinatura rápida, feita com material derivado do
petróleo que também é utilizado na pavimentação de ruas. O stencil
(ou aerografia) é um recorte em negativo de uma folha de papel ou
outro material mais resistente que é colocado sobre a superfície a
ser marcada. Em seguida, um jato de tinta spray deixa sua marca.
Já o lambe-lambe são desenhos, poesias ou colagens reproduzidas
por fotocópia e coladas em vários tipos de superfícies: postes de luz,
paredes, caixas de luz.
Originário do tempo das cavernas, onde os homens
desenhavam nas paredes para retratar o seu dia a dia, o graffiti foi
evoluindo para chegar à arte conhecida hoje. Segundo Celso Gitahy,
essas pinturas nas cavernas são os primeiros tipos de graffiti que
podem ser relatados na história da arte. Pode-se dizer que foi graças
a esses desenhos que temos o nosso alfabeto. De acordo com a
professora Elisabeth Prosser, os desenhos feitos pelos homens das
cavernas hoje se transformaram em sinais e letras, o que consistem
nas primeiras formas de escrita.
Mas o berço desse tipo de arte como é vista hoje foram os
Estados Unidos, onde os graffiteiros pintavam as estações de metrô e
os trens, o que fazia com que seus desenhos e identidades chegassem
a diversas partes do país. Mas foi a partir da década de 1970 e 1980,
que esses artistas passaram a ficar conhecidos no mundo todo. Em
INTRODUÇÃO
seguida, várias cidades da Europa, como Berlim, Paris e Londres,
começaram a deslanchar como outras sedes da pintura rebelde em
paredes.
Já na América do Sul, o movimento começou por volta
dos anos 1980 e foi ficando mais forte nos anos 1990. No Brasil,
na época do golpe militar de 1964, já era possível ver em algumas
cidades inscritos em paredes como forma de protesto contra a
situação da democracia brasileira. Foi só na década de 1980 que os
brasileiros reconheceram o graffiti, na exposição Muros de São Paulo,
Interferência urbana – graffiti de Alex Vallauri, na Pinacoteca de São
Paulo. Antes de Vallauri, quem deixava São Paulo desenhada eram
arquitetos, designers, artistas plásticos e pessoas influenciadas por
artistas americanos e franceses.
Por ter começado em São Paulo, o graffiti brasileiro foi
muito influenciado pelos paulistanos nos desenhos espalhados em
outras cidades. Em Curitiba, por exemplo, começaram a aparecer
os primeiros desenhos por causa de torcedores de futebol que
viajavam para acompanhar o time em São Paulo e reproduziam aqui
os desenhos que viam por lá. Hoje há vários bairros de Curitiba que
se tornaram referência do graffiti. O Sítio Cercado e o Alto Boqueirão
são alguns desses lugares, que contam com vários metros de muros
pintados, principalmente por onde passam os ônibus biarticulados. No
centro da cidade também é fácil de encontrar várias obras ao ar livre.
Atualmente esse tipo de manifestação cultural consiste em escrever
mensagens ou fazer desenhos em muros, paredes, portas de lojas
entre outros lugares. O graffiti prega que não haja autorização
de proprietários para pintar esses lugares, mas hoje a realidade
é diferente. É muito difícil de encontrar artistas que não peçam
autorização prévia, seja escrita ou apenas verbal, para grafitarem
nesses locais. Há quem acha que o pedido de aval vai contra toda a
ideia-base do graffiti – uma arte “marginalizada”, “vandal”.
O graffiti já foi classificado em vários tipos. De acordo com a
professora Elisabeth Prosser, existem 3 principais: Wild Style, que é
uma assinatura em três dimensões e em várias cores, em que as letras
7. 7
se misturam, o FreeStyle que se caracteriza por assinaturas mais livres,
sem muito estudo e podem ser acompanhadas de personagens e o
Bomb ou Throw-Up, uma assinatura também mais simples, rápida, que
normalmente usa poucas cores.
Dentre os personagens deste livro, muitas opiniões diferem
uma da outra. Há quem use o graffiti para transmitir mensagens
relevantes para a sociedade, por exemplo. É o caso do graffiteiro
curitibano Café que, em 15 anos de estrada, já perdeu as contas de
quantos trabalhos realizou, mas se lembra de um em especial: em
2014, fez uma representação de uma menina africana, para lembrar
o caso das 276 meninas nigerianas que foram raptadas pelo grupo
terrorista Boko Haram no momento em que estavam na escola. No
desenho está escrito “Bring Back Our Girls” (Tragam de volta nossas
meninas, em tradução livre), frase que virou símbolo da luta contra o
grupo terrorista. Outro desenho bastante representativo é um dos que
fez no Alto Boqueirão, em um evento chamado Ebulição Marginal, que
tratou sobre o tráfico humano.
Já outros artistas não enfatizam um lado tão social, mas sim
prezam mais pelo desenho e pela estética, como é o caso de Japem.
Ele usa seus personagens próprios, chamados Robolitos, que foram
inspirados em desenhos japoneses e quadrinhos. Devido às cores e
às texturas, sempre chamam atenção de quem passa na rua. Ele é do
tipo de graffiteiro que não diferencia graffiti e pichação. Para Japem,
ambos são arte. Ele participa de muitos projetos através de Leis de
Incentivo, o que faz com que consiga dinheiroe apoio para continuar
fazendo o que gosta.
Quem entrou recentemente nesse tipo de arte pode não ter
passado por todas as dificuldades que os vanguardistas enfrentaram.
Seth, por exemplo, tem ao seu lado desde o princípio o uso das
redes sociais para divulgação do seu trabalho. Ele afirma que essa
é a principal forma para fazer com que os interessados vejam o que
ele faz e, graças a esses contatos, já foi chamado para participar de
alguns eventos fora de Curitiba.
Já Ysto teve o desprazer de sentir na pele, em algumas ocasiões, o
que é ser um graffiteiro “fora da lei”. Foi preso no mínimo 8 vezes
(é o que ele lembra) durante seus 17 anos de carreira, mas isso não
impediu que continuasse a fazer a arte marginalizada. Hoje preza
mais por sua imagem e seu trabalho, já que dá aulas e palestras para
menores infratores.
O que chama atenção em cada um dos graffiteiros
entrevistados é o ponto de vista diferente que cada um tem sobre
o Graffiti em Curitiba. Café, por exemplo, acusa a prefeitura de ser
somente “marqueteira”, ou seja, não oferece nenhum tipo de apoio ou
estrutura para esse tipo de arte, mas sempre que pode diz que houve
uma parceria, o que na maioria das vezes não seria verdade. Já Ysto vê
que a prefeitura não se mostra presente em nenhum momento sequer
– com exceção do Street Of Styles (atualmente o maior evento em
Curitiba que reúne graffiteiros de várias partes do Brasil e do Mundo)
– já que a grande maioria dos eventos é organizada pelos próprios
graffiteiros.
Seth ressalta que viver somente de graffiti hoje em Curitiba é difícil.
Para complementar a renda mensal, em 2015 abriu um estúdio de
tatuagem em São José dos Pinhais, além de já ter ministrado aulas e
produzido camisetas e telas voltadas exclusivamente para a venda.
Japem destaca outra característica do graffiti em Curitiba: a falta de
trabalhos autorais. Para ele, os artistas da capital paranaense pecam
pela ausência de originalidade nos seus desenhos, o que faz com que
não sejam totalmente reconhecidos por eles, mesmo que tenham sido
assinados. Quando o graffiteiro tem personagens ou estilo único, é
mais fácil virar foco de admiração pelos colegas e pelo público.
O livro Cores na Cidade Cinza retrata a visão desses quatro
artistas sobre algumas questões relacionadas ao graffiti, tanto no
Brasil quanto em outros países, e é complementado com fotos de
alguns trabalhos desses graffiteiros. As fotos são dos trabalhos
inseridos na sociedade e mesmo que não tratem de assuntos
polêmicos ou reais, se destacam no cenário de Curitiba, seja pelas
cores, pelo tamanho ou pela estética.
10. 10
Trabalhar há mais de 15 anos com o que se gosta
é um privilégio para poucos. Cleverson Pacheco,
popularmente conhecido como Café, pode se
considerar um desses sortudos. Um dos graffiteiros
mais experientes de Curitiba, ele sente orgulho
quando fala da profissão.
O olhar de admiração pelo seu trabalho – e
também pelo dos colegas – é perceptível. Basta
observar todo o cuidado que ele tem ao analisar,
detalhe por detalhe, sem se preocupar com o
tempo, é digno somente daqueles que têm certeza
que seu trabalho faz diferença. E realmente faz. Em
um dos seus graffitis mais recentes participou de
um projeto comunitário que visava a revitalização
da Praça Eucaliptos, no Alto Boqueirão. Ponto
de consumo e tráfico de drogas, a região estava
abandonada – o que constantemente fazia com
que a população evitasse passar por ali. Mas com
o projeto Ebulição Marginal, os muros da praça
ganharam novas cores graças a ele e outros
graffiteiros. O desenho escolhido retrata uma
mulher negra com correntes na cabeça – contra o
tráfico humano.
02
03
11. Para ele, o graffiti transmite motivação, esperança e faz
questionamentos sobre a sociedade. Talvez por isso não haja
muito incentivo por parte de governantes para que ele e outros
artistas continuem com seus desenhos. Café chama a prefeitura de
“marqueteira”, alegando que quando sabe de eventos, divulga-os,
mas não oferece nenhum tipo de estrutura ou suporte – seja moral
ou financeiro – para esses artistas. Ou seja, tudo fica a cargo da
organização do evento (que na grande maioria das vezes são os
próprios graffiteiros). Mas mesmo com essas dificuldades, a cena
curitibana tem crescido muito segundo ele. É um movimento em
ascensão com vários artistas de qualidade, mas que ainda não são
conhecidos nacionalmente – porém isso tem mudado a cada dia. A
parceria que há entre os artistas também agrega e ajuda com que os
graffiteiros curitibanos sejam ainda mais representativos.
Dinheiro não é seu principal interesse. Café, aliás, argumenta que se o
trabalho é remunerado, não é graffiti. Pinta de graça, pois é algo que
pode dar para a cidade. É o que sabe fazer. Conta que gasta cerca
de R$ 400 por pintura. Ainda que uma parcela da população veja as
pinturas com bons olhos, ainda há aqueles que enxergam vandalismo
nesse tipo de arte. Café já sofreu repressão da polícia em diversos
momentos, e conta que na maioria das vezes quem denuncia é a
própria população, que não procura entender o que está acontecendo
no local. Os policiais não costumam ser amigáveis. Ao chegarem ao
local da denúncia, partem do pressuposto de que está acontecendo
algo de errado ali. Por causa desse tipo de situação, ele conta que
sempre pede autorização do dono do muro para que possa utilizar
aquele espaço – mesmo que só verbalmente. Pede a contragosto,
pois, segundo ele, não há nenhum tipo de lei que obrigue que essa
autorização seja concedida por parte do proprietário.
Antes de se interessar pelo graffiti, Café ampliava desenhos de gibis,
sob a influência do irmão que já desenhava também. Por volta de
1998, leu uma matéria em um jornal local que falava sobre graffiti e foi
aí então que começou a desenhar nas ruas junto com alguns amigos
com quem treinava basquete.
04
14. 14
Ele diz que o graffiti abriu um leque
de opções e hoje trabalha com suas
vertentes. Infelizmente não consegue
viver do graffiti puro – nos muros
–, mas usa algumas das mesmas
técnicas para desenhar em canecas e
isso se reverte em renda. Ele também
dá aulas de desenho e de graffiti
em oficinas e workshops, no Centro
Regional de Assistência Social e em
uma igreja na Vila Osternack. Para
ele, seu trabalho mais representativo
é o que está localizado abaixo do
viaduto da Marechal Floriano Peixoto,
no cruzamento com a Linha Verde,
onde desenhou uma moça negra
juntamente com a frase “Bring Back
Our Girls” (tragam de volta nossas
meninas, em tradução livre). Na
ocasião da pintura – no Encontro
Internacional de Graffiti, em 2014
– estava sendo muito discutido o
sequestro de mais de 270 meninas
nigerianas pelo grupo terrorista Boko
Haram.
A técnica usada por ele difere
um pouco dos outros graffiteiros.
Enquanto a maioria faz os desenhos
de maneira pulverizada e com
degrade, ele usa as linhas para
compor os graffitis e fazer os
degrades dos personagens. Assim,
seu estilo fica mais livre e tem
uma identidade exclusiva. Como
referência, homens, mulheres
e crianças africanas servem de
inspiração atualmente. Texturas de
tecidos e turbantes também tem
sido bastante presentes nos seus
desenhos – como pode ser visto no
desenho da Marechal Floriano. Alguns
artistas como o carioca Ment e o
francês Hopare tem feito a cabeça de
Café.
20. 20
Começou a desenhar ainda criança. Era sua paixão.
Preferia desenho a jogar futebol. E foi assim que
seu talento começou a aparecer. Morador da
periferia, ele e a família tiveram muita influência
do hip hop. O irmão, por exemplo, era bboy
(dançarino) de uma Crew (grupo que se reúne
para dançar, graffitar, cantar rap, entre outras
coisas, principalmente ligadas ao movimento hip
hop) muito conhecida em Curitiba. Sempre na
companhia do irmão, Seth passou a conhecer
o mundo da arte de rua; pichadores foram seus
primeiros contatos.
Sem dinheiro e ainda sem prática para manejar
o spray, o picho foi a alternativa escolhida
para se expressar. Com o passar do tempo, foi
aperfeiçoando a técnica, mudando o jeito de
pintar e amadurecendo suas ideias. Hoje usa
o graffiti para sobreviver e já faz algum tempo
que não compra material para pintar.
Mesmo com pouco tempo de experiência
– seis anos apenas – Deagostine Murilo
Pereira, ou simplesmente Seth, já tem um
grande acervo de desenhos para chamar
de seus. Por preferir um estilo mais
realista, suas pinturas retratam pessoas
relevantes para a sociedade, com traços
mais próximos dos verdadeiros. Em um
dos corredores do campus da reitoria
da Universidade Federal do Paraná, por
exemplo, desenhou mulheres negras que
foram importantes para a história da
instituição. Como nem tudo no graffiti
precisa ser voltado para assuntos sérios e
reais, algumas vezes também mostra sua
habilidade ao pintar temas imaginários.
02 03
21. Quem paga é quem contrata o serviço. O material custa cerca de R$
300 por pintura.
Ele assume que em Curitiba é difícil trabalhar com graffiti (mesmo
conseguindo viver disso hoje). Para complementar a renda, montou
recentemente um estúdio de tatuagem em São José dos Pinhais.
Além disso, também já deu aulas e faz trabalhos para vender, como
telas e camisetas. Ele acredita que em São Paulo, berço do graffiti
brasileiro, é menos complicado de trabalhar com esse tipo de arte,
pois há reconhecimento – por parte da população e do governo
também. Já na capital paranaense, ele alega que quase não há apoio
financeiro, e, às vezes, até mesmo a população da cidade também
não colabora. Diversas vezes já teve que enfrentar repressão policial,
mesmo não estando fazendo nada ilegal – e é por isso que sempre
pede autorização, verbal e escrita, do dono do local onde está
pintando. Caracterizar o graffiti em Curitiba é dizer que ainda precisa
de amadurecimento – tecnicamente e ideologicamente. Talvez por ser
mais recente comparado a cidades pioneiras na arte de rua, a capital
paranaense ainda precise de uma identidade própria.
Como referência, alguns artistas europeus fazem a cabeça de Seth.
Os espanhóis Eric Mortaja e Belin e os alemães CASE e Tasso são as
principais fontes de inspiração.
Seth avalia que uma das melhores formas de divulgar o que faz é a
internet. Apesar de não ter uma página no Facebook ou um perfil
oficial no Twitter, por exemplo, ele afirma que mesmo assim a maioria
dos trabalhos que consegue é através de redes sociais. Foi assim que
a organização de um festival de graffiti no Peru conheceu o trabalho
e o chamou para participar do evento. Ele conta que foi um tanto
quanto difícil de ir para lá, já que a organização bancou somente o
material para grafitar – passagens de avião, por exemplo, ficaram por
conta de cada participante. Já quando foi participar de outro evento,
em Capanema (PR), a organização foi mais generosa: todo o material,
hospedagem e passagem foram bancados por eles. Isso mostra que
não é só no Brasil que esse tipo de arte ainda busca seu espaço de
representação e reconhecimento na sociedade.
04
28. 28
Desde que começou a trabalhar com graffiti,
há 17 anos, Ysto sabe como é enfrentar a visão
marginalizada que a arte tem. Ele conheceu o
graffiti e a pichação quando tinha apenas 16 anos,
em 1997, quando fez uma viagem para São Paulo.
Na ocasião, pode observar alguns pichadores em
ação e teve a curiosidade de perguntar o que
era aquilo. Ganhou deles uma revista em preto e
branco e, a partir dela, começou com seus próprios
desenhos. Até então ainda era amador: desenhava
na carteira e nos banheiros da escola, no muro de
casa e até no da vizinha. Mas foi a partir daí que
se iniciou uma sequencia, porém mais relacionada
à pichação. Desde o começo sofreu algumas
consequências por pintar na rua, mas nem por isso
desistiu de fazer o que mais gosta.
02
29. 29
Quando percebeu que conseguiria ganhar
dinheiro fazendo o que melhor sabe fazer,
não perdeu a oportunidade. Começou
desenhando em roupas e vendendo para
amigos – mesmo não deixando de fazer o
ilegal, mas sempre tentando fazer de uma
maneira que não prejudicasse ninguém
(terrenos baldios, casas abandonadas e
muros nas BRs são seus principais alvos). .
Cerca de 7 anos atrás, Criztiano passou por uma
experiência que ninguém tem o desejo de passar.
Estava com alguns amigos pintando trens no
pátio da ALL (América Latina Logística), quando
foi surpreendido pelos seguranças da empresa.
Eles, inclusive, ameaçaram de disparar contra os
graffiteiros. Ysto conseguiu fugir dos seguranças, mas
um dos seus amigos acabou sendo pego. Voltou para
ajudá-lo e acabou sofrendo algumas conseqüências:
apanharam durante 3 horas, jogaram tinta nos
dois, arrancaram cabelo e atropelaram com o carro
algumas vezes. Ele e o colega ficaram presos durante
um dia. Após assinarem o boletim de ocorrência,
foram liberados. Mas esta não foi a única situação
de aperto: já teve que se esconder de policiais, levou
choque de cerca elétrica entre outras histórias, que
hoje conta que são engraçadas, mas que na época
eram preocupantes.
Depois de alguns anos e experiências, Ysto hoje é um
grande nome do graffiti em Curitiba, mas ele também
teve suas referências. No Brasil, a dupla OSGEMEOS e
Chivitz são suas maiores inspirações, além do alemão
Daim. Quando desenha por vontade própria, gasta
cerca de R$ 50 a R$ 100 por um desenho simples.
Ao avaliar o movimento em Curitiba, Criztiano
confessa que os artistas da cidade não são muito
unidos, mesmo em um movimento de ascensão.
03
31. 31
Geralmente quem vem de fora
e conhece o trabalho curitibano,
elogia bastante principalmente pela
organização. É um movimento forte,
mas não uniforme – não segue todo
mundo em um mesmo caminho, já
que alguns querem viver do graffiti
e outros querem marginalizá-lo.
Já a prefeitura não é uma grande
parceira, apoia somente alguns
eventos. No Street Of Styles, por
exemplo, já faz cinco anos que
ajuda com comida e material para a
produção dos desenhos. Mas com
relação a outros eventos, deixa a
desejar. Mesmo os próprios artistas
tem dificuldade em organizar
esses encontros, pois quando
não há apoio e nem patrocínio,
se torna mais complicado, o
que acaba desmotivando os
graffiteiros a fazerem desenhos
bons.
07
34. 34
Ele confessa que desde que começou, seu
estilo de pintar e desenhar mudou bastante.
Atualmente tem trabalhado muito com cartum,
vetor e personagens. Na realidade, gosta de
trabalhar com tudo, desde letras até o “graffiti
original”. Essa ideia de “graffiti original” que
Ysto tenta desconstruir. De acordo com alguns
artistas, graffiti é só aquele que é de rua,
marginalizado, vandal. Ou seja, qualquer outro
tipo de pintura que seja paga ou contratada,
mesmo sendo no mesmo estilo, já não seria
mais graffiti. Ele diz que não há um lugar que
dite essas regras, é uma cultura de rua dos anos
70 que já está arcaica, muita coisa mudou de
lá pra cá e não se pode continuar comparando
as várias fases do graffiti. Mesmo que a lei dite
que tudo que tenha autorização seja graffiti e
tudo que não tenha é pichação, a realidade é
diferente. Entre pichadores e graffiteiros há um
comum acordo, e o “inimigo” principal deles
seria a associação comercial, que tenta se
defender de um, contratando outro. Isso gera
atritos entre os próprios artistas, que acabam
ficando entre as discussões.
Criztiano confessa que quando pedem para
ele tomar um partido na discussão entre pichadores e
graffiteiros, ele prefere não falar nada. Diz que sempre
é questionado se os pichadores não atrapalham o seu
trabalho, e inclusive cobram dele para que faça alguma
coisa contra. Ysto apenas afirma que quem combate
isso é a polícia e não ele. Se há alguma lei, ela deve
ser aplicada, mas não é ele quem vai fazer isso, e sim
aqueles que detêm maior poder.
O desenho é seu maior dom. Com ele, Ysto participa
de ações sociais e colabora com diversas instituições.
Assim, cria uma via de mão dupla: ajuda quem precisa
e cria uma rede de pessoas que passam a conhecer o
seu trabalho. Assim, quem sabe, consiga cada vez mais
levar o seu trabalho para o resto da cidade e porque
não do Brasil.
38. 38
Inspirados nas animações japonesas,
com base em figuras geométricas, seres
de outros planetas e texturas Japem
criou os Robolitos em meados de 2007,
no início da carreira. Hoje, em qualquer
lugar que estejam desenhados, os traços
são facilmente reconhecidos, pelas
cores chamativas e excentricidade. Ele
começou a desenhar ainda na infância,
quando assistia desenhos animados na
televisão e tentava copiá-los. Aos poucos
foi criando seus próprios personagens,
misturados com letras. Mesmo mais
focado em esculturas, Japem confessa
que o graffiti é a base de tudo que
faz, sejam as próprias esculturas, telas,
ilustrações ou desenhos animados.
Graças a seu trabalho diferenciado, já foi
convidado para participar de exposições
em diversos países da América Latina.
02
03
39. 39
A primeira vez que apresentou seu trabalho fora do Brasil foi em
2012, quando esteve em um encontro latino-americano de graffiti
em La Plata, na Argentina, chamado ZigZag. Muitas vezes viajando
com amigos, trabalhava em conjunto também com representantes do
movimento fora do país, o que foi acrescentando no seu currículo e o
fez ser o artista que é hoje.
Uma das principais diferenças apontadas por ele entre o Brasil e
outros países latinos é que nos vizinhos há uma diferenciação do
que é graffiti e pintura mural. Graffiti é totalmente associado à
questão “vandal” (não no sentido pejorativo da palavra, mas como
uma arte totalmente ligada à rua), com letras no estilo Bomb ou
ThrowUp e não há inclusão de personagens. Além disso, a maioria dos
espaços disponíveis para o graffiti é de grandes proporções – muros
de mais ou menos 20 metros de comprimento. Em um dos seus
últimos trabalhos realizados fora do Brasil o espaço que tinha para
desenvolver o seu trabalho era de 50 metros.
Outra diferença percebida por ele é nos coletivos. Também
presentes no Brasil, os grupos de graffiteiros se juntam para
pintar um muro e fazem uma obra interligada. Mas por aqui eles
são raros, já que a maioria dos artistas prefere pintar sozinho,
diferentemente do resto da América Latina. Os materiais
utilizados também chamaram a atenção de Japem. O spray,
que é prejudicial para a saúde, principalmente para aqueles que
não usam máscara, está sendo substituído pelo acrílico, uma
espécie de esmalte sintético à base de água.
Uma característica bem específica de Curitiba que Japem
destaca é a rivalidade que há entre graffiteiros da cidade. Se um
artista faz um trabalho e outra pessoa pinta ou picha por cima
– o chamado “atropelo” –, esses dois graffiteiros ficam brigando
por espaço. Já em outros países latinos é diferente. O atropelo
não é visto como uma coisa ruim, a rua é um espaço aberto e
livre para todos que quiserem ocupá-la, e cada um tem a sua
vez. Quando um artista pinta, o outro pode pintar por cima sem
que isso gere conflito.
04
40. 40
A única ressalva é que o próximo
artista deve ser sempre melhor que o
anterior.
A capital paranaense ainda
apresentaria outros pontos negativos
para os graffiteiros: a falta de
incentivo governamental e a escassez
de trabalhos autorais acabam
desvalorizando a arte.
Em uma parceria que fez com a
Fundação Cultural de Curitiba, a
prefeitura apenas deu a autorização
para a pintura de um condomínio
no Tatuquara. Quem bancou
materiais e mão de obra foram os
próprios moradores do condomínio
e proprietários de lojas de materiais
de construção. Ele confessa que já
fez alguns trabalhos um tanto quanto
exóticos: já pintou em uma carcaça de
avião quando viajou para a Bolívia, fez
trabalhos com Body Painting (pintura
corporal) voltado para a publicidade,
entre outras coisas.
05
06
41. 41
Mesmo reclamando da falta de incentivo,
Japem tem o trabalho cada vez mais
reconhecido. Em setembro de 2015 inaugurou
mais uma exposição no Museu Oscar
Niemeyer, em Curitiba, com um boneco
Robolito de madeira que mede 5 metros
de altura. O artista também irá no fim do
ano novamente para a Argentina participar
de mais uma exposição, no mesmo evento
em que participou em 2013, quando fez
uma pintura mural em parceria com um
amigo. Desta vez, a obra, em parceria com
uma colega, terá cerca de 5 metros e ficará
exposta no mesmo espaço onde outros
artistas irão grafitar. Fora a América Latina,
Japem já tem viagens programadas para 2016
com destino à Europa – Espanha, Portugal e
Itália estão no roteiro – para participar de um
documentário sobre arte urbana.
07
45. 45
Foto 01:
Ponto A - R. Pastor Antônio Pólito, 2250
Foto 02, 05 e 07:
Ponto B - BR-116, 12228
Foto 03 e 04
Ponto C - R. Marcolina Caetana Chaves, 16
Foto 06, 10 e 11:
Ponto F - Travessa Nestor de Castro, 98
Foto 08:
Ponto H - R. General Zenon Silva, 66
Foto 09:
Ponto I - R. Lourenço Pinto, 122
45
LEGENDA
47. 47
Foto 01 e 04:
Ponto A - R. XV de Novembro, 1299
Foto 02 e 07:
Ponto B - BR-116, 12228
Foto 03, 06 e 08:
Ponto C - R. Lourenço Pinto, 122
Foto 05 e 11:
Ponto E - R. Pedro Gusso, 4142
Foto 09 e 10:
Ponto I - R. General Zenon Silva, 66
LEGENDA
49. 49
Foto 01 e 07:
Ponto A - R. Capiberibe, 1546
Foto 02, 03 e 05:
Ponto B - BR-116, 12328
Foto 04:
Ponto D - R. Francisco Ader, 630
Foto 06:
Ponto F - R. Francisco Ader, 838
Foto 08 e 10:
Ponto H - R. São Mateus, 60
Foto 9 e 11:
Ponto I - R. Sebastião Malucelli, 400
LEGENDA
51. 51
Foto 01, 04, 08 e 09:
Ponto A - R. Antonio Ernesto Antonietto, 1094
Foto 02, 03, 05 e 07:
Ponto B - R. Dep. Mário de Barros, 1438
Foto 06:
Ponto F - R. General Zenon Silva, 66
Foto 10:
Ponto J - BR-116, 12228
Foto 11:
Ponto K - BR-116, 12328
LEGENDA
52. 52
Séculos depois da sua “invenção”, o graffiti ainda desperta
inúmeros questionamentos. Não basta apenas o conhecimento
superficial para promover o debate sobre o assunto. É preciso
vivenciar a arte, conhecer seus artistas e precursores e procurar
saber sobre diferenças e discordâncias dentro do próprio
movimento de rua.
A sua diferenciação com a pichação ainda é alvo de muita
polêmica. Os artistas de rua não gostam dessa separação
entre os dois - já que possuem a mesma origem, deveriam
ser considerados a mesma coisa, o mesmo tipo de arte. Há
também quem classifique o graffiti como um universo em que
a pichação está inserida, englobando também o lambe-lambe
e o stencil. Alguns dos próprios graffiteiros entrevistados
assumiram que já picharam no início de suas carreiras ou
ainda picham regularmente, e não pretendem deixar isso de
lado, já que foi assim que começaram e encontram nessa arte
rebelde um meio de diversão e encontro entre amigos. Mas
o que realmente importa é o impacto dos desenhos feitos
por eles em Curitiba. Estas intervenções urbanas fazem com
que a população reflita de algum modo, seja por desenho
apresentado que traga reflexões sobre algum tema que permeia
a sociedade, ou mesmo sobre as políticas públicas de combate
à pichação – que incomodam tanto os donos das casas e
comércios que são alvos dos pichadores.
Em Curitiba, a professora da Escola de Música de Belas Artes
do Paraná (Embap), Elisabeth Prosser, estuda o graffiti da
cidade e se aprofundou na análise de muitos pontos desse tipo
de manifestação. Ela afirma que o graffiti na capital é composto
por obras de grandes artistas, extremamente talentosos, que
com técnicas avançadas e que trabalham com a ideia do Graffiti
Arte. Curitiba passou a incluir essas manifestações no seu dia a
dia. Uma forma de expressão, de comunicação e de arte criativa
que pode chegar a todos os cantos da cidade, sem que haja a
POSFÁCIO
necessidade de exposições com altos preços ou elitizadas.
Basta perceber os olhares atentos de quem passa em frente
a muros totalmente pintados. É um misto de curiosidade
com admiração por um trabalho tão diferente. Para os jovens,
o graffiti pode ser considerado ainda mais atrativo do que
para outras faixas etárias. Segundo Elisabeth, a possibilidade
de transgressão, de comunicação e, principalmente, de
sociabilidade são algumas das razões que despertam tanto
fascínio naqueles que ainda procuram o seu espaço, não
só na cidade, mas também no mundo. É um dos meios que
encontraram para se expressar, pois eles sempre têm algo a
dizer que precisa ser ouvido. Isso torna o graffiti ainda mais
politizado, desmistificando o preconceito de uma arte vandal e
sem propósito.
De acordo com a professora, cada vez mais aceito e admirado,
o graffiti passa a ser visto em estabelecimentos comerciais.
Lojas de rua, principalmente, aderem à arte urbana por diversos
motivos: evitar pichações, chamar a atenção da clientela, criar
uma identidade visual para a marca. Porém, é sempre difícil
mensurar o valor de uma obra de arte. Atualmente, com a
Fundação Cultural de Curitiba e seus editais voltados à arte
de rua, muitos graffiteiros tiveram oportunidades. Alguns
artistas, entretanto, não apóiam esse tipo de incentivo, pois a
institucionalização seria uma traição ao movimento.
Na realidade, ainda se discute se o graffiti pode ser vendido.
Muitos artistas decidiram que, como têm contas a pagar,
melhor seria fazer isso com o dinheiro de um trabalho que
dá prazer. A arte vandal, aquela de rua e que muitas vezes é
repreendida – pela sociedade e pela própria polícia –, nunca
foi nem será deixada de lado. Como essência e origem, essas
manifestações transbordam transparência e legitimidade em
um meio em que a liberdade de expressão ainda está numa fase
de amadurecimento. Mesmo que vendam seu trabalho, esses
artistas não param de tentar levar suas vozes a partes da cidade
53. 53
que ainda não tiveram a oportunidade de “ouvi-los”.
Ao tentar escolher um graffiti preferido, Elisabeth preferiu não
dizê-lo – eram tantos artistas e desenhos que vinham à sua
mente que a escolha mais sábia foi, na realidade, não fazer
escolhas.
Todos os artistas que representam Curitiba merecem ter o
mesmo nível de respeito e representatividade. Sabe-se que
isso, infelizmente ainda não é possível, mas a busca por esse
espaço não irá terminar tão cedo. A cada dia os graffiteiros
tem encontrado formas diferentes de disseminar o seu talento,
seja pintando em lugares inusitados ou trazendo inovações
com materiais e técnicas para o universo do graffiti. Toda meio
de mudança, que traga crescimento para o movimento, é um
recurso válido e com certeza muito bem vindo por aqueles que
ainda pretendem entrar no mundo da arte de rua e por aqueles
que querem deixar o seu legado pela capital paranaense. A
cidade e os artistas agradecem.
54. PROSSER, Elisabeth Seraphim. Graffiti Curitiba. Curitiba: Kairós, 2010. 210 p.
GITAHY, Celso. O Que é Graffiti. São Paulo: Brasiliense, 1999. 83 p
REFERÊNCIAS