8. EUCLIDES DA CUNHA
O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos
mestiços neurastênicos do litoral.
A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista revela o contrário.
Falta-lhe a plástica impecável, o desempeno, a estrutura corretíssima das
organizações atléticas.
É desgracioso, desengonçado, torto. Hércules-Quasímodo, reflete no aspecto
a fealdade típica dos fracos. O andar sem firmeza, sem aprumo, quase
gingante e sinuoso, aparenta a translação de membros desarticulados.
Agrava-o a postura normalmente abatida, num manifestar de displicência
que lhe dá um caráter de humildade deprimente. [...]
É um homem permanentemente fatigado.
CUNHA, Euclides da. Os sertões. 21.ed. São Paulo: Ática, 2005.
LINGUAGEM
barroco científico
rebuscamento linguístico
rigor científico
TEMÁTICA
miséria e subdesenvolvimento
Brasil urbano X Brasil rural
refinamento X anacronismo
9. LIMA BARRETO
Subi pensando no ofício de legislar que ia ver exercer pela primeira vez, em
plena Câmera dos Senhores Deputados – augustos e digníssimos
representantes da Nação Brasileira. Não foi sem espanto que descobri em
mim um grande respeito por esse alto e venerável ofício [...]
Foi com grande surpresa que não senti naquele doutor Castro, quanto certa
vez estive junto dele, nada que denunciasse tão poderosa faculdade. Vi-o
durante uma hora olhar tudo sem interesse e só houve um movimento vivo
e próprio, profundo e diferencial, na sua pessoa, quando passou por perto
uma fornida rapariga de grandes ancas, ofuscante sensualidade.
BARRETO, Lima. Recordações do escrivão Isaías Caminha. São Paulo: Ática, 2001.
LINGUAGEM
português brasileiro
estilo direto e objetivo
influência do jornalismo
TEMÁTICA
cronista dos pardos e excluídos
engajamento em defesa dos oprimidos
[negros, funcionários públicos, alcoóltras]
10. MONTEIRO LOBATO
Pobre Jeca Tatu! [...] Quando comparece às feiras, todo mundo logo adivinha
o que ele traz: sempre coisas que a natureza derrama pelo mato e ao
homem só custa o gesto de espichar a mão e colher. [...] Seu grande cuidado
é espremer todas as consequências da lei do menor esforço – e nisto vai
longe. Começa na morada. Sua casa de sapé e lama faz sorrir aos bichos que
moram em toca e gargalhar o João-de-Barro. Pura biboca de bosquímano.
Mobília, nenhuma. A cama é uma espipada esteira de peri posta sobre o
chão batido. Às vezes, se dá ao luxo de um banquinho de três pernas – para
os hóspedes. [...] Da terra só quer a mandioca, o milho e a cana. A primeira
por ser um pão já amassado pela natureza. Basta arrancar uma raiz e deitá-la
nas brasas. Não impõe colheita, nem exige celeiro. O plantio se faz com um
palmo de rama fincada em qualquer chão. Não pede cuidados. Não ataca a
formiga. A mandioca é sem-vergonha.
LOBATO, Monteiro. Contos completos. São Paulo: Biblioteca Azul, 2014.
LINGUAGEM
português brasileiro
estilo direto e objetivo
influência do jornalismo
TEMÁTICA
cronista dos pardos e excluídos
engajamento em defesa dos oprimidos
[negros, funcionários públicos, alcoóltras]
11. JOÃO DO RIO
O cordão vinha assustador. À frente um grupo desenfreado de quatro ou cinco
caboclos adolescentes com os sapatos desfeitos e grandes arcos pontudos
corria abrindo as bocas em berros roucos. Depois um negralhão todo de
penas, com a face lustrosa como piche, a gotejar suor, estendia o braço
musculoso e nu sustentando o tacape de ferro. Em seguida gorgolejava o
grupo vestido de vermelho e amarelo com lantejoulas d’ouro a chispar no
dorso das casacas e grandes cabeleiras de cachos, que se confundiam com a
epiderme num empastamento nauseabundo. Ladeando o bolo, homens em
tamancos ou de pés nus iam por ali, tropeçando, erguendo archotes,
carregando serpentes vivas sem os dentes, lagartos enfeitados, jabutis
aterradores com grandes gritos roufenhos. [...] O cordão é nossa alma ardente,
luxuriosa e triste, meio escrava e revoltosa, babando lascívia pelas mulheres e
querendo maravilhar, fanfarrona, meiga, bárbara, lamentável.
RIO, João do. Os cordões. In.: A alma encantadora das ruas. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
LINGUAGEM
rebuscamento
descrições poéticas
luxo estilístico
TEMÁTICA
dia a dia da sociedade fluminense
cronista do Brasil profundo
temas e personagens do povo