Processo seletivo municipal questionado por promotoria
1. Diário n. 3407 de 04 de Setembro de 2023
CADERNO 1 - ADMINISTRATIVO > MINISTÉRIO PÚBLICO > PROCURADORIAS E PROMOTORIAS
DE JUSTIÇA > PROMOTORIA REGIONAL DE BARREIRAS
Promotoria de Justiça de Formosa do Rio Preto/BA
Notícia de Fato nº 191.9.347483/2023
AUTUAÇÃO E DESPACHO
Trata-se de procedimento aberto de ofício por esta promotoria visando apurar a regularidade do processo
seletivo nº 002/2023, publicado no diário oficial do município Edição 688 | Ano 2023, de 14 de agosto de 2023
(anexo).
Depreende-se do referido edital que o Município pretende selecionar profissionais especializados em diversas
áreas, como enfermagem, engenharia, odontologia, além de áreas técnicas correlatas e, também, profissões
técnicas relacionadas à saúde.
É o que basta para o relatório.
Observo que o edital não é claro quanto à natureza das contratações promovidas pelo ente público. Transparece,
todavia, que ao chamar a seleção de “processo seletivo” e não “concurso público”, o Município pretende
contratar sob o regime excepcional de contratação temporária, o que deveria estar suficientemente claro no
edital do processo seletivo, o que faz parecer que tal obscuridade foi proposital.
Com efeito, o concurso público é regido, em termos constitucionais, pela regra insculpida pelo art. 37, II, da
Constituição Federal, enquanto a contratação temporária é regida pelo inciso IX do mesmo artigo (a lei
estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de
excepcional interesse público).
Menciona, o edital, que o processo seletivo se destina ao preenchimento de 170 (cento e setenta) vagas, para
diversas funções, o que evidencia a necessidade de realização de um concurso público, e não mero processo
seletivo, este reservado a necessidades excepcionais não criadas pela própria municipalidade.
Segundo Diógenes GASPARINI (GASPARINI, Diógenes. Concurso público – imposição constitucional e
operacionalização. In: MOTTA, Fabrício Coord. Concurso público e constituição. Belo Horizonte: Fórum,
2005. p. 45-46), “o concurso simplificado é um procedimento administrativo de seleção de candidatos ao
preenchimento das funções necessárias à execução de serviços marcados pela temporariedade e necessidade de
excepcional interesse público. Essa, portanto, sua natureza jurídica. É procedimento administrativo formal e
como tal deve respeitar as fases e atos previstos em regulamento ou no próprio edital que o instaura e o regula.
Concurso simplificado não significa certame sem regras procedimentais, sem segurança jurídica, portanto,
absolutamente informal. Um mínimo procedimental deve existir, sob pena de violação do princípio da
igualdade e, por que não, da segurança jurídica. Esse mínimo ou está indicado em regulamento ou está
mencionado no edital. O desrespeito a essa formalidade, quando não convalidável, torna nulo o concurso
simplificado. Não se pode qualificá-lo de excepcional, pois é comum sua realização por ocasião da contratação
de servidores com fundamento no inc. IX do art. 37 da Constituição Federal. Em si mesmo também nada tem de
excepcional, pois observa os princípios que regem o concurso público tradicional, indispensáveis à sua
legalidade e promoção. Quando muito se poderia ser excepcional na medida em que somente pode ocorrer se
vinculado a uma situação que não se padece com o concurso tradicional de provas ou de provas e títulos. O
mais certo, por todas essas razões é considerá-lo como espécie do gênero concurso público de ingresso no
quadro de pessoal da Administração Pública direta, autárquica, fundacional e empresarial”.
2. Não se veda que a administração contrate temporariamente pessoas para ocupar funções próprias do quadro de
servidores efetivos, desde que tal contratação esteja justificada em uma necessidade pontual e temporária e a
função seja de interesse público excepcional: ex: professor licenciado por dois anos, admitindo-se que sua
função seja ocupada por professor temporário.
O edital do processo seletivo objeto do presente procedimento, todavia, apenas menciona, genericamente, o art.
37 da Constituição, sem especificar o inciso, e alude a leis municipais não especificadas, além do Decreto n°
194/2023. Nos termos da jurisprudência do STF:
“O conteúdo jurídico do art. 37, inciso IX, da Constituição Federal pode ser resumido, ratificando-se, dessa
forma, o entendimento da Corte Suprema de que, para que se considere válida a contratação temporária, é
preciso que:
a) os casos excepcionais estejam previstos em lei;
b) o prazo de contratação seja predeterminado;
c) a necessidade seja temporária;
d) o interesse público seja excepcional;
e) a necessidade de contratação seja indispensável, sendo vedada a contratação para os serviços ordinários
permanentes do Estado, e que devam estar sob o espectro das contingências normais da Administração”.
(STF. Plenário. RE/RG 658.026/MG. Rel.: Min. DIAS TOFFOLI. 1º/11/2012, un. DJe 13 nov. 2012)
No caso em análise, não há, no edital, informação sobre o prazo da contratação e nem sobre a natureza jurídica
da contratação, o que evidencia a patente insegurança jurídica do processo seletivo.
Outrossim, desconhece-se justificativa idônea para a realização de processo seletivo e não de concurso público.
Considerando que a remuneração dos servidores temporários é, ao que parece, idêntica à dos servidores
efetivos, conforme art. 6º da Lei Municipal 16/2002, presume-se a existência de margem orçamentária para a
observância da regra do concurso público.
Ante o exposto, DETERMINO:
1) A publicação integral do presente despacho;
2) A notificação do Município para que, no prazo improrrogável de 3 (três) dias, justifique, com especificidade,
a necessidade de contratação temporária para cada função prevista no edital vergastado. Deve o Município,
ainda, esclarecer a razão de não constar no edital o prazo da contratação, a natureza jurídica, devendo o
Município apontar os fundamentos jurídicos específicos do processo seletivo (apresentando a legislação
municipal de regência e cópia do Decreto n° 194/2023);
3) No mesmo prazo anterior, deve o Município apresentar, existindo, o cronograma de realização de concurso
público, sob pena de imediata suspensão do processo seletivo nº 002/2023;
Cumpra-se, COM URGÊNCIA
Formosa do Rio Preto/BA, data da assinatura eletrônica.
ALYSSON BATISTA DA SILVA FLIZIKOWSKI
Promotor de Justiça Substituto